17 de novembro de 2024

Poder do terço e a devoção mariana em Fátima

O Santo Terço é um presente de Nossa Senhora para a humanidade

O Santo Terço possui grande relevância tanto para a vida da Igreja quanto para a vida individual de cada pessoa que o reza. Trata-se de uma prática e devoção pessoal, sendo a escolha de rezar ou não, livre e individual.

Poder do terço e a devoção mariana em Fátima

Crédito: Hiraman / GettyImages

É importante lembrar que, em todas as aparições de Nossa Senhora, ela solicita que seus filhos adotem o hábito de rezar o Terço diariamente com piedade. Em Medjugorje, Lourdes, La Salette, Fátima e em outras aparições, Nossa Senhora, independentemente do país ou do nome com que se apresenta, pede que seus filhos se preparem para rezar o Santo Terço, demonstrando a importância dessa oração. Além disso, o santo terço é uma poderosíssima arma contra todas as maldades e ciladas do inimigo de Deus.

Ao longo da história, a Igreja tem recorrido à oração do terço nos momentos de adversidade, como guerras e conflitos. A oração do Santo Terço, em particular, tem sido um instrumento de auxílio e proteção em tais ocasiões, desde os primórdios da Igreja Católica, passando pela Idade Média, até os dias atuais. Todas as vezes que precisamos do auxílio divino, recorremos à oração do santo terço.

A recitação do terço tem poder para transformar a história

A aparição de Nossa Senhora em Fátima, em 1917, reveste a recitação do Terço de um significado ainda mais profundo. Naquele momento, a Virgem Maria pediu aos três pastorinhos que rezassem diariamente, buscando a paz mundial, a conversão dos pecadores, o arrependimento dos homens por seus pecados e, por fim, a conversão pessoal de cada um.

O Terço, como devoção, tem sido um meio eficaz de agradar ao coração de Deus. A história registra inúmeros exemplos de guerras que se findaram, conflitos que se pacificaram e até mesmo a queda de muralhas, como a de Berlim em 1989, que dividia a Alemanha em duas partes ideologicamente opostas, graças à fervorosa recitação do Rosário em todo o mundo.

A união da fé e da oração, expressa no Terço, demonstra o poder da intercessão e sua capacidade de influenciar os rumos da história.

A mensagem de Fátima: um olhar sobre a história e a fé

Em 1917, Nossa Senhora revelou o Terceiro Segredo aos pastorinhos, confiando-o exclusivamente a Lúcia. O conteúdo do segredo, entretanto, só seria revelado ao mundo em 27 de abril de 2000, com a irmã Lúcia ainda viva e lúcida. A interpretação oficial, divulgada pelo então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Joseph Ratzinger, indicava que o segredo se referia à luta da Igreja contra o comunismo, assim como a violência e o sofrimento generalizados que a Igreja enfrentaria no século XX.

A visão de um bispo vestido de branco sendo alvejado por um tiro, e posteriormente encontrado caído e sangrando, é frequentemente associada à tentativa de assassinato do Papa João Paulo II em 1981. No entanto, a Igreja não confirma oficialmente essa interpretação.


A irmã Lúcia afirmou que não cabia a ela interpretar as visões, mas sim ao Papa. Em relação ao atentado contra João Paulo II, ela mencionou que uma "mão materna" desviou a bala, impedindo que o Papa morresse. Lúcia acrescentou que "não existe destino que não possa ser mudado, pela vontade de Deus ou pela intercessão de Nossa Senhora".

É crucial ressaltar que as interpretações do Terceiro Segredo são diversas e, muitas vezes, divergentes. A Igreja Católica, por sua vez, não oferece uma interpretação definitiva, deixando espaço para a fé e a meditação individual. Para uma compreensão mais completa, recomenda-se consultar os documentos oficiais da Igreja Católica sobre o Terceiro Segredo de Fátima e outras fontes confiáveis.

 Entendendo a mensagem de Fátima e a oração do terço

Em cada local onde Nossa Senhora se manifestou, revelando um mistério singular a cada povo, em cada tempo e época. Em Fátima, a mensagem da Virgem Maria ressoa com particular intensidade, clamando por uma profunda conversão dos filhos de Deus, pela prática da penitência, pela reza do Santo Terço e pela busca incessante pela paz.

A reza do Santo Terço, além de ser um ato de devoção, é um poderoso instrumento de transformação. No lar, pode ser recitado, diariamente, com intenções específicas, como o fortalecimento dos laços familiares, a proteção dos filhos e a intercessão pelos pais. É possível, também, invocar a proteção divina para as necessidades da Igreja e rezar pelas intenções do Santo Padre, o Papa Francisco.

O terço é uma arma poderosíssima na luta espiritual

A recitação do terço já proporcionou inúmeros benefícios, restaurando famílias e conduzindo pessoas à conversão e à mudança de vida. Como a Irmã Lúcia atestou, "Não existe destino que não possa ser mudado, pela vontade de Deus ou pela intercessão de Nossa Senhora". Como dizemos aqui na comunidade Canção Nova " Tudo pode ser mudado pela força da oração".

A intercessão de Nossa Senhora nas Bodas de Caná e a vitória dos cristãos sobre o império Otomano, inimigos da Igreja, conquistada pela oração do terço, são exemplos históricos que corroboram essa verdade.

A importância da fé e da oração para construir um lar cheio de paz

Quais as batalhas que travamos em nossa vida familiar, financeira, ou em nossa saúde e na saúde de nossos entes queridos? Devemos confiar nossos problemas, sonhos e desejos à Mãe de Deus, pedindo-lhe que interceda para que nossa realidade seja transformada, mesmo quando as soluções humanas parecem impossíveis.

A conversão pessoal, além de impactar nossa vida, pode gerar frutos de paz e bem para nossa família, nosso entorno e para o mundo. A promessa de Nossa Senhora de que "No fim, meu imaculado coração triunfará" nos encoraja a acreditar que a vitória do bem sobre o mal é possível, através da conversão, da penitência e da oração.

Nossa Senhora deseja triunfar em todas as áreas que necessitam de sua intervenção, mas para isso é crucial que nos convertamos, pratiquemos a penitência e oremos com fervor.

Wesley Paulo Santos Moreira
Missionário Canção Nova


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/nossa-senhora/poder-do-terco-e-a-devocao-mariana-em-fatima/

14 de novembro de 2024

O papel da caridade como a maior das virtudes

O caminho da caridade: um percurso de crescimento espiritual

A virtude é um hábito adquirido por meio de um esforço contínuo e consciente. Esforço esse decidido após uma reflexão sobre determinada situação e perseverante, sendo retomada a cada falha ou quebra de continuidade. Por exemplo, você percebe que suas reações explosivas estão causando problemas, ofendendo pessoas, gerando discussões e fazendo você perder amigos.

O papel da caridade como a maior das virtudes

Crédito: Hiraman / GettyImages

Então, após refletir sobre todas essas consequências, você decide mudar e passa a se observar, tentando manter a calma nesses momentos, ou mesmo evitando situações que possam levá-lo a perder a paciência. Com o passar dos anos, embora caindo algumas vezes, você retoma o propósito e recomeça, até perceber que está se tornando mais paciente, mais calmo, e que as explosões emocionais praticamente desapareceram. Assim, você cultivou a virtude da paciência, uma virtude humana.

Porém existem virtudes chamadas teologais, onde as virtudes humanas têm o seu fundamento, a sua raiz se referem diretamente a Deus e são dadas por ele no momento do Batismo.

Virtudes Teologais: dons de Deus para a salvação

São 3 as virtudes teologais: fé, esperança e caridade. A fé é a virtude teologal pela qual cremos em Deus; a esperança é pela qual desejamos como nossa felicidade o Reino dos Céus e a Vida Eterna, pondo nossa confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos não em nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo e a caridade que é a virtude teologal pela qual nós amamos a Deus sobre todas as coisas, por si mesmo, e nosso próximo como a nós mesmos, por amor de Deus.

Ora, se a caridade consiste em amar a Deus sobre todas as coisas, a caridade consiste em obedecer aos mandamentos do Senhor, conforme nos fala o Evangelho de São João – "Se me amais, guardareis os meus mandamentos." (João 14, 15).


Mas como levar esse amor a Deus à perfeição, visto que a caridade é uma virtude dada por Ele? É necessário pedir: "Porque todo aquele que pede, recebe." (Mateus 7,8).

O momento mais propício para pedir é quando se recebe a Eucaristia. Receber a Eucaristia é ter o próprio Deus em você (corpo, sangue, alma e divindade) e poder dialogar com Ele — aquilo que, em condições normais, é um privilégio concedido apenas aos grandes santos, mas que, na Eucaristia, todos nós podemos realizar de forma concreta.

Por isso é importante ter um bom momento de silêncio após a Eucaristia. Por cerca de 15 minutos, o Senhor está presente com você, e esse é o momento para pedir todos os meios para lutar pela salvação, sendo a caridade o primeiro de todos.

Amar como Cristo é a essência da caridade

E por que a caridade é um dos pontos centrais de nossa vida espiritual? Porque ninguém consegue sustentar qualquer ação sem amor. Mesmo as pessoas mais materialistas amam realizar algo, nem que seja o prazer que essa ação é capaz de proporcionar.

E nesse ciclo de amar e pedir para amar mais, amar e pedir para amar mais, vamos crescendo de passo em passo na caridade para ser mais santos e para fazer cada vez mais a vontade de Deus em nossa vida.

Quando você ama alguém, você quer estar mais perto dela, impulsionado pela virtude da caridade, você vai querer estar mais perto de Deus, ou seja, você vai querer rezar mais e melhor, você vai querer estar mais perto d'Ele na Eucaristia, você vai querer estar mais com Deus na adoração. O amor vai impeli-lo a avançar na vida espiritual, vai, inevitavelmente, levá-lo para uma vida de intimidade com Deus.

Caridade: a fonte da compaixão e do amor

Essa vida de intimidade com Deus fará você se atentar para o irmão, para suas necessidades, e a desenvolver compaixão. E por que isso acontece? Porque, ao perceber Deus como Pai, inevitavelmente você perceberá não apenas a existência dos outros irmãos, mas também se tornará mais sensível às suas necessidades e sofrimentos, começando a se mover em um processo de aumentar a atenção às necessidades dos outros.

Inevitavelmente, o amante se torna parecido com o amado. Nesse processo de amar mais a Deus, aumentando a virtude teologal da caridade, você vai desejar — mesmo com suas limitações — amar seus inimigos, porque, assim como Jesus, você perceberá que eles precisam mais do seu amor do que, muitas vezes, aqueles irmãos pelos quais você tem mais empatia.

A caridade é a virtude que transforma a alma

E assim, pouco a pouco, toda a sua vida vai se transformando, vão se mudando não só os atos, mas vão se mudando a razão pela qual os atos bons são realizados, uma reta intenção de oferecer cada ato e de fazê-lo por amor a Deus.

Este é o caminho, meu irmão, que precisamos seguir o quanto antes. E não se iluda: o caminho é longo e exigirá paciência e perseverança. Fique atento também: se você não está mudando de hábitos e atitudes, é sinal de que não está amando a Deus como deveria. Nesse caso, peça — peça cada vez mais e com mais força — e o Senhor responderá às suas preces.

Rezemos para que, um dia, possamos amar a Deus face a face na eternidade.

Almir Rivas
Missionário da Comunidade Canção Nova


1 CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Edição típica vaticana. São Paulo: Edições Loyola, 2000, parágrafo 1810.
2 CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Edição típica vaticana. São Paulo: Edições Loyola, 2000, parágrafo 1266.
3 CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Edição típica vaticana. São Paulo: Edições Loyola, 2000, parágrafo 1813.
4 CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Edição típica vaticana. São Paulo: Edições Loyola, 2000, parágrafo 1812 em diante.
5 BÍBLIA CATÓLICA ONLINE
. São João, 14. Disponível em: https://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/sao-joao/14/. Acesso em: 12/11/2024.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/o-papel-da-caridade-como-maior-das-virtudes/

13 de novembro de 2024

Como conviver com os defeitos do outro no casamento?

Para responder a pergunta do nosso título, é necessário entender bem o sentido profundo do casamento. A união do homem com a mulher, no matrimônio, tem dupla finalidade: o bem do casal e a geração e educação dos filhos. Deus mandou ao casal: "Crescei e multiplicai" (Gen 1,26).

Essa dupla atividade exige muito esforço, luta e graça de Deus. A beleza do matrimônio está justamente em "fazer o outro crescer", gerar e educar os filhos de Deus, os quais, um dia, vão habitar o Céu. No Céu, não haverá mais casamento nem nascerão mais crianças. Essa bela missão Deus confiou aos homens e mulheres nesta vida. Portanto, a grandeza sublime dessa dupla missão é que deve levar o casal a compreender sua imensa responsabilidade, tanto um em relação ao outro quanto em relação aos filhos. É isso que deve estar subjacente a todo sacrifício que a vida conjugal exige. É uma missão que exige disposição, maturidade, amor e dedicação sem fim.

O casamento não é uma curtição a dois, é uma missão. Não é uma vida só de prazeres e alegrias, mas também de luta, abnegação, renúncias e sacrifícios.

Como conviver com os defeitos do outro no casamento

Crédito: skynesher / GettyImages

A base do matrimônio é dar e receber amor

A base do matrimônio é o amor, o dar a vida pelos outros, o esquecer-se de si mesmo para fazer o cônjuge e os filhos crescerem em tudo que é bom. São Paulo compara o amor do casal ao amor de Cristo pela Igreja, que por amor se imolou por ela.

"Maridos, amai as vossas esposas como Cristo amou a Igreja, e se entregou por ela" (Ef 5,25).

O que o apóstolo diz para os maridos vale também para as esposas. O amor de um pelo outro deve ser o mesmo amor de Cristo, que O levou a dar a vida até o fim pela Igreja. São João diz: "Tendo amado os seus, amou-os até o fim" (João 13,1).

Jesus disse que ninguém tem amor maior do que aquele que dá a vida pelo outro. Dar a vida significa gastar-se pelo bem do outro, aceitar-se consumir como uma vela que queima para iluminar e aquecer.


Compreendendo um ao outro

Todos os maridos e esposas têm seus defeitos e pecados, por isso todos têm a necessidade e o direito de serem amados e perdoados. Antes de tudo, para conviver com os defeitos do cônjuge, é necessário aceitá-lo na sua realidade. Nós não fabricamos uma pessoa, nós nos casamos com ela como ela é, com suas qualidades e defeitos; virtudes e pecados.

A primeira grande missão do casal é um fazer o outro crescer com a sua dedicação. São Paulo ensina o verdadeiro amor: "O amor é paciente, o amor é bondoso, não tem inveja nem é orgulhoso. Não é arrogante nem escandaloso. Não busca seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acabará" (1 Cor 13,4-8).

Para suportar os defeitos do outro, acima de tudo, é preciso a paciência que tudo vence. Isso não quer dizer que se aceite ser maltratado nem tolerar agressões físicas ou permitir que nos tratem como objetos, mas saber aceitar o outro quando age de um modo diferente de mim. Não podemos nos colocar no centro, nem querer que se faça somente a nossa vontade. É isso que faz as pessoas impacientes, a reagir com agressividade, reclamação, lamúrias etc.

A sabedoria no relacionamento

Santo Agostinho ensinava que para alcançarmos Deus temos de suportar aquele com quem vivemos. Ele dizia que "não há lugar para a sabedoria onde não há paciência".

Papa Francisco disse que "amar é ser amável. O amor não age rudemente, não atua de forma inconveniente, não se mostra duro no trato. Seus modos, suas palavras e seus gestos são agradáveis; não são ásperos nem rígidos. O amor detesta fazer sofrer os outros".

Os terapeutas conjugais recomendam nunca gritar um com o outro; não jogar no rosto do outro os erros do passado; nunca dormir brigados; não ser displicente, sem atenção com o outro; trocar as discussões por bons diálogos e, quando tiver de chamar a atenção do outro, fazer com amor, na hora certa, na privacidade, e sempre lembrar de elogiá-lo.

Temos de ter compreensão com os defeitos do outro, porque nós também temos os nossos; e quem quer ser compreendido deve também saber compreender e tolerar os erros dele. Jesus manda que tiremos, antes, o cisco do nosso próprio olho, antes de tirar do olho do outro. Se tivermos de lutar contra o erro do outro, então, é preciso fazer com sabedoria e amor, sem violência. São Francisco de Sales, doutor da Igreja, dizia que "o que não puder ser mudado por amor não deve ser tentado de outro jeito, porque não vai dar certo".

Aprenda a perdoar

Lembre-se de que se perde a caridade quando se perde a paciência. Deus disse a Santa Catarina de Sena: "A virtude da paciência é o sinal externo de que Eu estou numa alma e ela em Mim".

Para conviver com os defeitos do outro, é preciso também não deixar que o ressentimento se aninhe no coração, mas saber perdoar com uma atitude positiva, buscando compreender a fraqueza alheia.

Não há dúvida de que a boa convivência só pode ser conservada e aperfeiçoada com grande espírito de sacrifício. Isso exige de cada um generosa disponibilidade à compreensão, à tolerância, ao perdão e à reconciliação. É claro que para podermos agir assim precisamos da graça de Deus. Jesus disse: "Sem Mim nada podeis fazer!" (João 15,5). É preciso lembrar sempre disso, e sempre buscar o auxílio da graça de Deus na oração, na meditação da Palavra de Deus, na Eucaristia etc.

São Paulo disse que o "amor tudo desculpa". Isso exige não fazer um juízo apressado sobre o outro e conter a tendência de condenar de maneira dura e implacável: "Não condeneis e não sereis condenados" (Lc 6,37).

São Paulo também diz que "o amor tudo suporta". Isso significa uma resistência dinâmica e constante, capaz de superar qualquer desafio. Evidentemente, para isso é preciso o dom precioso da fortaleza, dada pelo Espírito Santo. Muitas vezes, um cônjuge, para salvar outro, precisa dessa força sobrenatural; para muitos, é uma cruz que se carrega pela salvação do outro. E a graça do sacramento do matrimônio supre essa necessidade.

A arte do silêncio

Muitas vezes, é o silêncio de um que acalma o coração do outro. Outras vezes, será por um abraço carinhoso ou por uma palavra amiga.

Todos nós temos a necessidade de um "bode expiatório" quando algo adverso nos ocorre. Quase, inconscientemente, queremos "pegar alguém para Cristo", a fim de desabafar nossas mágoas e tensões. Isso é um mecanismo de compensação psicológica que age em todos nós nas horas amargas, mas é um grande perigo na vida conjugal. Quantas e quantas vezes acabam "pagando o pato" as pessoas que nada têm a ver com o problema que nos afetou! Algumas vezes, são os filhos que apanham do pai, que chega em casa nervoso e cansado; outras vezes, é a esposa ou o marido que recebe do outro uma enxurrada de lamentações, reclamações e ofensas, sem quase nada ter a ver com o problema em si.

Temos de nos vigiar e policiar nessas horas, para não permitirmos que o sangue quente nas veias gere uma série de injustiças com os outros. Temos de tomar redobrada atenção com o cônjuge, para que ele não sofra as consequências de nossos desatinos.

No serviço e fora de casa, respeitamos as pessoas, o chefe, a secretária etc., mas, em casa, onde somos "familiares", o desrespeito acaba acontecendo. Exatamente onde estão os nossos entes mais queridos, no lar, é ali que, injustamente, descarregamos as paixões e o nervosismo. É preciso toda a atenção e vigilância para que isso não aconteça.

Professor Felipe Aquino



Felipe Aquino

Professor Felipe Aquino é viuvo, pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa "Escola da Fé" e "Pergunte e Responderemos", na Rádio apresenta o programa "No Coração da Igreja". Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova. Página do professor: www.cleofas.com.br e Twitter: @pfelipeaquino


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/relacionamento/casamento/como-conviver-com-os-defeitos-outro-no-casamento/

12 de novembro de 2024

Além do medo: como se tornar uma mulher de esperança

Para muitas de nós, a espera é um desafio constante. Queremos ver as coisas acontecendo no nosso tempo e à nossa maneira, mas sabemos que os planos de Deus vão além da nossa compreensão. Em cada momento de espera, há uma oportunidade de descanso e aprendizado. E é na esperança que encontramos força e propósito para seguir em frente.

"A esperança não engana. Porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado." – Romanos 5,5.

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A mulher de esperança sabe que é amada

Para viver na esperança, o primeiro passo é compreender profundamente que somos amadas. O amor de Deus age como um bálsamo, cura feridas e fortalece nossa confiança no futuro. Como diz em Efésios 3,17, quando Cristo habita em nossos corações, somos enraizadas e alicerçadas em Seu amor, o que nos dá paz e coragem para enfrentar o amanhã. A certeza de sermos amadas nos enche de esperança, iluminando nossa caminhada mesmo nos momentos mais escuros.

A mulher de esperança se recusa a viver com medo

O medo é um dos maiores obstáculos em nossa jornada de fé. Ele pode nos paralisar, impedindo-nos de realizar o que Deus planejou. Mas a mulher de esperança enfrenta o medo, confiando que Deus está ao seu lado a cada passo. Ela não espera que o medo desapareça; em vez disso, avança, sabendo que o Senhor a acompanha em todos os desafios. Sua confiança não está em suas próprias forças, mas na certeza de que Deus está no controle. O amor de Deus é que nos faz lançar fora todo o medo (cf. I Jo. 4). Só um coração que se sente amado é capaz de superar seus medos porque sabe que não está só.

A mulher de esperança possui uma atitude positiva

Nossa atitude é um reflexo da confiança em Deus. O negativismo nos impede de experimentar as bênçãos, enquanto uma postura de esperança abre portas e nos permite ver oportunidades onde, antes, só havia limitações. Quando mantemos uma visão positiva e nos afastamos do pessimismo e das murmurações, damos espaço para que Deus trabalhe em nossa vida, transformando desafios em caminhos para o crescimento. Esse olhar positivo alimenta nossa esperança e fortalece nossa fé.

A mulher de esperança se recupera das feridas do passado

Cada uma de nós tem feridas que marcaram nossa trajetória. Algumas ainda nos impedem de avançar, enquanto outras se transformaram em fontes de sabedoria. A mulher de esperança compreende que o passado não define seu presente e que, com a graça de Deus, é possível recomeçar. Ela libera o perdão e confia que Ele pode transformar qualquer dor em um testemunho de superação. Essa cura é um processo contínuo de entrega e de fé.

A mulher de esperança não se compara

A comparação é uma armadilha perigosa. Quando olhamos para o que os outros têm ou são, perdemos a oportunidade de reconhecer o que Deus tem feito em nossa vida. A mulher de esperança sabe que Deus tem um plano único para ela e que a sua jornada é especial. Concentrar-se em ser quem Deus a chamou para ser é o segredo de uma vida plena e realizada. Ela entende que cada talento e dom que possui é suficiente para o propósito que lhe foi designado.


A mulher de esperança não é passiva, mas age com sabedoria

A mulher de esperança não é espectadora; ela age com discernimento e propósito. Em sua casa, ela promove a paz e a harmonia, pacifica as situações e enfrenta os desafios com equilíbrio. Sua ação reflete a presença de Deus, que age através dela. Em vez de esperar que outros resolvam seus problemas, ela busca ser parte da solução, tornando-se um exemplo de cooperação e amor, sendo suporte para aqueles que a rodeiam.

A mulher de esperança promove a paz

A paz é uma das manifestações mais belas da esperança. A mulher de esperança carrega palavras de consolo e bondade. Mesmo em conflitos, ela responde com paciência, oferecendo alívio aos que convivem com ela. Sua presença é um símbolo de apoio e serenidade. No lar, ela cria um ambiente seguro, onde todos podem crescer e encontrar fortalecimento. Sua paz reflete a paz que encontra em Deus um refúgio seguro para todos que dela precisam.

A mulher de esperança gera vida

Ela não apenas vive, mas faz brotar vida onde quer que esteja. Em cada detalhe de sua casa, desde o carinho na organização até o cuidado na alimentação da família, ela reflete o amor de Deus. Sua generosidade e gratidão são visíveis em cada gesto, mesmo nas pequenas coisas, revelando a vida que ela dedica aos outros. A mulher de esperança vê sua missão como um dom e reconhece que cada momento é uma bênção.

A mulher de esperança é íntima do Deus da esperança (cf. Rm 15,13)

A fonte de sua força está em sua relação profunda com Deus. Ela busca na oração e na Palavra o sustento e a renovação da sua . Essa conexão a enche de paz e coragem, permitindo-lhe ser um canal de esperança para os outros. Na presença de Deus, ela encontra a força para seguir em frente e sabe que sua vida tem um propósito eterno. Assim como o grão de trigo que precisa morrer para dar frutos, ela compreende que sua entrega e cada sacrifício seu pelo bem dos outros gera vida e esperança.

Um convite à esperança

A mulher de esperança é um exemplo de fé e determinação. Ela não vive sem desafios, mas os enfrenta com a certeza de que Deus está ao seu lado. Cada momento de espera é uma oportunidade para fortalecer sua confiança em um Deus que nunca falha. Ao caminhar com esperança, ela inspira e transforma, oferecendo sua vida como um testemunho de que o melhor de Deus sempre está por vir.

Que cada uma de nós possa aceitar esse convite à esperança, deixando para trás o medo e abraçando o poder de confiar em Deus. Juntas, podemos viver uma vida plena, repleta de fé e transformada pela esperança.
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Maria de Fátima Loyola

É esposa, mãe, comunicadora e escritora. Formada em Comunicação Social com bacharelado em Relações Públicas e pós-graduação em Bioética, integra a Comunidade Canção Nova há 15 anos, e desenvolve um trabalho dedicado à evangelização. Com uma trajetória focada em inspirar o público feminino e falar sobre a esperança que sustenta a vida cristã, Maria lançou seu primeiro livro, "A Espera – Uma Jornada na Esperança", que reflete sobre o sentido da espera à luz da fé.

Como pregadora, palestrante e autora, Maria tem ministrado cursos, encontros e palestras por todo o Brasil, alcançando especialmente os jovens. Sua experiência como locutora em programas de rádio e suas participações em programas de TV na Canção Nova enriqueceram seu caminho de evangelização. Em cada projeto, Maria busca, acima de tudo, ser instrumento de esperança e transformação pela ação do Espírito Santo.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/alem-medo-como-se-tornar-uma-mulher-de-esperanca/

10 de novembro de 2024

Política do coração

O coração: centro da política da vida e antídoto contra o mal

Papa Francisco, na sua Carta Encíclica sobre o amor do coração de Jesus, lembra que é necessário que todas as ações estejam sob o "controle político" do coração, claro antídoto contra as agressividades e os desejos obsessivos. O Pontífice assinala que a desvalorização do coração distancia o ser humano do amor e das respostas que a inteligência, por si, não pode conceber, inviabilizando avanços, obscurecendo o sentido de gratidão, fomentando inimizades e disputas fratricidas. Para ilustrar seus argumentos, o Papa Francisco faz referência a um personagem chamado Stavroguine, de um romance de Dostoievski, apontado como a "encarnação do mal". Sem coração, o personagem é caracterizado por um espírito frio e vazio, intoxicado por maldades, rancores, ressentimentos e ingratidão. Assim, Stavroguine apenas consegue alimentar decepções e entrincheirar inimigos. Contrapondo-se à situação ilustrada pelo romance de Dostoievski, a Carta Encíclica do Papa Francisco ensina que não é suficiente ao ser humano a habilidade para lidar com a política em seu sentido mais amplo, nobre e indispensável. É ainda mais insuficiente dedicar-se apenas à política partidária. Torna-se urgente exercer a política do coração – buscando superar uma hegemonia que neutraliza o próprio coração.

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A importância do coração na construção da identidade e dos relacionamentos

Cada um é o coração que possui. O coração molda a identidade espiritual e alimenta a comunhão com o semelhante, capacitando o ser humano para estabelecer bons relacionamentos, livres de preconceitos e discriminações. É comum encontrar pessoas inteligentes, que se expressam de forma articulada e até encantadora, que dominam muitos assuntos, mas têm um coração apequenado, onde não cabe a gratidão, incapaz de ler adequadamente a realidade, contaminado por disputas e friezas que envolvem, principalmente, aqueles que consideram apenas o próprio ponto de vista. É preciso aprender a conhecer a realidade, a lidar com as diferentes circunstâncias da vida, a partir do coração. Merece destaque a referência que o Papa Francisco faz ao filósofo Heidegger, para quem a filosofia não começa com um conceito puro ou com uma certeza, mas com uma comoção: "O pensamento deve ser comovido antes de se trabalhar com conceitos, ou enquanto se trabalha com eles. Sem a comoção, o pensamento não pode começar. É a comoção que primeiramente dá o que pensar e perguntar. A filosofia ocorre sempre em uma tonalidade afetiva fundamental".  

A perda da ternura e o endurecimento do coração

O coração guarda a tonalidade afetiva fundamental do ser humano e pode endurecer-se a partir de determinados posicionamentos e escolhas. Perder a ternura é um grande risco que pode conduzir ao fracasso, à ilusão de ser dono da razão, justificando maldades, gestando insolentes convictos que acabam se tornando figuras indesejadas em diferentes grupos. O coração é a instância geradora e mantenedora de vínculos autênticos, com força para demolir personalismos e individualismos, com propriedades para se contrapor aos radicalismos. O Papa Francisco adverte que uma sociedade dominada pelo narcisismo é "anticoração". "Anticoração" é a pessoa que se pauta pelo rancor e disputas, argumentando com o semelhante apenas para impor a sua razão, cego na consideração de outras perspectivas importantes, defendendo apenas o que alicerça o seu narcisismo. Com facilidade, descarta o semelhante, ou o trata como adversário. Assim, prejudica a edificação de relações saudáveis, marcadas pela gratidão e nobres gestos, por sentido adequado de cooperação e perdão. Aqueles que não têm coração padecem de um esvaziamento espiritual, incapacitando-se para o acolhimento de Deus e de sua vontade. Deixam-se dominar pela hegemonia da própria vontade. Um comprometimento perigoso e desolador pela desvinculação entre a valorização do próprio ser e a abertura aos outros, fragilizando o encontro pessoal consigo mesmo e a capacidade para se doar ao semelhante. Corações apequenados, com territórios estreitos, alimentam ódios, entrincheiram-se em frentes de violência. 

Autenticidade, reconhecimento do semelhante e o papel do amor

Quando se adquire a capacidade de reconhecer o semelhante alcança-se a verdadeira autenticidade. E somente encontra o semelhante aquele que é capaz de aceitar e reconhecer a própria identidade. Lembra o Papa Francisco que na era da inteligência artificial não se pode esquecer a poesia e o amor como caminhos e providências para salvar o ser humano. Perdida, pois, a ternura, perde-se também o sentido e a graça sagrada do viver. Tudo está unificado no coração, que pode ser a sede do amor com todos os seus componentes espirituais, psíquicos e físicos, ensina o Papa. Sem coração cresce a indiferença, atrasam-se as reconciliações, proliferam-se as inimizades, agravam-se as grandes e pequenas guerras, sacrificada é a paz, dá-se lugar a angústias, medos e ódios. 


A política do coração como caminho para a mudança

A "política do coração" é o amor. O amor é o princípio basilar no "controle político" do coração. Somente amando, até mesmo os adversários, é que cada pessoa consegue compreender a razão de se viver. Aprender e dar "controle político" ao coração, em vista de mudar o mundo, é importante. Precede a essa atitude perguntar-se e responder, sinceramente, sem camuflagens, sem argumentos de justificação de si ou para autocomiseração: "Tenho coração?" A resposta não pode ser simplista, com um "sim" ou com um "não". Requer uma clarividente consciência de si, partindo da consideração do semelhante, identificando a disposição de superar preconceitos e não se deixar reger por mágoas. Dispor-se a contribuir sempre e fazer valer o amor que fecunda novos tempos, arquiteta cenários de igualdade, diálogos construtivos da paz. Todos possam se perguntar – "Tenho coração?" – e, na interioridade, procurar responder, de forma a reavaliar se os próprios modos de pensar e de agir fundamentam-se nos parâmetros do amor.  

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/sociedade/politica-do-coracao/

8 de novembro de 2024

A luta de Santo Agostinho pela busca da santidade

A luta de Santo Agostinho: um espelho para a nossa própria jornada

Às vezes, percebemos que estamos envolvidos em lutar contra desordens interiores, contra tendências e más inclinações que nos arrastam para o pecado. Nessas horas, é bom olhar de perto a luta dos santos e como conseguiram vencê-las. Hoje, convido você a ver de perto os conflitos de Santo Agostinho que podem iluminá-lo, pois a luta dele também pode ser a sua. No seu livro Confissões, ele narra toda essa batalha no seu interior. Ele mesmo diz: "Infeliz de mim, quem me libertará deste corpo de morte, senão tua graça por Jesus Cristo Nosso Senhor?".

A luta de Santo Agostinho pela busca da santidade

Crédito: iiievgeniy / GettyImages

A infância e juventude de Agostinho: uma busca intensa pela verdade

Santo Agostinho nasceu em 354 d.C.  Sua mãe (que também foi canonizada e é padroeira dos pais) já era cristã, mas optou por não batizar Agostinho, pois temia que ele fosse submetido às duras penas da confissão. Naquela época, um pecador público era submetido a graves humilhações antes de ser readmitido à comunidade, se cometesse algum pecado. Santa Mônica preferiu apenas catequizá-lo. Em todo caso, essa educação que Agostinho recebeu na infância serviu para aproximá-lo minimamente de Jesus. Na juventude, era um prodígio nos estudos, e um livro de Cícero o inspirou a querer buscar a verdade.

Essa busca pela verdade o fez experimentar várias filosofias, até mesmo a seita maniqueista, uma doutrina herética, fundamentada nos dois princípios opostos do Bem e do Mal. Até que ouviu a pregação do bispo de Milão, Santo Ambrósio, que o tocou profundamente. A pregação de Santo Ambrósio e a intercessão de Santa Mônica são imprescindíveis para a conversão de Agostinho. Ele finalmente se vê constrangido a abraçar a religião católica.

A luta de Agostinho contra a luxúria

Ao acompanhar a história de Agostinho, quando chegamos a esse ponto, pensamos: "Ufa! Batalha vencida!" Mas justo aí inicia-se um tremendo confronto contra suas más inclinações, porque, durante a juventude, ele havia adquirido o vício da luxúria, de modo que os pecados da carne eram realmente presentes na sua vida.

Agostinho chegou a ser pai solteiro; Adeodato era seu filho com uma de suas amantes. Mas, depois da conversão, ele já não podia viver essas paixões sem sentir uma enorme vergonha. Santa Mônica rezava para que ele se casasse com uma boa mulher, mas Deus o chamava para uma perfeição maior. E grandes foram as suas lutas.

Padre Paulo Ricardo explica que a conversão de Agostinho é algo excepcional. Ele não se converteu moralmente, como a maioria dos cristãos, mas intelectualmente; foi o interesse pela verdade que o levou até a luz de Cristo. Então, a batalha continuava, pois, nos primeiros anos, Agostinho viveu uma luta intensa entre a sua razão e a sua vontade.

A conversão intelectual de Agostinho

Ele já conhecia a verdade, mas não tinha forças para largar totalmente o pecado; e os prazeres da carne o consumiam. Agostinho foi um dos mais brilhantes oradores de seu tempo; e padre Paulo Ricardo também diz, para usar uma linguagem atual, que ele foi, em seus anos de juventude, um "profissional do marketing", um especialista em construir e vender aparentes "verdades". Seus escritos e discursos eram capazes de arrastar qualquer ouvinte, convencendo-o até mesmo das mais falsas ideias.


Agostinho queria dar o passo definitivo da sua conversão sem, no entanto, abandonar os velhos prazeres. Desse modo, ele adiava a sua entrega a Deus o quanto podia. Ouvia a história dos santos, ficava impressionado e comovido, mas ainda sofria as amarras dos sentidos e prazeres do mundo, sentindo-se humilhado e envergonhado quando caía em pecado. Ele via sua miséria e se atormentava pela dureza de seu coração, pela resposta negativa que dava ao chamado de Deus.

O poder da Palavra de Deus e o encontro no jardim

Foi num jardim, num momento de oração, que Agostinho foi atingido pela graça de Deus. Ouviu a voz de uma criança dizendo: "Toma e lê". Abriu a Palavra de Deus e leu a Carta de São Paulo aos Romanos, que diz: "Não caminheis em glutonarias e embriaguez, não nos prazeres impuros do leito e em leviandades, não em contendas e rixas; mas revesti-vos de nosso Senhor Jesus Cristo, e não cuideis de satisfazer os desejos da carne" (13, 13-14).

E a graça de Deus o iluminou: "Não quis ler mais, nem era necessário. Quando cheguei ao fim da frase, uma espécie de luz de certeza se insinuou em meu coração, dissipando todas as trevas de dúvida" (Confissões, VIII, 12).

Aí está, portanto, o caminho da santificação e vitória nessa luta interior: é a graça de Deus que santifica, ela nos visita iluminando nossa inteligência e fortalecendo a vontade. Mas cabe a nós muita humildade, sabendo que tudo isso é dom de Deus, mas sem arrefecer na luta, mantendo-se firme na oração e perseverante nas tribulações até que a graça do alto o visite e você se perceba completamente transformado.

O caminho da santificação é uma jornada de graça e esforço

Como o próprio Santo Agostinho dirá mais tarde: "A graça pressupõe a natureza". Então, quando a graça chega, deverá encontrar nossa natureza nessa luta e em constante oração para alcançar o efeito desejado. Deus quer nos fazer totalmente santos, e deve nos auxiliar com a sua graça.

Todavia, precisamos buscar a verdade pela meditação, a fim de que a luz de Deus fortaleça a nossa vontade, assim como ocorreu com Agostinho. A busca da verdade o levou à fé em Cristo e a reconhecer a Verdade que é uma Pessoa, o próprio Jesus que nos exorta pela boca de São Paulo: "Despojemo-nos das obras das trevas e vistamo-nos das armas da luz. Comportemo-nos honestamente, como em pleno dia" (Rm 13, 12).

 

Edvânia Duarte Eleutério – Missionária da Comunidade Canção Nova desde 1997, é formadora de namorados e casais, entre outras funções. Possui especialização em gestão de pessoas, counseling e bioética. Autora do livro 'Por que (não) eu?


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/a-luta-de-santo-agostinho-pela-busca-da-santidade/

7 de novembro de 2024

Por uma fotografia litúrgica

É, sem dúvidas, um tempo de explosão de imagens: a facilidade de se obter e de se reproduzir; a rapidez de se acessar e replicar uma fotografia, uma pintura, uma arte visual de qualquer espécie, há muito nos dá a certeza de que a imagem – no caso desta reflexão, a fotografia – é a senhora das mídias.

Não se passam – ou não se rolam – mais do que duas páginas sem que surja uma imagem ilustrativa. Às vezes, a fotografia fala sozinha, afirma, notícia, garante. E impacta. "Uma imagem vale…".

A comunicação da Igreja e na Igreja, obviamente, também se utiliza deste elemento (cada vez mais) imediato, amplo, onipresente. Se antes já o fazia com a imagem dos grandes vitrais, com as pinturas catequéticas dos grandes artistas, com o desenho arquitetônico das Catedrais, agora são as viagens dos Papas que arrastam dezenas de fotógrafos de mídia (além dos próprios fotógrafos do Vaticano[1]); as ações das Igrejas em nível nacional e internacional são constantemente registradas; os atos de culto popular, as festas devocionais, a missa das pequenas comunidades espalhadas pelo Brasil, o trabalho pastoral dos leigos nas noites de frio com as comunidades carentes, ou da Pastoral da Criança com a pesagem dos recém-nascidos, movimentam cliques, divulgações, likes (ou, ao menos, deveriam).

É  nesse contexto, de uso da fotografia como meio de comunicação, registro, história (e porque não dizer: arte), que ela, a fotografia, precisa ser realmente debatida e estimulada em todos os níveis de ação comunicante da Igreja, para ser, também, meio de evangelização. Assim como se pensa e se debate o melhor tom para as matérias, as notas informativas, os textos meditativos, as mensagens com uma pitada de humor ou as pautas com grande carga de dramaticidade, há espaço e necessidade para um estudo e um cuidado com a fotografia que fazemos e que utilizamos, em todos os níveis.

Para isso, convido a uma reflexão inicial, nunca (ou raramente) suscitada, e que, a fim de dar parâmetros e fundamento para a meditação da fotografia que fazemos e que usamos no seio da comunicação eclesial (e da evangelização), merece destaque: como denominar essa fotografia feita a serviço da Igreja, da missão, da vocação? Como se titular esta fotografia que bebe no fotojornalismo mas que vai além do fotojornalismo; que bebe na fotografia autoral mas que vai além dela; que se utiliza do que se chama de fotografia de eventos mas que a ultrapassa em sentido e expressão; uma foto e uma mensagem além do retrato, da foto de estúdio, da foto de arquitetura…?

É comum chamarmos a isso de fotografia religiosa: aquela feita no âmbito do exercício religioso, de forma especial no acompanhamento e registro do culto cristão católico: a Missa, a Celebração da Palavra, o Batizado, a Ordenação, a procissão… É, basicamente, o lugar onde se dedicam os agentes de Pascom, com as ferramentas de que podem dispor, sejam grandes câmeras, sejam pequenos smartphones que são as câmeras mais modernas da atualidade… É o lugar onde, muitas vezes, começam os aprendizados e despontam alguns mais ousados, ou mais apaixonados, ou mais esforçados, que descobrem a melhor forma de registrar e apresentar, à pequena comunidade ou ao mundo, uma imagem que testemunhe o exercício pessoal e comunitário de uma Igreja em missão.

Meu convite, contudo, que há tempos venho projetando, pensando, debatendo, meditando, é que reconheçamos esta categoria de fotografia como a Fotografia Litúrgica: no âmbito da nossa comunicação – comunicação católica, consciente, com uma mensagem certa para interlocutores muitas vezes incertos – a fotografia feita por nós também nos identifica, nos marca, nos alinha. E, dentro da Igreja Católica, é a ação litúrgica que nos marca, nos une, e amplifica as nossas vozes.

Assim, pensar uma Fotografia Litúrgica é romper os limites de uma dita fotografia religiosa que se preocupa unicamente com as expressões de religiosidade, aspectos externos, às vezes meramente cultuais, para que ganhe espaço e valor dentro de nossa consciência de agentes de comunicação católica que nossa imagem, nossa arte, nosso desenho, nossa fotografia é expressamente comunicante de uma unidade que não se limita ao centro do culto religioso, mas parte dali para chegar a todas as outras ações eclesiais. E, aí, evangelizar.

A fotografia na Igreja Católica é uma fotografia litúrgica. A fotografia religiosa pode ser um gênero maior que abrange inúmeras questões de religiosidade, praticamente uma abordagem sociológica. Mas a fotografia para nós, aquela à qual somos chamados a trabalhar e experimentar, é a que brota da verdadeira e melhor comunicação da Igreja. Que é o fazer litúrgico.

Assumir a fotografia de comunicação católica como uma Fotografia Litúrgica, nos dá a clara referência de que nossas imagens estão necessariamente conectadas a toda ação litúrgica da Igreja implantada por Nosso Senhor Jesus Cristo e com ela falam, e com ela se comunicam. Pensar e fazer a fotografia como liturgia, aproveita da liturgia o que ela tem de mais rico: inserir a quem dela participa no centro do mistério celebrado, mistagogia.

Nesse formato, a fotografia feita em um show de evangelização transcende a luz, o palco, o gesto, e dialoga sobre o sagrado, também ali. A fotografia da celebração eucarística deixa de ser apenas o registro do momento já vivido, e passa ao nível da introdução de quem a vê, mesmo depois do acontecido, em um momento de oração. A fotografia feita durante a ação social da sua comunidade, do seu movimento eclesiástico, não só reporta o fato, mas convida a participar.

Assumir uma Fotografia Litúrgica simboliza que nossa liturgia ultrapassa o aspecto meramente "espiritualizado"; é voz em uníssono do Povo de Deus em ação – e a fotografia também é missão e ação litúrgica quando registra todos os tipos de fazer litúrgico dentro das celebrações, mas também os outros tipos de manifestação fora do templo, porque é também lá, nas ações pastorais, na investigação das injustiças com o mais fraco, na mobilização dos esforços em direção ao outro, no registro das ações, das entrevistas, na criação de imagens artísticas que criem condições para a reflexão pessoal e comunitária, que o agente de Pastoral de Comunicação, fotógrafo, está em unidade com a Igreja que se expressa pela Liturgia, típica ação comunicante de Deus para com seu povo e do povo para com Deus.

Suscitar a Fotografia Litúrgica é suscitar uma construção de imagem com ainda mais comunicação. Ainda mais significado. E verdadeira evangelização através da imagem.

[1] Sou um fã e um pesquisador do trabalho magistral do já aposentado Arturo Mari e do atual fotógrafo oficial do Papa, o italiano Francesco Sforza.

André Fachetti Lustosa é fotógrafo profissional desde 2011. Formado em Direito, advogado por 20 anos e professor universitário, até 2016, trabalhando exclusivamente com a fotografia, atualmente. Ministro de Música, Ministro Extraordinário da Pregação da Palavra de Deus, Membro da Ordem dos Carmelitas Descalços Seculares OCDS, Participante da PASCOM Regional Leste 2, como Fotógrafo. Criador da "Oficina de Fotografia Litúrgica", um workshop com reflexões e dicas sobre fotografia na Igreja.