28 de fevereiro de 2025

Teologia da Prosperidade à luz da Doutrina Católica

A chamada "Teologia da Prosperidade" tem sido um tópico amplamente debatido dentro do cristianismo, especialmente entre as denominações protestantes neopentecostais. Entretanto, a Igreja Católica assume uma postura crítica em relação a essa abordagem, considerando-a uma distorção do verdadeiro Evangelho de Cristo. Neste artigo, exploraremos o conceito de Teologia da Prosperidade, seus fundamentos, sua incompatibilidade com a Doutrina Católica e as diretrizes da Igreja sobre o assunto.

O que é Teologia da Prosperidade?

A Teologia da Prosperidade é uma doutrina que ensina que a fé em Deus resulta diretamente em bênçãos materiais e saúde física. Essa crença é baseada em uma interpretação literal de certas passagens bíblicas, tais como:

Malaquias 3,10: "Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja alimento na minha casa. E provai-me nisto, diz o Senhor dos Exércitos, e vede se eu não vos abrirei as comportas dos céus, e não derramarei sobre vós uma bênção tal, que vos advenha a maior abastança".

João 10,10: "Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância."

Os pregadores da Teologia da Prosperidade argumentam que Deus deseja que todos os crentes sejam financeiramente prósperos e saudáveis, e que essa prosperidade pode ser alcançada por meio da fé e de contribuições financeiras à Igreja.

A posição da Igreja Católica

A Igreja Católica rejeita a Teologia da Prosperidade por várias razões, e a principal delas é que ela distorce a verdadeira mensagem do Evangelho. Em 2018, o Papa Francisco disse que essa teologia é "uma falácia" e "uma visão enganosa do cristianismo". A Igreja ensina que o sofrimento e a cruz fazem parte do caminho cristão e que a busca desenfreada por riquezas pode ser um obstáculo à salvação.

O Catecismo da Igreja Católica (CIC) reforça esta posição:

CIC 2444: "Os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho, e o amor por eles inspirado pela caridade de Cristo torna-se critério de autenticidade da nossa vida cristã."

CCC 2544-2547: A Igreja recorda que Jesus chamou seus discípulos a uma atitude de desapego dos bens materiais, alertando contra a ganância e a busca desenfreada de riquezas.

Além disso, em vários documentos, como a encíclica Evangelii Gaudium (2013), o Papa Francisco alerta para os perigos do materialismo e do culto ao dinheiro, que afastam as pessoas do verdadeiro significado da fé.

Crédito: Deagreez / GettyImages

Prosperidade no contexto bíblico e católico

A Bíblia não nega a importância dos bens materiais, mas ensina que eles não devem ser o centro da vida cristã. Jesus Cristo nos deu o exemplo supremo de humildade e desapego, nascendo em uma manjedoura e vivendo uma vida simples. Algumas passagens da Bíblia que são contrárias à Teologia da Prosperidade incluem:

Mateus 6,24: "Ninguém pode servir a dois senhores; Ou ele odiará um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas."

Lucas 16,19-31: A parábola do homem rico e Lázaro ensina que aqueles que confiam nas riquezas podem perder a vida eterna.

Mateus 19,21: "Se você quer ser perfeito, vá, venda tudo o que você tem e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu; Então venha e siga-me."

A Igreja ensina que a verdadeira prosperidade não é encontrada na riqueza material, mas na graça de Deus e na comunhão com Ele. Santos como São Francisco de Assis, Santa Teresa de Calcutá e São Vicente de Paulo demonstraram por suas vidas que a verdadeira riqueza é encontrada na caridade e na dedicação a Deus.

Os perigos da Teologia da Prosperidade

Além de distorcer o Evangelho, a Teologia da Prosperidade apresenta outros perigos, como:

Culpar o indivíduo pela pobreza – Muitos pregadores dessa teologia ensinam que a falta de prosperidade é resultado da falta de fé ou do pecado, o que contradiz a Doutrina Católica sobre a dignidade dos pobres.

Transforma Deus em um meio para um fim – Em vez de buscar Deus por amor e santidade, a Teologia da Prosperidade incentiva a busca por bênçãos materiais.

Ela tira o foco da cruz – O sofrimento faz parte da vida cristã, e a Teologia da Prosperidade ignora o chamado de Jesus para carregar a cruz.

A Igreja Católica rejeita a Teologia da Prosperidade porque ela distorce a mensagem central do Evangelho. A verdadeira fé cristã não se baseia em promessas de riqueza material, mas no amor a Deus, no serviço ao próximo e na busca pela santidade. A prosperidade que Jesus oferece é a vida eterna, não o acúmulo de bens terrenos. Como cristãos católicos, somos chamados a viver com generosidade, desapego e confiança na providência divina, colocando sempre Deus acima de qualquer riqueza mundana.

Almir Rivas
Missionário da Comunidade Canção Nova


Referências

Catecismo da Igreja Católica

Evangelii Gaudium, Papa Francisco


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/igreja/teologia-da-prosperidade-e-a-igreja-catolica/

27 de fevereiro de 2025

Lições de um jovem para a santidade

As virtudes de São Gabriel da Virgem Dolorosa

São Gabriel da Virgem Dolorosa, cuja memória celebramos em 27 de fevereiro, é um referencial que todos os jovens contemporâneos deveriam conhecer. Assim como Santa Teresinha do Menino Jesus, este santo morreu muito jovem, aos 24 anos, mas sua vida profundamente virtuosa e exemplar, ainda que breve, serve como bússola para quem busca sentido para uma vida frutuosa.

Créditos: cancaonova.com

Vale a pena acompanhar mais de perto a vida deste jovem santo para aprendermos como ele reagia frente a cada exigência da vida. São Gabriel era seu nome religioso; o de batismo, Francisco Possenti. Nascido em 1838, em Assis, Francisco teve uma infância bem cuidada, com espiritualidade e atenção ao caráter, o que faz muita diferença. É como a boa semente que germina no tempo devido e dá muitos frutos.

Os fundamentos da fé de Francisco

Veja o testemunho dos irmãos no Processo da beatificação do Servo de Deus: "Nós fomos educados com o máximo cuidado, no que diz respeito à piedade e à instrução. Nossa mãe era piedosíssima e nos educou segundo as máximas da nossa santa Religião".

Nos braços e sobre os joelhos de uma mãe profundamente religiosa, o pequeno Francisco aprendeu os rudimentos da vida cristã e a pronunciar os santos nomes de Jesus e Maria. Do pai, o próprio Francisco disse ao seu diretor espiritual: "Meu pai tinha por costume levantar-se bem cedo, dedicava uma hora à oração e meditação. Terminadas estas, ia à igreja assistir à santa Missa e levava consigo os filhos que não fossem impedidos. Finda a Santa Missa, metia-se ao trabalho. À noite, reunia seus filhos e dava-lhes sábios conselhos e úteis exortações. Falava-lhes dos deveres para com Deus, do respeito devido à autoridade paternal e do perigo das más companhias."

Francisco, um jovem entre a obediência e a vaidade

Não só da espiritualidade, mas também do caráter eram os cuidados recebidos naquela família. Seu pai não era daqueles que desculpam os caprichos de seus filhos, sem pensar que mais tarde teriam de pagar bem caro esta condescendência e fraqueza. Francisco era obediente e respeitava o pai, o que não o impedia de demonstrar seu descontentamento e raiva. Mas logo voltava às boas e pedia perdão.

Com os irmãos, era o anjo da paz, sempre pronto para desculpar e defendê-los. Não suportava a injúria, contra si ou contra um dos seus. Com a maior facilidade se desfazia de objetos de certo valor que ganhasse. Naquela casa se encontrava amor, firmeza e presença.

Apesar de piedoso, Francisco, no verdor dos anos, revelava-se um tanto inconstante, volúvel e irascível. Era, ao mesmo tempo, vaidoso, querendo se trajar sempre com esmero e conforme a moda. Frequentava as reuniões joviais e se entregava com ardor e entusiasmo aos divertimentos frívolos, ainda que sempre honestos. Os desafios apresentados à juventude daquele tempo continuam semelhantes, apenas com novos aspectos e nomes. Os modismos, o materialismo e o desejo desordenado de aproveitar ao máximo podem confundir os jovens na caminhada da vida.

O caminho da vida verdadeira

O que os jovens precisam aprender é que esta vida não é o fim último dessa caminhada, mas sim um meio para alcançar a vida verdadeira, a eterna. Os jovens precisam aprender a distinguir aquilo que traz o selo do eterno e, portanto, tem valor real, daquilo que pode conferir um grande prazer imediato, mas é passageiro e efêmero. Para isso, contribuirão uma vida de oração e a frequência aos sacramentos.

Com Francisco, a frequente recepção da santa comunhão preservou-o de graves desvios no meio das tentações do mundo, ajudando-o na distinção entre efêmero e eterno. Aprender a fazer essa distinção diz muito sobre o amadurecimento do jovem, e assim ocorreu com Gabriel. "Muitas vezes" – diz quem bem o conhecia – "Possenti sentiu o chamado de Deus, de deixar a vida no mundo e trocá-la pelo estado religioso". Seu diretor, Pe. Norberto, Passionista, declara: "A vocação, se bem que descuidada e sufocada, estava nele havia muito tempo e ele a sentiu desde os mais tenros anos".

A voz da virgem e a confirmação da vocação de São Gabriel

A vida também vai dando seus sinais, apontando aquilo que tem valor verdadeiro. No caso de São Gabriel, dois fatos chamam a atenção. Primeiro, na prática de uma de suas paixões, a caça, o fuzil disparou e o projétil passou-lhe rente à testa, pouco faltando para lhe rebentar o crânio. Francisco, reconhecendo logo a providência deste aviso, renovou sua promessa de entregar sua vida a Deus. Mas logo arrefeceu de seus propósitos.


Em segundo lugar, Maria Luísa, sua irmã 9 anos mais velha, a quem ele era muito ligado, faleceu de cólera, e isso o abalou tanto que ficou deprimido. Depois, quis novamente entrar para a vida religiosa. Mas seu pai o dissuadiu. Essa entrega só se concretizou depois que, em frente à imagem da Virgem Maria, pareceu-lhe ouvi-la dizendo: "Francisco, o mundo não é para ti; a vida no convento te espera". Para um bom discernimento, procurou o conselho de pessoas maduras e sábias, e todos confirmaram a vocação.

São Gabriel da Virgem Dolorosa, um exemplo de amor a Cristo crucificado

Entrando para os Passionistas, em 21 de setembro de 1856, recebeu o hábito com o nome de Gabriel dell'Addolorata. Chamava a atenção de todos o seu amor a Jesus Crucificado, à Eucaristia e a Nossa Senhora das Dores. Aos 23 anos, apareceram os primeiros sintomas da tuberculose pulmonar que o levaria ao túmulo.

Momentos antes da morte, o agonizante, que parecia dormir, de repente, todo sorridente, como que tomado de uma grande comoção diante de uma visão impressionante, deu um profundo suspiro de afeto e, nesta atitude, sempre sorridente, com as mãos apertando as imagens do crucifixo e da Mater Dolorosa, passou desta vida para a outra. Que São Gabriel interceda por nós e nos ajude no caminho rumo à eternidade!

Edvânia Eleutério
Missionária Núcleo da Comunidade Canção Nova


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/igreja/santos/licoes-de-um-jovem-para-santidade/

25 de fevereiro de 2025

O Bom Samaritano 2.0: como ser um herói nas redes sociais hoje em dia?

Do scrolling à esperança, como comunicar com o coração nas redes sociais

A comunicação na Igreja é uma resposta ao mandado de Cristo: "Vão pelo mundo todo e preguem o evangelho a todos" (Mc 16, 15). De fato, em um mundo cada vez mais conectado, mas frequentemente desconectado em termos de valores e compreensão mútua, a comunicação assume um papel crucial na construção de pontes entre as pessoas.

Este ano, a Igreja celebra o 59º Dia Mundial das Comunicações, no dia 1º de junho, com o tema "Partilhai com mansidão, a esperança que está nos vossos corações" (cf. 1 Pd 3,15-16).

O Bom Samaritano 2.0, como ser um heroi nas redes sociais hoje em dia?

Crédito: Thx4Stock / GettyImages

Nesse contexto, o Papa Francisco alerta para um outro fenômeno preocupante: "poderíamos designá-lo como a 'dispersão programada da atenção' através de sistemas digitais que, ao traçarem o nosso perfil de acordo com as lógicas do mercado, alteram a nossa percepção da realidade".

Poder da proximidade

O Papa Francisco ressalta o "poder da proximidade" representado pela parábola do Bom Samaritano. A comunicação precisa gerar esperança. Nesse sentido, não se pode limitar à transmissão de informações, mas levar a uma relação profunda com o próximo, levando uma palavra de consolo e esperança. Não basta comunicar a verdade, é preciso também ser verdadeiro.

Ao longo dos séculos, a Igreja Católica tem sido uma força ativa nesse processo. Ela compreende a comunicação como meio poderoso para aproximar pessoas. Neste contexto especial do Jubileu das Comunicações, apresenta o Bom Samaritano como modelo do bom comunicador.

O poder da palavra na era digital

Entre as maravilhosas invenções da técnica desenvolvidas ao longo da história, a Igreja vê com bons olhos o avanço dos meios de comunicação. Em um momento de grande inspiração, que foi o Concílio Vaticano II, o Papa Paulo VI afirmou, no Decreto Inter Mirifica, que a Mãe Igreja sabe que a reta utilização desses meios torna-se ajuda valiosa na propagação do Reino de Deus.


Alerta, porém, para o risco de "utilizar tais meios contra o desígnio do Criador e convertê-los em meios da sua própria ruína". Por ocasião do Jubileu dos Comunicadores, em 25 de janeiro, Francisco convocou os participantes a serem corajosos e a libertarem o coração daquilo que o corrompe. Orientou os comunicadores a vencerem a "putrefação cerebral" causada pelo vício do scrolling contínuo, o "deslizar" nas redes sociais, definido pelo Dicionário de Oxford como a palavra do ano.

Hopetelling, a esperança é a história

"Que o vosso storytelling seja também hopetelling. Quando narrardes o mal, deixai espaço à possibilidade de remendar o que está rasgado, ao dinamismo do bem que pode consertar o que está quebrado. Semeai interrogações! Narrar a esperança significa ver as migalhas de bem escondidas até quando tudo parece perdido, significa permitir esperar até contra toda a esperança. Significa dar-se conta dos rebentos que brotam quando a terra ainda está coberta de cinzas. Narrar a esperança significa ter um olhar que transforma a realidade, levando-a a tornar-se o que poderia, o que deveria ser. Significa fazer com que a realidade se encaminhe para o seu destino. Eis o poder das histórias! E é isso que vos encorajo a fazer: narrar a esperança, compartilhá-la. Este é – como diria São Paulo – o vosso 'bom combate'!"

(Discurso do Papa Francisco no Jubileu dos Comunicadores – 25/01/25).

"Voltem a falar com o coração"

Por fim, nesta época em que a comunicação é marcada pela inteligência artificial, a Igreja nos lança um desafio: "voltar a falar do coração". Na Encíclica Dilexit Nos, o Papa Francisco afirma que temos um coração, e que o nosso coração coexiste com outros corações que o ajudam a ser um "tu".

Explica que é no coração que origina a proximidade; é pelo coração que me encontro junto dos outros, e os outros estão igualmente junto de mim. Só o coração pode acolher, dar refúgio.

Comunicação que transforma

Missão essa que não deve ser pensada sozinho, comunicar Cristo como se fosse algo apenas entre mim e Ele. A Comunicação na Igreja é vivida em comunhão com a própria comunidade e com a Igreja. "Se nos afastarmos da comunidade, afastamo-nos também de Jesus. Se a esquecermos e não nos preocuparmos com ela, a nossa amizade com Jesus arrefecerá. Nunca se deve esquecer este segredo: o amor pelos irmãos e irmãs da própria comunidade – religiosa, paroquial, diocesana etc. – é como o combustível que alimenta a nossa amizade com Jesus.

Os atos de amor para com os irmãos e irmãs da comunidade podem ser a melhor ou, por vezes, a única forma possível de exprimir aos outros o amor de Jesus Cristo. O próprio Senhor o disse: 'Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros' (Jo 13, 35)", conforme explica a Encíclica sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus.

Rodrigo Luiz dos Santos
Missionário Núcleo da Comunidade Canção Nova


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/o-bom-samaritano-2-0-como-ser-um-heroi-nas-redes-sociais-hoje-em-dia/

23 de fevereiro de 2025

Faça seu nome valer a pena, uma vida com propósito

A honra de todo nome

O nome identifica o ser humano, remete à identidade e à história de cada pessoa, contemplando aptidões, escolhas vocacionais, profissionais e a qualidade de sua conduta cidadã. Por isso, nomes podem se destacar no altar da história, desde aqueles universalmente famosos, contemplando também os que se singularizam pela dedicação ao contexto comunitário e familiar. A grandeza de um nome relaciona-se à contribuição que seu titular oferece à promoção da fraternidade e da solidariedade em diferentes âmbitos da vida – na cultura, na arte, no esporte, no mundo científico e tecnológico, na espiritualidade, na política, na economia, no humanismo.

Crédito: Prostock-Studio / GettyImages

Cada pessoa tem um papel missionário na vida social. Isso significa que viver não é simplesmente buscar "um lugar
ao sol" ou apenas o próprio bem-estar, não raramente de modo desarvorado, individualista e mesquinho. O desafio humano-existencial é fazer da própria vida um alicerce que ajuda a sustentar outras vidas, dedicando-se à sociedade. Não se vive para si mesmo, ensina a espiritualidade cristã. O ser humano alcança êxito e tem seu nome lembrado quando, adequadamente, exerce a sua missão de promover o bem ao seu semelhante.

Autenticidade e serviço

Muitos oferecerão contribuições capazes de alcançar a coletividade, tornando seus nomes inesquecíveis na história de instituições. Assim a cultura se consolida, a arte se enriquece, a cidadania conquista referências; a vivência religiosa e espiritual é marcada com o selo de sua autenticidade, todos os campos técnico-científicos recebem contribuições e se tornam herança para novas descobertas de gerações futuras.

Viver procurando efetivar contribuições para a vida do semelhante é antídoto para a mediocridade. Aqueles que buscam servir sabem que o valor maior está na responsabilidade assumida – e não nos benefícios de eventuais cargos ocupados, que podem levar a uma glória ilusória.

A grandeza reside na simplicidade

Essa consciência verdadeiramente ajuda a conduzir o próprio nome à honra, mais que a fama midiática possível de ser conquistada. No fim, serão lembrados aqueles que ofereceram suas aptidões e recursos para o bem da comunidade.

E tornam-se notáveis não apenas os que marcaram os grandes acontecimentos da história. Têm também seus nomes lembrados os que fazem a diferença no recato de sua condição simples. Oportuno partilhar a história de Dona Nega, assim conhecida no pequeno distrito do interior onde residia com a sua família.

Ela, voluntariamente, e por convicção generosa de fé, sempre se dedicou a cuidar da igreja de sua comunidade. Certo dia, um viajante passou pelo pequeno distrito e parou perto da igreja. Perguntou para uma menina que ali passava quem era a padroeira do lugar.

O nome que carrega uma missão

A menina, prontamente, respondeu: Dona Nega. Uma comprovação da grandeza de honrar o nome que se tem pela força generosa da contribuição que se pode dar a partir das próprias aptidões, assumindo a corresponsabilidade de contribuir com a sociedade, para torná-la mais justa e solidária.


O fundamento da corresponsabilidade que cada ser humano tem no cuidado com o seu semelhante está na verdade ensinada pela fé cristã: ser imagem e semelhança de Deus remete a um existir que está sempre em relação com o semelhante, porque Deus mesmo é uno e trino, é comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Esta comunhão de amor é o modelo para o viver de cada ser humano, criatura querida por Deus.

O sentido da existência e o serviço ao próximo

Assim, cada pessoa não pode realizar-se plenamente senão pelo dom sincero de si mesmo. O ser humano alcança o seu sentido de existir quando busca favorecer o desenvolvimento de relações alicerçadas no amor, na justiça e na solidariedade. Compreende-se que cada pessoa reveste de honra o seu próprio nome quando vive a sua vocação de promover a dignidade de seus semelhantes.

Uma vocação radicada no amor de Deus. Conquista benefícios quem está a serviço da comunhão entre pessoas, por um desempenho social, político e religioso-cultural que impulsiona um funcionamento comunitário pela garantia da justiça e da paz. Por isso mesmo, não haja lugar para vaidades e disputas, mesquinhez e ganância, pecados tão comuns.

É preciso inspirar-se em Jesus, aquele que faz nova todas as criaturas, para alcançar uma transformação interior e alavancar a renovação das relações humanas, buscando servir no exercício de aptidões, carismas e generosidade. Assim, tanto quem ocupa lugares de grande visibilidade e aqueles que estão longe dos holofotes se capacitam para inscrever seus honrados nomes na memória das pessoas, da família ou da sociedade.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/faca-seu-nome-valer-pena-uma-vida-com-proposito/

22 de fevereiro de 2025

Amando nossos inimigos, o desafio de todo cristão

Entre simpatias e inimizades, a complexidade da relações humanas

Durante a nossa vida, somos confrontados com o diferente, quanto às características das pessoas, as ideias, posições políticas e ideológicas, simpatias ou antipatias, e até a inimizade. Pode acontecer que tenhamos inimigos não declarados, quando, interiormente, uma parte ou outra se recusa a um relacionamento adequado. Ou podem existir inimizades explícitas e declaradas, e cada pessoa emite julgamento sobre elas e ou reage de acordo com suas convicções e formação.

"Cuide dele", um chamado à solidariedade e ao amor ao próximo

Crédito: StockSeller_ukr / GettyImages

As Bem-aventuranças se realizam em plenitude naquele que é "o bem-aventurado", Jesus! Nele se realizam as propostas que apresentou aos seus discípulos e a todos os que dele se aproximassem, e nós nos sentimos escolhidos como destinatários.

Além da amizade, o chamado ao amor universal

E uma das maiores exigências é o amor aos inimigos, anunciado na Liturgia do Sétimo Domingo Comum, de cuja celebração todos nós participamos neste final de semana (Lc 6,27-38). O cantor e compositor Renato Teixeira celebrou a amizade de forma esplêndida: "A amizade sincera é um santo remédio, é um abrigo seguro. É natural da amizade o abraço, o aperto de mão, o sorriso, por isso, se for preciso, conte comigo, amigo, disponha. Lembre-se sempre que, mesmo modesta, minha casa será sempre sua".

A amizade é gratuita, é encontrada, e não somos obrigados a tê-la com todas as pessoas, ainda sabendo que ela é um "santo remédio"! Entretanto, e aqui as coisas apertam, temos que amar a todos, inclusive e de forma especial os inimigos! Os santos, especialmente os mártires, identificaram-se com Jesus até expressarem, com a palavra e o testemunho, o que o Senhor proclamou do alto da Cruz: "Pai, perdoai-lhes! Eles não sabem o que fazem!" (Lc 23,34).

A chave da vida cristã, o amor como caridade

Em Jesus se expressa totalmente o amor que nos é pedido pela fé que professamos, expresso numa resposta: "Um doutor da Lei perguntou-lhe, para experimentá-lo: 'Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?' Ele respondeu: 'Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento!' Esse é o maior e o primeiro mandamento. Ora, o segundo lhe é semelhante: 'Amarás teu próximo como a ti mesmo'" (Mt 22, 35-40).


O amor caridade é uma virtude infundida por Deus na vontade, pela qual amamos a Deus e ao próximo! É a essência da vida cristã, a chave da vida de todos nós. A fé vai se transformar em visão, a esperança se tornará posse do que aguardamos, mas a caridade permanecerá para sempre (1Cor 13,13).

Falai bem, orai e amai, a arte de superar a inimizade

Fomos feitos para amar! E sabemos que nosso Senhor nos amou até o fim, e indicou-nos que a maior prova de amor é dar a vida pelos que amamos! O Evangelho proclamado neste domingo desce a detalhes formativos de grande alcance para o nosso dia a dia: "A vós que me escutais, eu digo: amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam. Falai bem dos que falam mal de vós e orai por aqueles que vos caluniam. Se alguém te bater numa face, oferece também a outra. E se alguém tomar o teu manto, deixa levar também a túnica. Dá a quem te pedir e, se alguém tirar do que é teu, não peças de volta. Assim como desejais que os outros vos tratem, tratai os do mesmo modo" (Lc 6,27-31).

Vivendo a regra de ouro, paciência e amor 

Talvez alguns de nós julguem necessário um verdadeiro heroísmo, até alcançar a "regra de ouro", que é fazer aos outros tudo aquilo que desejamos seja feito a nós. Mas vamos passo a passo, sabendo que o Espírito Santo nos assiste e que o que é proposto no Evangelho não é impossível! Somos chamados por Deus a amar a todos, dando sempre o primeiro passo para ir ao encontro dos outros.

Comecemos por olhar as pessoas não como potenciais inimigas, mas homens e mulheres amados por Deus e dados de presente a cada um de nós para serem amados! Para tanto, há que fazer um esforço, ajudados pela graça de Deus, na superação das simpatias, apegos, antipatias e preconceitos. Purificar o olhar a respeito das pessoas! É necessário fazer a experiência da paciência e serenidade no trato com os outros.

Da rejeição à aceitação, a jornada de Damião de Molokai 

Uma pessoa que nos parece à primeira vista arrogante pode vir a ser amiga de verdade, se se sente amada e acolhida, na superação dos sentimentos primários que nos assaltam com frequência. É bom tomar consciência de que o amor, como compreendido na graça da caridade, não é um sentimento, mas um ato de inteligência e vontade.

Um santo como Damião de Molokai foi ao encontro de uma rejeição total da parte de uma colônia de hansenianos até conquistar a todos, inclusive tornando-se como eles hanseniano! Trata-se de um nadar contra a correnteza, num mundo polarizado e cheio de inimizades, conflitos e guerras, começando nas verdadeiras batalhas no campo chamado "redes sociais", que tem se tornado um espaço privilegiado para acusar, denunciar, caluniar e destruir pessoas e grupos.

Jubileu da esperança, tempo de reconciliação e reconstrução social

De nossa parte, como cristãos, é necessário estabelecer pequenos laços para sanar o tecido social extremamente fragilizado! Se qualquer um de nós tiver declarado inimizade ou tenha sido alvo de tal infortúnio, propomos uma declaração interior de amor a todos, sem exceção, para superar distâncias e vencer obstáculos, proclamando um perdão geral em tempos jubilares!

Autoridades de qualquer nível não poderão obrigar quem quer que seja a dar este passo, mas somente a ação do Espírito Santo, encontrando docilidade no coração de cada pessoa de fé, que aposta na verdade o Evangelho, fará vencer a eventual dureza dos corações.

O texto Evangélico que suscitou nossa reflexão termina levando-nos às alturas, pois nos propõe ser misericordiosos como o Pai do Céu é Misericordioso. A medida está no Céu, e os peregrinos da Esperança haverão de dar este salto qualitativo no ano do Jubileu!

Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/relacionamento/amizade/amando-nossos-inimigos-o-desafio-de-todo-cristao/

20 de fevereiro de 2025

Usando a IA com sabedoria, o papel da inteligência espiritual

De R2-D2 ao Gemini, como a IA evoluiu do cinema para o mundo real

Veja se você reconhece esses nomes: Chatgpt, Lhama, Meta AI, Midjourney, Gemini e Claude. Eles são as mais conhecidas IAs (Inteligência Artificial), um dos assuntos de tecnologia mais hypados. Apesar de serem as trendings do momento como ferramentas úteis, e já convivermos com essa ideia desde Star Wars na ficção – que vai fazer 48 anos do lançamento do seu primeiro filme este ano –, podemos dizer, com certeza, que esse universo cinematográfico é quase um cinquentão que está sofrendo a crise da meia-idade. E a lista de filmes que explora a ideia de IA é incontável e tem vários sucessos.

Crédito: FotografieLink / GettyImages

Afinal, o que é IA? Resolvi fazer essa pergunta para o Chatgpt, e olha a sua definição: "IA (Inteligência Artificial) é um ramo da ciência da computação que busca criar sistemas capazes de realizar tarefas que, normalmente, exigiriam inteligência humana. Isso inclui coisas como aprendizado, raciocínio, reconhecimento de padrões, tomada de decisões e processamento de linguagem natural" (CHATGPT).

O dilema da Inteligência Artificial: progresso, medo e o futuro da humanidade

Esse ramo da computação tem criado ferramentas poderosas, a ponto de pessoas normais estarem preocupadas com seus empregos, e até mesmo com sua segurança. Há pessoas que questionam se alguma delas já são autoconscientes, como um ser humano mesmo, se é que isso é possível.

O salto tecnológico que a IA tem proporcionado à atualidade já é dito superior que o advento da internet e das redes sociais, dizem que estamos apenas começando, visto que as referidas Super-Inteligências artificiais (que fazem tarefas que o raciocínio humano não faria nunca), e os agentes artificiais (que além de responder, consegue realizar ações), estão apenas engatinhando.

Estamos à beira da matrix?

Será que estamos num cenário pré-matrix? Será que o Anti-cristo será um ser baseado em IA autoconsciente capaz de dominar o mundo e obrigarmos a adorá-lo? – essas ideias não são minhas, são teorias que pairam pela ondas de Wi-Fi. O Papa Francisco numa entrevista recente foi questionado se ele se preocupa com as IAs, e sua resposta foi categórica, "Me preocupo mais com a Inteligência Natural". – respondeu com muito bom humor e tremenda sabedoria.

Perguntei a Meta AI, qual é a etimologia da palavra inteligência, e sua resposta foi:" tem sua origem no latim intelligentia, que, por sua vez, deriva de "intelligere", um verbo latino que significa "entender" ou "compreender". Esse verbo é uma combinação de "inter" (entre) e "legere" (escolher, ler ou distinguir)."

Deus ex-machina ou demônio ex-data? A IA e o futuro da alma

Aí que está, as IAs não compreendem por si só, elas "aprendem" (bem entre-aspas) a partir do que damos a elas, não são experiências e consequências das experiências, como nós da inteligência natural aprendemos, mas apenas um monte de informação que precisa ser lapidada num processo criado por uma inteligência natural.

E qual é o problema da inteligência natural? Ora, nossa inteligência está quebrada pelo pecado. Nosso desvio do plano do Deus Amor fez com que nossas inteligências estivessem corrompidas, pois estão fechadas à dimensão espiritual; e quando tem essa abertura, é muito limitada.

Cegos conduzindo cegos, a IA e nossa falta de visão

O homem não é mal por natureza, mas sua natureza foi fragmentada pelo mal, e, com isso, as inteligências naturais envolvidas no processo de construção das inteligências artificiais e os seus usuários (como eu) são maus-condutores, cegos conduzindo cegos artificiais.


Já vimos isso no passado com relação aos estudos da energia nuclear, a expectativa era que criássemos um mundo com energia quase que ilimitada, com potência para com pequeno esforço sustentar nações. No entanto, rapidamente, o mesmo estudo proporcionou a fabricação das bombas nucleares. O inverso é verdadeiro, muitas tecnologias usadas em guerra para dizimar nações, usamos cotidianamente, e estamos em uma agora inclusive: a internet.

Além da IA, como a inteligência espiritual conduz a inteligência natural

A pergunta que não parece tão óbvia é: Como eu tenho de conduzir a inteligência natural? Afinal, é ela quem está conduzindo a IA. Como faço para que a minha inteligência natural deixe de ser cega para conduzir devidamente a mim e as outras inteligências, sendo elas artificiais ou naturais?

A resposta disso está numa terceira inteligência: a inteligência espiritual. Calma! Peço que você acompanhe com atenção, porque pode "bugar" a sua mente. Essa inteligência abre você para uma realidade invisível, porém real, a realidade sobrenatural, nenhum instrumento tecnológico conseguiu captar ainda, mas nosso espírito é capaz de captar com exatidão, pois o Espírito Santo quer revelar essa inteligência a todos que lha pedem.

Além do homem, a inteligência divina em ação

Como essa funciona? O melhor exemplo para mim está na Bíblia: "O rei mandou logo cavalaria, carros e boas tropas; tendo eles chegado de noite, cercaram a cidade. Porém, levantando-se ao amanhecer, o criado do homem de Deus, saindo fora, viu o exército em volta da cidade, a cavalaria e os carros, e avisou-o disso, dizendo: 'Ai! meu senhor! Que havemos de fazer?' Eliseu respondeu: 'Não temas; muitos mais estão conosco do que com eles'. Eliseu, fazendo oração, disse: 'Senhor, abre os olhos deste, para que veja'. E o Senhor abriu os olhos do criado, que viu o monte cheio de cavalos e de carros de fogo ao redor de Eliseu" (2 Rs 6,14-17).

Creio que será poderoso quando conseguirmos alinhar essas três inteligências. Esclareço: nós, conduzidos por Deus, veremos as realidades invisíveis deste mundo e teremos o plano perfeito, pois está de acordo com o que nós fomos criados; mais do que isso, veremos realidades e influências que nenhuma máquina conseguirá captar ou até mesmo técnica humana.

Fé e tecnologia construindo um futuro com propósito divino

Nossos neurônios, no entanto, têm limitações que as inteligências artificiais não possuem, mas se nós as conduzirmos, trarão resultados que poderão beneficiar a todos, pois o começo foi em Deus. Deixaremos de ser cegos como Paulo deixou. Continuaremos caminhando na fé, caminhando como se víssemos o invisível, confiando naquele que primeiro nos amou, certo de que Ele tem palavras de vida eterna.

Essa é uma longa jornada, e todas essas longas jornadas começam com um pequeno passo, porém na direção certa. Ora, esse pequeno passo não pode ser outro senão nos dirigirmos a Cristo, clamando como o cego de Jericó: "Filho de Davi, tem piedade de mim!"; e quando Ele finalmente parar e nos perguntar "O que queres?", devemos responder: "Mestre, que eu veja!"(cf. Mc 10,46-52)

Guilherme Christovão
Missionário Núcleo da Comunidade Canção Nova


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/tecnologia/usando-ia-com-sabedoria-o-papel-da-inteligencia-espiritual/

18 de fevereiro de 2025

"Cuide dele", um chamado à solidariedade e ao amor ao próximo

O amor em ação, a exortação do bom samaritano para cuidar do próximo

"Cuida dele" é a palavra amorosa e solidária nascida do coração de um samaritano, tratado de forma preconceituosa. A narrativa está no Evangelho segundo Lucas: diferentemente do sacerdote e do levita que passaram ao largo e não dedicaram amparo a uma pessoa ferida, caída à beira do caminho, o samaritano se detém e cuida dele.

"Cuide dele", um chamado à solidariedade e ao amor ao próximo

Crédito: Jacob Wackerhausen

Depois, leva o enfermo a uma hospedaria, recomenda que se cuide dele, comprometendo-se a pagar por todos os gastos investidos na sua recuperação. Essa narrativa, que traz a interpelante e convocatória recomendação "cuida dele", ilumina o horizonte da contemporaneidade para inspirar um modo novo de tratar os pobres, enfermos e vulneráveis.

Cuidar do próximo, um propósito para o Jubileu 2025

A pressa habitual, considerados os muitos afazeres e as urgências, pode comprometer o coração humano, o exercício da cidadania e a vivência da fé, levando à desumana perda do sentido que há em cuidar do semelhante, da comunidade, do bem comum, do patrimônio público e do meio ambiente. Ter coragem e disposição para amparar quem precisa de ajuda é um propósito de ouro para este ano jubilar 2025, quando a Igreja Católica, em celebrações e peregrinações, fecunda a sensibilidade humana com um jeito novo de caminhar solidariamente – todos irmãos e irmãs uns dos outros.

Uma luz especial motivadora para os propósitos novos de solidariedade é a celebração do último dia 11 de fevereiro, Festa de Nossa Senhora de Lourdes, 33º Dia Mundial do Doente. A saúde é um dom precioso e requer cuidados especiais. No seu reverso está a experiência do limite humano da enfermidade. "Cuida dele" ressoa, então, como convite à atitude solidária e à consciência do desafio humano de tratar a enfermidade.

Na saúde e na doença, a esperança como pilar da jornada

Neste horizonte, lembra o Papa Francisco, em mensagem para o Dia Mundial do Doente, a fundamental importância de se caminhar como peregrino de esperança na saúde e na enfermidade. A esperança é força indispensável para o
enfrentamento das tribulações – não somente as próprias, também as do próximo, a quem se deve solidariamente ajudar, a exemplo do bom samaritano. A fragilidade humana, sobretudo na enfermidade, estabelece um dilema existencial: a necessidade de manter-se forte mesmo quando chega, inesperadamente, uma doença que, por vezes, é grave.

São necessários muitos cuidados, não raramente com alto custo, incompatível com a realidade socioeconômica do enfermo e de seus familiares. Muita gente padece sem a terapêutica necessária, desertificada pela falta de solidariedades e de devido respeito. Com isto, pode nascer o sentimento de impotência – diante da própria enfermidade, ou de uma doença enfrentada por um familiar, amigo, colega de trabalho, um olhar que deve alcançar ainda os mais pobres e vulneráveis, particularmente crianças e idosos.

Encontro com Deus, a proposta para fortalecer a fé e a esperança

Nestas circunstâncias, gestos de solidariedade e de partilhas são essenciais, a presença de Deus é indispensável. Colocar-se na presença divina, na fonte inesgotável de seu amor que sustenta e cura, alimenta a esperança. Papa Francisco, em sua mensagem, apresenta um itinerário rico e consolador para se aproximar de Deus: o encontro, o dom e a partilha.


O encontro com Deus, na pessoa de Jesus Cristo, é indispensável consolação, ainda quando a doença é difícil de se compreender. Importa experimentar a compaixão de Deus para alcançar fortalecimento espiritual inigualável, caminho de cura e de compreensão do desafio imposto pela enfermidade. Deus não abandona ninguém. Ao invés disso, proporciona surpresas ricas e inesperadas.

Buscando a força em Deus na fraqueza

A doença se torna, então, oportunidade para um encontro transformador, possibilitando uma força espiritual que garante a conquista de impressionante qualificação humanística. A compreensão de que toda esperança há de ser depositada em Deus é, pois, um dom. Compreende-se que a vida está no seu sentido pleno para além da própria força física, dos sucessos pessoais ou da efetivação de exitosos projetos. Tudo isso pode, inclusive, adoecer o coração, contaminando-o com terrível orgulho e soberba, alimentadores da indiferença ante a dor e o sofrimento do semelhante.

O dom da esperança nasce e se alimenta no cultivo da intimidade com Deus, fonte de cura e de sustento. Mais do que tocar a fímbria da roupa de Cristo, como aqueles da multidão que sempre O cercava, a intimidade com Ele se opera pela comunhão ao se comer do seu corpo e ao se beber do seu sangue. A força que saía de Cristo agora é acolhida na interioridade de quem o recebe. Brota assim o sentido da partilha, neste mundo em que todos são vulneráveis. A força física de hoje pode já não existir amanhã, os recursos à disposição podem não ser suficientes no dia seguinte.

Semeando solidariedade, um compromisso com o cuidado

Todos são necessitados de solidariedade. Solidariedade em todos os lugares, na família, nos hospitais, nas clínicas, no ambiente de trabalho, na convivência gratuita – como presença amorosa e consoladora na vida do semelhante.

Recomenda o Papa Francisco: considerada a fragilidade humana, torne-se o cuidado com enfermos e vulneráveis um hino à dignidade partilhada por todos, um canto de esperança.

Cuidar de quem sofre é missão especial. A atitude samaritana pode fecundar a sociedade com indispensável sentido de respeito, vencendo as intolerâncias e os autoritarismos que nascem da falsa convicção de ser onipotente, dono da fama e das atenções. O cuidado abnegado e adequado dedicado aos enfermos, em qualquer circunstância e medida, devolva a cada um o sentido de sua condição humana frágil.

O compromisso de cuidar opere no mundo uma semeadura de solidariedades. Ao olhar o mundo, contemplando cada um, especialmente os pobres e enfermos, o coração pulse, com batimentos modulados pela convocação "cuida dele". Todos, na posição de cuidar, inaugurarão um tempo novo querido por Deus, no mundo, na sociedade, na família, no trabalho, na comunidade de fé, em todo lugar.

Cuida dele!

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/comportamento/cuide-dele-um-chamado-solidariedade-e-ao-amor-ao-proximo/