6 de novembro de 2024

Como fazer um bom exame de consciência à noite

O exame de consciência é uma prática essencial para a vida espiritual

Antes de qualquer coisa, é necessário definirmos o que é o exame de consciência. Podemos defini-lo da seguinte forma: "É a reflexão que fazemos diante de Deus, em que pensamos sobre a nossa vida, se infringimos alguma lei divina e com qual gravidade o fizemos." A pessoa se pergunta: "O que fiz está de acordo com o ensinamento do Senhor?".

Como fazer um bom exame de consciência à noite

Crédito: Charday Penn / GettyImages

Se ela infringe um dos 10 mandamentos ou um dos 5 mandamentos da Igreja, com plena consciência e pleno consentimento, acaba por cometer um pecado mortal (grave). Se, ao cometer algum ato mau, mas não tem ligação direta com os 10 mandamentos e/ou os 5 mandamentos da Igreja, ou não se tem plena consciência, ou não tem pleno consentimento, comete um pecado venial (leve). Todo exame de consciência parte desse princípio. [1]

Preparando-se para o descanso

Uma vez que esclarecemos sobre o que é o exame de consciência, agora podemos tratar de sua prática no período da noite. Sem dúvida nenhuma, essa é uma prática que herdamos da Tradição da Igreja.

Na Liturgia das Horas, no momento da oração das Completas, é recomendado o exame de consciência. Não são poucos os santos que recomendam a oração antes do sono noturno. E há aqueles que ensinaram sobre como deveríamos fazer, com frequência, esse exame. Um santo que pode nos ajudar a fazer o exame de consciência noturno é São Francisco de Sales. [2]

Quais são os passos para o exame de consciência antes de dormir?

Passo 1

Quando São Francisco de Sales ensina sobre este assunto, ele o faz juntamente com o momento de oração que devemos fazer antes de dormir. Veja como ele começa o seu ensinamento:

"[…]será de grande proveito tomares também deste alimento espiritual antes do chá à noite. Escolhe alguns minutos antes desta refeição e prostra-te diante de teu Deus aos pés do crucifixo, lembrando-te contigo mesmo da dissipação do dia".

Durante a noite, próximo ao momento de dormir, é necessário se colocar diante de Deus, em um ato de fé, de quem reconhece o Senhor que está a sua frente (cf. Jo 20,15-16). Aplique com atenção e piedade. Por isso é bom fazer em um local calmo e que lhe motive a rezar, tenha elementos como o Crucificado, a imagem de Nossa Senhora etc. Encontre uma postura adequada, faça o sinal da cruz e inicie a sua oração.

Passo 2

Continuemos a escutar o segundo passo narrado por São Francisco:
"Reacende, em teu coração, o fogo da meditação da manhã por atos de profunda humilhação, por suspiros de ardente amor a Deus, e aprofunda-te, abrasada deste amor, nas chagas do amantíssimo Salvador, ou então vai repassando em teu espírito e, no fundo do teu coração, tudo quanto saboreaste na oração, a não ser que prefiras ocupar-te de um novo objeto."

Quando nos colocamos diante de Deus, além do exercício da fé, é necessário exercitarmos a humildade. Portanto, devemos nos aproximar d'Ele como o mendigo que suplica o pão a quem pode alimentá-lo. E ao recebermos esse pão, que é verdadeiro alimento divino, teremos como fruto um coração abrasado pela caridade. Esse é o momento de amar o Senhor e permanecer em Sua presença.


Passo 3

A partir dessa oração é que o santo narra pontualmente o exame de consciência antes de dormir:
"Quanto ao exame de consciência, que devemos fazer antes de nos deitarmos, não há ninguém que ignore.
1. Devemos agradecer a Deus por nos ter conservado durante o dia;
2. Examinam-se todas as ações, uma a uma, e as suas circunstâncias;
3. Achando-se alguma coisa de bom, feita neste dia, dá-se graças a Deus; se, ao contrário, tem-Lhe ofendido por palavras, por pensamentos e por obras, pede-se-lhe perdão por um ato de contrição, que deve abranger a dor dos pecados cometidos, o bom propósito de corrigi-los e boa vontade de confessá-los na primeira ocasião;
4. Depois disso, recomenda-se à Divina Providência seu corpo e sua alma, a Igreja, seus parentes e amigos; invoca-se a Santíssima Virgem, os santos e os anjos da guarda, pedindo-lhes de velar sobre nós. Feito isso, com a bênção de Deus, vamos tomar o repouso que Ele quer que tomemos."

Conclusão

A falta do exame de consciência leva a alma para um desprezo da graça de Deus, que, dia após dia, convida o homem à santificação. O homem que leva a sua vida sem considerar suas ações e consequências molda-se ao vício da imprudência.

O homem prudente, com sua razão iluminada pela graça de Deus, considera todas as coisas à luz do ensinamento do Senhor e toma suas decisões para alcançar a santificação, enquanto o homem imprudente tem sua inteligência como serviçal de suas inclinações passionais, não considera a consequência do que fala, faz ou omite. O imprudente é como um animal sofisticado e disfarçado de ser humano, tem aspecto físico de homem, mas é agressivo e sensual como os animais.

Se a prudência é a virtude que articula todas as outras, o vício da imprudência é a loucura que desgoverna toda a alma e a faz submeter-se aos vícios. O exame de consciência diário é o remédio para curar essa loucura. E uma boa forma de começarmos é pelo exame antes do sono noturno.

Referência:
1 – Catecismo da Igreja Católica, parágrafo 1854 – 1864.
2 – Filoteia – introdução à vida devota, VIII edição, parte II, páginas de 100 a 101

Jonatas Ferreira
Comunidade Canção Nova


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/como-fazer-um-bom-exame-de-consciencia-noite/

Como lidar com a força de vontade?

Virtude e força de vontade: uma relação essencial para a vida humana

O que é uma virtude? É uma força que pode agir. Por exemplo, a virtude de uma planta ou remédio é tratar, a de uma faca é cortar, e a de um homem é agir humanamente. Esses exemplos mostram que virtude é um poder específico.

Como lidar com a força de vontade (2)

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Falar de virtudes nos leva a um caminho de falar de nossa força de vontade e de sua aplicação no dia a dia. Como dizia Andrè Comte-Sponville, em o Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, "a virtude de um ser define seu valor e excelência: uma boa faca é a que corta bem; um bom remédio é o que cura bem; e um bom veneno é o que mata eficazmente".

Domando a procrastinação

No mundo moderno, somos bombardeados por distrações que desviam nossa atenção de metas importantes. Redes sociais, alimentos não saudáveis e a procrastinação tornam a resistência a esses impulsos essencial para o sucesso em áreas como carreira, saúde e relacionamentos.

Lidar com nossa força de vontade pode estar diretamente ligado aos nossos estados emocionais, como a depressão, que pode nos retirar diretamente a vontade de realizar algo, de seguir com algo efetivamente.

A força de vontade como aliada da autodisciplina

Por outro lado, é importante lembrar que a vontade é um ato consciente e racional, logo, poderá ser também empenho da nossa parte em aplicar a disposição para o outro, e ela vai, também de forma racional, na contramão daquilo que é apenas o desejo, mas a necessidade.

Um exemplo prático: é gostoso comer doces, mas tenho que ter força de vontade consciente de não me alimentar apenas deles e saber dos prejuízos que posso ter. Embora, em algum momento, me falte forças para as tarefas cotidianas, necessito colocar empenho, mesmo que num ritmo menor, para fazer o que for necessário.

Potencializamos nossa vontade à medida que a colocamos como um hábito: um hábito de alimentar-se melhor, feito de forma contínua, vai aos poucos se associando ao nosso dia a dia. A potência se aperfeiçoa pelo hábito, que é uma virtude necessária para agir com perfeição quando a natureza sozinha não é suficiente. Toda potência se orienta ao seu objeto, e a vontade se dirige ao bem da razão.

Aceitação: a força da consciência plena

Para isso precisamos também trabalhar nossa aceitação das necessidades da vida; quando precisamos passar por algo, vamos aos poucos colocando nossa potência e nossa vontade em direção ao que é necessário.


Aceitar é trabalhar nossa força de vontade em direção àquilo que nem sempre é agradável, mas necessário, tendo consciência clara disso em sua vida, e que, muitas vezes, não teremos tudo em mãos para realizar o que for necessário.

Disposição e aceitação envolvem adotar uma postura gentil e amorosa em relação a si mesmo e sua história, permitindo uma consciência plena da própria experiência, como se segurasse um objeto frágil com atenção. O objetivo não é apenas se sentir melhor, mas abrir-se para a vitalidade do momento e avançar em direção ao que se valoriza. Isso inclui sentir todos os sentimentos, mesmo os negativos, para viver de forma mais plena.

O hábito é a chave para fortalecer sua força de vontade

Para que toda essa reflexão faça ainda mais sentido para você, deixo aqui alguns passos que podem servir como norte para recomeçar a agir em sua força de vontade:

  1. tenha metas claras

  2. comece com pequenos passos

  3. faça controle do que você necessita (o que fiz, o que deixei de fazer, o que gastei, o que guardei, o que mudei, no que falhei, etc.)

  4. reconheça seus ganhos ao longo do caminho;

  5. entenda seus limites e suas capacidades;

  6. seja firme, específico, mas flexível para lidar com as dificuldades em meio ao caminho;

  7. organize-se ao longo da caminhada;

  8. tenha consciência do que lhe prejudica e assuma essa realidade, promovendo mudanças;

  9. tire momentos de descanso, pois servirão para abastecer sua disposição;

  10. procure pensar de formas diferentes daquelas que sempre realiza.

Gerenciando emoções

Nossa vontade se reflete em como lidamos com as emoções, que são essenciais para exercê-la. Muitas vezes, nos sentimos sobrecarregados por ansiedade, estresse ou tristeza, e é importante encontrar maneiras de gerenciar essas emoções. Raiva, desinteresse ou falta de motivação podem nos fazer deixar de lado o que precisamos fazer.

A força de vontade não se forma rapidamente; é um processo contínuo que requer paciência e perseverança. É normal ter recaídas e desafios, mas o essencial é não desanimar. Em vez disso, devemos aprender com essas experiências e ajustar nossas estratégias.

Um abraço fraterno,

Elaine Ribeiro

Psicóloga
@elaineribeiro_psicologa


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/como-lidar-com-a-forca-de-vontade/

4 de novembro de 2024

A importância de uma boa catequese

Catequese: mais do que conceitos, uma experiência transformadora

A palavra catequese vem do latim catechesis, que, por usa vez, foi derivada do grego κατήχησις, derivado do verbo κατηχέω, que significa "instruir a viva voz". Para os gregos, essa era a primeira e mais importante forma de instruir, ensinar alguém através da voz. E instruir é aquilo que devemos transmitir, ensinar a alguém. 

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Se olharmos tudo o que chegou até nós sobre a nossa fé católica, e de uma forma especial na nossa tradição, que é um dos grandes fundamentos da nossa fé, podemos identificar rapidamente a importância de uma boa " instrução a viva voz", pois assim como com os gregos, os ensinamentos eram passados de um povo para o outro. 

Se os nossos pais na fé não tivessem se preocupado em nos transmitir, nos catequisar da melhor forma, não teríamos, hoje, uma Doutrina tão rica, e mais ainda capaz de nos levar ao céu. Precisamos ser fiéis e continuar a oferecer às pessoas, a melhor, verdadeira e autêntica catequese, que consiste em estarmos fundamentados na seguinte tríade: Palavra de Deus, Tradição e Magistério da nossa Igreja.


Uma catequese sólida precisa da Palavra, da Tradição e do Magistério

Não podemos partir apenas de nós e das nossas concepções para oferecer ao povo uma boa catequese, o nosso fundamento precisa partir daí. É como uma "Corda de Três Nós" que nos afirma Eclesiastes 4:12: "Uma corda de três dobras não se rompe facilmente". Esse conceito é usado para ilustrar a ideia de que, quando três elementos estão unidos, eles se tornam mais fortes e resistentes.

Se a catequese que oferecemos às pessoas for baseada nessas "Três dobras", conseguiremos formar "bons cristãos e honestos cidadãos", porque esse é o fim de uma boa catequese, não encher a pessoa de ideias, conceitos – isso qualquer livro oferece. A finalidade de uma boa catequese é oferecer à pessoa a vida nova que Cristo veio nos trazer nessa terra, e para isso eu lhe apresento algo inovador e que é capaz de, não só por na nossa mente, a verdadeira instrução, mas em nosso coração, que é o encontro pessoal com Jesus Cristo. Essa é a nova lei, a nova catequese, a nova instrução que eu e você precisamos experimentar todos os dias.

Meiriane Silva
Missionária da Comunidade Canção Nova


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/igreja/importancia-de-uma-boa-catequese/

Procurar Deus na oração ou deixar-se encontrar por Ele?



"Buscamos Deus enquanto nós mesmos é que somos procurados. A nossa busca é o fruto de um mal-estar que nos dispõe ao seguimento íntimo e obstinado, gratuito e tenaz, de uma misericórdia cujo rosto ignoramos. Viver dessa certeza é ter ultrapassado o limiar do Evangelho, é ter aceitado uma vida teológica."
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

"Tu, que és meu Senhor, Tu, cuja vontade prefere à minha. Não me é possível contentar-me com palavras ao apresentar-te minha oração. Escuta meu grito que te suplica como um imenso clamor… Tu, de quem me constituis servo: Te rogo-te com insistência, até merecer atingir teu favor. Pois não almejo um bem da terra; não peço mais do que o que devo pedir: só a Ti… Tem piedade de mim! E como imensa é tua misericórdia e grande meu pecado, tem piedade de mim imensamente em proporção à tua misericórdia. Então poderei cantar teus louvores, contemplando-te, Senhor. Te bendirei com uma bênção que perdurará ao longo dos séculos; te louvarei com o louvor e a contemplação, neste mundo e no outro, como Maria, de quem nos diz o Evangelho, que escolheu a parte melhor. Amém. 
(São Bruno)

"Hoje iniciamos o Ano da oração, um ano dedicado a redescobrir o grande valor e a necessidade absoluta da oração na vida pessoal, na vida da Igreja e no mundo.Em vista do Jubileu 2025, O Papa anunciava no Angelus de 21 de janeiro de 2024 o início de um Ano de Oração para "nos prepararmos para viver bem este acontecimento de graça e experimentar nele a força da esperança de Deus". Francisco também anunciava que o Dicastério para a Evangelização disponibilizaria alguns subsídios para auxiliar os fiéis neste sentido.

 Depois de "Deus nos procura e provoca sede dele em nós", Pe. Gerson Schmidt* nos traz hoje a reflexão "Procurar Deus na oração ou deixar-se encontrar por Ele?":"Esse ano de 2024 é o Ano de oração que prepara o Jubileu 2025. O Papa Francisco introduz os cadernos que falam sobre a oração afirmando que esse é "o ano para fazer experiência de uma escola de oração, sem pressupor nada como óbvio ou garantido, especialmente ao nosso modo de rezar, mas a cada dia fazendo nossas as palavras dos Discípulos, quando pediram a Jesus: Senhor, ensina-nos a orar (Lc 11,1)"[1].

O caderno de número 06 – A Igreja em Oração é de contribuição e autoria dos Monges Cartuxos que aqui aprofundamos e comentamos.  Falamos que Deus tem sede de nossa sede dele, conforme nos dizem Santo Agostinho e São Gregório de Nazianzeno. Os monges cartuxos apontam que há um canto saudoso no coração do homem. Há uma saudade do paraíso perdido mergulhado no profundo ser de cada um. A sede de Deus está latente no nosso coração que grita e clama por Deus. "O canto da criação está gemendo como que em dores de parto (Rm 8,22)"[2].  Nós ainda nos escondemos como Adão, com medo dos passos do Criador, e não respondemos ao desejo de Deus estar conosco. "Temos medo da intimidade com Ele; e é na oração que se revela a nós a imagem de Deus que temos no coração. Essa imagem é uma caricatura gravada em nós pela voz mentirosa do Adversário, que ensinuou: Deus não quer que sejam deuses, Deus não quer que sejam como Ele (cf. Gn 3,5)"[3]. O demônio incute dentro de nós uma falsa ideia de que Deus não nos ama porque nos proíbe, nos limita, que não é tão bom quanto parece. O demônio é enganador e engabelador desde o princípio.

Os cartuxos afirmam nesse subsídio que tal mentira e imagem falaciosa de Deus se imprimiu tão profundamente em nós que não percebemos, afirmando que essa "caricatura de Deus é o ídolo que frequentemente servimos com a nossa oração". E por isso, não sabendo pedir como convém e que os apóstolos suplicam a Jesus que os ensina a rezar. Por isso, o Espírito do Pai clama em nós com gemidos inefáveis e inexprimíveis. Há um canto em nós – o Abbá – que é a saudade do próprio Deus. Esse canto era a saudade do próprio Adão, era o canto, exilado do paraíso, que ele já não podia mais cantar.

Na verdade, não somos nós que escolhemos a Deus, mas Deus que nos escolhe, tal como Jesus afirmou. Não somos nós que procuramos a Deus, mas Deus que nos procura. Pe. Henri Nouwen, em seu famoso best-seller, o livro "A volta do Filho Pródigo", comenta assim a respeito: "Desde toda a eternidade, estamos escondidos nas sombras das asas de Deus e gravados nas palmas de suas mãos (Is 49,2-16). Antes do que qualquer ser humano nos toque, Deus nos faz em segredo e nos tece nas profundezas da terra, e antes de qualquer ser humano decida a nosso respeito, Deus nos tece no seio materno (Sl 139).  Deus nos ama com um primeiro amor, amor ilimitado e incondicional, quer que sejamos seus filhos amados e nos pede que nos tornemos tão capazes de amar quanto ele próprio"[4].  O autor diz que durante a sua vida tem procurado a Deus. "Agora – diz ele – imagino se avalei bem que durante todo esse tempo Deus tem estado à minha procura, para me conhecer e me amar. A pergunta não é "Como posso encontrar Deus?", mas "como me deixar conhecer por Deus?"[5]. Deus me deseja mais me encontrar do que eu a Ele. A grande questão da fé não é simplesmente amar a Deus, o que é uma graça, mas deixar-se amar por Ele. É deixar que ele nos encontre, porque está a nossa procura como procurou Adão, que se escondeu e teve medo da iniciativa do amor de Deus, frente ao homem pecador. Nas três parábolas da misericórdia, é Deus que toma a iniciativa. Ele nos amou por primeiro. Deus é pastor que vai a procura da ovelha perdida; Deus é a mulher que procura a dragma perdida; Deus é o Pai que vigia e corre ao encontro do filho perdido que foi encontrado e depois do filho mais velho que não quer entrar na festa do perdão. Nessa última parábola, mais conhecida como a do filho pródigo, o pai misericordioso sai de si duas vezes, saindo de sua casa: a primeira, para correr e abraçar o filho mais jovem que voltou; a segunda, para conversar com o mais velho para envolvê-lo na festa da alegria da volta.

O Catecismo da Igreja Católica, em suas primeiras páginas, aponta, em título grifal, o desejo do homem por Deus. Há uma vocação intrínseca do ser humano para a comunhão com Deus, da criatura com o seu Criador. Afirma assim, no número 27: "O desejo de Deus está inscrito no coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus; e Deus não cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar: O aspecto mais sublime da dignidade humana está nesta vocação do homem à comunhão com Deus. Este convite que Deus dirige ao homem, de dialogar com ele, começa com a existência humana. Pois se o homem existe, é porque Deus o criou por amor e, por amor, não cessa de dar-lhe o ser, e o homem só vive plenamente, segundo a verdade, se reconhecer livremente este amor e se entregar ao seu Criador" (CIgC,27)."

*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
______________________

[1] Monges Cartuxos – Dicastério para a Evangelização - A Igreja em Oração – Cadernos sobre a Oração 6, introdução do Papa.
[2] Idem, p.29.
[3] Idem, p.30.
[4] NOUWEN, Henri J.M. A Volta do Filho Pródigo, Paulinas, 1992, SP, p.115.
[5] Ibidem.

2 de novembro de 2024

Finados: somente a fé é capaz de dar significado a esta data

Finados é um dia  para refletir sobre a vida, a memória e a eterna saudade daqueles que amamos

Para alguns, finados é um feriado gostoso, ocasião de sair para "esfriar a cabeça". Para outros, é dia de lembrar tudo, menos a morte ou as pessoas que já faleceram. Para outros ainda, é um dia trágico, pois, de certa forma, antecipa a cada ano o que seremos todos um dia. Mas, graças a Deus, para muitos, é um dia de esperança e comunhão com quem amamos e continuamos a amar, apesar de termos perdido sua presença física neste mundo chamado de vale de lágrimas.

Finados: somente a fé é capaz de dar significado a esta data

Créditos: Bruno Marques/cancaonova.com

A esperança cristã no Dia de Finados

Este dia nos convida a refletir não sobre a morte, mas sim sobre a vida. O nosso Deus é "o Deus dos vivos, e não dos mortos". As pessoas que já partiram desta vida não estão mortas; para Deus, elas não estão mortas, portanto, nossa oração ainda pode atingi-las. Por isso rezamos por essas pessoas no transcorrer do ano e dedicamos um dia especial a elas.

Ao rezar pelas pessoas que não estão mais presentes no meio de nós, quem sabe se, neste dia, graças às nossas orações e preces, elas não foram purificadas definitivamente e entraram na alegria de Deus? Ele quer a vitória sobre a morte pela Morte de Jesus Cristo. Só a fé em Jesus Cristo, morto por nós, pode vencer a morte.


Finados é um tempo de reflexão e fé

Somente a fé verdadeira é capaz de dar um novo significado para toda a nossa vida. Como diz o texto do Evangelho: "Aquele que vem a mim nunca terá fome, aquele que crê em mim nunca terá sede". Podemos acrescentar: "Aquele que crê em mim e vem a mim possuirá a vida eterna". Por isso, rezemos pelos nossos irmãos defuntos, na firme certeza de que, um dia, os nossos sucessores também rezem por nós!

A Mãe Igreja, ao relembrar os defuntos, convoca a todos para confrontar-nos com o enigma da morte e, por conseguinte, como viver bem, como encontrar a felicidade. E este Salmo responde: "Bem-aventurado o homem que doa; bem-aventurado o homem que não usa a vida para si mesmo, mas partilha; feliz o homem que é misericordioso, bom e justo; feliz o homem que vive do amor de Deus e do próximo". Assim, viveremos bem e não devemos ter receio da morte, porque estamos na felicidade que provém de Deus.

Dom Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Emérito de Juiz de Fora, MG


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/finados-somente-a-fe-e-capaz-de-dar-significado-a-esta-data/

1 de novembro de 2024

Temos um chamado universal à santidade

A santidade: uma obra do Espírito Santo em nós, um chamado à transformação

O que você quer ser quando crescer? Qual a sua vocação? São perguntas com as quais todos nós, em algum momento da nossa vida, vamos ser confrontados. E na data de comemoração de Todos os Santos, a Igreja nos convida a retomarmos essas perguntas e aprofundarmos a reflexão sobre o nosso chamado e o chamado universal de todo homem. Sim, existe uma vocação que abraça todos os estados de vida e que é apresentada no capítulo V da Constituição Dogmática Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II, e tem como título: "A vocação de todos à santidade na Igreja". Nessa constituição, a Igreja orienta e exorta que, na hierarquia, todos os estados de vida e até o simples fiel que foi batizado recentemente, todos são chamados à santidade (Cf. Lumen Gentium, 39).

Temos um chamado universal à santidade

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A santidade na Bíblia: um chamado desde o Antigo Testamento

Esse chamado à santidade acontece desde a Antiga Aliança e os Patriarcas: "Eu sou o Senhor que vos tirou do Egito para ser o vosso Deus. Sereis santos porque Eu sou Santo" (Lv 1,44-45). No paraíso, com o pecado original, a humanidade sofreu uma perda drástica: a santidade e a justiça originais.

No entanto, o Catecismo da Igreja Católica nos ensina que, apesar disso, "a natureza humana não se encontra totalmente ferida", mas, pelos méritos do sacramento do batismo, recebemos as graças vindas de Cristo, e somos reorientados ao coração amoroso do Pai e convidados a purificar nosso coração dos maus instintos e procurar o amor de Deus acima de tudo.

A Palavra de Deus também está repleta de afirmações que confirmam esse chamado à santidade. Veja o que São Paulo diz à comunidade de Efésios, ao explicar que o Pai nos abençoou com toda bênção espiritual nos céus em Cristo, e "Ele nos escolheu nele antes da fundação do mundo para sermos santos e irrepreensíveis sob seu olhar, no amor" (Ef 1,3-4).

São Pedro, São Paulo e a santidade como estilo de vida

Essa é a vontade de Deus para nós, porque ele, que nos criou, sabe o que pode nos realizar. O desígnio de Deus é claro: uma vez que fomos criados à sua "imagem e semelhança" (Gen 1,26), e Ele é Santo, nós devemos ser santos também. O Senhor não deixa por menos. A medida e a essência dessa santidade é o próprio Deus.

São Pedro repete esta ordem dada ao povo no deserto, em sua primeira carta, convocando os cristãos a imitar a santidade de Deus: "A exemplo da santidade daquele que vos chamou, sede também vós santos, em todas as vossas ações, pois está escrito: Sede santos, porque eu sou santo" (1Pe 1,15-16). O apóstolo exige dos fiéis que "todas as vossas ações" espelhem esta santidade de Deus, já que "vós sois uma raça escolhida, um sacerdócio régio, uma nação santa, um povo adquirido para Deus, a fim de que publiquem o poder daquele que das trevas vos chamou à sua luz maravilhosa" (1Pe 2,9).

Para São Pedro, a vida de santidade era uma imediata consequência de um povo que ele chamava de "quais outras pedras vivas… materiais deste edifício espiritual, um sacerdócio santo" (1Pe 2,5).


Vinde, Espírito Santo: a fonte da santidade

Talvez você possa pensar que a santidade é algo muito distante de você, algo inatingível. Mas o que não podemos esquecer é que o protagonista da nossa santificação é o Espírito Santo. A Igreja ensina que o "Espírito Santo é a fonte e o doador de toda santidade"; a realidade de santificação não é possível somente pelas forças humanas, mas, necessariamente, depende da força do Espírito Santo, da graça de Deus.

O Espírito Santo, que habita em nós, nos impulsiona, a todo momento, para a santidade. Ele age em nós e através de nós. Ele é Aquele que nos modela na santidade. O Espírito Santo trabalha as realidades mais profundas do nosso interior, ao agir em nosso ser e nos curar e libertar. Porque Ele é o Santificador e também o Consolador. Assim, todo aquele que se abre à experiência do Espírito tem a sua vida totalmente transformada.

Padre Jonas Abib dedicou-se muito a insistir nesses dois temas. Propôs para a comunidade e para todo o povo que se considera família Canção Nova o seguinte lema " OU SANTOS OU NADA!" Ensinando-nos que a santidade é para cada um de nós, para velhos ou novos, padres, celibatários, solteiros e casados, é para todos.

O batismo no Espírito Santo e a jornada para a santidade

Mesmo quando o peso das nossas fraquezas e limitações insistem em nos convencer do contrário, de que a santidade é inalcançável para nós, Padre Jonas nos propõe uma caminho seguro para a santidade através do batismo no Espírito Santo.

Quantas vezes ele nos contou sua oração diária pela manhã: "Bom dia, Espírito Santo! O que faremos juntos hoje?". Ele ainda nos ensina: "Não basta ser católico, ser padre ou religioso, ir à igreja e participar da Santa Missa. Também não basta ter um trabalho pastoral na paróquia. Aliás, para fazer tudo isso, e com eficácia, para que as pessoas sejam tocadas e transformadas, é preciso que cada um de nós seja cheio do Espírito Santo.

Ser batizado no Espírito Santo é isso: permitir que Ele, que já está em nós, realize os mesmos feitos que realizava nos primeiros cristãos, na Igreja primitiva. Permitir que Ele nos transforme e nos renove. A meu ver, o mais lindo é que para obter tamanha graça, basta abrir-se e pedir. O Espírito Santo é o doador de todos os dons de que necessitamos para a nossa santificação: por isso precisamos pedir sempre: "Vinde, Espírito Santo!".

Edvânia Duarte Eleutério – Missionária da Comunidade Canção Nova desde 1997, é formadora de namorados e casais, entre outras funções. Possui especialização em gestão de pessoas, counseling e bioética. Autora do livro 'Por que (não) eu?


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/temos-um-chamado-universal-santidade/

31 de outubro de 2024

Halloween: o neopaganismo entrou na nossa cultura

A história do Halloween: da festa celta à popularização global

De acordo com o Professor Felipe Aquino, em artigo publicado no dia 23 de outubro de 2020, o Halloween é uma festa celta realizada no fim do ano, também chamada de festividade do sol, que começa na noite de 31 de outubro e marca o fim do verão e das colheitas.

Halloween o neopaganismo entrou na nossa cultura

Crédito: wundervisuals / GettyImages

No século VI a.C., os celtas do norte da Europa celebravam o fim de ano com a festa do "Samhein" (ou Samon), festividade do sol, iniciada na noite de 31 de outubro e que marcava o fim do verão e das colheitas. Eles acreditavam que, naquela noite, o deus da morte permitia aos mortos retornarem à terra, fomentando um ambiente de terror.

Segundo a religião celta, as almas de alguns defuntos estavam dentro de animais ferozes e podiam ser libertadas com sacrifícios de toda índole aos deuses, inclusive sacrifícios humanos. Uma forma de evitar a maldade dos espíritos malignos, fantasmas e outros monstros era se disfarçando para tentar se assemelhar a eles e, dessa maneira, passavam despercebidos ante seus olhares.

A influência do Halloween na sociedade

Neste artigo, ao contrário dos demais artigos que costumo escrever, vou mesclar as minhas exposições com a experiência de quem viu o Halloween se tornar parte de nossa cultura e contribuir para destruir a nossa fé.

Minhas primeiras lembranças sobre Halloween datam da década de 80 – até então nunca tinha ouvido falar dessa festa; na escola de inglês, as primeiras ilustrações com imagens de bruxas, caldeirões e outras começavam a aparecer. Para mim, que ainda vivia uma fé católica de IBGE, aquilo não fazia a menor diferença. E esse é o primeiro ponto que quero tratar.


A indiferença e o perigo da festa de Halloween

Às vezes, por ignorância, tratamos muitos convites, festas, desenhos, filmes e outros tipos de eventos e entretenimentos como coisas sem importância, algo que "não cheira nem fede", permitindo que, pouco a pouco, isso vá se infiltrando em nossa vida. Pensamos: "Por que me preocupar com isso? É só uma brincadeira".

Não venho, agora, propor uma reflexão profunda sobre cada pequeno acontecimento do dia a dia, embora não seja errado fazê-lo. Venho, porém, alertá-lo, caro irmão, que hábitos prejudiciais à nossa saúde espiritual podem entrar em nossa vida de forma sorrateira.

Precisamos estar atentos às pequenas coisas

Lembremos que aquele que deseja perder a nossa alma possui uma inteligência angélica e é paciente, sabendo traçar estratégias de longo prazo para nos seduzir discretamente e ganhar nossa alma. Portanto, estejamos atentos às novidades que surgem em diversas áreas. Muitas vezes, elas parecem pequenas, inofensivas e até agradáveis, mas podem ter como motivação nos afastar de Deus.

Se queremos alcançar o céu — e nós queremos —, nada deve ser tratado com indiferença; tudo deve ser analisado à luz dos ensinamentos da Santa Igreja. A indiferença, muitas vezes, é o disfarce da ignorância revestida de orgulho. Cuidado!

O Halloween: uma festa que nos afasta de Deus?

Findado os elementos que queria tratar sobre a indiferença, convido-o para continuar "caminhando comigo" na década de 80. Agora, gostaria de chamar a atenção para um ponto importante que tem avançado sem que muitos percebam. O Halloween, que no início trazia imagens inofensivas, como bruxinhas sorridentes e caldeirõezinhos com cobras e lagartos, evoluiu para cenas cada vez mais grotescas.

Hoje, vemos representações de pessoas decapitadas, cabeças servidas à mesa e, em alguns lugares onde a "festa" acontece, há até simulações de bebidas que imitam sangue. Além disso, doces e guloseimas em forma de aracnídeos, dedos cortados e outras criações igualmente perturbadoras têm se tornado comuns.

O que nos eleva a Deus e nos santifica

Ora, se o bom senso, que deveria nos bastar para discernir, nos falha e impede de ver que o que é feio, desarmonioso e grotesco não nos faz bem, recorramos a São Boaventura para nos guiar: "Contemplava nas coisas belas o Belíssimo e, seguindo o rastro impresso nas criaturas, buscava por todo o lado o Dilecto" (1).

O Belíssimo é Deus, o Perfeitíssimo. Se o belo e o perfeito encontram sua realização máxima em Deus, onde encontram sua realização aquilo que é grosseiro e feio? Meus irmãos, não percamos mais tempo com o que não nos aproxima do céu, que não nos leva a Deus. Nem quero questionar para onde essas coisas grotescas nos conduzem; o que importa para mim, e creio que para você também, é saber se elas nos santificam. Se não, descartemo-las imediatamente.

O Halloween e a busca pela santidade

O resultado de sermos indiferentes às "novidades dos novos tempos" e de não usarmos o nosso intelecto para perceber a sutileza das manifestações contrárias a Deus e à nossa vida de santidade é permitir que esse neopaganismo entre em nossa vida e na vida daqueles por quem temos a responsabilidade de conduzir ao céu.

Coragem, irmão, não se preocupe com o que vão falar de você, porque você não entra nas "ondinhas da moda", porque você "não se permite" flertar com o feio e com o grotesco.

Tome as rédeas da sua vida, a fim de entregá-la para Deus da melhor forma que você puder, pois, ao final, quando estiver diante do Justo Juiz, você será recompensado por suas obras; e qual recompensa você deseja receber: a felicidade eterna ou a perdição eterna? "Que seu sim seja sim, que seu não seja não", como ensinou o nosso querido Padre Jonas.

Rezo por você!

Almir Rivas
Missionário da Comunidade Canção Nova


Referências bibliográficas

(1) Legenda maior, IX, 1: Fonti francescane, n. 1162 (Pádua 1982), p. 911.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/halloween-o-neopaganismo-entrou-na-nossa-cultura/