Bispo de Marabá (PA)
"Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade - as três. Porém, a maior delas é a caridade." 1Cor 13,13. Idealizado e Criado em 13/05/2006.
30 de janeiro de 2025
Jesus Cristo é a luz do mundo nos padres da Igreja
Bispo de Marabá (PA)
29 de janeiro de 2025
A contribuição de São Tomás de Aquino para o diálogo entre razão e fé
Relação equilibrada e harmônica entre razão e fé: um legado filosófico-teológico de Tomás de Aquino para a cultura ocidental
O pensamento de Tomás de Aquino é, em geral, caracterizado como genuinamente cristão, por trazer a mais íntima relação entre razão e fé, entre filosofia e teologia. O seu pensamento estaria inserido no contexto da formulação paradigmática, bem conhecida da filosofia como serva da teologia – philosophiae ancilla theologiae -, como era recorrente na medievalidade.
A busca pela harmonia entre razão e fé
Visões racionalistas e fideístas reconfiguradas, na contemporaneidade, trazem sinais equivocados, ainda persistentes, sobre a compreensão do real modelo tomista de distinção entre filosofia e teologia. No entanto, Tomás de Aquino buscou demarcar, com clareza meridiana, as rigorosas relações entre razão e fé. Uma demarcação fundamental para se entender bem os limites cognitivos da razão em relação à fé, evitando-se os exageros tanto do racionalismo, quanto do fideísmo, não raras vezes, nos tempos hodiernos, identificados em comunicações em diversos ambientes de divulgação de ideias filosóficas e teológicas.
O sistema tomista: a razão e os limites do conhecimento
O sistema tomista baseia-se na determinação rigorosa das relações entre razão e fé. É certo que a razão pode muito em termos de conhecimento, mas não pode tudo conhecer. Ela tem seus limites. Foi necessário que a razão se completasse com a fé, com aquilo que lhe é revelado. Entretanto, a revelação não anula nem torna inútil a razão, vale dizer, a graça não elimina a natureza, antes a aperfeiçoa – gratia non tollit naturam sed perficit.
A contribuição da razão para a fé
A razão não pode demonstrar o que pertence ao domínio da fé, porque a fé teria o seu conteúdo esvaziado. A razão não ultrapassa seus próprios limites, pois ela não atua de forma invasiva. Nesse sentido, Tomás de Aquino reconhece que a razão muito contribui para preparação da fé. Essa contribuição da razão para a fé se dá de três modos distintos.
A razão ajuda a demonstrar as verdades da fé
Em primeiro lugar, a razão ajuda a demonstrar aquelas coisas que podem ser consideradas como preâmbulos da fé, ou seja, aquelas verdades cuja demonstração é necessária à própria fé. Não se pode crer naquilo que foi revelado, se não se sabe que Deus existe. A razão demonstra que Deus existe e que possui características e atributos que podem ser inferidas das coisas por Ele criadas.
A razão ilustra as coisas que pertencem à fé por comparações
Em segundo lugar, a razão ilustra, por meio de certas semelhanças, as coisas que pertencem à fé, isto é, a razão pode ser utilizada para aclarar as verdades da fé mediante comparações.
A razão opõe-se as coisas que se o contrapõe a fé
Em terceiro lugar, a razão opõe-se às coisas que são ditas contra a fé, vale dizer, a razão pode rebater as objeções contra a fé, demonstrando que são falsas ou, ao menos, que elas não têm força demonstrativa (Aquino, 1990, p. 28).
Tomás de Aquino e a crítica aos averroístas
Na realidade, Tomás de Aquino tinha se posicionado contra os averroístas, a partir de interpretações enviesadas de Aristóteles. Os averroístas tinham esvaziado a fé de todo conteúdo racional e expunham a razão a uma angustiante crise de fé. E os averroístas latinos procuraram contornar a questão, recorrendo à teoria da dupla verdade, ou seja, é verdadeiro, mas de modo bem diverso, tanto o que ensina a razão quanto o que ensina a fé (Mondin, 1981, p. 171-172). Tomás de Aquino propunha correções aos averroístas. Os argumentos tomistas estavam assentados em três pontos fundamentais. Em primeiro lugar, razão e fé são sim modos distintos de conhecer, mas isso não conduz a uma dupla verdade. A razão admite a verdade por causa de sua evidência intrínseca, enquanto a fé aceita a verdade por causa da autoridade de Deus revelador (Aquino, 2009, p. 139). Em segundo lugar, razão e fé não podem contradizer-se. Deus é a fonte comum. Desse modo, a verdade da razão não pode jamais entrar em conflito com a verdade revelada, porque a verdade não pode contradizer a verdade. Se aparece uma oposição entre elas, é sinal de que não se trata propriamente da verdade, e sim de inferências errôneas, falsas em suas premissas e, por conseguinte, falsas em suas conclusões (Aquino, 1986, p. 115). E, em terceiro lugar, não obstante a razão seja suficiente para conhecer as verdades fundamentais da ordem natural e tenha sua autonomia no conhecimento das coisas naturais, ela é incapaz, por si só, de penetrar nas verdades mais profundas da ordem sobrenatural, que constituem seu bem último (Aquino, 1990, p. 31).
Os limites da razão e a demonstração da existência de Deus
O princípio aristotélico, segundo o qual todo conhecimento começa pelos sentidos, foi utilizado por Tomás de Aquino para limitar a capacidade e as pretensões da razão. A razão natural pode elevar-se até Deus, porém, seu ponto de partida são as coisas sensíveis, ou seja, é mediante a razão natural que o homem, através das criaturas, pode alcançar o conhecimento de Deus. Assim, afirma-se que "[…] as criaturas conduzem ao conhecimento de Deus, como o efeito conduz à causa." (Aquino, 2009, p. 555).

São Tomás de Aquino; Crédito: Bartolomé Esteban Murillo/Domínio Público
Os domínios da fé e da razão
São dois tipos de demonstrações possíveis à razão. Uma a priori ou propter quid, que parte da causa para o efeito; a outra, a posteriori ou quia, que parte do efeito para a causa. Na concepção tomista, somente a segunda via pode ser utilizada para o conhecimento de Deus. Esclarecidos os domínios da razão e da fé, Tomás de Aquino passou, então, a tratar dos correspondentes atos, entre eles, notadamente, o ato de fé. Era preciso entender o que é a fé. Para isso, ele aderiu a um conceito agostiniano, qual seja, cogitare cum assenso, quer dizer, pensar com anuência (Aquino, 2012, p.73).
O escolástico examinou esse conceito e o aprofundou, pois era necessário entender melhor o "pensar" que nele estava inserido. Ele envolve uma consideração indagadora do intelecto. O pensar, que é próprio da fé, é um ato intelectual que continua a indagar justamente porque ainda não se tem uma perfeição de algo que ainda está em cogitação. Assim, no pensar do crente estão envolvidas três espécies de operações intelectuais: duvidar, suspeitar e opinar. O duvidar consiste em não se inclinar nem para o sim nem para o não. O suspeitar já se caracteriza por se inclinar para um lado, mas sem deixar de ser movido por sinais apresentados pelo outro lado. O opinar se configura pela aderência a um lado, embora não desapareça o receio de que o lado contrário possa ser verdadeiro. Uma vez bem estabelecidas essa noção intelectual, então, deve ficar claro que o ato de crer se aproxima da adesão firme a um dos lados, a uma das partes, e aqui o ato de crer se assemelha ao que tem ciência, porque possui evidências de algo que já consegue conhecer. Entretanto, esse conhecimento do crente não é tão perfeito como daquele que tem uma evidência perfeita diante de si. O conhecimento do crente tende ao duvidar, ao suspeitar até chegar ao opinar, motivo pelo qual é próprio do crente pensar com anuência. Essa anuência implica que haverá inevitavelmente sempre uma escolha voluntária, o que inclina o homem para um lado e não para outro. Em última instância, a fé é uma adesão a um lado de alguma coisa, uma vez formada a opinião sobre ela. Por isso, baseado na Carta aos Hebreus, na concepção tomista, ela é "[…] a prova das coisas que não se veem." (Aquino, 2012, p.53).
A certeza da fé e a vontade
Para Tomás de Aquino, portanto, a certeza da fé está baseada na certeza da vontade, que acaba por aderir a uma opinião formada sobre algo. O ato de fé é mesmo um cogitar com assentimento, um pensar com anuência, sobre algo a que se decidiu aderir por opinião formada, sem que isso chegue a se tornar uma certeza objetiva, que fica reservada somente à ciência, porque a fé não é mobilizada por um objeto, mas sim por uma escolha voluntária.
Tomás Aquino buscou estabelecer rigorosas relações entre razão e fé, demarcando seus campos cognitivos e não contraditórios, de modo a se evitar os equívocos tanto do racionalismo, quanto do fideísmo, ainda persistentes, não raras vezes, nos tempos hodiernos. A razão se completa com a fé, com aquilo que lhe é revelado. A revelação, por sua vez, não anula nem torna inútil a razão, vale dizer, a graça aperfeiçoa a natureza, e não a anula. Para o escolástico, razão e fé têm modos distintos de conhecer, mas isso não conduz a uma dupla verdade; ao contrário, a fonte da verdade para a razão e para a fé é uma só, Deus. Razão e fé não podem contradizer-se, porquanto, Deus é a fonte comum da verdade que elas buscam conhecer.
A razão é suficiente para conhecer as verdades fundamentais da ordem natural e tem sua autonomia no conhecimento das coisas naturais, embora tenha limites próprios que a inviabilizem de penetrar nas verdades mais profundas da ordem sobrenatural, que constituem o bem último. A razão natural pode elevar-se até Deus, porém seu ponto de partida não é o próprio Deus, e sim as coisas sensíveis, isto é, do efeito conduz para a causa. São dois tipos de demonstrações possíveis à razão. Ela não segue a demonstração a priori ou propter quid, que parte da causa para o efeito, e sim a demonstração a posteriori ou quia, que parte do efeito para a causa.
O ato de fé: pensar com anuência
Depois de esclarecidos os domínios da razão e da fé, então, Tomás de Aquino colocou no epicentro do diálogo entre ambas o ato de fé. Este é entendido como pensar com anuência, o que envolve uma consideração indagadora do intelecto. O pensar, que é próprio da fé, é um ato intelectual que continua a indagar justamente porque ainda não há uma perfeição, já definida e definitiva, que caracterize o que se busca conhecer. Nesse pensar do crente há três operações intelectuais, quais sejam, duvidar, suspeitar e opinar.
I. Duvidar: cogitar a possibilidade do sim e do não para algo;
II. Suspeitar: tender para um lado, mas sem ignorar os sinais do outro lado;
III. Opinar: se caracteriza pela adesão a um lado, embora não desapareça o receio de que o lado contrário possa ser verdadeiro.
O ato de crer
O ato de crer requer adesão firme a um dos lados, a uma das partes, e, dessa maneira, ele se assemelha ao que tem ciência, porque possui evidências de algo que já consegue conhecer. Todavia, o conhecimento do crente não é tão perfeito como daquele que tem uma evidência perfeita diante de si. Por isso, o conhecimento do crente tende ao duvidar, ao suspeitar até chegar ao opinar, motivo pelo qual é próprio do crente pensar com anuência. No ato de fé, portanto, há sempre uma escolha voluntária, o que inclina o crente para um lado e não para outro. Por isso, em última instância, a fé é uma adesão a um lado de alguma coisa, uma vez formada a opinião sobre ela.
Assim, para Tomás de Aquino, a certeza da fé está baseada na certeza da vontade, que acaba por aderir a uma opinião formada sobre algo. O ato de fé é mesmo um cogitar com assentimento sobre algo a que se deliberou aderir por opinião formada, sem que isso chegue a se tornar uma certeza objetiva, que é reservada somente à ciência, porque a fé não é mobilizada por um objeto, mas sim por uma escolha voluntária.
O legado de Tomás de Aquino
A busca de uma relação equilibrada e harmônica entre razão e fé constitui, sem sombra de dúvida, um legado filosófico-teológico de Tomás de Aquino para a cultura ocidental. A propósito, são muito significativos os seguintes dizeres sobre a novidade perene do pensamento de São Tomás de Aquino:
[…] Tomás reconhece que a natureza, objeto próprio da filosofia, pode contribuir para a compreensão da revelação divina. A fé, então, não teme a razão, mas a procura e nela confia. Como a graça supõe a natureza e a leva a cumprimento, […], assim a fé supõe e aperfeiçoa a razão (João Paulo II, 1998, p. 92, tradução nossa).
Destarte, o pensamento tomista ainda constitui, nos tempos atuais, um ponto de equilíbrio coerente e consistente entre razão e fé, bem como um verdadeiro tesouro deixado pelo Doutor Angélico para as sociedades contemporâneas que, não raras vezes, se conduzem como massas arrebanhadas e manipuladas pelos movimentos pendulares dos racionalismos estéreis e dos fideísmos obscurantistas.
Marcius Tadeu Maciel Nahur
Natural de Lorena (SP), Coordenador do Curso de Filosofia da Faculdade Canção Nova. Formado em Direito, História e Filosofia. Mestrado em Direito com ênfase na Filosofia de Henrique Cláudio de Lima Vaz. Delegado de Polícia Aposentado.
Referências
AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução de Aldo Vannucchi et al. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2012. v. V. 682 p.
AQUINO, Tomás de. Suma teológica. Tradução de Aldo Vannucchi et al. São Paulo: Loyola, 2009. v. I. 693 p.
AQUINO, Tomás de. Suma contra os gentios. Tradução de D. Odilão Moura O.S.B. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia; Universidade de Caxias do Sul; e, Livraria Sulina Editora, 1990. v. V. 376 p.
AQUINO, Tomás de. Exposición del De Trinitate de Boecio. Traducción de Alfonso García Marqués. Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra, 1986. 302 p.
JOÃO PAULO II. Fides et Ratio: i rapporti tra fe e ragione. Casale Monferrato: PIEMME, 1998. 168 p.
LIBERA, Alain de. A Filosofía Medieval. Tradução de Nicolás Nyimi Campanário e Yvone Maria de Campos Teixeira da Silva. São Paulo: Loyola, 1998. 532 p.
MONDIN, Battista. Curso de Filosofia. Tradução de Bênoni Lemos. 9. ed. São Paulo: Paulus, 1981. v. 1. 227 p.
27 de janeiro de 2025
Jubileu da Esperança, o caminho para uma nova realidade
Ano Jubilar 2025, uma jornada de esperança para o mundo
A Igreja Católica convida o mundo a celebrar o Ano Jubilar 2025, experiência que pode alimentar a luz da esperança, para fazer de todos peregrinos de esperança. Um investimento humano e espiritual para enfrentar desesperanças causadas pela escuridão que paira no céu do mundo contemporâneo, agravada pelas guerras, disputas de todo tipo que pesam sobre os ombros de todos.

Igor Alecsander / GettyImages
O caminho jubilar tem propostas celebrativas e dinâmicas vivenciais capazes de resgatar o ser humano com a luz da esperança que reveste o viver de um profundo e adequado sentido, iluminando horizontes que inspiram a edificação de uma nova realidade, aguardada por todos.
Caminho espiritual, a fonte para a reconciliação
Na multíplice riqueza do horizonte humanístico e espiritual da Igreja, seja destacada a orientação para que cada pessoa reconheça que o ser humano tem sede do amor de Deus, conforme bem ensina o Papa Francisco, no 4º capítulo da Carta Encíclica sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus. Deus foi o primeiro a amar. O princípio fundante do amor de Deus, assim, vincula a humanidade ao compromisso de amar sempre, até mesmo os inimigos.
Um compromisso capaz de instituir nova lógica humanística, com força para corrigir descompassos nas relações humanas. A sede do amor de Deus cura descompassos de outras "sedes", a exemplo da ilimitada ambição pelo poder, que tanto fere a dignidade humana. Há de se admitir sobre a necessidade de um caminho espiritual que é fonte de reconciliação e de amizade social, inspirando ainda um novo estilo de vida, mais respeitoso com a casa comum.
Sede inesgotável, encontrando plenitude no amor de Deus
A sede de Deus direciona o ser humano para um manancial inesgotável e encantador, detalhado na promessa de Deus ao seu povo. A qualidade do amor divino, com propriedades únicas, devolve e garante à humanidade uma existência plena, muitas vezes procurada em outros lugares ou referências. Quando se busca conquistar uma existência plena em outras referências, desconsiderando o amor de Deus, convive-se com um vazio existencial que compromete a vida.
Deus é vivificante, oferece ao mundo uma sabedoria que ilumina o caminhar de cada dia. Por isso os cristãos contemplam um homem trespassado de onde brota, do seu lado aberto, no alto da cruz, a água da benevolência e da súplica, fazendo emergir a garantia de vida nova. A vida nova nasce e fecunda-se pela experiência de fixar o próprio olhar no crucificado e focalizar bem o seu lado aberto, ferido pela lança do soldado. Acolher a voz de Cristo – com aquela palavra por Ele proferida, solenemente, na Festa das Tendas, no dia mais solene, em Jerusalém, conforme narra o Evangelista João: "Se alguém tem sede, venha a mim… hão de correr do seu coração rios de água viva". Compreende-se o especialíssimo poder da cruz de Cristo para saciar a sede de Deus. Contemplá-la é uma experiência capaz de inspirar grandes e inesperadas mudanças no coração humano.
Buscando a renovação espiritual através da contemplação do crucificado
Contemplar o crucificado é reconhecer o amor de Deus sempre declarado à humanidade. Um amor eterno, com propriedades para entrelaçar corações e vidas, para fazer vencer, sempre, a misericórdia. Ao longo da história, tornou-se cada vez mais sólida a devoção da Igreja ao Sagrado Coração de Jesus – fonte permanente de vida para quem o ama. A fé cristã encontra aí um caminho para dessedentar-se no amor de Deus, desdobrando-se em uma força espiritual transformadora, que arquiteta condutas de mártires, de evangelizadores, de vidas vividas segundo a lógica do amor fraterno e solidário.
Reconhecer a sede de Deus e saciá-la a partir do Sagrado Coração de Jesus possibilita a experiência de um renascimento, alcançando o sentido existencial do viver, alicerce da coragem e da arte essenciais para trilhar os caminhos da vida. Uma força transformadora que brota do amor e muito ajuda na cura das doenças atuais. Do coração de Cristo vem a plenitude do Espírito Santo que não permite distanciamento do amor de Deus.
O silêncio do coração, a sabedoria e a intimidade com Jesus
Jesus, com o seu coração, destrói o espírito maligno que tenta dominar e adoecer cada pessoa. A sede de Deus precisa, pois, ser reconhecida e cultivada, de modo especial pela devoção ao coração de Jesus, lugar de encontro pessoal com o Senhor – assim já ensinava Santo Agostinho, no século 4. Do encontro com o Senhor nasce uma sabedoria, uma intimidade mística, cultivada no silêncio e na contemplação, fortalecendo o ser humano.
Vale o convite para entrar no coração do Mestre, particularmente pela escuta e acolhida das interpelações de sua Palavra, alimento para a alma que se desdobra em uma sabedoria essencial ao caminho de cada dia. A partir da proximidade com o coração de Jesus, o coração humano qualifica-se para viver o amor que incide sobre o conjunto da própria vida, qualificando-a, enriquecendo – a com a força de um amor maior e inesgotável – o amor de Deus, a água que cura a principal sede do ser humano.
A dinâmica do amor, uma jornada de expansão e compreensão
É preciso alimentar o desejo de se encontrar com Deus, na oração pessoal e comunitária. Assim o coração humano bate em sintonia com o coração de Cristo, enchendo-se de uma ternura que cura, humaniza e qualifica. Este é, pois, convite deste Ano Jubilar que busca reunir peregrinos de esperança, dedicados à vivência do amor, nas mais diferentes circunstâncias da vida, ajudando a sociedade a tornar-se justa e solidária. Aproximar-se do Coração de Jesus é inscrever-se em uma dinâmica que inspira transformação pessoal, ampliando horizontes de compreensão.
Permite reconhecer, por exemplo, que o próprio trabalho não se restringe ao exercício de uma profissão ou de um
empreendimento, mas caminho para construir uma sociedade melhor. Todos possam trilhar um caminho novo a partir do cultivo da sede do amor de Deus.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
25 de janeiro de 2025
Você sabe lidar com a tristeza?
Dom Leomar Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)
Jesus é Deus que se fez humano para revelar nossa verdadeira identidade. Aos contemplarmos a humanidade de Jesus, vemos a "transparência" do rosto de Deus. Seus traços humanos – sua história concreta, suas escolhas, seus comportamentos e seus sentimentos – nos permitem acessar quem é o homem Jesus, seu lado humano. Ao mesmo tempo, revelam o projeto de ser humano que Ele nos ofereceu. Os primeiros cristãos sempre refletiram sobre Jesus como "o rosto divino do humano e rosto humano de Deus".
Refletir sobre os sentimentos de Jesus pode iluminar nossas próprias experiências, frequentemente marcadas por incertezas e cansaços. Não temos como imitar Jesus em tudo, porque os contextos são diversos, mas podemos nos inspirar em sua vida ele para lidarmos com os revezes do nosso cotidiano. Como bem diz o Pe. Zezinho em sua canção: "O que é preciso para ser feliz? Amar como Jesus amou, viver como Jesus viveu, sonhar como Jesus sonhou, sentir o que Jesus sentia".
Meditemos sobre a tristeza, esse sentimento que marca nossa existência e que foi santificado pela vivência de Jesus. Muitas vezes, ela pode nos paralisar ou lavar à depressão, tirando nossa vontade de viver. Porém, nem toda a tristeza é ruim. Ficar triste, por exemplo, por estar longe de Deus, por ter feito algo errado ou por ter ofendido alguém e se arrepender, tem grande valor. São Paulo escreveu: "A tristeza, segundo Deus, produz um arrependimento irrevogável que leva à salvação, enquanto a tristeza mundana traz a morte" (2 Cor 7, 10).
A tristeza saudável pode conter valiosas lições: reconhecer o que já não temos, mas que nos fazia felizes; tomar consciência dos nossos defeitos, aprendendo a discernir o bem do mal; a sermos humildes, percebendo o que nos falta na vida e, ao mesmo tempo, abrir-nos para encontros inesperados, chamando-nos a sair da autossuficiência.
Jesus experimentou sentiu tristeza ao longo de sua vida. Ele se entristeceu diante do pecado da "dureza de coração" dos seus interlocutores, especialmente dos líderes religiosos que o rejeitavam. Experimentou a tristeza profunda no Jardim das Oliveiras antes ser preso, julgado e condenado (Mc 14,33). Ele superou esse momento entregando-se totalmente à vontade do Pai (Mc 14,36), encontrando na paixão iminente uma lógica de amor a Deus e ao próximo.
Com Jesus, aprendemos que, quando o amor se torna a razão de viver e de morrer, a tristeza dá lugar à felicidade e à alegria profunda, que são dons do Espírito Santo. Ele nos ensina a lidar com a tristeza sem nos perdermos em meio às trevas.
Jesus também manifestou sua vulnerabilidade com lágrimas. Ele chorou pela morte de seu amigo Lázaro: "Jesus começou a chorar", e os presentes comentaram: "Vejam como ele o amava!" (Jo 11,35-36). Chorou também ao avistar Jerusalém, após sua entrada triunfal messiânica, lamentando que a Cidade Santa não reconheceu o momento da sua visita. Ele veio trazer a paz, mas foi rejeitado e crucificado como um malfeitor (Lc 19,41-44).
Jesus disse "Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados" (Mt 5,4) e "Bem-aventurados vocês que agora choram, porque vocês se alegrarão" (Lucas 6,21). Choramos de tristeza, pelo sofrimento injusto, pelos nossos pecados. Não são lágrimas inúteis. Elas são recolhidas por Deus, que no Reino, porá fim à morte e a tudo o que contradiz a vida em plenitude, com um gesto muito simples e cheio de amor: Ele mesmo enxugará as lágrimas de todos os rostos (cf. Ap 21,4).
É preciso aprender a sofrer sem perder a esperança. Afinal até a dor e a tristeza passam, mas Deus permanece conosco. Em Cristo, Deus experimentou a tristeza e nos indicou o caminho da superação pela fé. Deus é fonte da alegria e está sempre conosco.
Fonte: https://www.cnbb.org.br/voce-sabe-lidar-com-a-tristeza/
19 de janeiro de 2025
O milagre da transformação do mundo
Milagre de Caná, simbolo de esperança e tranformação
"Jesus manifestou a sua glória e seus discípulos creram nele" (Jo 2,12). Foi em Caná da Galileia que o fato ocorreu, por ocasião de uma festa de casamento, celebrada durante vários dias, de acordo com os costumes da época. Tendo faltado o vinho, verdadeiro desastre numa comemoração do gênero, o vexame se impunha e alguém encontra uma saída. Justamente o gênio feminino de Maria, a Mãe de Jesus, desde então pressurosa no serviço atento a todos, sabendo quem era seu Filho, faz a hora acontecer!

Crédito: Sitthiphong / GettyImages
Antecipa os tempos e provoca o milagre do vinho da melhor qualidade. E todos puderam testemunhar que o verdadeiro noivo era Jesus e as bodas eram as sonhadas núpcias de Deus com seu povo, celebradas num alto monte, com um grande banquete oferecido ao povo escolhido. Vinho novo e carnes gordas! A beleza plástica com que o quarto Evangelho descreve os fatos é incrível!
Surpreende o fato de que o primeiro dos sinais, como São João chama os milagres, tenha ocorrido numa festa de casamento. Uma visão estreita do modo de Jesus agir teria esperado uma cura de um enfermo ou outros prodígios que de fato o Senhor realizou. Aliás, gestos seus foram em outra ocasião questionados por uma mentalidade tacanha que pensava no quanto poderia render o dinheiro gasto com bons perfumes usados como gesto de delicadeza com o próprio Jesus (cf. Jo 12,1-8). Em Caná, o milagre é o da alegria, símbolo dos tempos messiânicos.
Felicidade plena, a fonte divina e a participação humana
Deus não nos quer apenas sem enfermidades ou assistidos em nossas necessidades básicas, mas nos quer felizes daquela alegria cuja fonte só se encontra nele. Jesus é Deus e pode tudo, mas não dispensa a participação humana. Entram em cena a sensibilidade de Maria, os servos, o mordomo que prova o vinho novo, o noivo elogiado e os espectadores de todos os tempos, nos quais estamos incluídos, com nossas lutas, alegrias, angústias e esperanças. Com elas, poderemos depois voltar às propostas de Caná.
Antes, algumas constatações. As diversas épocas da história trouxeram impasses para as pessoas e os grupos, muitas vezes suscitando clamor por soluções milagrosas. Também o mundo em que vivemos cria para si mesmo encruzilhadas desafiadoras, e são complicados os seus componentes. Brincando com coisas sérias, dá-se um realce desproporcional aos direitos individuais, sem dúvida importantes. Todos querem apenas exigir a sua parte no bolo dos bens, sem pensar que vai faltar para alguém.
A avalanche do consumo e o endeusamento das leis de mercado, a desenfreada busca do prazer e daí por diante, geram um desconforto entre as várias classes sociais, espalham a violência e criam perplexidade transformada em perguntas sobre o futuro e a falta de Esperança. Nosso próprio e imenso país, cultivando uma imagem de imunidade diante das crises mundiais, começa até a desconfiar que não é suficiente nem mesmo o potencial energético de que se considera detentor. A festa do consumo, a impunidade ou a farra de uma imensa balada irresponsável se revelam frágeis. Até o justo desejo de autonomia e desenvolvimento pode ficar comprometido. De repente, alguém percebe que o vinho acabou!
A instabilidade e incerteza, os desafios das relações modernas
Mesmo no miúdo do dia a dia das famílias, dá para perceber que a instabilidade das uniões e a fugacidade dos relacionamentos têm trazido uma sensação de que algo não vai bem. É quase impossível, para quem tem um mínimo de bom senso, não ver que o futuro de tantas crianças, cuja imagem de família está absolutamente esfacelada, será desastroso.
A falta da sadia polarização entre homem e mulher, pai e mãe, já faz sentir seus efeitos. Aberto o leque, muitas são as situações nas quais nossa humanidade clama por milagres! Como desatar o nó do futuro? A nós cristãos cabe o desafio de participar de todas as lutas e buscas de saídas honrosas, dignas dos filhos e filhas de Deus, e ser "Peregrinos de Esperança", neste ano de Jubileu.
Com sabedoria, a seu tempo, Bento XVI alertava que, "para sair da crise financeira e econômica atual, que provoca um aumento das desigualdades, são necessárias pessoas, grupos, instituições que promovam a vida, favorecendo a criatividade humana para fazer da própria crise uma ocasião de discernimento e de um novo modelo econômico. O modelo que prevalece nas décadas recentes aposta na busca da maximização do lucro e do consumo, numa ótica individualista e egoísta que pretendia avaliar as pessoas apenas pela sua capacidade de dar resposta às exigências da competitividade. Olhando de outra perspectiva, porém, o sucesso verdadeiro e duradouro pode ser obtido com a dádiva de si mesmo, dos seus dotes intelectuais, da própria capacidade de iniciativa, já que o desenvolvimento econômico suportável, isto é, autenticamente humano, tem necessidade do princípio da gratuidade como expressão de fraternidade e da lógica do dom" (cf. Bento XVI, Mensagem para o dia Mundial da Paz 2013, n. 5).
Evangelização: Mais que Milagres, a Transformação da Sociedade Pela Palavra
E aqui estão algumas propostas "ingênuas", à disposição em Caná e na Igreja. A receita do milagre vem da Virgem Maria. A última de suas palavras registrada nos evangelhos parece um testamento de quem ama muito seus pósteros: "Fazei tudo o que ele disser!" (Jo 2,5). Sua recomendação precisa ressoar de novo em todos os recantos. Muito mais do que milagres estrondosos, acreditamos num caminho a ser percorrido, cujo nome é Evangelização.
Acreditar na Palavra de Jesus Cristo e colocá-la em prática transforma as consciências, corações e obras. Quem faz esta escolha cumpre todas as leis existentes, convive na sociedade, mas tudo supera por implantar, onde que passe, a lei do amor a Deus e ao próximo. Só que isso não faz barulho. É como árvore que cresce e se consolida para produzir bons frutos.
Milagres do cotidiano, gestos simples que transformam
Milagre consistente se faz com gestos simples. Encher talhas de água, ou sair pelas ruas e tratar chagas e consolar as pessoas, acolher o drogado que alguém considera restolho na sociedade, buscar soluções para idosos ou abandonados, sentar-se para ouvir, corrigir com ternura, não complicar a vida, atender com boa vontade numa repartição, coisas de servos, dos servos de Caná revividos em nós. Vale experimentar!
A recuperação do valor do Sacramento do Matrimônio, malgrado as estatísticas, faz parte do receituário oferecido por aquele que é médico do corpo e do espírito e que continua a fazer milagres para injetar esperança em nossa geração. Na educação dos filhos, incluam os pais o valor dos mandamentos, a dignidade da família unitária e estável, fiel e fecunda. Uma das manifestações de Jubileu\, em nossa Arquidiocese, quer ser a valorização do Sacramento do Matrimônio, e uma verdadeira Pastoral Vocacional para o Matrimônio.
Quem olhar ao redor, poderá encontrar bons exemplares dessa "raça de gente", capaz de ajudar o mundo a ser melhor, da melhor espécie de ser! O milagre pode estar ao alcance de nossas mãos, dependendo só de nosso sim. E o hoje será melhor do que ontem!
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/o-milagre-da-transformacao-do-mundo/
18 de janeiro de 2025
Direitos humanos?
Dom Pedro Cipollini
Bispo de Santo André (SP)
Defendidos por uns, mal visto por outros, na verdade há incompreensão sobre o que são os "Direitos Humanos". Em 1948 a ONU (Organização das Nações Unidas) emitiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Foi uma conquista da Sociedade, logo após o fim da devastadora segunda guerra mundial, onde todos os direitos foram violados, como ocorre em qualquer guerra.
Esta Declaração comprometeu as nações signatárias, como o Brasil, a fazerem com que não permaneçam puramente teoria, fornecendo as estruturas sociais que garantam sua execução, e além disso, que não sejam coibidos por regimes de opressão. É tarefa dos governos e políticos, implementarem os Direitos Humanos, o bem comum.
A Constituição brasileira no seu artigo 153§2, assegura os Direitos Humanos a todos os cidadãos nacionais, e aos estrangeiros residentes no país: "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei". Lei que atinge todos igualmente e regula o convívio social, impedindo que a vontade de um só indivíduo ou grupo, prejudique o bem de todos.
Mas no que se baseiam os Direitos Humanos? É simples e óbvio: Todo ser humano, pelo fato de ser "gente", pela sua inalienável dignidade de ser pessoa humana, tem direito natural a tudo aquilo que é necessário à sua própria realização como pessoa. Inclui-se aí, o direito á vida, á liberdade, ao trabalho, ás condições dignas de existência, etc.
Estes Direitos não são emitidos pelo Estado, ou algum organismo da sociedade, são direitos que nascem com a pessoa humana. Devido a sua condição de ser humano, criado á imagem e semelhança de Deus, para conviver como irmãos numa fraternidade universal. Desta maneira, eles se fundam, em última análise, num direito divino. A vida humana é sagrada! Por isso é que se diz: se não há Deus, tudo é permitido, predomina a lei do mais forte, a lei da selva. O Estado deve garantir os Direitos Humanos, que obviamente inclui os deveres, correspondentes a todos os cidadãos.
A Igreja Católica, a partir da sua Fé em Jesus Cristo que é o redentor da Humanidade, que fez de todos os seres humanos filhos de Deus, defende os Direitos Humanos que para ela, estão fundados no binômio "justiça e liberdade". Sem justiça e liberdade, usada com responsabilidade, não pode haver a paz que todos almejam. A Diocese de Santo André conta com a Comissão Diocesana de Direitos Humanos, empenhada em promover o direito.
Os que são contra os Direitos Humanos, substituem a democracia pela segurança nacional. Que segurança pode ter um país onde a pobreza, e a fome, estão presentes no dia a dia de milhões de cidadãos? A consequência é a violência sem fim que vivemos. Os que são contra os Direitos Humanos, trocaram a justiça social pela noção de crescimento ilimitado, prometido pelo mercado. A riqueza cresce, mas é partilhada entre os que já tem. Os que não tem, ficam com as migalhas, permitidas pela corrupção e a incompetência.
É triste constatar que as violações dos Direitos Humanos no Grande ABC aumentaram em 34,2% em um ano (cf. Diário 07/01/25, Setecidades). Mas é animador constatar, a força positiva, de pessoas que, vencem a escuridão e batalham pelos Direitos Humanos, como a fundadora da ONG Mães da Sé, empenhada em encontrar pessoas desaparecidas (cf. Diário 6/01/25 p. 4).
A partir da fé cristã a vitória final será dos Direitos Humanos, por isso Deus aconselha nas Sagradas Escrituras: "Peleja até a morte pela justiça" (Ecleiástico 4,33).
16 de janeiro de 2025
A democracia é uma planta que precisa de cuidados
Dom Itacir Brassiani
Bispo de Santa Cruz do Sul (RS)
Vivi a adolescência e a primeira fase da juventude em Anchieta, uma pequena cidade do interior de Santa Catarina. Com minha geração, cantei emocionado as canções que falavam de um país que só ia para frente. Naqueles "verdes anos", ignorava que gente da minha idade sofria perseguição política, era presa e torturada. Não sabia eu que vivíamos tempos nos quais a democracia havia sido pisoteada por uma ditadura militar.
Somente no início da década de 1980, com o ingresso no mundo universitário, muito lentamente fui tomando consciência dos valores da democracia e da força corrosiva e destruidora dos regimes autoritários. Mas foi preciso avançar vários anos no calendário da vida para que eu chegasse a compreender que a democracia não está inscrita na nossa certidão de nascimento; ela é uma conquista sempre precária, e pode ser destruída.
Embora seja tentador, não podemos deduzir das Sagradas Escrituras um sistema ou regime político, nem uma forma específica de governo (monarquia, aristocracia, democracia ou ditadura). Mas a Bíblia e a Tradição cristã viva deixam suficientemente claro que, aos olhos de Deus, o povo é sujeito de direitos, e deve ser respeitado. As escrituras atestam que o clamor dos pobres e oprimidos move a ação do próprio Deus.
A Igreja católica ensina que "o sujeito da autoridade política é o povo, considerado na sua totalidade como detentor da soberania". O povo transfere o exercício dessa autoridade soberana àqueles que elege livremente como seus representantes, mas mantém o direito e o dever do controle sobre eles. Por isso, graças aos seus mecanismos de controle, a democracia é o sistema que melhor garante a soberania de um povo.
A Igreja aprecia a democracia, pois ela "assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade de escolher e controlar os próprios governantes" (João Paulo II). Ao mesmo tempo, sublinha que a democracia não pode ser refém de "grupos restritos que usurpam o poder do Estado a favor dos seus interesses particulares". A democracia deve servir ao bem comum.
Mas a democracia pode ser limitada gravemente por vários fatores, inclusive pelas imposições do "mercado". Por isso, o Estado precisa subordinar a economia à política e as empresas ao bem comum. "A globalização das finanças, da economia, do comércio e do trabalho, jamais devem violar a dignidade e a centralidade da pessoa humana, nem a liberdade e a democracia", diz a Igreja (Compêndio de Doutrina Social, nº 322).
Hoje estamos às voltas com um perigoso enfraquecimento da democracia. Sinais disso são as investidas do mercado financeiro sobre a soberania dos países, a manipulação da informação, a crescente polarização política e social, e a sedução que as soluções autoritárias e sectárias sobre a população. A democracia não sobrevive quando a lógica dos interesses parciais de alguns especuladores se antepõe à busca do bem comum.
Cuidemos desse bem precioso conquistado a duras penas. Milton Nascimento canta, em outro contexto: "Já podaram seus momentos, desviaram seu destino, seu sorriso de menino, quantas vezes se escondeu… Mas renova-se a esperança, nova aurora a cada dia. E há que se cuidar do broto pra que a vida nos dê flor e fruto". Ainda estamos aqui!
Fonte: https://www.cnbb.org.br/a-democracia-e-uma-planta-que-precisa-de-cuidados/