11 de setembro de 2024

O suicídio é uma questão que exige atenção imediata

O suicídio é uma ocorrência complexa e multicausal, influenciada por fatores psicológicos, biológicos, sociais e culturais. Dados da Organização Mundial da Saúde, apontam que mais de 700 mil pessoas morrem por ano devido ao suicídio, representando assim uma a cada 100 mortes registradas. No Brasil, acontece uma morte por suicídio a cada 45 minutos, mas para cada morte temos outras 20 tentativas. Os números são altos e preocupantes.

Entendendo as causas do suicídio

As pesquisas revelam que os casos de suicídio têm aumentado no mundo todo, chegando a ocupar a quarta posição entre as principais causas de morte nas faixas etárias de 15 a 44 anos. Ficando atrás de acidentes no trânsito, tuberculose e violência interpessoal.

Especialistas associam o consumo de álcool e substâncias psicoativas durante a infância e adolescência, com forte relação nos casos de suicídio entre jovens. Encontramos esse traço em cerca de 36% a 37% da população que cometeu suicídio. Outro fator que tem ganhado a atenção de estudiosos é a restrição do sono como fator relevante para a manutenção da saúde mental de modo geral, mas, principalmente, quando relacionada a crianças, adolescentes e o desenvolvimento infanto-juvenil.


Os transtornos mentais são caracterizados, de modo geral, por mudanças no padrão de comportamentoque trazem prejuízos nas atividades do dia a dia. Alertas são enviados através de mudanças na rotina do indivíduo, e isso traz impacto negativo para sua vida. Seja no trabalho, na vida social, na vida escolar ou em qualquer outro âmbito. Entre as crianças e adolescentes, os pais precisam ficar atentos aos seguintes sinais:

– Mudanças na rotina do sono (insônia ou alteração de horários para
dormir e acordar);
–  Isolamento da família e do contato social de forma repentina;
– Comentários como "eu prefiro morrer do que passar por isso";
– Uso de roupas de mangas longas, mesmo quando está calor,
comportamento que pode indicar marcas de automutilação nos braços ou
antebraços;
– Diminuição do rendimento escolar.

Suicídio não é falta de coragem de viver, é dor imensurável

Importante destacar que toda ameaça de suicídio deve ser tratada com seriedade. Se a pessoa fala que vai tentar se suicidar, que está querendo morrer, não podemos nos apegar àquela antiga frase: "cão que late, não morde". Cão que late, morde sim. Se uma pessoa falou sobre isso, ela precisa entrar em um projeto de cuidado, de atenção e de atendimento. Pode não ser hoje, pode não ser amanhã, mas pode acontecer.

O suicídio não é falta de coragem para viver. É busca estrema de findar um sofrimento. Precisamos sim pensar e falar sobre o assunto. Levar programas até as escolas, hospitais, igrejas e todos os ambientes coletivos, até chegarem aos que mais necessitam da escuta e ajuda.

Precisamos pensar também na posvenção, que é o conjunto de ações para promoção do cuidado prestado aos sobreviventes enlutados por um suicídio, para evitar que novas tentativas aconteçam no mesmo núcleo familiar ou escolar, pois a desorganização e a busca por motivo e culpados é constante e precisa de suporte profissional.

Psicóloga Karina Maria da Luz
CRP: 06/109600
@psi_karinaluz


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/comportamento/o-suicidio-e-uma-questao-que-exige-atencao-imediata/

9 de setembro de 2024

Um olhar contemplativo, inspirado pela fé

Construindo de uma sociedade justa e fraterna

A humanidade precisa sempre manter o olhar contemplativo, é o que pede o Papa Francisco, inspirando necessária reflexão: a expressão "contemplativo" indica um modo específico de olhar. Há muitos olhares que se desdobram em interpretações sobre o mundo, definindo os rumos da vida. Cada olhar define universos de compreensão sobre pessoas, grupos e segmentos, opções políticas e posturas cidadãs. Determina prioridades e influencia a configuração de cenários na sociedade. Por isso mesmo é tão importante o olhar contemplativo que, conforme ensina o Papa Francisco, é alcançado pela sabedoria da fé. A fé configura e nutre o olhar contemplativo, emoldurando o horizonte de compreensão que permite reconhecer: todos os seres humanos fazem parte da mesma família, fundamento para se adotar o princípio da fraternidade solidária. Este olhar qualificado tem força para definir a inclusão social como prioridade, iluminado pela certeza de que os bens da terra são de destinação universal. 

Solidariedade e compreensão da cidade

E a solidariedade é a direção alcançada por meio do olhar contemplativo, que leva a compreender a cidade, habitada por todos, como ambiente que deve estar sempre com as portas abertas. Uma compreensão capaz de inspirar ações que objetivem consolidar a paz e a justiça, essenciais para que o ser humano conviva harmonicamente. Quando se enxerga a cidade com um olhar contemplativo, marcado pela luz da fé, identifica-se a presença de Deus nas casas, ruas e praças. A descoberta de Deus em tudo que integra a cidade, especialmente nos seus habitantes, é fonte de incondicional respeito à dignidade de cada pessoa, corrigindo descompassos assustadores: a injustiça promovida, inclusive a partir do silêncio conivente, é um dos impulsos da violência e, consequentemente, da insegurança. Um antídoto para esse cenário é o olhar contemplativo, que permite alcançar a competência humano-espiritual para adequadamente tratar o semelhante, sem preconceitos ou discriminações, um caminho para a fraternidade e o bem-viver. O olhar qualificado pela fé permite enxergar as riquezas que habitam o semelhante, possibilitando a valorização de sua cultura, motivando gestos de acolhida, dinâmicas que levam a um mútuo enriquecimento. 

Um olhar contemplativo, inspirado pela fé

Diálogo e superação de disputas

Com o olhar contemplativo, a mente humana encontra caminhos para construir entendimentos a partir do diálogo, superando recursos mordazes presentes em determinados tipos de críticas que acirram disputas, levando apenas à perda de energias, ao obscurecimento de soluções. Essas críticas buscam simplesmente impor opiniões, em uma dinâmica estabelecida por pessoas que apenas enxergam os lados dos vencidos e dos vencedores. Essa visão parcial compromete, inclusive, a paz, em diferentes instâncias e situações, com prejuízos maiores para os mais frágeis e desprotegidos da sociedade. Ao invés de almejar vitórias em disputas, o olhar contemplativo inspira a sensibilidade para a inegociável consideração de todos como membros da família humana. Pode garantir a governantes a virtude de alicerçar suas decisões na busca pelo bem comum e pela justiça, alcançando competência e agilidade para efetivar políticas públicas capazes de inspirar mais acolhimento, cuidado com os pobres, migrantes e vulneráveis. Assim, o olhar contemplativo evita corrupções ou manipulações de recursos para finalidades egoístas. 

Cidades como canteiros de paz

Do olhar contemplativo brota uma fonte sapiencial que permite reconhecer caminhos para a paz social e que levam também à justiça solidária, traduzida e espelhada em legislações capazes de gerar mais igualdade. Conforme afirma o Papa Francisco, essa sabedoria alcançada por um olhar qualificado pode transformar as cidades em canteiros de paz, superando cenários similares a arenas onde prevalece a violência, ou a ilhas onde ficam isolados aqueles que têm muitas riquezas, distantes de quem é privado dos bens essenciais. O olhar contemplativo amplia a inteligência humana a partir de princípios humanitários para dissipar a vergonha dos cenários de exclusão e de misérias. Permite reconhecer as dores dos sem trabalho, dos excluídos do mundo da educação, dos que passam fome, dos migrantes e refugiados. É um olhar essencial para constituir nova sociedade marcada pela justiça. Nesse sentido, inspira o desejo de progredir e avançar nos próprios negócios sempre no horizonte do desenvolvimento integral, sensível aos anseios dos pobres, das crianças, dos jovens e dos idosos desamparados. 


A fé como alimento do olhar contemplativo

A fonte que alimenta o olhar contemplativo é a fé, que permite reconhecer: Deus protege e cuida dos pobres, na contramão de corações que apenas multiplicam focos de guerra, com destruições irracionais de bens e de vidas. Importante dizer que o olhar contemplativo vai além de simplesmente cultivar um coração misericordioso diante dos sofrimentos dos semelhantes. É um olhar que se desdobra em atitudes concretas voltadas à promoção de uma vivência digna para todos, contribuindo para que a casa comum seja regida por princípios civilizatórios capazes de inspirar o respeito ao meio ambiente. Busque-se este gesto simples, mas com grande poder de transformação – capaz de promover a paz interior e, ao mesmo tempo, qualificar ações de impacto social: a partir da iluminação que vem da fé, cultivar o olhar contemplativo. 

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/um-olhar-contemplativo-inspirado-pela-fe/

8 de setembro de 2024

A Palavra de Deus, luz para os nossos passos

Ouvir, praticar e viver a Palavra de Deus

Todo israelita fiel aprendeu a repetir com expressiva frequência a palavra do Livro do Deuteronômio: "Escuta, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. E trarás gravadas no teu coração todas estas palavras que hoje te ordeno. Tu as repetirás com insistência a teus filhos e delas falarás quando estiveres sentado em casa ou andando a caminho, quando te deitares ou te levantares. Tu as prenderás como sinal à tua mão e as colocarás como faixa entre os olhos; tu as escreverás nas entradas da tua casa e nos portões da tua cidade" (Dt 6, 4-9). 

A importância da Palavra de Deus em nossa vida

Nessa fidelidade está também enraizada nossa atitude diante da Palavra de Deus, que desejamos assumir para o mês da Bíblia, uma iniciativa pedagógica da Igreja no Brasil para aproximar-nos da Escritura com um coração bom e puro, exercendo a importante inteligência da fé! Neste final de semana, é também do Deuteronômio que ouvimos preciosas recomendações: "Agora, Israel, ouve as leis e os decretos que eu vos ensino a cumprir, para que, fazendo-o, vivais e entreis na posse da terra prometida pelo Senhor Deus de vossos pais. Nada acrescenteis, nada tireis, à palavra que vos digo, mas guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus que vos prescrevo. Vós os guardareis, pois, e os poreis em prática, porque neles está vossa sabedoria e inteligência perante os povos" (cf. Dt 4,1-2.6-8).

A Palavra de vida eterna

A Palavra de Deus na liturgia e na leitura diária

O primeiro espaço em que Deus "toma a palavra" é a Assembleia Litúrgica, especialmente na Missa de Domingo, nossa Páscoa semanal. Como a fé vem pelo ouvido (cf. Rm 10,17), na proclamação da Palavra realizada em cada Liturgia, lembrando que se abre para nós a "Mesa da Palavra", ouvir com atenção e coração aberto. Temos percebido o esforço de nossas equipes de celebração para formar bem as pessoas que devem prestar este serviço nas Paróquias. E tenhamos atenção aos sinais que a Igreja usa para nos incentivar a este carinho com a Palavra, como o Evangeliário levado pelo Diácono com solenidade na procissão de entrada, as inclinações, a procissão antes do Evangelho, o beijo do Evangeliário, o incenso e outras expressões adequadas, a Homilia, uma "conversa familiar sobre a Palavra proclamada". É o Senhor que toma a palavra na proclamação da Palavra!

E, a partir daí, aproximemo-nos com renovada disposição da Palavra de Deus, que há de ser luz para os nossos passos nos variados e desafiadores caminhos de nossa vida e de nosso tempo. Valem algumas recomendações para o contato com a Bíblia. A primeira é justamente a leitura contínua e fiel da Escritura. Algumas pessoas querem saber o como começar a leitura! Pois bem! Uma das propostas viáveis, e transmito o que aprendi desde muito jovem, é começar a leitura pelos Evangelhos, depois os Atos dos Apóstolos e as Cartas de São Paulo e outros. Depois, toma-se o Antigo Testamento, começando pelo Livro do Gênesis. Ao final, chega-se ao Apocalipse, como coroamento e acendimento da Esperança que sustenta nosso caminho. Muitas pessoas têm experimentado dedicar quinze minutos diários à leitura contínua da Bíblia, e percebem que, no correr de um ano, leram o texto completo. 

O livro de Ezequiel e o Jubileu 2025

Para o mês de setembro, que se inicia, a Igreja no Brasil propõe o Livro de Ezequiel, leitura iluminada pelo lema "Porei em vós meu espírito e vivereis" (cf. Ez 37,14). Ao refletir sobre o testemunho do profeta Ezequiel, pode-se responder ao convite feito pelo Papa Francisco à preparação para o Jubileu 2025. "O convite para que sejamos peregrinos de esperança nos faz ser como Ezequiel: arautos da esperança em meio àqueles que, porventura, possam ter se esquecido de Deus ou perdido o seu caminho".

Rezando com a Bíblia

Quem quiser, e todos devemos querer, rezar com a Bíblia, pode começar a ler um capítulo até encontrar, conduzido pelo Espírito Santo, um versículo ou palavra que chama mais a atenção, ouvir mais de perto e conversar com o Senhor a partir daquele texto, inclusive com um propósito de vida. Podemos também ter um caderno no qual anotamos as inspirações e os passos dados com a força da Palavra de Deus.


A prática da leitura orante (Lectio Divina)

Vale a pena renovar ainda a proposta da chamada Leitura Orante da Palavra de Deus (Lectio Divina), semelhante ao que acabamos de apresentar, uma prática antiga, frutuosa e sempre atual: Leitura, com a qual procuramos entender a Palavra, inclusive fazendo-nos ajudar pelas notas existentes em nossas Bíblias, indo com liberdade aos textos paralelos e semelhantes, pois a Palavra explica a Palavra; depois, Meditação, com a qual perguntamos o que Deus quer nos dizer naquele dia e naquela hora com o texto à nossa disposição, e é bom anotar, num eventual diário espiritual, as inspirações recebidas; em seguida, Oração, para conversar com o Senhor a partir de sua própria Palavra. Se perguntamos antes o que Ele quer dizer, agora é para dizer-Lhe o que o próprio Espírito Santo inspira; consequência será a Contemplação, sagrado silêncio, olhando para o Senhor e deixando que Ele nos veja; ao final, um propósito de Ação, Vivência da Palavra a ser anotada para não nos esquecermos.

A Palavra que se faz Carne em nós

A Liturgia celebrada na Igreja, neste final de semana, abre ainda os nossos olhos e nosso coração para um aspecto importante na recomendação da Carta de São Tiago (cf. Tg 1,17-18.21b-22.27): "Sede praticantes da Palavra e não meros ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Com efeito, a religião pura e sem mancha diante de Deus Pai, é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo". Cada Palavra saída da boca de Deus há de ser praticada. Em nós, ousamos afirmar que a Palavra há de fazer-se carne, transformar-se em vida, capaz de edificar e converter o nosso coração e das pessoas que conosco convivem.

A autenticidade da vida cristã

Tudo isso vem selado com a Palavra do Evangelho, que apela para autenticidade e coerência de nossa vida cristã: "Jesus chamou a multidão para perto de si e disse: 'Escutai todos e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior. Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem'" (cf. Mc 7,1-8.14-15.21-23).

Oração do salmo 14

Assim dispostos, possamos rezar com sinceridade o Salmo 14, que a Igreja põe em nossos lábios na riquíssima Liturgia do vigésimo segundo Domingo do Tempo Comum: "Senhor, quem morará em vossa casa e no vosso monte santo, habitará? É aquele que caminha sem pecado e pratica a justiça fielmente; que pensa a verdade no seu íntimo e não solta em calúnias sua língua. Que em nada prejudica o seu irmão, nem cobre de insultos seu vizinho; que não dá valor algum ao homem ímpio, mas honra os que respeitam o Senhor. Não empresta o seu dinheiro com usura, nem se deixa subornar contra o inocente. Jamais vacilará quem vive assim!" (Sl 14, 2-3a.3cd-4ab,5).

 

Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/biblia/palavra-de-deus-luz-para-os-nossos-passos/

7 de setembro de 2024

O que não nos contaram sobre a independência do Brasil?

O catolicismo, o Brasil e Portugal

O catolicismo e os reis portugueses – A história do Brasil, geralmente, é dividida em três etapas principais: o período da Colônia, o período do Império e a República. A maior parte de nossa história e nosso processo de formação ocorreu a partir da gradual ocupação lusitana do litoral brasileiro – e se desenvolveu com o avanço dos padres jesuítas e dos bandeirantes em direção ao interior.

O Brasil nasceu como extensão e prolongamento da civilização católica-lusitana. Existia em Portugal um fortíssimo senso cristão: o povo do antigo Condado Portucalense havia passado pela Guerra de Reconquista, uma longa luta contra os invasores islâmicos. Em 1415, ainda no espírito da Reconquista, Dom João I (Mestre de Avis) conquistou Ceuta no Marrocos, e aí tem início a expansão portuguesa e a formação de seu Império.

Além disso, todo rei de Portugal era líder da Ordem de Cristo: uma ordem militar, que tinha sua origem nos antigos cavaleiros templários. O símbolo da Ordem era a Cruz de Malta (que estava presente nas caravelas portuguesas).

A fé como motor da expansão portuguesa

Quando o Brasil foi descoberto pelos portugueses liderados por Pedro Álvares Cabral em 1500, tal descoberta estava intimamente vinculada à fé e religião dos lusitanos: "a Religião e o descobrimento das terras brasileiras se confundem num só fato histórico", conforme nos ensina o padre Júlio Maria de Morais. E ainda nos diz que a primeira missa foi o ato inicial de nossa nacionalidade. A descoberta se deu em 22 de abril e, em 26 do mesmo mês, frei Henrique de Coimbra celebrou a primeira missa.

Durante o século XV e XVI, os navios do Império português sulcaram as águas do oceano Atlântico e do Índico, incorporaram ilhas e territórios africanos ao seu Império. Entretanto, em 1580, Portugal acabou caindo sob domínio da Espanha: com desaparecimento do rei lusitano D. Sebastião em Alcácer-Quibir, Filipe II de Espanha se tornou rei de Portugal. O domínio filipino (ou União Ibérica) se estendeu de 1580 até 1640, quando os portugueses se libertam aclamando como rei Dom João IV.

Crédito: Leonidas Santana / GettyImages

Dom João IV era o duque de Bragança, uma influente família que possuía grande poder e influência em Vila Viçosa (Alentejo). Aproveitando-se de uma crise na Espanha, em 15 de dezembro de 1640, Dom João IV foi aclamado como rei de Portugal, fundando a dinastia de Bragança. Uma das primeiras ações do novo rei foi "dedicar a coroa de Portugal a Nossa Senhora da Conceição e torná-la padroeira do país", conforme nos diz Rezzutii.

O Brasil ganhou grande importância durante o reinado da dinastia de Bragança: já na época de Dom João IV, durante a Época de Ouro de Dom João V e com a vinda da Família Real e da Corte Portuguesa, durante a regência de Dom João VI.

Dom João VI e o Brasil

A vinda da família real – No final do século XVIII, uma grande confusão se apoderou da Europa: na França, em 1789, a Revolução Francesa estimulada pelos maçons e iluministas estava gerando caos e confusão. O rei Luís XVI foi assassinado, assim como, depois, sua esposa Maria Antonieta. Uma parte do clero faz havia apostatado e jurado fidelidade à nova ordem revolucionária (clérigos juramentados).

No final da Revolução Francesa, subiu ao poder o general corso Napoleão Bonaparte. Napoleão tinha intenção de criar um grande império na Europa. Assim, passou a invadir as nações e monarquias europeias. Contudo, ele possuía uma grande rival que desejava fervorosamente destruir: a Inglaterra (Império Britânico).


E qual a relação disso tudo com Portugal? Portugal era o grande aliado dos britânicos. Dom João VI (príncipe-regente) desejava manter a autonomia de Portugal e não era conveniente para o país cortar relações a Inglaterra. Irritado e cansado da política dos lusitanos, Napoleão decidiu invadir Portugal. Contudo, Dom João VI, prevendo o movimento de Napoleão, decidiu partir de seu reino com a Corte Portuguesa. Foi assim que, no final de 1807, a Família Real e a Corte, com apoio dos ingleses, partiram em direção ao Brasil.

O príncipe-regente chegou a Salvador (Bahia) em 22 de janeiro de 1808. Poucos dias depois, em 28, o príncipe assinou uma lei determinado a abertura dos portos do Brasil (para as "nações amigas"). Esta mudança foi decisiva na mudança de relação entre Brasil e Portugal. Em março de 1808, a Família Real e o príncipe-regente Dom João chegaram ao Rio de Janeiro (capital das terras do Brasil).

O governo de Dom João VI

No Brasil, Dom João VI começou uma série de mudanças: a) criou a Imprensa Régia; b) criou o Banco do Brasil e a Casa da Moeda; c) mandou trazer da Europa medidas para imunizar a população de doenças e hospitais foram fundados; d) a capital do Rio de Janeiro foi gradualmente ampliada e embelezada; e) criou o Conselho de Estado, a Intendência Geral de Polícia, o Conselho Superior Militar, etc.; f) criou a Junta Geral de Comércio; g) também foram criadas a Academia de Marinha, a Academia Militar Real e a Guarda Real de Polícia.

Durante o governo de Dom João VI no Rio de Janeiro, o Brasil foi elevado ao nível de Reino Unido: Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Após a morte de sua mãe, Dona Maria, Dom João foi aclamado e coroado como rei no Rio de Janeiro. Como fizera seu ancestral (Dom João IV), Dom João VI ligou-se à Nossa Senhora da Conceição e criou a Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa: "o novo monarca honrava a padroeira de Portugal, estabelecida pelo primeiro rei de Bragança" (…) Dom João VI, ao criar a Ordem de Nossa Senhora, ligava seu governo e sua aclamação ao passado católico de Portugal e a sua família ao gesto do primeiro rei de Bragança.

O processo de Independência

Havia uma questão: um vírus se espalhava no Império português. A maçonaria alastrava-se pelo Brasil desde o final do século XVIII. Aparentemente, a primeira loja maçônica do país foi estabelecida em Pernambuco: o Areópago de Itambé. Dom João VI, por volta de 1817 e 1818, tomou consciência do problema, mas muito tarde: em 1818, publicou um alvará condenando as "sociedades secretas" (leia-se: Maçonaria). Entretanto, as lojas maçônicas no Brasil e em Portugal agiam como centros de difusão das ideias iluministas da Revolução Francesa. A filosofia iluminista e suas ideias de liberalismo, constitucionalismo, republicanismo tomaram força.

Entre 1820 e 1821, ocorreu em Portugal uma rebelião: a Revolução do Porto. Uma sociedade secreta (o Sinédrio) organizou grupos deputados, políticos, comerciantes etc. que passaram a exigir o retorno de Dom João VI para Portugal.

Jean Klisman Mateuzi – Católico, casado, pai de dois filhos. Atuante como professor de História no Ensino Fundamental II e Ensino Médio; Formado em História pelo Centro Universitário Fundação Santo André, também estudei (e ainda estudo) no Seminário de Filosofia do Olavo de Carvalho.


Referências bibliográficas
Rezzutti, Paulo. Independência: a História não contada.
Góis, Marcus. Dom João VI – o Trópico Coroado;
Fausto, Boris. História do Brasil.
Andrade, Marcelo. 1822 : a Separação do Brasil.
Carneiro, Padre Júlio Maria. O Catolicismo no Brasil.

4 de setembro de 2024

Por que invocar a intercessão dos arcanjos?

Segundo Santo Tomás de Aquino, "os arcanjos são, por assim dizer, como os príncipes dos anjos". Eles anunciam as coisas mais importantes e completas, por isso o Arcanjo Gabriel foi enviado a Virgem Maria. Também cabe aos arcanjos a guarda da multidão. Ainda segundo São Tomás, "a guarda da multidão humana compete à ordem dos Principados, ou mesmo aos Arcanjos, chamados Príncipes dos anjos. Daí que Miguel, a quem consideramos arcanjo, é chamado de 'um dos príncipes' no livro de Daniel".

Ora, um Arcanjo é um Anjo, e um Anjo é um mensageiro, conforme afirma o Santo Doutor da Igreja: "anjo significa mensageiro". Partindo do que esclarecemos nos parágrafos acima, podemos afirmar que os anjos têm como competência nos guardar e serem mensageiros de Deus para nós. Porém, tudo o que vemos até agora não deixa claro para nós se podemos invocá-los.

Recorramos ao Catecismo da Igreja Católica para eliminar essa dúvida, quando este nos esclarece sobre os anjos na vida da Igreja. Toda a vida da Igreja se beneficia da ajuda misteriosa e poderosa dos anjos.

Sagradas Escrituras

"Levantaram-se então o sumo sacerdote e seus partidários (isto é, a seita dos saduceus) cheios de inveja, e deitaram as mãos nos apóstolos e meteram-nos na cadeia pública. Mas um anjo do Senhor abriu de noite as portas do cárcere e, conduzindo-os para fora, disse-lhes: "Ide, apresentai-vos no templo e pregai ao povo as palavras desta vida". Obedecendo a essa ordem, eles entraram no templo ao amanhecer e puseram-se a ensinar." (Atos dos Apóstolos 5,17-20)

Na própria liturgia, invocamos a assistência dos anjos:

Catecismo da Igreja Católica

"Na sua liturgia, a Igreja associa-se aos anjos para adorar a Deus três vezes santo; invoca a sua assistência, como na oração In paradisum deducant te angeli – conduzam-te os anjos ao paraíso" – da Liturgia dos Defuntos, ou ainda no «Hino querubínico» da Liturgia bizantina. (CIC 335)

E também nos deixa claro o Catecismo sobre a intercessão dos anjos: Desde o seu começo até a morte, a vida humana é acompanhada pela sua assistência e intercessão. (CIC 336)

E por último, para que não tenhamos nenhuma dúvida, vejamos o que dizem as Sagradas Escrituras transcrevendo a fala do próprio anjo Rafael: "Quando tu oravas com lágrimas e enterravas os mortos, quando deixavas a tua refeição e ias ocultar os mortos em tua casa durante o dia, para sepultá-los quando viesse a noite, eu apresentava as tuas orações ao Senhor. Mas porque eras agradável ao Senhor, foi preciso que a tentação te provasse. Agora, o Senhor enviou-me para curar-te e livrar do demônio Sara, mulher de teu filho. Eu sou o anjo Rafael, um dos sete que assistimos na presença do Senhor" (Tobias 12,12-15).

Ora, diante do que nos apresentam as Sagradas Escrituras, a Sagrada Tradição e o Magistério da Igreja resta-nos não titubear e recorrer imediatamente aos Santos Anjos para que levem nossos pedidos a Nosso Senhor Jesus Cristo, certo de que se nossos pedidos, se atendidos e contribuírem para nossa salvação, serão levados, ouvidos e atendidos.

Deixo, para encerrar, a súplica ardente aos Santos Anjos, a fim de que você possa sempre usá-la como auxílio para suplicar a Deus aquilo de que tanto necessita.

Súplica aos santos anjos

Deus uno e trino, onipotente e eterno! Antes de suplicarmos aos vossos servos, os Santos Anjos, prostramo-nos diante de vós e vos adoramos, Pai, Filho e Espírito Santo! Bendito e louvado sejais por toda a eternidade! E que todos os anjos e homens, por vós criados, vos adorem, vos amem e vos sirvam, ó Deus santo, Deus forte, Deus imortal!

— E vós, Maria, Rainha de todos os anjos, aceitai benigna as súplicas dirigidas aos vossos servos e apresentai-as junto do trono do Altíssimo — vós que sois a onipotência suplicante e medianeira das graças —, a fim de obtermos graça, salvação e auxílio. Amém.

Poderosos Santos Anjos, que por Deus nos fostes concedidos para nossa proteção e auxílio, em nome da Santíssima Trindade, nós vos suplicamos:
— Vinde depressa, socorrei-nos!

Nós vos suplicamos em nome do Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo:
— Vinde depressa, socorrei-nos!

Nós vos suplicamos pelo poderosíssimo nome de Jesus:
— Vinde depressa, socorrei-nos!

Nós vos suplicamos por todas as chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo:
— Vinde depressa, socorrei-nos!

Nós vos suplicamos por todos os martírios de Nosso Senhor Jesus Cristo:
— Vinde depressa, socorrei-nos!

Nós vos suplicamos pela Palavra santa de Deus:
— Vinde depressa, socorrei-nos!

Nós vos suplicamos pelo Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo:
— Vinde depressa, socorrei-nos!

Nós vos suplicamos em nome do amor que Deus tem por nós, pobres:
— Vinde depressa, socorrei-nos!

Nós vos suplicamos em nome da fidelidade de Deus por nós, pobres:
— Vinde depressa, socorrei-nos!

Nós vos suplicamos em nome da misericórdia de Deus por nós, pobres:
— Vinde depressa, socorrei-nos!

Nós vos suplicamos em nome de Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe:
— Vinde depressa, socorrei-nos!

Nós vos suplicamos em nome de Maria, Rainha do Céu e da terra:
— Vinde depressa, socorrei-nos!

Nós vos suplicamos em nome de Maria, vossa Rainha e Senhora:
— Vinde depressa, socorrei-nos!

Nós vos suplicamos pela vossa própria bem-aventurança:
— Vinde depressa, socorrei-nos!

Nós vos suplicamos pela vossa própria fidelidade:
— Vinde depressa, socorrei-nos!

Nós vos suplicamos pela vossa luta na defesa do Reino de Deus:
— Vinde depressa, socorrei-nos!

Nós vos suplicamos:
— Protegei-nos com o vosso escudo!

Nós vos suplicamos:
— Defendei-nos com a vossa espada!

Nós vos suplicamos:
— Iluminai-nos com a vossa luz!

Nós vos suplicamos:
— Salvai-nos sob o manto protetor de Maria!

Nós vos suplicamos:
— Guardai-nos no Coração de Maria!

Nós vos suplicamos:
— Confiai-nos às mãos de Maria!

Nós vos suplicamos:
— Mostrai-nos o caminho que conduz à Porta da Vida: o Coração aberto de Nosso Senhor!

Nós vos suplicamos:
— Guiai-nos com segurança à Casa do Pai celestial!

Todos vós, nove coros dos espíritos bem-aventurados:
— Vinde depressa, socorrei-nos!

Vós, nossos companheiros especiais, a nós dados por Deus:
— Vinde depressa, socorrei-nos!

Insistentemente vos suplicamos:
— Vinde depressa, socorrei-nos!

O Sangue Preciosíssimo de Nosso Senhor e Rei foi derramado por nós, pobres.
— Insistentemente vos suplicamos: vinde depressa, socorrei-nos!

O Coração de Nosso Senhor e Rei bate por amor de nós, pobres.
— Insistentemente vos suplicamos: vinde depressa, socorrei-nos!

O Coração Imaculado de Maria, Virgem puríssima e vossa Rainha, bate por amor de nós pobres.
— Insistentemente vos suplicamos: vinde depressa, socorrei-nos!

São Miguel Arcanjo, vós, príncipe dos exércitos celestes, vencedor do dragão infernal, recebestes de Deus força e poder para aniquilar, pela humildade, a soberba dos poderes das trevas.
— Nós vos suplicamos que nos ajudeis a ter uma verdadeira humildade de coração, uma fidelidade inabalável no cumprimento contínuo da vontade de Deus e a fortaleza no sofrimento e na penúria. Socorrei-nos para subsistirmos perante o tribunal de Deus!

São Gabriel Arcanjo, vós, Anjo da Encarnação, mensageiro fiel de Deus, abri os nossos ouvidos também às suaves exortações e chamadas do Coração amoroso de Nosso Senhor.
— Nós vos suplicamos que fiqueis sempre diante do nosso olhar para compreendermos bem a Palavra de Deus, a seguirmos e lhe obedecermos e, assim, realizarmos aquilo que Deus quer de nós. Ajudai-nos a estar sempre disponíveis e vigilantes, de modo a que o Senhor, quando vier, não nos encontre dormindo!

São Rafael Arcanjo, vós, flecha de amor e remédio do amor de Deus,
— Nós vos suplicamos, feri o nosso coração com o amor ardente de Deus e nunca deixeis que esta ferida sare, para que, também no dia a dia, permaneçamos sempre no caminho do amor e tudo vençamos através do amor!

Socorrei-nos, vós, nossos irmãos grandes e santos, que conosco servis diante de Deus!
— Defendei-nos de nós próprios, da nossa covardia e tibieza, do nosso egoísmo e avareza, da nossa inveja e desconfiança, da nossa avidez de fartura, bem-estar e estima pública.

Desatai em nós as algemas do pecado e do apego às coisas terrenas. Tirai dos nossos olhos as vendas que nós mesmos nos pusemos para não precisarmos ver a miséria ao nosso redor e permanecermos, assim, sossegados numa contemplação e compaixão de nós mesmos.

— Cravai no nosso coração o aguilhão da santa inquietude por Deus, para que não cessemos de procurá-lo com ânsia, contrição e amor.

Contemplai o Sangue de Nosso Senhor, derramado por nossa causa!
— Contemplai as lágrimas da vossa Rainha, choradas por nossa causa!

Contemplai em nós a imagem de Deus, que Ele, por amor, imprimiu na nossa alma e agora está desfigurada por nossos pecados!
— Auxiliai-nos a conhecer Deus, adorá-lo, amá-lo e servir-lhe!

Auxiliai-nos na luta contra os poderes das trevas que, disfarçadamente, nos envolvem e afligem.
— Auxiliai-nos para que nenhum de nós se perca e, um dia, nos reunamos todos, jubilosos, na eterna bem-aventurança. Amém.


 

Almir Rivas
Missionário da Comunidade Canção Nova


Referências bibliográficas

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica:A Criação – O Anjo – O Homem. Volume 2, Parte I. Questões 44, 119. . São Paulo: Edições Loyola, 2001. ISBN: 85-15-02314-8 (ISBN vol. 2:
85-15-02433-0). Questão 108:A organização dos anjos em hierarquias ordens, artigo 5 – As ordens angélicas são convenientemente demoninadas?
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica:A Criação – O Anjo – O Homem. Volume 2, Parte I. Questões 44, 119. . São Paulo: Edições Loyola, 2001. ISBN: 85-15-02314-8 (ISBN vol. 2: 85-15-02433-0). Questão 112:A missão dos anjos, artigo 2 – Todos os anjos são enviados a serviço?
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica:A Criação – O Anjo – O Homem. Volume 2, Parte I. Questões 44, 119. . São Paulo: Edições Loyola, 2001. ISBN: 85-15-02314-8 (ISBN vol. 2: 85-15-02433-0). Questão 113:A guarda dos anjos bons, artigo 3 – A guarda dos homens cabe somente à ordem inferior dos anjos?
CATECISMO da Igreja Católica. Edição típica vaticana. São Paulo: Edições Loyola, 2000. §§ 334-336.
Súplica ardente aos Santos Anjos. Christo Nihil Praeponere, 2024. Disponível em: https://padrepauloricardo.org/blog/suplica-ardente-aos-santos-anjos.Acesso em: 30 ago. 2024.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/devocao/por-que-invocar-a-intercessao-dos-arcanjos/

2 de setembro de 2024

Em busca da felicidade

A paz: alicerce indispensável para a felicidade

O coração humano, em busca da felicidade, define uma série de metas, talvez a maior parte esteja no âmbito das conquistas profissionais e materiais. Por isso, torna-se sempre oportuno lembrar: importante caminho de efetivação da felicidade é a promoção da paz, capaz de forrar a alma, dando-lhe uma fortaleza e sabedoria que não podem ser conquistadas por outra experiência humana. Ter um coração de paz é, incontestavelmente, vetor determinante para se experimentar a felicidade – brilho em meio aos desafios existenciais e sociais. Tornar-se obreiro da paz constitui uma dimensão humano-espiritual muito relevante no sustento da existência de cada pessoa.

O obreiro da paz tem força de convocação e agregação, tecendo consensualidade a partir de diferentes temas, o que possibilita avanços no horizonte do desenvolvimento integral e humanístico. Essa força propicia o surgimento de protagonistas e agentes do bem comum, com singular sensibilidade social e relacional. Aqueles que investem na pacificação conquistam, assim, razões e sentimentos sustentadores de felicidade. Sabem que todas as pessoas, com as suas singularidades, em diferentes circunstâncias, podem ajudar na promoção da paz que, se estiver comprometida, leva ao desequilíbrio social, com cenários de desigualdades e exclusões.

A importância da linguagem e da postura na promoção da paz

A postura que busca semear a pacificação é bem diferente daquela voltada a "beliscar" os outros, desprovida de uma linguagem facilitadora de diálogos e entendimentos. Há muitas posturas que impedem o ser humano de ser promotor da paz – mesmo aqueles intelectualmente preparados para construir uma adequada visão social e política. De modo geral, é preciso zelar pela linguagem, pela própria postura, revestindo com nobreza o exercício da cidadania. Para isso, deve-se tomar como ponto de partida a promoção do bem comum e, principalmente, o respeito pela vida, sem tratá-la de modo preconceituoso ou discriminatório. Assim, o selo de autenticidade do obreiro da paz, caminho importante para se experimentar a felicidade, é a competência para amar, defender e promover a vida, em todas as suas dimensões – pessoal, comunitária e transcendente. 

Créditos: arquivo/cancaonova.com

A incompatibilidade da violência com a paz e a felicidade

Jamais se alcançará a paz de modo satisfatório – e, consequentemente, a felicidade – enquanto houver agressões à vida, no ambiente doméstico, no cotidiano da sociedade, no contexto sociopolítico. É um consenso: a promoção da paz é incompatível com atentados, desprezos, crimes contra a vida. Se o ser humano é desconsiderado em sua dignidade, a paz será sempre ilusória. Nesse horizonte, não se pode abrir mão do compromisso de defender o direito à vida plena dos mais frágeis, dos nascituros e dos que estão em arriscada e desumana situação de vulnerabilidade social. A tutela do direito à vida será sempre o ponto de partida no processo de efetivação da paz e do desenvolvimento integral. Qualquer lesão à vida, de modo especial no seu nascedouro, significa a imposição de danos ao bem comum. Por isso mesmo, devem ser combatidas as opções ancoradas em visão redutiva e relativista do ser humano, que ameacem o direito fundamental à vida. Os cristãos estão unidos também nesse combate, por fidelidade a verdades fundamentais da fé. Do compromisso com a defesa da vida, que une cristãos de diferentes perspectivas, emerge uma grande força religiosa, geradora de agregação. 

A importância da fé e da justiça na promoção da paz

A promoção da paz, essencial na busca da felicidade, se fortalece com a vivência autêntica da fé, e também depende dos ordenamentos jurídicos, fundamentais na promoção de direitos. A sociedade não pode abrir mão dos campos da religião e da justiça, não permitindo também que se contaminem por manipulações. Não tem cabimento, por exemplo, a intolerância religiosa ou a politização de instâncias judiciais – também não se deve admitir a judicialização da política, sob risco de se desfigurar e ferir identidades institucionais. 


O papel da cidadania na construção de uma sociedade pacífica

Constitui nobre tarefa cidadã ser protagonista de uma luta indispensável, em diferentes proporções, que contemplem investimentos para pacificar relações, a partir do diálogo, no âmbito familiar. Contemplem igualmente investimentos no enfrentamento de fenômenos capazes de levar à erosão da função social do Estado e das redes de solidariedade da sociedade civil. É preciso dedicar redobrada atenção aos direitos sociais ameaçados, aos deveres sociais desconsiderados, para impedir degradações que atinjam frontalmente a dignidade do ser humano. A sociedade pede novas ousadias políticas, proféticas e inteligentes, capazes de inspirar novos ordenamentos na civilização que possibilitem, a mais pessoas, experimentar a felicidade. 

Os comprometimentos que ameaçam a vida não se esgotam apenas com a atuação de militância política ou de certo segmento de pessoas. Para ser conquistada, a felicidade demanda mais vivências alicerçadas no altruísmo e na solidariedade, na compaixão e na fraternidade. Essas vivências trazem ganhos pessoais e alavancam conquistas sociais, propulsoras da paz. Ajudam a edificar uma sociedade mais justa e solidária, fruto de cidadanias qualificadas – adequadamente exercidas para se alcançar a felicidade. 

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/em-busca-da-felicidade-2/

1 de setembro de 2024

A quem iremos?

A palavra que ressoa

Palavra do Senhor! Palavra da Salvação! Palavra de Vida Eterna! São expressões que ressoam continuamente em nossos ouvidos! No entanto, estamos mais acostumados com palavras que nos chegam através dos muitos meios de comunicação de nosso tempo. Ficamos até acostumados com as notícias da última alta do dólar, as chacinas do dia a dia, a crise política e econômica, as muitas "operações" efetuadas pelos órgãos de segurança. Nada nos assusta nem causa reação ou escândalo, quase vacinados diante das imagens e sons que entram em nossas casas e corações. As pessoas são capazes de permanecer impávidas diante de noticiários sanguinários e sanguinolentos, às vezes, continuando suas refeições ou tratando de amenidades. 

Crédito: artplus / GettyImages

Reações ao Evangelho

Entretanto, quando a Igreja fala da verdade do Evangelho ou prega as consequências morais e éticas do seguimento de Jesus, alguns consideram intervenção indevida, agressão à laicidade do Estado, que sabemos não ter necessidade de ser ateu para ser laico! Num mundo paganizado, falar dos Sacramentos ou da prática de Missa dominical, ou ter convicções claras e correspondentes à Verdade revelada, tudo pode parecer anacrônico e fantasioso.

Falar de família monogâmica, formada a partir da união de homem e mulher, fiel e fecunda, como a Igreja insiste fortemente, soa retrocesso, diante do que se pensa "progresso", outro nome da destruição da família e da desagregação de laços consistentes, que sabemos ser essenciais para a garantia da dignidade humana pessoal e a sustentação da vida, como foi pensada por Deus, tudo isso receberá ataques de toda ordem.

A escolha de Josué

Não é de hoje! Quando o Povo de Deus, tendo atravessado o Rio Jordão e vencido as primeiras etapas de ocupação da Terra Prometida, foi convocado a uma grande Assembleia, no lugar chamado Siquém, Josué (cf. Js 1,1-9), cuja liderança se consolidava, falou a todas as tribos de Israel com palavras provocantes: "Se vos desagrada servir ao Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir: se aos deuses a quem vossos pais serviram no outro lado do rio ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais. Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao Senhor" (Js 24,15). Mesmo escolhido por Deus para uma grande missão, aquele povo sempre esteve sujeito à tentação e à queda, pelas suas próprias limitações e pelo contato com o paganismo.

Com frequência, através de seus enviados, o Senhor lhe pedia a renovação dos compromissos. A resposta à palavra de Josué corresponde a um verdadeiro refrão, que ocorre em variações em outros textos da Escritura Sagrada: "Longe de nós abandonarmos o Senhor para servir a deuses alheios. Pois o Senhor, nosso Deus, foi quem nos tirou, a nós e a nossos pais, da terra do Egito, da casa da escravidão. Foi ele quem realizou esses grandes sinais diante de nossos olhos e nos guardou por todos os caminhos por onde peregrinamos, e no meio de todos os povos pelos quais passamos. Portanto, nós também serviremos ao Senhor, porque ele é nosso Deus" (Js 24,16-18).

Jesus e as multidões

Quando veio Jesus, sua pregação e seus milagres arrebanharam multidões, como mostram os textos evangélicos. No entanto, muitos ficaram escandalizados com suas palavras e seus gestos. Sua presença se tornou verdadeira provocação a pessoas acomodadas, que se tinham ajeitado numa prática religiosa superficial, o que lhe granjeou significativo grupo de inimigos, inclusive no meio das autoridades civis e religiosas do tempo. Aquele que é a Verdade (Cf. Jo 14,4-5; Jo 18, 33-38) foi rejeitado por muitas pessoas, mesmo sendo estas tocadas por seu amor (Mc 10, 17-23). Tendo chamado discípulos do meio da multidão, marcada por expectativas messiânicas algumas vezes confusas ou limitada formação religiosa, o Senhor Jesus sabia que seria necessária uma grande paciência para formá-los, trabalhando para a maturidade apostólica, que só viria com a Paixão, Morte, Ressurreição e Ascensão de Jesus e a vinda do Espírito Santo no Pentecostes.


O pão da vida

Uma das crises dos discípulos ocorreu após a Multiplicação dos Pães e o Discurso a respeito do Pão da Vida, quando Jesus pronuncia palavras cuja consequência desfrutamos e a Igreja o fará até a volta do Senhor: "Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem come deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne, entregue pela vida do mundo" (Jo 6, 50-51).

Trata-se do anúncio da Eucaristia! Os próprios discípulos entraram em pânico, junto com outras pessoas: "Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?" (Jo 6, 60). Como fez Moisés com o Povo de Deus no Sinai, ou Josué em Siquém, é hora da decisão: "Jesus disse aos Doze: 'Vós também quereis ir embora?' Simão Pedro respondeu: 'A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus'" (Jo 6,67-69).

Atitudes diante das provocações

Diante das provocações do tempo em que vivemos, é possível alinhavar algumas atitudes ao mesmo tempo respeitosas e corajosas. Não nos escandalizemos com a diversidade existente em nosso mundo. Antes, na pessoa que é diferente ou pensa de modo diverso de nós, identificar os canais de diálogo fecundo, cooperando, o que quer dizer trabalhando juntos, pelo bem comum.

Não deixar de manifestar nossas próprias convicções, ainda que soem diferentes, como nos ambientes de trabalho, tantas vezes eivados de conceitos espúrios ou meias verdades tiradas da última mensagem recebida em redes sociais, consideradas a última palavra.

Respeitar o diferente, mas dizer com simplicidade e força que a própria consciência mostra outra visão da vida e do mundo. Ora, para tanto, buscar a necessária formação, nas várias possibilidades oferecidas pelas Paróquias ou Pastorais e Movimentos Eclesiais. E é na vida em Comunidade, especialmente na Paróquia, que se fortalecem as convicções.

Palavras para o coração

A todos os irmãos e irmãs chegue o convite a dizer com São Pedro, que, com suas fragilidades parecidas com as nossas, não foi propriamente um herói da primeira hora, pronunciou palavras tão fortes, que repetiremos no coração todas as vezes em que ressoar em nossas missas "Palavra do Senhor" ou "Palavra da Salvação": "Só tu tens palavras de Vida Eterna!"

 

Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/a-quem-iremos-2/