29 de setembro de 2024

Por que São Miguel é tão poderoso?

Quem Como Deus? A missão e o poder de São Miguel Arcanjo

São Miguel Arcanjo, cuja força e autoridade vêm diretamente de Deus, é uma figura central na fé católica. Conhecido como o defensor do céu e da terra, ele é invocado como o protetor dos fiéis e o comandante das legiões celestiais contra as forças do mal. 

O nome "Miguel" vem do hebraico "Mi-ka-El", que significa "Quem é como Deus?", uma pergunta que desafia a arrogância de Satanás e seus seguidores. Através de sua obediência e fidelidade a Deus, São Miguel se destaca como um guerreiro espiritual e protetor do povo de Deus.

Dividiremos este estudo em três partes, destacando seu papel na Sagrada Escritura, sua presença nas tradições da Igreja e a razão pela qual ele é tão poderoso e importante para os católicos.

São Miguel na Sagrada Escritura

São Miguel aparece em várias passagens bíblicas como uma figura de proteção e justiça divina. No Livro de Daniel (12,1), ele é descrito como o "grande príncipe" que guarda o povo de Israel, representando o poder de Deus que se manifesta em momentos de perigo. Miguel é o defensor daqueles que estão sendo oprimidos, assumindo a liderança como o principal protetor contra os inimigos espirituais e físicos.

No Novo Testamento, São Miguel é mencionado no Apocalipse de São João (12,7-9), onde lidera os exércitos celestes na batalha contra o dragão, simbolizando Satanás. Essa batalha é um dos momentos mais icônicos da tradição cristã, onde Miguel e seus anjos vencem as forças malignas e as expulsam do céu, simbolizando a vitória final de Deus sobre o mal.

Crédito: Sebastiano Ricci/Domínio Público

Sua menção na Carta de Judas (Jd 1,9), onde ele disputa com o diabo o corpo de Moisés, reafirma seu papel de protetor da justiça divina. Além dessas passagens, a tradição católica identifica São Miguel como o "Anjo do Senhor" em outras ocasiões, como na defesa do povo de Deus no Antigo Testamento. Ele é visto não apenas como o anjo guerreiro, mas também como aquele que traz conforto e força aos fiéis em suas batalhas espirituais.

A Tradição da Igreja e o Poder de São Miguel

Desde os primeiros séculos do cristianismo, a Igreja Católica tem venerado São Miguel como o protetor dos cristãos. A sua festa, celebrada em 29 de setembro, é partilhada com São Gabriel e São Rafael, outros grandes arcanjos que desempenham papéis específicos no plano de salvação. No entanto, é São Miguel quem ocupa o lugar de destaque como o "Príncipe das Milícias Celestes" e o "Guardião da Igreja".

Nas orações tradicionais, como o Confiteor, São Miguel é invocado como intercessor logo após a Virgem Maria. Ele também aparece na Missa Tridentina, onde seu nome é mencionado várias vezes, especialmente na oração de bênção do incenso, onde ele é chamado de "aquele que está à direita do altar do incenso", remetendo à sua proximidade com Deus e sua pureza.


Uma das práticas devocionais mais significativas que fortaleceu sua presença na Igreja foi a oração a São Miguel, escrita pelo Papa Leão XIII, após uma visão assustadora que ele teve sobre o futuro da Igreja. O Papa ordenou que essa oração fosse recitada no final de cada Missa, pedindo a proteção de São Miguel contra as forças do mal. Essa oração, conhecida e recitada por muitos católicos até hoje, destaca o papel do arcanjo como defensor da Igreja e do povo de Deus contra os ataques do inimigo.

Além disso, São Miguel aparece em diversos escritos apócrifos e lendas, como a Apocalipse de Baruc, onde é dito que ele guarda as chaves do Paraíso, ou na Ascensão de Isaías, onde é descrito removendo a pedra do túmulo de Jesus. Esses relatos, embora não canônicos, revelam a profunda devoção e a importância de São Miguel em diferentes tradições cristãs e no imaginário religioso.

A Intercessão de São Miguel e o Seu Poder Espiritual

O poder de São Miguel vai além da sua força como guerreiro. Ele é um exemplo de humildade e obediência perfeitas a Deus, mostrando que o verdadeiro poder está em servir ao Altíssimo com fidelidade inabalável. Diferente de Lúcifer, que caiu por causa do orgulho, São Miguel é exaltado por sua lealdade, respondendo à rebeldia de Satanás com a pergunta que ressoa eternamente: "Quem é como Deus?".

Invocar São Miguel em momentos de tentação e perigo espiritual é uma prática tradicional da Igreja, e ele é conhecido por vir em auxílio dos fiéis em suas batalhas contra as forças das trevas. Como disse o Papa Leão XIII, ele é o "gloriosíssimo príncipe das milícias celestes" e o "patrono da Igreja", sempre pronto para intervir em nossa vida quando chamados com fé.

A sua intercessão pode ser especialmente poderosa em momentos de perigo, doenças e ataques espirituais. Ao pedir a São Miguel que venha em nosso socorro, reconhecemos que, assim como ele derrotou Satanás no céu, ele pode nos ajudar a vencer o mal em nossa vida cotidiana.

O Poderoso defensor da fé

São Miguel é tão poderoso porque sua força vem diretamente de Deus. Sua fidelidade e obediência fizeram dele o líder das forças celestes e o defensor dos fiéis. Na batalha contínua entre o bem e o mal, São Miguel nos dá esperança de que, com fé, também podemos vencer as forças que tentam nos afastar de Deus.

Ao invocarmos São Miguel, colocamo-nos sob a proteção daquele que triunfou sobre Satanás e que continua a ser um guardião incansável do povo de Deus. Que São Miguel nos inspire a lutar com coragem e fé, sempre confiantes no poder de Deus, que ele tão bem representa.

"São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate; sede nosso refúgio contra as maldades e ciladas do demônio. Que Deus o repreenda, pedimos humildemente, e vós, príncipe da milícia celeste, pela força divina, precipitai no inferno a Satanás e a todos os espíritos malignos que andam pelo mundo para perder as almas. Amém."

 

Rafael Brito
Professor católico, Brito é doutorando em Teologia Dogmática junto a Pontificia Università Gregoriana (2019-), Mestre em Filosofia pela Pontificia Università Gregoriana (2019), com especialização em Ética, Antropologia Filosófica e Filosofia Política. Ele tem Mestrado em Teologia Dogmática e Fundamental pela Pontificia Facoltà Teologica della Sardegna (2017) e é Bacharel em Teologia também pela Pontificia Facoltà Teologica della Sardegna (2015).


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/igreja/santos/por-que-sao-miguel-e-tao-poderoso/

28 de setembro de 2024

O primeiro lugar

Servir ao invés de ser servido: a importância de uma escolha consciente nas eleições municipais

Durante essas semanas, temos assistido a uma série de entrevistas e todo tipo de propaganda daqueles que se candidatam aos cargos políticos de administradores municipais e de vereadores, inclusive com espetáculos vergonhosos e deprimentes em algumas partes do país. De um lado, vivemos um tempo de exercício da democracia, na qual são assegurados direitos de se apresentarem como possíveis ocupantes das cadeiras existentes à disposição. Por outro lado, percebemos a enxurrada de propostas, tantas delas irrealizáveis, inclusive com grande confusão entre os papéis dos prefeitos ou prefeitas e aquele dos vereadores e vereadoras. 

O papel do legislador municipal

De fato, é bom fazermos um significativo desconto ao ouvirmos de candidatos às Câmaras Municipais propostas de um verdadeiro paraíso na terra, como se coubesse a esta instância realizar as obras ligadas à Educação, Habitação, Saúde, Saneamento e daí por diante. Ensina o Tribunal Superior Eleitoral: "O vereador é a ligação entre o governo e o povo. Ele tem o poder de ouvir o que os eleitores querem, propor e aprovar esses pedidos na câmara municipal e fiscalizar se o prefeito e seus secretários estão colocando essas demandas em prática. Por isso é importante que o eleitor acompanhe a atuação do vereador para verificar se o trabalho está sendo bem desenvolvido". 

O perigo dos interesses particulares

Quando uma pessoa prioriza sua candidatura na defesa de interesses grupais ou classistas, ainda que justos, corre o risco de esquecer outros aspectos. Antes de tudo, o sentido do "bem comum", o primeiro princípio da Doutrina Social da Igreja. Outro é o papel prioritário de fiscalização do exercício administrativo do poder executivo. Não passando pelo bem comum, os interesses particulares ou de grupos em vista de cargos ou posições comprometem a segunda parte, fiscalizar com isenção o poder executivo. Por acaso, alguém sabe de cargos conseguidos à custa de barganhas e posições oferecidas a parentes e apaniguados? Vale a pergunta provocante!

Crédito: RafaPress / GettyImages

A lição de Jesus: humildade e serviço

Jesus chamou para seu grupo de discípulos homens bem concretos, com qualidades e limitações, inclusive porque o ambiente da época levava à expectativa de um Messias poderoso, capaz de enfrentar e aniquilar os inimigos do povo. Ele fez com os discípulos um caminho de formação, um lento processo que incluiu o que devemos ouvir na Liturgia do ultimo final de semana (cf. Mc 9,30-37). Vejamos: "Chegaram a Cafarnaum. Estando em casa, Jesus perguntou-lhes: "Que discutíeis pelo caminho?" Eles, no entanto, ficaram calados, porque pelo caminho tinham discutido quem era o maior. Jesus sentou-se, chamou os Doze e lhes disse: "Se alguém quiser ser o primeiro, seja o último de todos, aquele que serve a todos!" Em seguida, pegou uma criança, colocou-a no meio deles e, abraçando-a, disse: "Quem acolhe em meu nome uma destas crianças, a mim acolhe. E quem me acolhe, acolhe, não a mim, mas àquele que me enviou" (Mc 9,33-37). Justamente aos Doze, que viriam a assumir responsabilidades tão grandes, Jesus deve ensinar a não buscar os lugares de predominância e prepotência. E chama uma criança para mostrar-lhes a preferência a ser assumida, justamente num ambiente cultural em que estes pequeninos nem eram contados!

Critérios para um voto consciente

Permitam-me as pessoas que acompanham esta reflexão algumas observações e propostas, justamente às vésperas das eleições municipais. Observo que, nos muitos anos de vida e ministério, já conheci e conheço pessoas que entraram na política e se mantiveram com as mãos limpas e o coração puro, inclusive saindo até mais pobres do que entraram ao final de uma carreira! Um critério a ser observado, quando nos cabe dar um voto consciente, é verificar se a pessoa tem efetivamente uma história de serviço ao próximo, retidão e coerência de vida, começando em sua própria família e no ambiente de trabalho. Nas atividades comunitárias, no bairro ou na Paróquia, vejamos se a pessoa se dispôs realmente a ir ao encontro dos mais fracos e dos mais pobres. E é bom saber se tem trabalhado seriamente em sua profissão, pois podem aparecer candidatos que procuram apenas um bom salário ou um dinheirinho extra!

Cuidado com a mistura de papéis

Notemos ainda que os campos social e religioso não sejam misturados. Os lobbys de qualquer ordem, como no exemplo do Congresso Nacional, têm atrasado a consecução de objetivos e projetos mais amplos e dignos do conjunto da sociedade. O espaço da política há de ser o lugar do debate correto e sincero sobre a sociedade e o bem comum. Não interessa à Igreja Católica que candidatos prometam terrenos ou benefícios materiais ou cargos. O que desejamos é ter homens e mulheres que vivam com coerência o Evangelho e deem testemunho dos valores cristãos. Seja em que instância venham à tona debates, pessoas que não valorizam a vida e a dignidade humana desde a sua geração até o ocaso natural não podem merecer nossa confiança. Ou candidatos que já se envolveram em falcatruas e redes de corrupção de qualquer tipo, também estes não serão merecedores dos votos dos cristãos católicos. Não estão à venda votos de pessoas conscientes de sua fé e de sua retidão humana por nenhum preço!


O caminho da escolha responsável

Então, muitas pessoas têm perguntado em quem votar! Vale a resposta dada pelo Papa numa entrevista, ao voltar da última Viagem Apostólica, quando afirmou que, em algumas circunstâncias, há que votar no "menos pior". Entretanto, será sempre melhor analisar com calma para sufragar os candidatos ou candidatas aos poderes Executivo e Legislativo de nossos Municípios pessoas dignas e honestas. A responsabilidade pessoal nas eleições é imensa! Tenhamos a certeza de que o processo de construção de uma sociedade mais justa e fraterna é longo, complicado e muitas vezes doloroso, mas pede nossa consciência e capacidade de decisão. Peçamos humildemente àquele que veio não para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos (cf. Mt 20,28)! D'Ele nos vem a graça e o exemplo!

 

Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará


27 de setembro de 2024

São Vicente de Paulo: o santo que venceu o mal pelo bem

"Não podemos garantir melhor a nossa salvação do que vivendo e morrendo a serviço dos pobres."

comshalom

A liturgia faz memória hoje de São Vicente de Paulo, nascido na região de Aquitânia, França, em 1581, século em que havia muitos pobres e desvalidos naquele país, devido às guerras e revoluções que dizimavam a população, gerando uma verdadeira multidão de crianças órfãs, mulheres prostituídas e enfermos abandonados pelas ruas.

Foi neste cenário que Deus inspirou o padre Vicente de Paulo, vindo ele mesmo de uma família humilde, a iniciar uma grande obra de caridade, fazendo resplandecer aos mais necessitados a face da misericórdia divina. 

Uma vida voltada às obras de caridade

Na paróquia que administrava, deparava-se constantemente com a miséria de seu povo, pois muitos vinham ao seu encontro para pedir socorro e isto o estimulava a ajudar a todos, na medida do possível. Entretanto, em meio a uma viagem pastoral, padre Vicente foi preso e vendido como escravo, vivendo humildemente a serviço de seu patrão por dois anos, até que foi libertado após catequizá-lo. Quando retornou à sua paróquia, decidiu encabeçar uma grande reforma no clero, por meio da qual realizou muitas obras de assistência social e combateu o jansenismo, heresia que negava o livre-arbítrio e afirmava que o ser humano não era capaz de fazer o bem.

Desse modo, o padre Vicente acabou provando concretamente, com o seu testemunho de amor e solidariedade, que, embora todos tenhamos as marcas das concupiscências em nós, a graça é capaz de superar todas as nossas más inclinações e fazer prevalecer a bondade à qual fomos vocacionados por Deus, como um povo criado à Sua imagem e semelhança.

São Vicente fundou ainda duas ordens religiosas: a Congregação da Missão, conhecida como Lazaristas, e, em cofundação com Santa Luísa de Marillac, as Filhas da Caridade, também chamadas de Irmãs Vicentinas. Ele teve uma vida longa, vindo a falecer com quase oitenta anos, em 27 de setembro de 1660, tornando-se, após sua canonização, o padroeiro das obras de caridade. 

O testemunho deste santo que nasceu pobre, foi escravizado por dois anos e sofreu vários ataques à sua fé, é como um brado ao mundo, de que as nossas escolhas não devem ser guiadas por aquilo de ruim que nos acontece, mas que, por graça de Deus, podemos, como nos diz São Paulo, livremente optar por vencer o mal pelo bem (cf. Rm 12,21).

São Vicente de Paulo, rogai por nós!


23 de setembro de 2024

Profecia da Palavra

Uma fonte de sabedoria e transformação

A profecia da Palavra é um tesouro precioso, fonte inesgotável de sabedoria indispensável à qualificação existencial do ser humano. Essa preciosidade não vem das muitas informações circulantes neste tempo, nem mesmo dos consideráveis avanços científicos e tecnológicos. Diferentemente do conhecimento técnico e científico, restrito a círculos específicos, todos podem ter acesso à profecia da Palavra. A referência é à Palavra de Deus, primordial ao viver humano, essencial para aqueles que buscam o caminho sapiencial que leva ao saber divino. Esse caminho tem força para exercer a regência da vida humana, revestindo-a de sentido. Um desafio existencial enorme neste tempo de tantas pressões e, até mesmo, injuções de muitos outros saberes importantes. Acessar esta fonte-tesouro, a Palavra de Deus, cria oportunidades de iluminação para o viver humano, contribuindo para que sejam alcançadas soluções de entraves sociais, políticos, culturais e ambientais. 

Além das práticas piedosas

Pensa-se, ilusoriamente, por preconceitos religiosos, princípios ateísticos ou, até mesmo, por desconhecimentos, que a Palavra de Deus é referência limitada às práticas piedosas. Incontestavelmente, a Palavra fecunda e ilumina o caminho da experiência de fé, torna-se o alicerce de sua consistência e a lucidez operante de suas convicções. Mas a busca por essa fonte-tesouro deve ser ampliada para outros campos da vida. Bem lembra o salmista, no salmo 118: a Palavra é lâmpada para os pés e luz luzente para o caminho. Um "porto seguro" para a ancoragem do viajante e, ao mesmo tempo, um impulso para a sua partida, na tarefa de novamente "lançar as redes em águas mais profundas", para saborear o gosto gostoso de ouvir e de dialogar com Deus, a experiência mais relevante do ser humano. 

Crédito: Bohdan Bevz / GettyImages

Diálogo transformador

O diálogo com Deus oferece a cada pessoa a possibilidade de se capacitar enormemente, alcançando a lucidez que permite reconhecer a necessidade de se priorizar o bem comum, o zelo pela justiça, a partir de um fecundo sentido sociopolítico – fundamentado no respeito ao ser humano e à casa comum. Em síntese, trata-se de um diálogo que interessa primordialmente a quem crê, mas capaz de atender também aos anseios daqueles que não creem. A Palavra divina desencadeia um fenômeno cognitivo. Alarga horizontes de compreensão dos que se dispõem a dialogar com o Pai. Essa disponibilidade exige colocar-se em atitude de escuta, condição indispensável. E uma escuta qualificada é mais que a simples apreensão de sons ou assimilação de informações.  Ouvir a Palavra de Deus é uma experiência mística, em razão da especialidade do interlocutor – sua Palavra tem força de transformação, trazendo iluminações que incidem no viver e nas intervenções humanas: desempenhos profissionais e atitudes cidadãs capazes de ajudar a promover avanços civilizatórios. Não existe outra fonte mais eficaz para enriquecer diferentes áreas do saber humano. A Palavra tem contribuições para superar entreveros que comprometem a paz. 

Testemunho da atuação divina

A consignação em escritura das experiências dialogais de Deus com o ser humano, a Sagrada Escritura, no conjunto de livros preparados ao longo de séculos, mostra a atuação divina na qualificação das pessoas e comunidades. Comprova que a Palavra influencia determinantemente a cultura, sendo capaz de oferecer respostas existenciais, sempre atuais e completas, à humanidade. Contribui, assim, com o crente e com o ateu, com o profissional de qualquer área do saber e com aquele que busca alcançar o sentido de sua responsabilidade cidadã. Justifica-se, pois, a necessidade de se proclamar e de se escutar a Palavra de Deus.  O ser humano, em diálogo com Deus, em interface com outras pessoas, nas instituições e comunidades de fé, trilha um percurso sapiencial, capacitando-se para a profecia da Palavra. Todos têm a necessidade de se expressar, garantia de liberdade e autonomia. E quando o ser humano partilha suas palavras, a partir de atenta escuta de Deus, bem exerce a sua liberdade e a sua autonomia. 


Edificando e transformando

Conforme o ditado popular, há sempre o risco de "se falar pelos cotovelos", sobre todas as coisas e, assim, atrasar importantes processos, agindo de modo incoerente com a grandeza do viver humano. A palavra de cada pessoa deve ser sagrada, buscando edificar relacionamentos para promover o compromisso com o bem de todos. Uma tarefa cidadã e um compromisso de fé. Basta de se falar bobagem, não se deve multiplicar palavras sem força de transformação. Vale sempre ter presente, é o dever e o compromisso do cristão, priorizar a escuta da Palavra de Deus. Desse modo se consegue partilhar palavras capazes de devolver esperança aos corações. E esperança é um bem cada vez mais ausente do cotidiano de muitas pessoas, que podem chegar ao extremo de desistir de viver. 

A ação transformada pela escuta

A ação humana, quando alicerçada na escuta da Palavra de Deus, reveste-se de consolação, força de aconchego e acolhimento, remédio de alta incidência terapêutica. Escutar a Palavra influencia processos existenciais e institucionais, gerando inovações e transformações humanísticas revolucionárias. Escutar Deus regenera quem apenas sabe "beliscar" o semelhante, ou produzir críticas ácidas, repetitivas, estéreis, sem jamais alcançar o que a sociedade e suas instituições precisam – transformações e novas respostas. Todos assumam esta indispensável atitude: achegar-se à fonte da profecia da Palavra de Deus.   

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/biblia/profecia-da-palavra/

20 de setembro de 2024

São Rafael: Cura de Deus

Como podemos pedir sua intercessão?

" Eu sou Rafael, um dos sete que tem acesso junto a Deus" (Tb 12)

O Arcanjo Rafael, cujo nome significa "Cura de Deus", é uma figura bíblica central para a proteção e cura tanto física quanto espiritual. Venerado pela Igreja Católica como patrono dos viajantes, dos enfermos, dos jovens e dos que buscam encontrar o amor, São Rafael tem uma história profundamente inspiradora de intercessão que nos convida a buscar sua ajuda em momentos de necessidade. Dividiremos essa história em três partes e, ao final, contaremos sobre a devoção de São João Eudes a esse grande arcanjo.

A jornada de Tobias e a proteção divina de São Rafael

No Livro de Tobias, do Antigo Testamento, encontramos a poderosa intercessão do Arcanjo Rafael. A história começa com um homem judeu chamado Tobit, que vivia cegado por uma doença incurável. Com o desejo de resolver uma questão financeira e confiante nas bênçãos divinas, ele enviou seu filho, Tobias, em uma longa viagem para a Média, a fim de recuperar uma soma de dinheiro deixada com um parente distante.

Antes da jornada, Tobit orou fervorosamente a Deus para que protegesse seu filho dos perigos do caminho. Sua oração foi ouvida, e Deus enviou o Arcanjo Rafael, disfarçado de um homem comum, para guiar Tobias durante a travessia. A figura de São Rafael como guia não é apenas física, mas também espiritual, protegendo Tobias de armadilhas ocultas ao longo da viagem e ensinando-lhe a confiar na Divina Providência.

Sara e a libertação do demônio Asmodeu

Enquanto isso, em outra parte da região, uma mulher chamada Sara enfrentava uma possessão demoníaca causada por Asmodeu. Sara já havia perdido sete noivos, todos mortos na noite de núpcias devido à influência maligna do demônio. Angustiada e desesperada, Sara também dirigiu suas orações a Deus, suplicando por libertação.

Crédito: Pieter Pietersz Lastman/Domínio Público

O encontro de Tobias e Sara foi orquestrado pelo próprio Arcanjo Rafael. Quando Tobias conheceu a história de sofrimento de Sara, ele se apaixonou por ela. O arcanjo, então, aconselhou-o a usar o coração de um peixe que ele havia capturado anteriormente durante a viagem para afastar o demônio Asmodeu. O uso deste amuleto libertou Sara de sua maldição, e ela pôde se casar com Tobias sem medo. Essa libertação espiritual é um dos grandes símbolos da intercessão de São Rafael, que, além de proteger fisicamente, também cura as almas atormentadas.

A cura da cegueira de Tobias

Após o casamento, Tobias e Sara viajaram juntos para a casa de seu pai. Quando chegaram, São Rafael revelou a Tobias que o fel do peixe capturado poderia curar a cegueira de seu pai. Seguindo as instruções do arcanjo, Tobias aplicou o fel nos olhos de Tobit, e este foi instantaneamente curado, recuperando sua visão. Somente nesse momento, São Rafael revelou sua verdadeira identidade, mostrando-se como o mensageiro de Deus enviado para proteger, curar e guiar Tobias e sua família.

São João Eudes e sua devoção a São Rafael

São João Eudes, grande missionário e fundador dos Eudistas, tinha uma profunda devoção ao Arcanjo Rafael. Ele acreditava que, assim como Tobias foi guiado e protegido por São Rafael, todos nós também podemos invocar a intercessão do arcanjo para sermos protegidos em nossas próprias "viagens" da vida – sejam elas físicas ou espirituais. São João Eudes costumava recomendar aos fiéis que pedissem a São Rafael orientação, sabedoria e cura, especialmente em momentos de confusão e doença.

Assim como no caso de Tobias, São Rafael é um intercessor eficaz para quem enfrenta dificuldades, doenças e busca a cura espiritual. Para pedir sua intercessão, São João Eudes sugeria orações simples, mas fervorosas, pedindo ao arcanjo que nos guiasse em nosso caminho, nos defendesse das influências do mal e nos curasse de nossos males.


Pedindo a intercessão de São Rafael

A intercessão de São Rafael é uma dádiva de Deus para todos nós. Podemos invocar o arcanjo em nossas orações diárias, pedindo a cura e proteção, especialmente em momentos de viagem, doença ou quando enfrentamos desafios espirituais. Uma oração eficaz pode ser a seguinte:

"São Rafael Arcanjo, mensageiro de Deus e guia dos viajantes, que cura os doentes e liberta os cativos das forças malignas. Assim como ajudaste Tobias em sua jornada, guia-me no caminho da vida, proteja-me dos perigos visíveis e invisíveis e concede-me a cura de que necessito, tanto no corpo quanto na alma. Amém."

Que, assim como Tobias e São João Eudes, possamos sempre contar com a presença amorosa e curadora do Arcanjo Rafael em nossa vida.

 

Rafael Brito
Professor católico, Brito é doutorando em Teologia Dogmática junto a Pontificia Università Gregoriana (2019-), Mestre em Filosofia pela Pontificia Università Gregoriana (2019), com especialização em Ética, Antropologia Filosófica e Filosofia Política. Ele tem Mestrado em Teologia Dogmática e Fundamental pela Pontificia Facoltà Teologica della Sardegna (2017) e é Bacharel em Teologia também pela Pontificia Facoltà Teologica della Sardegna (2015).


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/devocao/sao-rafael-cura-de-deus/

16 de setembro de 2024

Ouça o grito da Terra

O clamor da criação: um chamado à ação e à conversão para salvar o planeta

Esta é a convocação que ecoa forte na mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação celebrado em 1º de setembro. A Terra mostra evidentes sinais de esgotamento – pelas catástrofes, pela escassez de água e tantos outros fenômenos terríveis mundo afora, sem contar as perspectivas que se delineiam para um futuro não tão distante, possíveis de se reconhecer a partir de sérios trabalhos científicos. Os estudos são convincentes quanto à urgência de ações e providências que já estão atrasadas, para reverter uma triste realidade: a disseminação de comportamentos irresponsáveis e do criminoso tratamento dedicado ao planeta, brincando com a Criação de maneira desrespeitosa. "Ouça o grito da Terra" deve ser um forte apelo também no horizonte importante do dia 7 de setembro, para inspirar novas posturas cidadãs na sociedade brasileira, que precisa tratar, de modo mais sensível e racional, o meio ambiente generoso e rico do país. 

A urgência de reconhecer o perigo e agir com base na fé

A atual relação do ser humano com o planeta coloca em perigo a vida. Uma situação que precisa ser mais reconhecida, com a partilha de informações consistentes e cientificamente embasadas, inspirando uma sensibilização impulsionada por parâmetros humanísticos e pela luz da fé. Afinal, quando se considera a Criação, deve-se respeitar o seu Criador, incentivando novas posturas com o selo do cuidado e preservação, a partir de mudanças no estilo de vida, que deve ser mais condizente com os parâmetros da sustentabilidade. A vivência da fé conta de modo determinante nesse necessário processo de se renovar o jeito de agir no mundo, tendo no horizonte a busca pela harmonia com toda a Criação. O autêntico testemunho daqueles que creem em Deus exige também um modo de estar adequadamente na ambiência da Criação. Isto significa tratar o planeta como dom que precisa ser cuidado. 

Crédito: Brasil2 / GettyImages

A fé como motor de mudança e compromisso com a caridade

O Papa Francisco, a partir da indicação "Espera e age com a Criação", interroga: "Quando é que se tem fé?" E responde: não é tanto por se acreditar em algo transcendente e incompreensível para a razão, situando Deus de modo distante e inominável. O Santo Padre ensina que o olhar iluminado pela fé é capaz de enxergar que o Espírito Santo habita no coração de cada filho e filha de Deus. O selo de autenticidade da identidade cristã é o Espírito Santo derramado, copiosamente, nos corações, inclinando-os aos bens eternos, à luz da humanidade bela e bondosa de Jesus. O Espírito Santo gera nos corações a criatividade, tornando-os proativos na caridade, por meio de um caminho de liberdade espiritual, no enfrentamento da lógica do mundo. Prioriza-se a lógica de Deus pelo princípio do amor. Compreende-se que o cristão, movido pela fé, assume o compromisso com a caridade e transborda esperança. Nessa perspectiva, brilha a exigência de se assumir um estilo de vida dedicado ao cuidado com a criação. 


O amor em ação: partilhar as dores do mundo e lutar pela justiça ambiental

O dom da fé é também uma tarefa, realizada na obediência ao mandamento do amor de Jesus, vinculando os cristãos com o princípio da fraternidade e a promoção da justiça para todos. O amor deve ser testemunhado sempre em todas as circunstâncias, particularmente no tratamento dedicado ao meio ambiente, o que exige reconhecer e partilhar das dores do mundo. A Criação é ambiente vital, concebida para ser marcada pela alegria, partilhada por todos – e tudo deve tender à glória de Deus, para que a humanidade alcance a paz prometida. Assim, as dores da Criação, partilhadas pela humanidade, constituem razão de luta esperançosa dos cristãos. Tudo conta, cada gesto de respeito e reverência aos bens da natureza, fecundando um novo processo de nascimento da humanidade, diante dos esgotamentos evidentes em um planeta que grita. A luta por um novo estilo de vida na Terra é o começo de um processo importante, inadiável, para solucionar graves problemas ambientais, com repercussões sociopolíticas. 

A esperança cristã: um chamado à fraternidade universal e à ecologia integral

A esperança cristã, sublinha o Papa Francisco, não desilude e também não ilude. "O gemido da Criação, dos cristãos e do Espírito é antecipação e expectativa da salvação", explica o Pontífice. Em meio às muitas lutas e desafios, inspirando-se no testemunho de figuras ilustres da história e na vida da Igreja, não se pode deixar de investir em um novo modo de conviver com o semelhante, marcado pela fraternidade universal e pela paz. O impulso vem do cultivo da amizade social, que contempla, de modo inegociável, a responsabilidade por uma ecologia social, humana e integral. A luta moral dos cristãos está vinculada ao gemido da Criação, ferida por iniciativas destruidoras.  Na busca pela libertação de todos os seres humanos, está incluída a tarefa de superar os abusos contra a natureza. É hora de todos se contraporem ao processo de degradação do meio ambiente. Um gesto de conversão que inclui passar da arrogância de quem quer dominar a natureza e os outros à humildade de quem cuida dos outros e da Criação, conforme diz o Papa Francisco. 

O cuidado como princípio: limites éticos para o progresso e a tecnologia

Cuidado é o princípio fundamental para alavancar grandes mudanças, deixando de lado a desmedida ambição que almeja simplesmente o lucro e o consumo sem limites. O princípio do cuidado sustenta-se em Deus, referência inigualável e insubstituível na qualificação das relações entre seres humanos e da humanidade com o restante da Criação. É preciso repensar o que significa e quais são os limites do poder humano. Uma reflexão necessária, para adequadamente mensurar as consequências dos progressos tecnológicos impressionantes que, ao mesmo tempo, são perigosos, capazes de colocar em risco o conjunto da vida e a sobrevivência humana. 

Repensando o poder humano: a necessidade de limites éticos para a inteligência artificial

Adverte o Papa Francisco: um poder descontrolado gera monstros. Por isso é urgente colocar limites éticos ao desenvolvimento da inteligência artificial, prezando sempre pela verdade, pelo bem, a serviço da paz e do desenvolvimento integral. Tenha-se presente que a defesa do meio ambiente não é apenas uma questão ética, mas também teológica, com reflexões sobre a existência humana à luz do mistério de Deus. Um horizonte de compreensão que pode, frutuosamente, situar a humanidade contemporânea em um outro patamar, sensibilizando-a para agir em resposta ao convite: ouça o grito da Terra.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/ouca-o-grito-da-terra/

15 de setembro de 2024

Fazer bem todas as coisas!

Aprender com a Sagrada Família de Nazaré, o caminho para fazer bem todas as coisas

Os discípulos de Jesus de todos os tempos aprendem com o Mestre a forma adequada de agir nas diversas circunstâncias da vida. Sabendo que ele é Homem e Deus, pois é Deus com o Pai e o Espírito Santo, temos a certeza de nele encontrar o vade mecum de nossa caminhada nesta terra. Nossa fé cristã fará encontrar em Jesus Cristo os valores que estão em Deus. Deus é verdadeiro, Deus é bom, Deus é Justo, Deus é belo! Ao percorrer as páginas do Evangelho, nós o encontramos assim! No Evangelho proclamado no 23º Domingo do Tempo Comum, a Palavra nos diz com clareza e beleza: "Ele faz bem todas as coisas. Faz os surdos ouvirem e os mudos falarem" (cf. Mc 7,31-37). A ele podemos aplicar com precisão as palavras do salmista: "Tu és o mais belo dos homens, nos teus lábios se espalha a graça, por isso Deus te abençoou para sempre" (Sl 44,3).

Crédito: Julius Frank/Domínio Público

Valores na casa de Nazaré

Entremos na Casa de Nazaré, onde certamente encontramos alguns valores que nortearam a vida daquela família. Aproximemo-nos do Senhor para ver seu modo de agir e, como bons discípulos, aprender com o Mestre a fazer tudo de seu jeito. A primeira certeza é que Maria, a "agraciada", escolheu ser serva do Senhor (Lc 1,37). José, homem bom e justo (Mt 1,19), demonstrou ser da estirpe de Davi, vivendo permanentemente "dependurado" na vontade de Deus que lhe era revelada em sonhos. Maria e José nos legaram a responsabilidade diante dos planos de Deus. Sabemos que, antes de habitarem em Nazaré, os três foram peregrinos pelas estradas do Egito, fugindo da fúria de Herodes para salvar o que pertence a Deus a qualquer custo! Do Egito, retornaram a Nazaré.

Aprendendo e vivendo virtudes humanas

Ao colo de Maria e de José, Jesus, igual e nós em tudo, menos no pecado, mesmo sendo Filho de Deus, aprendeu a obedecer (cf. Hb 5,8-9) e também todas as virtudes humanas. Com os pais, aprendeu a conviver com os vizinhos, criou amizades com outras crianças, depois, adolescentes ou jovens; frequentou a Sinagoga de Nazaré; viveu com simplicidade e dedicação todos os passos humanos correspondentes à cultura da época e as práticas religiosas judaicas; aprendeu a profissão de José e a exerceu com perfeição.

Lições de Nazaré segundo São Paulo VI

Dá para imaginar, nas projeções oferecidas pelas pesquisas arqueológicas em Nazaré, os valores que resplandeciam na casa do Verbo de Deus feito homem, que foi conhecido como filho de um Carpinteiro. Parece-me ver uma pobre habitação com pedra ou terra batida no solo, mas limpinha e ordenada, pela mais expressiva mãe de família da história, a cheia de graça que é dona de casa! 

São Paulo VI (cf. Peregrinação à Terra Santa, em 1964), em visita a Nazaré, legou-nos uma percepção singular e profunda: "Nazaré é a escola para compreender a vida de Jesus: a escola do Evangelho. Aqui, aprende-se a olhar, a escutar, a meditar e penetrar o significado profundo e misterioso dessa manifestação tão simples, tão humilde e tão bela do Filho de Deus. Talvez se aprenda até a imitá-lo… Aqui se descobre a necessidade de observar o quadro de sua permanência entre nós: os lugares, os tempos, os costumes, a linguagem, as práticas religiosas, tudo de que Jesus se serviu para revelar-se ao mundo. Aqui, tudo fala, tudo tem um sentido. Aqui, se compreende a necessidade de uma disciplina espiritual para quem quer seguir o ensinamento do Evangelho e ser discípulo do Cristo… Não partiremos sem antes de colher algumas lições de Nazaré.

Primeiro, uma lição de silêncio. Que renasça em nós a estima pelo silêncio, essa admirável e indispensável condição do espírito em nós, assediados por tantos clamores, ruídos e gritos em nossa vida. O silêncio de Nazaré ensina-nos o recolhimento, a interioridade, a disposição para escutar as boas inspirações e as palavras dos verdadeiros mestres. Ensina-nos a necessidade e o valor das preparações, do estudo, da meditação, da vida pessoal e interior, da oração que só Deus vê no segredo. Uma lição de vida familiar. Que Nazaré nos ensine o que é a família, sua comunhão de amor, sua beleza simples e austera, seu caráter sagrado e inviolável; aprendamos de Nazaré o quanto a formação que recebemos é doce e insubstituível: aprendamos qual é sua função primária no plano social. Uma lição de trabalho. Ó Nazaré, ó casa do "filho do carpinteiro"! É aqui que gostaríamos de compreender e celebrar a lei, severa e redentora, do trabalho humano; aqui, restabelecer a consciência da nobreza do trabalho; aqui, lembrar que o trabalho não pode ser um fim em si mesmo, mas que sua liberdade e nobreza resultam, mais que de seu valor econômico, dos valores que constituem o seu fim. E como gostaríamos de saudar aqui todos os trabalhadores do mundo inteiro e mostrar-lhes seu grande modelo, seu divino irmão, o profeta de todas as causas justas, o Cristo nosso Senhor". 

Sinais do Reino de Deus em nós

Este Senhor, que faz os surdos ouvirem e os mudos falarem (Mc 7,31-37) não deixa ninguém passar ao seu lado sem oferecer atenção, cura, libertação e misericórdia! Nele se encontram os sinais e a realização dos sonhos proféticos (cf. Is 35,4-7) apresentados na Liturgia do Domingo que celebramos!

Vivendo como filhos de Deus

Quiçá nós também aprendamos as virtudes humanas que nos diferenciam de tantas pessoas, não por orgulho e, menos ainda, por fanatismo, mas para sermos sinais visíveis do Reino de Deus, que não virá apenas na plenitude da história, mas já está presente, "reino da verdade e da vida, reino da santidade e da graça, reino de justiça, do amor e da paz" (cf. Prefácio da Solenidade de Cristo Rei). Resplandeça em nossa casa a harmonia e o bom gosto da casa da Sagrada Família! Cuidemos dos pequenos detalhes nascidos da atenção de uns com os outros, desde um quarto arrumado, passando pela alimentação bem preparada e pela hospitalidade cultivada, com a qual acolhemos as outras pessoas. Da casa para o trabalho digno, seja qual for, deixemos que nossas mãos sejam a extensão de nosso bom coração, conscientes de sermos colaboradores de Deus no aperfeiçoamento de cada recanto de sua criação!

Enfim, não seja a nossa vida nivelada pelo rodapé da existência, mas projetada com grandes ideais, dignos dos filhos de Deus, que nos quer felizes desde esta terra e para a eternidade!

 

Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/sociedade/fazer-bem-todas-as-coisas/