28 de maio de 2013

AS CINCO VIRTUDES DA ESPIRITUALIDADE VICENTINA

Fonte: http://www.pbcm.com.br/sao_vicente/cinco_virtudes_da_espiritualidade_vicentina.php

Pe. Luiz Roberto Lemos do Prado, CM

Pe. Alexandre Nahass Franco, CM

 A Espiritualidade vicentina está pautada, desde sua gestação, mediante o testemunho de Vicente de Paulo e seus primeiros companheiros de missão, no contexto da Igreja do século XVII, na França, em cinco virtudes, colhidas do Evangelho de Jesus Cristo e da sua práxis libertadora junto ao povo empobrecido e marginalizado, os protagonistas do Reino de Deus, por Ele mesmo inaugurado na humanidade. Estas virtudes são assim nomeadas pelo próprio Vicente de Paulo: SIMPLICIDADE, HUMILDADE, MORTIFICAÇÃO, MANSIDÃO, ZELO PELAS ALMAS (ZELO APOSTÓLICO), também denominadas pelo próprio Vicente de Paulo de Conselhos Evangélicos.

Ao tratarmos das virtudes vicentinas, não estamos falando de conteúdos teológicos rebuscados de múltiplas interpretações hermenêuticas, mas de posturas humanizantes e humanitárias da pessoa que assume uma missão dentro do universo da espiritualidade vicentina junto aos mais carentes, lugar social, geográfico, cultural e teológico do agente de pastoral com identidade eminentemente vicentina.

Assim sendo, nós vicentinos, somos reconhecidos pelos mais empobrecidos não tanto pelo nosso discurso hermenêutico e teológico, mas primordialmente por nossa postura aproximativa do mundo dos pobres, ou seja, pelo nosso esforço imensurável em nos inculturar no seu universo, que é por demais exigente para nosso padrão de vida enquanto pertencente a uma instituição carregada de tradições milenares, semelhantes a todas as instituições que compõem o catolicismo na humanidade.

Inspirados na própria concepção que São Vicente de Paulo teve dos Conselhos Evangélicos, podemos dizer que as Cinco Virtudes vicentinas dão uma configuração própria à nossa maneira de viver os quatro Votos na Pequena Companhia (Congregação da Missão): Castidade, Pobreza, Obediência, Serviço aos Pobres (Estabilidade).

No presente texto procuraremos expor de forma bastante sintética em que corresponde cada Conselho Evangélico dentro da Espiritualidade Vicentina, desmembrando cada um deles em seis Características ou Dimensões, em se tratando da busca de transformá-los em testemunho vivo no mundo de hoje: Eixo Vicentino, Dimensão Humana, Dimensão Espiritual, Dimensão Intelectual, Dimensão Comunitária, Dimensão Apostólica.

Por final, descreveremos pelas próprias palavras de São Vicente de Paulo, através de seus escritos, pequenos trechos sobre cada uma das Cinco Virtudes Vicentinas.     


1. SIMPLICIDADE

A virtude da Simplicidade educa-nos na capacidade de desenvolver os valores da verdade, da sinceridade, da transparência. Viver plenamente a simplicidade nos ajudará a evitar ser falsos uns com os outros e muito menos com o povo; por esta virtude somos chamados a ser simples, a dizer as coisas como são, sempre com sinceridade em relação à outra pessoa.

Diante dos desafios que o pluralismo de idéias e de valores e contra-valores que a sociedade capitalista nos impõe, precisamos ficar mais atentos em relação à nossa postura junto ao povo e o cultivo de valores que não são transitórios, mas base para a vida com dignidade. Um desses valores é o cultivo da simplicidade. O povo ao qual procuramos evangelizar se aproximará de nós mediante nossa postura diante dele. A simplicidade impregnada em nossos atos possibilitará essa pedagógica aproximação do povo mais simples a nós e vice-versa.

O próprio São Vicente definiu na sua vivência a importância desta virtude na vida de um vicentino: "A simplicidade é a virtude que mais amo, eu a chamo de meu evangelho" (SV I,284).

a. Eixo Vicentino: A vivência da Virtude da Simplicidade educa-nos para a proximidade do mundo dos pobres na realidade de hoje em seu universo sócio-econômico, cultural, religioso, geográfico; tal aproximação coloca-nos em clima de disponibilidade para acolhermos e nos aproximarmos do diferente, da compreensão do pluralismo no meio da humanidade, favorecendo-nos em nossa missão de instrumentos da universalidade da salvação inaugurada por Jesus de Nazaré em sua práxis libertadora.

 b. Dimensão Humana: A vivência da Virtude da Simplicidade no concernente à dimensão humana leva-nos ao tratamento da pessoa com o devido cuidado e atenção que ela merece, o que favorece à mesma sentir-se saudável psíquica e fisicamente, pois sentir-se uma pessoa amada no seio de uma comunidade e em meio à sociedade produz um aspecto profundamente agradável no sentimento da auto-estima. A simplicidade no nosso viver vicentino leva-nos a quebrar barreiras na convivência com os mais pobres, proporcionando-nos maior aproximação ao seu universo de vida, levando-nos a contribuir no processo de sua própria educação, visando a integralidade da sua própria pessoa.

 c. Dimensão Espiritual: A experiência da Simplicidade na vida exige de cada um de nós uma busca saudável do equilíbrio entre trabalho e descanso recreativo. A Espiritualidade vicentina necessita de uma forte experiência de Deus para que possamos irradiá-la no serviço aos pobres. Conseqüentemente, nossa inserção no mundo dos pobres a partir do cerne da nossa Espiritualidade, exige-nos a clara consciência de que fazemos este esforço não por meras motivações, mas pela convicção de estarmos contribuindo qualitativamente na construção do Reino de Deus aqui e agora.

 d. Dimensão Intelectual: A procura da vivência da Simplicidade no meio dos pobres traz-nos também uma exigência no aspecto intelectual; para que a nossa ação de aproximação ao mundo dos pobres seja sinal de transformação profética, precisamos investir em nossa própria formação inicial e permanente, motivados pelo ideal da compreensão das causas da pobreza para atacá-las com precisão. Para essa formação permanente acontecer precisamos de motivações internas e externas, lembrando que a sociedade atual, por si mesma, já nos faz essa exigência, pois torna-se, progressivamente, mais pluralista e complexa. Neste sentido, trabalhar com os pobres no nosso contexto atual exige de nós busca constante de preparação intelectual justamente pelo respeito que devemos ter à dignidade de todo ser humano. E o empobrecido não é um ser menos humano.

 e. Dimensão Comunitária: Vivenciar a virtude da Simplicidade no concernente à dimensão comunitária exige colocarmo-nos na escola do Evangelho e também de São Vicente, para aprendermos sempre a alegria de partilhar com os irmãos na fé, sobretudo os mais empobrecidos da nossa história o saber, os bens, os dons e a vida. Nossa presença no meio do povo é sempre uma experiência de troca de saberes em todas as dimensões da vida.

 f.  Dimensão Apostólica: Cultivar a Simplicidade em nossas comunidades apostólicas compromete-nos a interiorizar progressivamente o valor de distribuir responsabilidades com os irmãos de fé, lembrando-nos que um dos aspectos da nossa vivência comunitária vicentina é alimentar nossa espiritualidade para um autêntico testemunho missionário no meio dos pobres do nosso tempo. Uma de nossas máximas é esta: Vida em comunidade para a Missão.


Finalizando nossa reflexão sobre a virtude da Simplicidade, vejamos uma belíssima descrição do próprio Vicente de Paulo sobre esta máxima evangélica: "Deus é simples. Onde encontrares a simplicidade cristã caminharás seguro; pelo contrário, os que recorrem a precauções e artimanhas estão num medo contínuo de que descubram seu artifício e que, ao se ver surpreendido em sua falsidade, ninguém quer ter confiança neles.

Da minha parte, posso afirmar, uma grande experiência me demonstrou, para minha satisfação que uma fé vigorosa e um verdadeiro espírito de religião encontram-se freqüentemente entre as pessoas simples e pobres. Deus se compraz em enriquecê-las com uma fé viva: eles crêem, apalpam, saboreiam as palavras de vida eterna que Cristo nos deixou em seu evangelho. Em geral, suportam pacientemente suas enfermidades, aflições e necessidades, sem nunca se queixarem ou murmurar.

Todo mundo sente atração por pessoas que são simples e cândidas, pessoas que se recusam a empregar a astúcia, os enganos. São populares, porque agem ingenuamente e falam com sinceridade; seus lábios estão de acordo com seus corações. São amadas e estimadas em toda parte..."
(SV XI, 740s, 462).


 2.  HUMILDADE

São Vicente de Paulo define a Humildade como a virtude que dá a característica essencial à missão na Pequena Companhia. A humildade é a virtude que nos torna capazes de reconhecer e admitir nossas fraquezas e limitações, criando assim a possibilidade de confiar mais em Deus e menos em nós mesmos. A humildade ajuda-nos a nos livrarmos da nossa auto-suficiência, a reconhecermos nossa dependência do amor do Criador e nossa interdependência comunitária. Ao mesmo tempo, a humildade nos capacita para reconhecer nossos talentos, talentos que devem ser postos a serviço das outras pessoas. É a virtude que permite aos pobres aproximar-se de nós. É a virtude que nos ajuda a ver que todos somos iguais aos olhos de Deus. A vivência desta virtude educa-nos e capacita-nos, em contrapartida, para aproximar-nos progressivamente dos Pobres. Esta virtude nos impulsiona a um processo contínuo de inculturação no mundo dos pobres, encorajando-nos a um esforço de identificação com os mesmos.

Diante de uma sociedade tremendamente hedonista, individualista, separatista, perfeccionista do ponto de vista da aparência física em detrimento do cuidado integral do ser, a vivência da humildade se torna mais desafiadora, pois exige-nos maior sociabilidade a partir de dentro do nosso próprio lar, nosso grupo de convívio.

 a. Eixo Vicentino: A humildade, segundo São Vicente, é a virtude eminentemente evangélica. Jesus é o único mestre. Na conferência de 18 de abril de 1659, São Vicente se perguntou: "Em que consiste a humildade?" E respondeu: "Em querer o desprezo, em desejar a humilhação, em alegrar-se quando nos vemos humilhados, por amor a Jesus Cristo". (SV XI, 488) A humildade faz-nos criar um sentido de pertença a um objetivo comum. Quando estamos dispostos a formar comunidade, construir unidade, nos entusiasmamos em trabalhar com objetivos comuns, somos capazes de nos doar, propor, aceitar e reconhecer como comunidade em vista da missão de evangelizar comunitariamente os pobres.

 b. Dimensão Humana: A virtude da humildade nos educa para a tolerância dialogada. Torna-se condição necessária para desenvolvermos, crescermos e fortalecermos como pessoas em comunidade, em sociedade de vida apostólica, como atitude que nos leva a reconhecer que todos necessitamos do outro para enriquecermos e superar nossas próprias dificuldades e individualidades. A abertura ao diálogo, o respeito, a atitude de compartilhar, a capacidade de escutar, de falar e de agradecer podem ser formas muito atuais da virtude da humildade.

 c. Dimensão Espiritual: Reconhecer que somos redimidos pelo Ressuscitado. A humildade nos faz ver que o ser humano é pecador e o sensibiliza perante o pecado. A atitude de nos reconhecer pecadores perdoados pelo sangue de Cristo nos responsabiliza a reconhecer que nossa vida se enriquece e fortalece com o perdão; o perdão implica aceitação, e para aceitar é necessário sair de nós mesmos, esvaziarmos de nós mesmos, dar um passo na direção do outro, quebrar nossas arestas, derrubar muros, construir pontes.

 d. Dimensão Intelectual: Reconhecer que somos pessoas limitadas, interdependentes, complementares. Temos opiniões diferentes diante da realidade que nos cerca e por isso mesmo a vivência da virtude da humildade nos faz constatar que é necessário estar dispostos à escuta dos outros e à reflexão, para juntos construir o caminho do discernimento coerente ao clamor da realidade.

e. Dimensão Comunitária: A virtude da humildade nos faz conscientes de nossas limitações e nos capacita para a aceitação da colaboração do outro em vista da missão. A atividade missionária corre sempre o risco de ser dominadora e auto-suficiente, de encerrar-se nas próprias idéias e métodos, de negar a colaboração do outro e da outra. A humildade faz com que o missionário, ao mesmo tempo que evangeliza, se deixe evangelizar e que pregue não sua palavra, mas a Palavra de Deus, assegurada pelo magistério da Igreja.

 f. Dimensão Apostólica: A virtude da humildade nos impulsiona a posicionarmos diante da missão apostólica não como donos de determinada situação mas como seres que estão dispostos a somar nossas qualidades e dons, simplesmente como colaboradores. Isso requer um processo de conversão onde cada um coloca o seu ser e faz o maior esforço para suscitar a mudança pessoal e estrutural, na sã consciência de que o único indispensável é a presença de Deus. Tudo o mais é transitório, instrumental para a eficácia da construção do Reino de Deus.


Concluindo a reflexão sobre a virtude da humildade, lançamos mão de palavras do próprio São Vicente em seus magníficos escritos, destacando sua dimensão missionário-pastoral. Vejamos: "Entendei bem isto, meus senhores e meus irmãos: nunca poderemos fazer a obra de Deus se não tivermos uma profunda humildade e uma humildade de opinião sobre nós mesmos. Não, se a Companhia da Missão não é humilde, se não tem a fé e a convicção de que não pode fazer o bem, que é mais apta para atrapalhá-lo, nunca realizará nada de grande; mas quando tem e vive o espírito do que acabo de dizer, então, ficai seguros, senhores, estará capacitada para fazer a obra de Deus, porque Deus usa de seus membros para suas grandes obras" (SV IX, 71, 284,809). 


 3. MANSIDÃO

Etimologicamente, mansidão vem de "mansuetude" e manso de "mansus", forma do latim vulgar de "mansuetus". Tem um significado de comportamento aconchegante, familiar, doméstico. Conceitualmente, a mansidão se entende como a força, a virtude, que permite a pessoa moderar razoavelmente sua ira e indignação. A razoável indignação pode ser com freqüência sã e saudável, transposição lícita da sobrecarga psicológica a um ato de zelo pela glória de Deus, pela justiça ou pelo bem do próximo. A mansidão não é agressiva, raivosa, barulhenta. Certamente é uma virtude chave na comunidade. É a virtude que ajuda a construir a confiança de uns nos outros, porque, quando somos amáveis, os que são tímidos se abrirão em relação a nós. Por estas razões podemos dizer que a mansidão é a virtude por demais vocacional, como constatou o próprio São Vicente: "Se não se pode ganhar uma pessoa pela amabilidade e pela paciência, será difícil consegui-lo de outra maneira"(SV VII, 226).

A mansidão inspira um trato suave, agradável, educado, e fundamenta a tolerância, valor este muito importante para a convivência em uma sociedade plural em que o respeito à pessoa e à sua liberdade deve ser uma lei indiscutível.

 a. Eixo Vicentino: Com certeza, todas as virtudes contribuem para o dinamismo da vida comunitária em vista da missão. Todas as virtudes trazem em seu bojo um aspecto construtivo da vivência comunitária, porém é evidente que a mansidão entra em jogo por seus próprios valores e porque a comunidade se faz mediante relações plenas de conteúdo humano, cristão e vicentino. Devem ser expressões de pessoas que se estimam, se querem e se entreajudam. Toda atitude dura, de rechaço, de desprezo, pode ser superada precisamente pela prática da mansidão.

b. Dimensão Humana: A vivência da mansidão no aspecto humanitário ajuda-nos no processo da aceitação e compreensão da cultura do outro, nos colocando num processo de crescimento junto ao diferente, abrindo-nos à dinâmica da inculturação, educando-nos no processo da complementariedade. No trabalho junto aos mais pobres essa abertura é essencial para uma autêntica inserção popular.

 c. Dimensão Espiritual: Viver a virtude da mansidão no aspecto espiritual compromete-nos a inspirarmos na mansidão divina para com o seu povo na caminhada da história da salvação. Remete-nos à práxis da paciência histórica mediante a atitude do Criador para com as suas criaturas. Sem dúvida, um tema relacionado com a mansidão é o da hospitalidade, que é uma característica que deve distinguir um Vicentino: uma pessoa acolhedora; uma pessoa que está atenta às necessidades dos outros, especialmente dos marginalizados e transeuntes.

 d. Dimensão Intelectual: A mansidão causa a paz e cria melhores condições para o discernimento. A importância que tem, moral e espiritualmente falando, o cultivo da mansidão, é que livremente, permite-nos ver a importância da paz interior e exterior como condições para um bom discernimento. Se não há paz interior, tranqüilidade e serenidade, a opção sempre é suspeitosa e moralmente imperfeita. Portanto, a mansidão é uma ferramenta que nos ajuda a buscar e defender a verdade, favorece a busca incansável do discernimento no serviço aos pobres.

 e. Dimensão Comunitária: A vida em comum, se não está animada pela mansidão, se torna insuportável. É evidente que é difícil conviver com pessoas irritáveis e duras. A condescendência pode ser uma expressão indubitável de mansidão. São Vicente disse o seguinte sobre a condescendência: "Em uma comunidade, é necessário que todos os que a compõem e que são como seus membros sejam condescendentes uns com os outros. Com esta disposição, os sábios têm que condescender com a debilidade dos ignorantes, nas coisas em que não há erro e nem pecado. Os prudentes e sábios devem condescender com os humildes e simples. E com esta mesma condescendência, não só temos de aprovar os pareceres dos demais nas coisas boas e indiferentes, senão incluso preferirmos aos nossos, crendo que os demais têm luzes e qualidades naturais e sobrenaturais maiores e mais excelentes do que nós. Porém temos de evitar muita condescendência com os outros em coisas más, pois isto não seria virtude, senão um defeito, que proviria da libertinagem de espírito, ou de nossa covardia e pusilanimidade" (SV XI,758).

 f. Dimensão Apostólica: A apostolicidade da virtude da mansidão consiste basicamente em centrar nossas pregações no discernimento da procura da justiça e da paz que brotam da Palavra de Deus. Neste sentido, convém estar convictos de que nossas atitudes de bondade e coerência convencem muito mais as pessoas do que sermões, muitas vezes carregados de sentimentos contraditórios e moralismos exagerados. Nossas atitudes evangelizam mais que nossas palavras. Por isso mesmo, elas necessitam estar imbuídas da sensibilidade social na defesa incondicional dos direitos da pessoa humana, sobretudo dos mais pobres e excluídos.


No final desta reflexão sobre a virtude da Mansidão, vejamos mais algumas palavras do mestre Vicente de Paulo: "Não há pessoas mais constantes e firmes no bem que aqueles que são mansos e pacíficos; pelo contrário, os que se deixam levar pela cólera e pelas paixões são geralmente muito inconstantes, porque agem por impulsos e ímpetos. São como as correntezas que só têm força e impetuosidade nas chuvas, mas secam logo depois de ter passado o temporal, enquanto os rios que representam as pessoas pacíficas caminham sem ruído, com tranqüilidade, sem jamais secar" (SV XI, 752).


 4. MORTIFICAÇÃO

Por esta virtude somos interpelados a morrer para nós mesmos. É a virtude que pede que nos entreguemos totalmente, pensemos primeiro nos outros, pensemos especialmente nos Pobres antes de pensar em nós mesmos. Esta virtude educa-nos para o altruísmo em detrimento do nosso egocentrismo.

Assim nos diz São Vicente: "Os santos são santos porque seguem as pegadas de Jesus Cristo, renunciam a si mesmos e se mortificam em todas as coisas" (SV XII, 227).

 a. Eixo Vicentino: Em tempos de busca de refundação e refontização da Vida Consagrada, urge-nos enquanto vicentinos aprofundar o carisma que nos identifica no mundo e retomar nossas tradições fundantes, bem como nossas constituições, nossos bons costumes como alimentos sólidos em vista de um testemunho mais autêntico na humanidade hodierna.

 b. Dimensão Humana: Embora nosso tipo de trabalho seja diverso do que a maioria da população, cabe-nos saber utilizar bem o nosso tempo e os meios que temos em nossas mãos em vista da nossa missão junto às pessoas. Em respeito e solidariedade ao trabalho duro das pessoas para sobreviver temos o dever moral de fazer bom uso de tudo o que dispomos. É preciso que utilizemos o tempo responsavelmente.

 c. Dimensão Espiritual: A oração pessoal e comunitária é uma fonte irrenunciável para um autêntico vicentino, por isso mesmo foi insistentemente recomendada por São Vicente. É muito importante rezar de modo disciplinado, dar à oração seu tempo, compartilhar com os irmãos sua espiritualidade, fazer dos sacramentos um alimento para a vida missionária.

 d. Dimensão Intelectual: Em contrapartida ao consumismo desenfreado da sociedade, é saudável viver a sobriedade diante do uso das coisas, levar um estilo de vida simples, educarmos numa vida ascética, por mais difícil que seja. Para conseguirmos dar passos neste sentido, é profundamente necessário que utilizemos em tudo o senso crítico dentro de uma corresponsabilidade evangélica.

 e. Dimensão Comunitária: A vivência comunitária exige-nos, progressivamente, profunda sensibilidade evangélica. Por sermos irmãos no Senhor, é de se supor que sempre nos sentiremos mais próximos uns dos outros. Portanto, que nossas amizades não sejam exclusivas nem excludentes. Hoje todos somos chamados a participar no processo de tomada de decisões e a viver uma obediência responsável. Interpela-nos expressar nossas opiniões. Isto gasta muito tempo e, às vezes, é penoso. Por isso mesmo é para alguns uma grande mortificação.

 f.  Dimensão apostólica: Entendendo por mortificação renunciar a comodidades para nos doarmos para que o outro tenha mais vida, cabe-nos estar dispostos para responder às necessidades da própria comunidade e às do povo de Deus, sobretudo aceitando as mudanças de local geográfico e social, vendo nesta dinâmica de vida apostólica os apelos do Deus da Vida. Todos nós somos dotados de muitas qualidades e talentos. Colocá-los a serviço é sempre uma virtude. A apostolicidade da virtude da mortificação nos impulsiona a estarmos sempre abertos ao inesperado, pois com freqüência somos interpelados a responder a novas situações, e isso extrai de nosso interior recursos pessoais que nem sabíamos que possuímos. Portanto, a abertura ao novo é profundamente necessário na espiritualidade vicentina. Bebamos mais um pouco na fonte de Vicente de Paulo sobre a virtude da Mortificação: "Somos firmes em resistir à natureza, pois se permitimos que alguma vez se cole em nós um pé, se meterá até quatro. E estamos seguros de que a medida de nosso progresso na vida espiritual está em nosso progresso na virtude da mortificação, que é especialmente necessária para os que hão de trabalhar na salvação das almas, pois é inútil que preguemos a penitência aos demais, se nós estamos vazios dela e se não a demonstramos em nossas ações e modo de nos comportar" (SV XI, 758-759).


 5. ZELO APOSTÓLICO

Podemos identificar o zelo apostólico com paixão pela humanidade. O zelo é a conseqüência de um coração verdadeiramente compassivo. Trata-se da paixão por Cristo, paixão pela humanidade e paixão especialmente pelo Pobre. O zelo é uma virtude verdadeiramente missionária. Expressa-se em forma de disponibilidade, de disposição para o serviço e a evangelização, mesmo quando as forças físicas já estão decadentes.

Assim sendo, relacionado com o zelo está o entusiasmo, que leva à ação. Podemos entender o zelo como uma expressão concreta do amor efetivo, que é motivado pela compaixão, ou amor afetivo.

 a. Eixo Vicentino: O zelo é a quinta virtude característica e mais própria do missionário vicentino. O próprio São Vicente assim qualifica o "zelo pelas almas": "Se o amor de Deus é um fogo, o zelo é sua chama. Se o amor é um sol, o zelo é o seu raio" (SV XII, 307-308). O Zelo Apostólico é o amor pela missão que dura a vida inteira. Vicente de Paulo trabalhou com constância até o final de sua vida. O Zelo é, pois e antes de tudo, entusiasmo, e entusiasmo significa cheio de Deus, plenitude de Deus.

b. Dimensão Humana: Zelo é amor ardente, uma disponibilidade para ir em qualquer lugar para falar de Jesus Cristo, ainda que em circunstâncias difíceis; disponibilidade para morrer por Ele. O testemunho do zelo apostólico inclui não só um profundo amor afetivo pelo Senhor e por seu povo mas também deve se expressar no amor efetivo e no sacrifício. Para bem e melhor servir ao povo a nós confiado torna-se necessário o devido cuidado com nossa saúde e o equilíbrio do nosso ser.

c. Dimensão Espiritual: O Zelo cria a disponibilidade de ir a todo o mundo levar, como Jesus Cristo e os apóstolos esse fogo de amor e de temor de Deus. O Zelo fortalece, aumenta a capacidade de trabalhar, capacita para sofrer tudo pela glória de Deus e salvação do próximo. O Zelo atualiza o comportamento do missionário, aceitando as exigências da Nova Evangelização: novos conteúdos, novas expressões, um novo ardor que não é outra coisa que a atualização do zelo apostólico ou da caridade apostólica. Para esta finalidade precisamos de uma sólida espiritualidade vicentina.

d. Dimensão Intelectual: Zelo é amor fiel e perseverante. É fácil amar durante algum tempo. Mas amar durante toda a vida é mais difícil. Assumir compromissos permanentes é hoje mais difícil do que foi no século XVII, sobretudo porque muitos dos apoios sociais que ajudavam a sustentá-los naquele tempo, hoje desapareceram.

O Zelo hoje se manifesta como fidelidade. Ouro provado no fogo. Exige-nos encontrar criativamente novas maneiras de amar, apesar das mudanças bruscas. Como afirmava São Vicente: "O amor é inventivo até o infinito" (SV XI, 65).

O Zelo leva o missionário a adaptar-se e encontrar novas formas de servir aos pobres, apelando à capacitação profissional e especialmente através da formação permanente. Assim nos tornamos mais efetivos perante um mundo mais exigente.

 e. Dimensão Comunitária: Demonstra-se Zelo com o desejo de conseguir operários para a messe. Com o entusiasmo em comunicar a Palavra pela convivência agradável dentro e fora da comunidade interna. O amor é contagioso. O fogo se propaga. Um amor ardente busca se comunicar aos outros, atrai todos à mesma maravilhosa missão com que se está comprometido. O Zelo nos leva a compartilhar com alegria com outras pessoas, aproveitando os espaços formais e informais. O Zelo é amor fiel e perseverante.

 f. Dimensão Apostólica: O Zelo indiscreto se mostra hoje com o trabalho excessivo, muitas vezes sem critérios equilibrados. Hoje é tão importante como no tempo de São Vicente, o conhecer nossas limitações, aceitar nossa condição de seres criados,o desenvolver um estilo de vida equilibrado que inclui o descanso suficiente e o tempo de lazer. Também é importante manter-se em boa condição física para ter a energia que caracteriza o zelo. A ética do cuidado aplica-se interinamente ao nosso ser por causa da missão.

Outro aspecto da dimensão apostólica do Zelo é a busca de assumirmos responsabilidades compartilhadas, trabalho em equipe, decisões colegiadas. Esse caráter educa-nos para a valorização dos ministérios em suas múltiplas modalidades apostólicas e teologais.

Enriqueçamos nossa visão sobre o Zelo Apostólico com palavras inquietantes de Vicente de Paulo: "Buscamos a sombra, não nos gosta sair ao sol. Não goste tanto da comodidade! Na missão, pelo menos, estamos na igreja, a coberto das injúrias do tempo, do ardor do sol, da chuva, ao que estão expostas essas pobres gentes. E gritamos pedindo ajuda quando nos dão um pouquinho mais de ocupação que do ordinário! Meu quarto, meus livros, minha missa! Está bem! É ser missionário, ter todas as comodidades? Deus é nosso provedor e atende todas nossas necessidades e algo mais, nos dá o suficiente e algo mais. Não sei se nos preocupamos muito de agradecê-lo. Vivemos do patrimônio de Jesus Cristo, do suor dos pobres" (SV XI, 120-121).

 

Palavras Conclusivas:

As virtudes características nos ajudam a permanecer fortes diante de qualquer obstáculo que nos dificulte viver plenamente a vocação a que fomos chamados. Como sabemos, as virtudes características são aqueles valores evangélicos que São Vicente contemplava, de modo especial em Jesus Cristo. São virtudes de que sentiu necessidade e, ainda mais, que se esforçou por viver, compreender e por em prática durante toda a sua vida.

Façamos da oração de São Vicente para pedir o Zelo, nossa súplica missionária: "Ó Salvador, ó meu bom Salvador, apraza à vossa divina bondade livrar a Missão deste espírito de ociosidade, de busca das próprias comodidades e dar-lhe um zelo ardente por vossa glória, que faça abraçar tudo com alegria e que nunca a deixe recusar uma ocasião de vos servir"(Repetição de Oração de 24 de julho de 1655).

  

BIBLIOGRAFIA DE APOIO:

Congregação da Missão – Constituições e Estatutos. Cúria Geral da Congregação da Missão. Roma – 1984.

Carta do Superior Geral da Congregação da Missão, Quaresma de 2007.

Manual de Espiritualidade Vicentina. Coleção Vicentina 12.

MALONEY, Pe. Roberto P., O Caminho de Vicente de Paulo, Coleção Vicentina 10.

CLAPVI, Ano XXXII, N. 124 (periódico).

FLORES, Miguel Pérez, CM. Revestirse Del Espíritu de Cristo. Expresión de la identidad vicenciana. Editorial CEME. Salamanca.

27 de maio de 2013

Santíssima Trindade, mistério de comunhão

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A Trindade é o sentido e a missão da Igreja

Ao iniciarmos essa reflexão acerca da Santíssima Trindade (Pai Criador, Filho Redentor e Espírito Santo Santificador), como mistério de comunhão, precisamos ter presente o conceito da relação perene de amor, que estabelece e sustenta essa comunhão. Tendo por referência esta relação, partimos do pressuposto de que a divina comunhão se apresenta como o modelo ideal da sociedade humana, da Igreja e de toda a comunidade humana e religiosa. A Trindade é o sentido e a missão da Igreja, sacramento da unidade do gênero humano. Unidade da Trindade, pois, a Igreja é reunida pela unidade da Trindade! Essa relação de amor, em vista da vivência da comunhão, revela-se para nós como fundamento e estímulo da prática da caridade fraterna e do apostolado. "Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher. Deus os abençoou..." (Gn 1, 27-28a). Já que o ser humano foi criado à imagem e semelhança divina, ou seja, criado à imagem e semelhança do Amor, tendo por fundamento e exigência essa verdade da Sagrada Escritura, devemos corresponder a essa participação na comunhão da Trindade com atitudes de transbordamento de amor. 

Superar as divisões, competições e as demais concupiscências humanas, que a sociedade vigente constantemente apresenta como padrão de comportamento e meta de vida, constitui o grande desafio do homem na atualidade. Trilhar um dinâmico caminho de conversão e arrependimento que o coloque numa permanente atitude de abertura amorosa é uma necessidade vital. A comunhão exige uma saudável e madura relação entre as individualidades de cada pessoa, pois a comunhão na verdade não significa aniquilamento da individualidade, mas enriquecimento dela à luz do amor verdadeiro que harmoniza e equilibra as diferenças. Quando a pessoa busca se auto afirmar no egoísmo e individualismo, tendo o outro como mero instrumento dos seus interesses ou algo descartável, não existe comunhão, mas exploração e instrumentalização do outro. A comunhão tem por base a liberdade e a complementariedade, onde brota o chamado a viver a doação de si mesmo e o acolhimento do outro numa mútua relação.

O mistério trinitário não é uma teoria de termos complexos, um enigma ou uma mera formalidade teológica, mas plenitude de vida. Não se entende a Trindade, porque é difícil imaginar como é possível amar tanto e doar-se na totalidade. O Deus-Amor é único e, ao mesmo tempo, trino, na medida em que isso é necessário para a perfeita comunhão de vida. A comunhão plena de vida é o objetivo e a meta para onde tudo se encaminha. Para viver a dinâmica santificante da comunhão, não basta fazer parte de um grupo de pessoas que vivem conjuntamente, nem mesmo ter os mesmos objetivos, pois, mesmo assim, os interesses ainda podem ser individualistas. A vivência da comunhão, cujo modelo é a Trindade Santa, exige amar como Jesus ama, um amor de gratuidade e doação. O mandato de Cristo é nítido para todos os que anseiam pela comunhão verdadeira: "... Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros" (Jo 13, 34-35). Nesta dimensão, encontramos também a missão evangelizadora da Igreja em um dos seus fundamentos mais importantes que é o amor. A comunhão é concreta, deixando de ser verbalização quando o compromisso prático do amor é concreto e transformador.

A comunhão entre as Pessoas da Santíssima Trindade é comunicada ao homem pelo dom do Espírito Santo, que estabelece a Nova e Eterna Aliança. Anteriormente, tínhamos a afirmação: "Sereis o meu povo, e Eu, o vosso Deus" (Jr 30,22); agora, temos a plenitude da graça: "... conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim e eu em vós. Se alguém me ama, guardará a minha Palavra e meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos nossa morada" (Jo 14, 20.23). Temos claramente, aqui, o princípio base de que a relação entre nós e Jesus manifesta e continua as relações trinitárias.

Peçamos, nessa Solenidade da Santíssima Trindade, o dom da comunhão. O dom é graça de Deus, força do alto que atua rompendo as barreiras e divisões, tendo em vista transformar os muros em pontes. Deixemos que o Espírito Santo nos convença e impulsione nas decisões e atitudes que fecundam, fazem florescer e frutificar a comunhão na Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo. Conscientes que o amor vivido e continuamente experimentado em nosso meio testemunha ao mundo a salvação e a paz, estabelecendo e construindo o Reino de Deus entre nós. Que o Deus da esperança vos cumule de todo bem e, abençoando-vos, faça acontecer em vós e por meio de vós, a comunhão que revela a face redentora e salvífica de Cristo Jesus! Amém!


Padre Eliano Luiz Gonçalves

Vigário da Paróquia Cristo Rei – Diocese de Lorena (SP)

25 de maio de 2013

Como Ser um Jovem de Grande Valor?

Fonte: http://www.renovacaocarismatica.com.br/mensagem/mensagens_49.php

"Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens para que vejam as vossas boas obras e Glorifiquem o vosso Pai que estás nos céus."  Mt 5.16

Deixe Deus brilhar através de você!

Você sabia que a luz de Deus ilumina em seu caráter?

A Bíblia diz que não podemos ter um caráter com o nosso próprio esforço, devemos permitir que Deus forme um caráter em nós (Rm 7:18, 24-25).

Você é uma pessoa de excelente caráter? As outras pessoas vêem a vida e o Caráter de Jesus brilhando em você, quando faz algo para ajudar alguém? Mesmo que a vida de Jesus viva dentro de você, o pecado as vezes não permite que a Luz Piedosa de Deus Brilhe. Mateus 5:16 diz: "Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e Glorifiquem o vosso Pai que estás nos Céus."

Você pode deixar que o caráter  Perfeito de Deus brilhe pelo seu bom comportamento ("Boas Obras") . Quando você permite  que a sua vida mostre a Bondade de Cristo pela maneira como vive e fala, outros pensarão bem de Deus ("irão Glorifica-lo").

 

Algumas marcas do caráter piedoso.

ü Faça o melhor que puder fazer a cada dia;

ü Seja um trabalhador Disposto e Alegre;

ü Sirva os outros;

ü Fale sempre com Bondade;

ü Ganhe confiança de outros por ser responsável;

ü Descubra as habilidades que Deus lhe deu, desenvolva e usa as mesmas  criativamente;

ü Dê aos necessitados;

ü Inclua Deus em todas as partes de sua vida;

 

O Caráter Piedoso traz muitas recompensas!

Você pode esperar um futuro brilhante a cada manhã. Respeitado pelo o que você tem no intimo de seu caráter, sendo Honrados pelo seu estilo de Vida!

Você está se tornando um jovem de grande Valor?

Pergunte a si mesmo: Estou permitindo que a Luz de Deus brilhe em mim?


Por :Cinthia A. Mascolli

24 de maio de 2013

Competição e concorrência?

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Descubra o caminho para a plena realização humana

Lá, no início da Bíblia, encontramos um irmão ciumento e invejoso, que elimina aquele que parecia ter maior benevolência da parte de Deus (Cf. Gn 4,1-16). "Por que andas irritado e com o rosto abatido? Não é verdade que, se fizeres o bem, andarás de cabeça erguida? E se fizeres o mal, não estará o pecado espreitando-te à porta? A ti vai seu desejo, mas tu deves dominá-lo", diz o Senhor a Caim que, fechado em seus sentimentos, inaugura uma série de comportamentos que, ao longo da história da humanidade, levaram, muitas vezes, os homens e as mulheres à indiferença e ao egoísmo diante do próximo.


Com frequência encontramos afirmações que nos fazem refletir sobre os valores que norteiam nosso comportamento e os rumos assumidos pela sociedade: "E eu, como fico nessa história?" "Exijo que me respeitem como eu sou!" "Eu sou eu e o resto é resto!". E lá vamos nós, defendendo nossas políticas afirmativas, para ver quem conquista maiores espaços na sociedade. Quando falta num discurso a referência a um determinado grupo, desabam as reações e reclamações. Logo os esquecidos se sentem discriminados, porque não lhes podem faltar as devidas deferências. Curioso é ver que a definição dos espaços dos diversos grupos não traz a esperada realização. Vêm à tona novas exigências e as pessoas continuam em busca da felicidade que poderia vir do bater o pé para defender suas posições.


É óbvio que nossas observações encontram resistências, pois a sociedade de mercado e consumo vê, justamente na competição, o seu motor, mas tomamos a liberdade de propor questionamentos que nos possibilitem confrontar modelos, equilibrar atitudes e moderar as tendências que estão dentro de nós mesmos. É bem verdade que a história da humanidade assistiu inúmeras discriminações injustas, por raça, cor, religião, condição social ou outros motivos, mas, tantas vezes, a justa busca de superação das mesmas estabelece um círculo vicioso, gerando novas divisões entre pessoas e grupos. Mais crescem as reivindicações, mais aparecem manifestações de egoísmo. Parece-nos estar envolvidos num novelo interminável!


Deus, que é perfeição eterna, quando criou o mundo (Cf. Gn 1,26), fez o homem à Sua imagem e semelhança, homem e mulher o criou. Inteligência, liberdade e comunhão de amor são os valores da mais íntima intimidade na família eterna que nossa fé cristã professa "Santíssima Trindade". Um só Deus verdadeiro em três pessoas iguais em sua divindade e distintas, tanto que afirmamos que o Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito Santo é Deus. Desde toda a eternidade, ser Deus é amar infinitamente, sair de si mesmo, pois o Pai ama e gera o Filho, o Filho ama e é gerado pelo Pai, o Espírito Santo é o amor do Pai e do Filho. Difícil de entender, pode alguém afirmar, mas decisivo para conhecer a estampa com a qual fomos pensados e amados, para existirmos neste mundo como imagem e semelhança! As tentativas de reinventar o ser humano, sem referência a Deus, são fadadas à frustração. Sim, no acolhimento do fato de termos sido criados para amar e sair de nós mesmos está o caminho para a plena realização humana.

Na Santíssima Trindade, o Pai Criador, o Filho Redentor e o Espírito Santificador vivem num perene relacionamento de amor, que pode atrair e provocar gestos e atitudes novas em nosso tempo. Afinal, a Trindade de Deus foi revelada por Jesus Cristo a nosso favor! Ele afirma constantemente seu relacionamento com o Pai do Céu, de quem quer realizar a vontade, de onde veio e para onde vai. É o Pai que sabe tudo e é com o Pai que Jesus se encontra continuamente no silêncio da oração, linguagem da Trindade de Deus! Na hora decisiva, quando o homem verdadeiro que é Jesus experimenta a agonia, a dor e o abandono, é nas mãos do Pai que se entrega! Quando o Pai toma a palavra nos Evangelhos, é para afirmar que Jesus é seu Filho amado, a quem todos devem ouvir. Ele o glorificou e haveria de glorificar de novo! E o Espírito Santo de Deus, que conduz a humanidade à plena verdade, que procede do Pai e do Filho, acompanha a Igreja para esclarecer tudo, inclusive nossa dificuldade para entender este modelo de vida! (Cf. Jo 16,12-15). Em Deus está o relacionamento e a saída de si para amar, criar, salvar, santificar!

"Quem quiser salvar sua vida a perderá; e quem perder sua vida por causa de mim a encontrará" (Mt 16,25). Afirmar o valor da outra pessoa, amar e servir, olhar ao nosso redor para ver as necessidades dos outros, usar criatividade para propor soluções dos problemas sociais, cumprimentar primeiro, ouvir, esvaziar-se de si mesmo para dar espaço aos mais sofredores, incluir e não discriminar!!! Mas qual é a diferença? É que o primeiro passo cabe sempre a cada um de nós. Na perspectiva cristã, a novidade é que a competição e a concorrência são justamente por sair de si mesmo. É nossa proposta cristã e sabemos que pode não só contribuir para que o mundo seja melhor, mas é a única possibilidade de desatar os nós da existência humana. Trata-se de viver em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo!

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Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém - PA

22 de maio de 2013

Rezar o terço

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Não rezamos para Maria, rezamos com Maria

O terço foi criado para o povo que, ao rezá-lo, seguindo os mistérios gozosos, dolorosos e gloriosos, iam revendo a vida e a missão de Cristo, a história da salvação e, ao mesmo tempo, iam desenvolvendo a devoção a Maria, pedindo a sua intercessão.


Mais tarde, o Papa João Paulo II, numa sábia inspiração do Espírito Santo, por meio do documento pontifício O Rosário da Virgem Maria criou os mistérios luminosos, que meditam o cerne da mensagem de Cristo, seus ensinamentos, seu exemplo. 

Assim, o terço é uma oração bíblica como os Salmos. Entretanto, é mais explícito, ao alcance de qualquer camada cultural. O Pai-nosso é a oração que Jesus nos ensinou. A Ave-Maria foi ensinada por Deus Pai por meio do anjo Gabriel e do Espírito Santo, através da boca de Isabel. Portanto, o Pai, o Filho e o Espírito Santo estão na origem das principais orações do terço. A Santíssima Trindade é o princípio de tudo. Quando rezamos a Ave-Maria, realizamos a antiga profecia do Magnificat: "todas as gerações me chamarão de bendita". Bendita sois vós entre as mulheres.

O mais importante não é prestar atenção na repetição das palavras. Na verdade, elas são apenas uma cantilena suave a nos embalar no que realmente importa: contemplar e meditar os momentos mais importantes da vida de Jesus Cristo. Não rezamos para Maria, rezamos com Maria.

O terço nos coloca em comunhão com a Igreja em oração. Rezá-lo é fazer um exercício de solidariedade espiritual.

Se estivermos deprimidos ou mesmo com insônia, é bom experimentarmos rezar o terço. É um ótimo calmante e não é tóxico. Basta segurar as contas como quem segura na mão de Maria, de quem nos vem a certeza de que não estamos sozinhos. Jesus está perto de nós!

Crianças, jovens e idosos, sábios e simples, todos podem encontrar sentido na oração. O terço é uma forma de aprender a rezar. Seria bom se procurássemos, a cada dia, descobrir a sua atualidade e fazer dele uma de nossas orações prediletas.

Podemos, por meio do terço, rezar por nossos amigos, parentes e também por aqueles que não são tão amigos, mas necessitam de oração. Podemos também anexar às nossas preces um gesto de promoção humana.

Nos dias agitados de hoje, neste mundo em que a tecnologia cada vez mais se desenvolve, mas que o amor, a fraternidade, a tolerância cada vez mais são deixados de lado, o terço é uma fonte de paz. Vamos rezá-lo para contemplar os mistérios da nossa fé!

 

Dom Eurico dos Santos Veloso

Arcebispo Emérito de Juiz de Fora (MG) 

20 de maio de 2013

O que o Espírito diz à Igreja?

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Tempo em que o dom do discernimento se faz presente e urgente

"O Espírito de Deus pairava sobre as águas" (Gn 1,1-2), proclama o magnífico hino da criação do universo, no qual retorna, como alegre refrão, a afirmação de que tudo o que Deus criou é bom! É o mesmo Espírito de Deus que "falou pelos profetas" (Credo niceno-constantinopolitano), o Espírito cuja presença se reconhece agindo naquele que as gerações esperaram: "O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu. Enviou-me para levar a boa-nova aos pobres, para curar os de coração aflito, anunciar aos cativos a libertação, aos prisioneiros o alvará de soltura; para anunciar o ano do agrado do Senhor, o dia de nosso Deus fazer justiça, para consolar os que estão tristes, para levar aos entristecidos de Sião um adorno em vez de cinzas, perfume de festa em vez de luto, ação de graças em vez de espírito abatido" (Is 61,1-3). É o Espírito de Deus, capaz de fazer reviver as ossadas ressequidas da visão de Ezequiel! (cf. Ez 37,1-28). Na plenitude dos tempos, quando se realizam as profecias, a Sinagoga de Nazaré, para escândalo de tantos e alegria daqueles que não deixaram apagar-se a chama da esperança, testemunha a presença daquele que é o Ungido do Pai, sobre o qual repousa o Espírito Santo.

É o mesmo Jesus do batismo de João no Jordão, quando o Espírito apareceu sob forma de uma pomba. Ele, impulsionado pelo Espírito (cf. Lc 4,14), realiza a sua missão e, efetivamente, traz consigo o ano da graça da parte do Senhor. Sua presença restaura, liberta e salva, de modo que ninguém passa em vão ao seu lado. Ele chama discípulos que caminham à sua frente, exulta no Espírito Santo e se alegra: "Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, assim foi do teu agrado" (Lc 10, 21). Jesus anuncia que Deus é Pai, abre a arca eterna do tesouro da Santíssima Trindade e revela que a vida divina não é solidão, mas comunhão, partilha, família. No monte da transfiguração, os discípulos "entram na nuvem" da presença do Espírito! Ali escutam a voz do Pai que os convida a ouvir e receber o Filho amado (cf. Lc 9, 28-36). O "movimento" de amor existente da Santíssima Trindade é posto à disposição de todos os homens e mulheres de fé! Uma verdadeira voragem de vida sobrenatural, agora oferecida como dom!

Em Sua cruz redentora, Jesus Cristo "entrega" o Espírito (cf. Jo 19,30). Já ressuscitado, Ele tem pressa! Sopra sobre os discípulos reunidos para que recebam o Espírito Santo e se transformem em portadores da misericórdia e do perdão. Elevado aos céus na Ascensão, leva à plena realização Seu mistério pascal, infundindo, no Pentecostes da "inauguração da Igreja", as línguas de fogo do Espírito Santo prometido, penhor da realização de Suas palavras. Dali para frente, começa o tempo do Espírito, no qual nos encontramos, enquanto esperamos a vinda gloriosa de nosso Deus e Salvador, Jesus Cristo.

Este é o tempo em que o dom do discernimento se faz presente e urgente. Já as igrejas dos tempos apostólicos (cf. Ap 2-3) buscavam o que o Espírito lhes dizia, para serem fiéis ao Senhor. As respostas ao discernimento continuam atuais: retornar ao primeiro amor da conversão, adquirir novo vigor para a evangelização, tomar consciência dos males existentes nas próprias comunidades, não ter medo dos sofrimentos, conservar o que é bom a todo custo, vigilância para identificar os problemas existentes, superar a mediocridade. Ele está à porta e bate, entra na casa, partilha os dons, repreende, educa os que ama! Até hoje as mesmas recomendações entram pelas portas dos corações e das Igrejas, com frutos abundantes para o anúncio do Evangelho.

Com esta iluminação, podemos buscar o discernimento do que o Espírito grita à Igreja de nosso tempo! Nos discursos de despedida, reunido com os apóstolos no Cenáculo, vendo-os assustados com as revelações que recebiam, desejava que estes tivessem a paz, quando os alerta que no mundo teriam aflições: "Tende coragem! Eu venci o mundo" (Jo 17, 33). Como a vitória que vence o mundo é a nossa fé, vem o chamado a não pretender destruir pessoas ou lançar-lhes sentenças de condenação, mas ir-lhes ao encontro, identificando com o farol da fé as sementes do Verbo de Deus que estão plantadas pelo próprio Espírito Santo.

Mais! Seja vencido todo o derrotismo e a acomodação! O Evangelho é o que existe de melhor e mais atual para as pessoas de nosso tempo. Cristão acuado é cristão derrotado! Antes, com o testemunho pessoal e com a palavra, manifestar que o bem existe e é maior do que o mal.

Quando as pessoas encontrarem comunidades unidas, vivas e ardorosas, oração, testemunho da Palavra de Deus, templos de portas abertas, espírito missionário, serão tocadas pela ação do próprio Espírito Santo, que é a alma da Igreja. Elas virão em busca dos inúmeros poços, nos quais desejarão encontrar água viva (cf. Jo 4, 7-15). Ao encontrarem ministros da Igreja ungidos pelo Espírito, abrirão sua alma e acolherão o dom da graça! As palavras de sabedoria, então destiladas dos lábios das pessoas de Igreja, serão acolhidas de boa vontade! Onde o fogo da caridade manifestar a fé, os homens e mulheres de nosso tempo acorrerão pressurosos, pois também hoje o Senhor tem um povo escolhido e amado em cada lugar! (cf. At 18, 10).

"Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas!" (Ap 2,7.11.17.29; 3, 6.13.22).

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Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém - PA

17 de maio de 2013

O preço da intolerância

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Os intolerantes perdem a capacidade de sorrir

No início de um novo ano, Geovani Vicente Ferreira, 33 anos, tomou um táxi e indicou o lugar para onde desejava ir. Lá chegando, foi informado de que a corrida custara R$ 4,64. Geovani pagou somente R$ 4,60, mas o taxista exigiu os quatro centavos que faltavam. Geovani entregou uma moeda de cinco centavos e passou a exigir seu troco: exatamente um centavo. O taxista disse que não tinha uma moeda desse valor e que não iria dar o troco. Os ânimos foram ficando acirrados, até que o passageiro desistiu do seu troco e saiu com raiva do táxi, batendo a porta com toda a força. O taxista não se conteve e deu um tiro, matando o passageiro. O que leva uma pessoa a chegar a esse grau de intolerância? Como a vida pode chegar a valer apenas um centavo? 

Estamos diante de um fato extremo, mas que nos faz pensar. Dificilmente alguém de nós chegaria tão longe, mas é possível que você já tenha dito poucas e boas para aquele carro que fechou o seu ou demorou demais para sair com o semáforo aberto. Você pode ter levantado a voz com aquela pessoa que estava atendendo a fila sem pressa. A verdade é que a intolerância é um mal muito presente no mundo estressado em que vivemos. Queremos tudo para ontem. Ficamos viciados na impaciência.

Coloque, nesse contexto, um pouco de arrogância e violência. Aí está a mistura explosiva. O resultado pode ser verificado no jornal nosso de cada dia. Guerra, sangue, violência.

Os intolerantes perdem a capacidade de sorrir e procuram seu refúgio no mau humor e na ignorância. A inteligência não consegue sobreviver nesse canteiro de ervas daninhas. Terroristas, assassinos e traficantes precisam usar o capuz, esconder o rosto, evitar fazer algum raciocínio, pois se arriscariam a descobrir que sua atitude é totalmente idiota e sem sentido. É por isso que aqueles que estão interessados no lucro que a intolerância pode gerar estimulam o fundamentalismo, que é a ignorância em sua forma religiosa. Então, você tem aqueles que matam e morrem em nome de Deus.

Atenção: há formas de terrorismo presentes nas salas de aula, nas casas e nas ruas. A intolerância pode aflorar até em um táxi qualquer, por um mero centavo. Há pais intolerantes com seus filhos e vice-versa. Há professores que são um verdadeiro terror para os alunos, e há alunos que fazem o terror de seus mestres. Precisamos dar um basta. Se ficarmos em silêncio sempre, teremos apenas que chorar os mortos. Devemos anunciar a solidariedade e a paz.

A calma, a compreensão, a compaixão, o diálogo, o humor e o amor são as raízes dessa atitude profunda que chamamos de tolerância. Não me entenda mal, tolerar não significa deixar as coisas como estão, colocar panos quentes, aceitar o reinado dos maus. Já se falou muito em "tolerância zero". Não devemos tolerar o pecado. Mas precisamos atirar no pecador? Não precisamos perdoar a dívida de R$ 10 mil. Mas precisamos gastar tanta adrenalina por um centavo? Pense nisso!

 

(Extraído do livro "Pronto, Falei!")