17 de julho de 2024

Cabeça dura e coração de pedra

Desafiando corações endurecidos: a relevância da mensagem de Jesus em um mundo relativista

Jesus visita Nazaré, onde se tinha criado (Mc 6,1-6), e encontra, naquele ambiente, reações contraditórias. De um lado, pessoas admiradas com a sabedoria que brotava de suas palavras, por saberem que não vinha de classes propriamente eruditas da sociedade do tempo, mas homem de uma família simples, carpinteiro como José, numa pequena localidade, parente de muitas pessoas que circulavam por toda parte, com as observações parecidas com as que ouvimos quando um jovem do interior volta à sua terra e todos se impressionam com quem foi estudar ou trabalhar em centros mais importantes! Todo mundo o conhecia, e uma fonte cujo nome veio a ser "Fonte de Nossa Senhora" devia ser ponto de encontro e dos comentários circulantes!

Créditos: DMP / GettyImagens

De outra parte, ajudados também pela narrativa de São Lucas (cf. Lc 4,14-30), quando fala da visita a Nazaré, sabemos como foi rejeitado pelos seus conhecidos e parentes. Ali, chegava como profeta na própria terra, pagando o preço das críticas, o que lhe impedia de operar milagres e anunciar com toda força o Reino de Deus. No entanto, Jesus não se detinha, e percorria os povoados anunciando a Boa Nova do Evangelho. Em outras ocasiões e lugares, o mesmo Senhor encontrou resistências muito fortes, de forma especial das autoridades religiosas da época. Nada o impedia de realizar a própria missão, olhando para a realização do plano do Pai, sempre a caminho de Jerusalém, sabendo o que deveria viver, formando os discípulos para as provações que necessariamente chegariam para eles e a Igreja.

Obstáculos à evangelização: a ascensão do relativismo e a crise de valores

Aliás, não faltaram dificuldades e desafios no correr da história da Igreja, e nosso tempo não é diferente. O texto do Profeta Ezequiel, proclamado neste final de semana (Ez 2,2-5), mostra com clareza o que viria pela frente, em sua época, no tempo do ministério público de Jesus e na história da Igreja: "Eu te envio aos israelitas, nação de rebeldes que se revoltaram contra mim. Eles e seus pais se rebelaram contra mim até o dia de hoje. É a estes filhos de face dura e coração obstinado que eu te envio. Tu lhes dirás: Assim diz o Senhor Deus. Quer te escutem, quer não – pois são um bando de rebeldes – saibam que houve um profeta entre eles. Quanto a ti, filho do homem, não os temas nem tenhas receio de suas palavras".

Há obstáculos para a Evangelização e a atividade pastoral da Igreja. Dentre tantos, observamos alguns pontos que exigem nossa reflexão e ação coordenada. Em torno a nós implantou-se um relativismo desafiador e provocante. A crise de valores nivelou tudo, quando as pessoas defendem o que chamam de "sua verdade", onde impera um nivelamento em que se pode fazer, falar e viver de tudo o que a imaginação humana seja capaz de engendrar. A falta de referências impera e pede, de nossa parte, firmeza, aliada ao bom senso. Cabe à Igreja ir ao encontro do mistério que é a vida de cada pessoa, ouvir e suscitar interrogações sobre o sentido da existência. Proclamações altissonantes de cunho conservador, ou progressista, ou fanático, só provocam isolamento e fechamento das pessoas. Não se vence o jogo no grito!

Consumismo religioso e a dissociação entre fé e vida

O mundo se transformou numa espécie de hipermercado em todos os sentidos, também religioso, no qual as pessoas podem escolher o que mais lhes agrada, especialmente se não exige compromissos de vida moral e de retidão. Na realidade, o "religioso" vem a ser, para muitos, o que me traz um consolo ou compensação imediata. E as portas de templos começam a parecer "postos de combustíveis", que não criam qualquer relação de compromisso, pois as pessoas passam a ser consumidoras e não membros fiéis de uma Comunidade Eclesial, na Fé, no Culto, e na Caridade.

Na mesma vertente, ocorre-me um comentário ouvido num meio de comunicação, onde o uso dos celulares pelas crianças era o assunto. Pareceu-me proposital quando se referiam aos eventuais limites de tais meios pela criançada, entrou uma observação que parece até verdadeira, dizendo que os valores espirituais ficam por conta de cada pessoa ou grupo. Esconde-se assim uma separação radical entre aquilo que a pessoa professa como fé e a incidência na sociedade. É como dizer que a vivência da fé não tem nada a ver com o resto da vida!
Outro desafio é a redução da experiência religiosa aos sentimentos, enquanto o seguimento de Jesus implica coerência de vida inclusive e de modo especial nas ocasiões em que nada oferece compensação emocional, pois o núcleo da fé cristã se encontra no Mistério e Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. Digam os mártires da fé, que se mantiveram fiéis diante da tortura e da eliminação de sua vida física, sabendo ser maior e definitiva a recompensa que os esperava. Fidelidade a Deus em qualquer circunstância é a proposta da vida cristã, malgrado nossas fraquezas pessoais, com a certeza de que a graça de Deus vem em nosso auxílio e nos sustenta!

Testemunhando a verdade em um mundo hostil

Os cristãos, não só os chamados a algum ministério específico, todos são chamados, consagrados e enviados. O mundo, mesmo feito de cabeças duras e coração de pedra, é o nosso campo de testemunho e ação, na certeza de que podemos sempre ouvir a voz do Senhor: "No mundo tereis aflições. Mas tende coragem! Eu venci o mundo" (Jo 16,33). Transformemos nossos medos e ameaças em desafios à nossa oração, criatividade e dedicação. As atividades profissionais, a convivência na sociedade e todas as eventuais provocações existentes são o nosso campo de presença qualificada e de testemunho. Nada de pessimismo ou derrotismo!


O Evangelho do presente Domingo nos leva ao encontro pessoal com Jesus Cristo, na acolhida a um convite precioso de São Paulo: "De fato, pela sabedoria de Deus, o mundo não foi capaz de reconhecer a Deus por meio da sabedoria, mas, pela loucura da pregação, Deus quis salvar os que creem. Pois tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria. Nós, porém, proclamamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos. Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio que os homens e o que é fraqueza de Deus é mais forte que os homens (1 Cor 1,21-24). Permitamos que Jesus percorra as redondezas de nosso coração, anunciando a Boa Nova!

Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/mensagem-jesus-relevancia-mundo-relativista/

16 de julho de 2024

O que é a verdadeira caridade?

Muito além da esmola: desvendando a essência da caridade cristã

Quando me pediram para refletir sobre a VERDADEIRA CARIDADE, confesso que fiquei incomodada com a palavra VERDADEIRA.  Questionei-me várias vezes sobre a necessidade da palavra VERDADERA. Fui buscar, na Palavra de Deus a resposta, o sentido de viver a caridade.

A Bíblia nos revela, em suas páginas, que o princípio da caridade nasce de Deus, que é amor. Ela é verdadeira, porque emana do verdadeiro amor que é Deus. Torna-se concreta quando une a nossa própria vida à vida de outras pessoas. A caridade é um dos mais belos atos de doação que fazemos de nós mesmos. 

Doar-se para salvar

Engana-se quem pensa que fazer caridade é dar uma simples esmola. A palavra de Deus nos revela que a verdadeira caridade vai muito além do dar aquilo que temos, é dar de si, é partilhar a própria vida, é um doar-se para salvar. Podemos dizer, sem medo de errar, que é uma vida que sustenta outra vida nos momentos de dor, sofrimento, pobreza, miséria, invalidez, doenças e tantas outras realidades que assolam o nosso viver.

Crédito: Bartolomé Esteban Murillo

A pessoa que vive a caridade cristã se compadece, por isso doa mais que a si mesma, doa esperança, fé, amor, ensina a buscar a Deus quando as respostas humanas são insuficientes e somente Deus é a resposta. Gasta tempo, sacrifica-se quando divide a dor do outro, ajudando-o a carregar a cruz do sofrimento, sustentando-o nas horas mais difíceis, apaziguando situações e corações com palavras, gestos ou simplesmente com sua presença, mesmo que silenciosa. É um braço que se estende, é um abraço que acalenta, é um ombro para chorar.

Superando o cansaço, encontrando a alegria

Quem vive o verdadeiro sentido da caridade se cansa, aperta-se, chora junto, porque não é de ferro, sempre encontra forças para ajudar.  Mas também se enche de alegria e de paz pelo bem realizado, pela superação alcançada, pelo sorriso que, às vezes, custa a aparecer. Não devemos ter receio de acalentar um coração dilacerado pela dor, são nestas horas dolorosas, de separação, morte ou enfermidade que precisamos estar presentes. É quando acreditamos que não temos nada a doar que o Espírito Santo de Deus inunda nosso ser com palavras de sabedoria, gestos concretos de amor e acolhimento. São nestes momentos que a graça de Deus, que supera todo o nosso entendimento, passa por nós, para revigorar a pessoa necessitada e acaba por nos fortalecer também, porque primeiro a graça passa por nós para chegar a alguém. São João o apóstolo do amor nos diz:

"Nisto conhecemos o Amor: ele deu a sua vida por nós. E nós também devemos dar nossa vida pelos irmãos.  Se alguém, possuindo os bens deste mundo, vê seu irmão na necessidade e lhe fecha as entranhas, como permaneceria nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com ações e em verdade" (I João 3, 16-18).

São João dá à verdade um sentido muito maior que engloba fé e amor, por isso, em suas cartas, ele afirma que são da verdade aqueles que creem e amam. 

A verdadeira caridade está ao nosso alcance

Precisamos nos lembrar sempre que está ao nosso alcance viver a verdadeira caridade, porque acolher, abraçar, dar uma palavra de conforto, emprestar os ouvidos para escutar, fazer uma prece, um cuidado, ter paciência, ser presença, levar roupas, remédios e alimentos são gestos que nascem de um coração que ama. O esquecer de si para servir o outro sem esperar nada em troca é a maior riqueza que temos para doar. Às vezes, basta uma ideia simples, um chá, um bolo, uma sopa. Algo do nosso dia a dia, mas que contagia outras pessoas para que a solidariedade, tantas vezes esquecida, seja despertada em nosso viver.

Com as enchentes no Rio Grande do Sul, pudemos tocar nas mais diversas formas de solidariedade, foi comovente ver pessoas que perderam tudo ajudando outras tantas. Pessoas que não pararam em sua própria dor ou no cansaço, mas se mantiveram firmes para aliviar o sofrimento do próximo. Pessoas que deixaram o conforto de suas casas para se colocar em meio à lama e salvar vidas. Pessoas que doaram suas férias, seus conhecimentos para se colocarem a serviço do próximo que sequer conheciam, comunidades que se uniram para arrecadar roupas e alimentos. Pessoas que dividiram o que tinham para comer, dividiram o que tinham para vestir. Todos, que imbuídos pelo verdadeiro sentido da caridade, deram um grande exemplo de amor, solidariedade e respeito à vida. 

A essência do cristianismo: compaixão e caridade

A verdadeira caridade existe e é vivida dentro da dimensão da compaixão, pois é com o outro que passaremos pelo calvário desta vida colocando nossa confiança em Deus. Um cristão nunca está sozinho quando imbuído de compaixão, faz um gesto de caridade, tornando-se um portador da graça de Deus. A caridade, na concepção cristã, é a essência do cristianismo e nos mantêm abertos à vida e abertos e às pessoas a nossa volta. 

A caridade é a virtude de amar ao próximo como a si mesmo. Um agir que nasce da compaixão e não espera reconhecimento. A caridade é um princípio cristão que se mantém ao longo dos séculos, é atual e necessário. A caridade cobre uma multidão de pecados (conf. 1ª Pedro4,8).

 

Adriana Pereira é missionária da Comunidade Canção Nova há 30 anos, Jornalista e Mestre em Comunicação e Semiótica


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/o-verdadeiro-significado-da-caridade-crista/

15 de julho de 2024

Liberdade de pensamento: valores em conflito

Liberdade de pensamento: um direito a ser exercido com sabedoria e responsabilidade

A liberdade de pensamento é uma garantia fundamental, assegurada no inciso quarto do artigo quinto da Constituição Federal de 1988, é aspecto basilar do Estado Democrático de Direito e aspecto intrínseco da vida em sociedade.

Crédito: arquivo do autor/cancaonova.com

Uma conquista histórica

A data de 14 de julho foi instituída em memória do início da Revolução Francesa, iniciada em 14 de julho de 1789, a qual originou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que, por sua vez, foi base da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esta última trata em seu XVIII da liberdade de pensamento: "todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, consciência e religião".

Vivemos tempos em que a liberdade de pensamento é tão natural, e praticada de forma tão irrestrita, que nem nos damos conta de sua existência ou de sua importância. Ela é facilmente confundida com a liberdade de expressão, com a qual tem íntima relação. Entretanto, enquanto a liberdade de expressão diz respeito ao direito de manifestar opinião e se expressar a respeito daquilo que pensa e crê, a liberdade de pensamento é relacionada à liberdade de consciência, de credo, de poder adotar qualquer ideologia ou crença.

Em outro momento da história, em especial antes dos estados regidos por constituições, soberanos detinham o poder de ditar os princípios e valores pelos quais seus súditos deveriam viver. Isso é fácil de ser notado, por exemplo, no episódio narrado em Daniel 6.22, no qual o profeta é lançado na cova dos leões por recusar-se a contrariar seus princípios de fé para obedecer a um decreto.

Enxergando a mundo a partir de valores cristãos

Não há nas Sagradas Escrituras texto que melhor retrata essa liberdade do que o icônico ensinamento de São Paulo em 1ª Coríntios 6,12: "Tudo me é permitido, mas nem tudo convém. Tudo me é permitido, mas eu não me deixarei dominar por coisa alguma". Temos a liberdade de pensar e dizer aquilo que quisermos, contudo, essa liberdade é balizada pelos valores que escolhemos.

Aquilo que é denominado pelos teóricos como cosmovisão ou a lente moral com a qual percebemos a existência e interpretamos os eventos que nela ocorrem, é baseada no conjunto de valores, enraizado em nossa fé e princípios. São Paulo trata a respeito disso na Epístola aos Romanos 12,2: "Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito".

Os valores cristãos em conflito com o secularismo

Os valores íntimos à fé estarão sempre em conflito com o secularismo, pois este segundo não tem cuidado pelo bom ou o justo, mas, antes, quer aliviar a consciência daqueles que vivem distantes de Deus e não querem que seu pecado venha à luz. O Apóstolo Paulo exorta duramente a respeito disso em 2 Coríntios 4,4: "Para os incrédulos, cujas inteligências o deus deste mundo obcecou a tal ponto que não percebem a luz do Evangelho, onde resplandece a glória de Cristo, que é a imagem de Deus".

A responsabilidade no uso da liberdade

São Tiago, em sua epístola, no capítulo três, discorre sobre quão devastadora pode ser a inconsequência no uso dessa liberdade quando escolhemos, de maneira temerária, nossos valores, nossas palavras, pois elas se tornam fonte de destruição. O autor compara a língua, que é um membro pequeno do corpo, a uma pequena chama, que é capaz de causar um grande incêndio em um bosque.

Portanto, devemos ter consciência de que, hoje, podendo usufruir dessa liberdade, salvaguardados por garantias, e devemos fazê-lo com responsabilidade, escolhendo viver de acordo com a vontade de Deus e manifestando isso em nossos gestos e palavras.

 

Jonatas Passos –  natural de Cruzeiro (SP), marido, pai e colaborador da Fundação João Paulo II. Formado em Tecnologia, Informática e História. Pós-Graduado em Jornalismo e História do Brasil, com extensão em História da Religião.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/liberdade-pensamento-valores/

12 de julho de 2024

Tempo de férias: indo além do ócio e do entretenimento

Férias com propósito: mais que lazer, um tempo para crescer

Julho, mês de férias, passeio, viagem, estar junto, mas… será que é só isso? Tenho que seguir assim? Esse pensamento é único? É o melhor? Existem outras formas para viver as férias?

Questionando o propósito das férias

No tempo, o que vivemos aqui passa bem rápido e muitas vezes nos perdemos no "fazer as coisas", mas sem analisar se as mesmas estão valendo à pena, se nos fazem crescer. São Tomás de Aquino dizia que 3 coisas são necessárias para a salvação do homem: saber "o que deve crer?", "o que deve querer?" e "o que deve fazer?". Cabe aqui nos questionarmos, nessas férias, onde não teremos nenhuma obrigação de trabalho ou escola, se eu sei o que devo fazer… veja que a pergunta não se refere ao que gosto ou não, mas ao que devo! Se devo, é porque será melhor para mim, far-me-á crescer, ser melhor ou estar melhor. Isso, sim, importa! Isso sim é um investimento em mim, mesmo no lazer, mesmo nas férias.

 

Créditos: Daniel de la Hoz / GettyImagens

 

A vida não pode se tornar uma viagem aleatória, sem rumo e sem esteio, numa "selva escura" de desorientação existencial, tal como descrita no Inferno de Dante. Ela precisa ser uma viagem rumo Àquele que nos criou, sabendo que existe um fim último, e esse fim nos espera para um novo começo. Esse sim não mais terá fim. Para chegar lá, não posso desperdiçar o tempo, principalmente as férias, onde terei tempo de sobra para investir em mim mesmo e preparar mais e melhor o caminho para o Eterno.

Vivendo as férias com intenção e propósito

Sim, podemos sair, viajar, passear, mas nunca esquecendo as três perguntas de São Tomás de Aquino: "O que deve crer?", "O que deve querer?" e "O que deve fazer?". Essas devem ser as perguntas que direcionarão nas escolhas que faremos nas férias para buscarmos o CRESCIMENTO INTERIOR.

Não é fazer por fazer, viajar por viajar, ou sair por sair, mas, em tudo que fizer, ser uma atividade cujo fim último seja a busca pela salvação, que só é encontrada em Deus. Ao contrário do que se divulga na cultura atual de buscar um entretenimento imediato e numa distração ociosa para descanso domingueiro ou agitação sensível, os passeios, viagens, saídas das férias deveriam ter um senso de crescimento interior, uma diversão que nos auxilie num crescimento filosófico, moral, científico, teológico… Muitas vezes, passam desapercebidos itens da cultura clássica como música, livros e filmes que aprofundam a transcendência, aprofundando naquilo que efetivamente é permanente e essencial ao homem. São materiais que motivam o autoconhecimento, o encontro consigo mesmo, saindo de uma superficialidade e impessoalidade.

Rompendo o ciclo trabalho-entretenimento

Como ensina Sarrais, em 'Aprender a Descansar', para romper esse círculo vicioso e alienante de trabalho-entretenimento é preciso redimensionar o tempo livre, aproveitando-o de forma inteligente e produtiva, em atividades menos exigentes, mas não menos importantes: redescobrir o valor do esporte, como exercício físico de fortaleza e autossuperação; a beleza da leitura e da audição musical, como atividades silenciosas e reflexivas de autoconhecimento e observação da realidade; e a alegria da conversa espirituosa com um bom amigo ou familiar.

 


 

Veja, conforme diz Pascal, a diversão pode se tornar um grande mal para nós, já que pode nos impedir de pensar em nós mesmos. E como sermos melhores, fugindo de nós mesmos?

Aproveite suas férias. De verdade. Mas em atividades que o aproximarão mais de si mesmos, e assim, quanto mais próximo de você, mais facilmente entrarás Deus, como diz Santa Teresa d'Ávila: "Buscar-Te-ei em mim; buscar-me-ei em Ti".

Junior Alves
Missionário da Comunidade Canção Nova


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/comportamento/ferias-com-proposito-tempo-livre-transformador/

10 de julho de 2024

Como aproveitar bem as férias?

Tempo de qualidade: fortalecendo laços familiares nas férias

O mês de julho é considerado, em muitas famílias, um mês de férias, pois os filhos têm pausa nas aulas da escola e dos cursos que fazem, e alguns pais conseguem conciliar suas férias do trabalho (ou parte das férias) para viver uma pausa nesse tempo; já alguns seguem sua rotina.

Mas como aproveitar bem as férias e ter, nesse tempo, um descanso propício para o bem-estar físico e mental?

Descansar não significa necessariamente viajar ou gastar muito dinheiro, mas propor um tempo de atividades diferentes e, especialmente, conviver em família ou fazer coisas que, na realidade diária, não são possíveis.

Créditos: champpixs / GettyImagens

Férias realistas: encontrando o equilíbrio entre diversão e orçamento

Acima de tudo, pense naquilo que é possível e viável para sua família e para sua realidade. Não adianta fazer viagens impossíveis para as finanças de sua vida e depois viver um estresse por ter adquirido dívidas. Portanto, vamos partir para algo possível, e, ao mesmo tempo, que seja diferente e possa ser um tempo de descanso para todos.

Vamos lá: o que pode ser feito nas férias? Quais sugestões você pode seguir aí na sua casa? Lembro que cada família observará sua realidade, e o que temos aqui são realmente sugestões que podem ser ou não viáveis para você:

  • organizar uma visita dos amigos do seu filho em casa: pode ser uma tarde para lanche compartilhado, onde cada um pode trazer alguma coisa para que seja feito depois de um filme ou de jogos, por exemplo;

  • andar de bicicleta no parque: seja emprestando uma bicicleta ou alugando algo que possa ser feito ao ar livre, traz lembranças muito positivas na vida dos filhos. As memórias afetivas são formadas das formas mais simples.

  • procurar atividades culturais gratuitas na sua cidade: observe a programação da cidade. Muitos lugares oferecem atividades para crianças e jovens, e pode ser uma ótima oportunidade para sua família.

  • cozinhar em família: uma ótima oportunidade para ensinar seu filho, mas também para conviverem juntos. Um simples macarrão com molho pode ser muito divertido.

  • fazer brincadeiras: brincar desperta a criatividade e as possibilidades nas crianças, além de ser um momento para estar afastados de telas. Jogos de tabuleiro, de adivinhação, de mímica. São muitas possibilidades que certamente alegrão o dia de vocês.

  • visitar um familiar ou amigo levando um bolo que vocês mesmo fizeram: mais uma vez, é reunir uma experiência prática com uma memória, além de ensinar a gentileza de um gesto ao seu filho.

  • promover jogos:  essa forma de diversão sempre é muito bacana, até mesmo nos videogames, para que os filhos ensinem o que jogam e os pais possam aprender novas formas de acessar a vida dos filhos.

O tempo livre e a importância do descanso real

Do ponto de vista psicológico, sempre que pudermos lidar com o descanso e o momento de recreação já conseguiremos proporcionar impactos positivos para crianças e adolescentes.

Você não necessita ocupar seu filho o tempo todo. Certamente, um pouco de tempo ocioso é bom. É nele também que haverá o descanso. Muitas crianças parecem que precisam estar o tempo todo ocupadas, mudam de jogos a todo tempo ou, sequer, finalizam algo. São preenchidas por um comportamento ansioso e incapaz de concluir uma tarefa. Observe se isso acontece com seus filhos e busque acompanhá-los.

Tempo de qualidade

Aos pais, lembrem-se: não se culpem, caso não possam estar com a família todo o tempo de férias. É importante sempre trabalharmos com a realidade e os limites de nossa vivência. Quando assim for, será mais fácil para também trabalharmos isso com os filhos. Você já deve ter visto o termo "tempo de qualidade" e é disso que precisamos. Mesmo que seja um tempo mais restrito, mas que seja com qualidade e dedicação ao que está sendo feito nesse tempo de férias.


Elaine Ribeiro dos Santos

Elaine Ribeiro dos Santos é Psicóloga Clínica pela Universidade de São Paulo (USP). Colaboradora da Comunidade Canção Nova, reúne 20 anos de experiência profissional, atuando nas cidades de São Paulo, Lorena e Cachoeira Paulista, além do atendimento on-line para o Brasil e o Exterior. Dentre suas especializações estão Terapia Cognitivo-Comportamental, Neuropsicologia e Psicologia Organizacional. Instagram:  @elaineribeiro_psicologa 


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/familia/como-aproveitar-ferias-em-familia/

8 de julho de 2024

Modéstia ou modismo?

A diferença entre a modéstia interior e exterior

"Uma pessoa modesta, antes de qualquer coisa, é humilde"( Santo Tomás de Aquino). Impressiona-me a frase do Beato Carlo Acutis: "Todos nascemos originais, mas muitos morrem fotocópias", e sempre me lembro dela quando vejo alguns sendo cópias, mesmo que copiem algo aparentemente bom, mas que se contentam apenas com a aparência.

Hoje, vemos a virtude da modéstia ganhando ares de moda, sendo que a modéstia externa (roupas, modos) deve ser a evidência da modéstia interior que nasce da humildade, do controle sobre o desejo imoderado de grandeza, de saber e aprender. É da luta contra esses vícios e a busca da humildade e castidade que nasce a modéstia externa, que se transforma em atos externos de vestir-se de tal forma ou comportar-se de determinada maneira.

Créditos: Deagreez / GettyImagens

A modéstia exterior como caminho para a interior

Penso que se você começou a mudar suas vestes por uma reta intenção de mudança, essa poderá ser uma via para cultivar também a modéstia interior, que é grande proteção contra vários perigos e inúmeros vícios. Mas é uma via que precisa de muita atenção, porque a modéstia exterior pode ser fingida, sendo assim um ato de hipocrisia. Já a modéstia interior é que dá vida à exterior, uma força inabalável que não se deixará atingir facilmente pelos ataques e armadilhas do mundo e do maligno. O importante então é que não devemos procurar a aparência da modéstia sem que nosso coração seja tomado de amor à simplicidade e humildade. Já na verdadeira modéstia, a interior e a exterior andam de mãos dadas e uma ajuda a outra, ou seja, o recato exterior deve nascer do interior ordenado, e alimenta esse interior, reforçando-o.

Encontrei, no site Garotada Católica, essa linda comparação de São Francisco Sales: "Como o fogo produz a cinza, e a cinza serve admiravelmente para manter e conservar o fogo, assim sucede com essas duas modéstias: que a interior produz a exterior, e esta mantém e conserva a interior de onde brotou".

A juventude é alimentada, cotidianamente, com estímulos para aparecer – fotos, vídeos, fama. Precisamos, o tempo todo, alimentá-los com estímulos ao interior, a questionar suas motivações. Volto a pensar no beato/santo Carlo Acutis, que será canonizado em 2025. Ele, além de boa aparência, tinha acesso a tudo o que um jovem dessa idade pode querer.

Conta-se que, certa vez, ele, passando de carro com a família em frente a uma boate em sua cidade, indignou-se com uma fila enorme de jovens que esperavam para entrar na balada. Ele dizia que devia ser uma fila para entrar na Igreja, e que aqueles jovens estavam trocando a preciosa vida pelo que é passageiro. Carlo encontrou o verdadeiro tesouro, aquilo que não passa, e pautou sua vida no fogo interior que o consumiu por inteiro. Ou seja, Carlo, apesar de bela aparência e boas condições de vida, soube olhar para seu interior e alimentar as motivações corretas.

A modéstia como necessidade humana

A modéstia é uma profunda necessidade humana, e você precisa dela para ter uma estima correta e equilibrada de si mesmo, com isso reafirmando sua originalidade e integridade. Esses são fundamentos importantes para a vida de qualquer um, é a casa construída sobre a rocha.

Pense em namoros, amizades e relacionamentos assim construídos. Todo mundo quer ser amado como pessoa, não como coisa; como um "quem", não como um "quê". A virtude da modéstia é uma proteção contra um sem número de perigos e uma garantia de relações duradouras e originais, únicas!

A Virgem Maria como exemplo de modéstia

A Virgem Maria é o grande exemplo dessa virtude. Quanto à modéstia, ninguém pode se comparar a ela, ninguém há com mais merecimentos, virtudes, santidade e dignidade divinas. No entanto, não posso supor alguém mais simples, afável, bondosa, pobre e humilde do que ela. E ainda, o que dizer do desprezo que fazia da importância da sua pessoa e da sua própria excelência? Maria nos dá a chave para a modéstia interior e exterior, ou seja, uma submissão mais perfeita de todos os seus pensamentos, sentimentos e afeições à regra da razão e, desta, à vontade de Deus.

Edvânia Duarte Eleutério
Missionária da Comunidade Canção Nova desde 1997, onde atuou como formadora e acompanhadora de namorados, noivos e casais da Comunidade. Além de outras funções, como gestora de TV, Edvânia tem especialização em gestão de pessoas, counseling e bioética. É autora do livro "Porque (não) eu?".


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/comportamento/modestia-verdadeira/

6 de julho de 2024

Laços que santificam: o poder da amizade na vida cristã

Discernimento na amizade: escolhendo quem nos aproxima de Deus

"Me diga com quem tu andas que eu direi quem tu és", um ditado popular pronunciado tantas vezes pela boca de nossos pais e avós. Um ditado comum e sempre proferido para alertar cada filho sobre a escolha de suas companhias. O fato é que uma amizade pode salvar-nos assim como pode corromper-nos. Isso é bem sabido dentro da Igreja durante toda a sua história milenar.

Créditos: Cecilie_Arcurs / GettyImagens

Companheiros para sustentar-se na caminhada rumo ao Céu

Respeitar, amar e servir é uma prática voltada para todos. Devo viver dessa maneira para agradar a Deus. Mas quando se fala de amizade e intimidade, então as coisas funcionam no campo da minha escolha e do meu querer. São Francisco de Sales afirma no seu livro Filoteia: "No mundo, é necessário que aqueles que se entregam à prática da virtude se unam por uma santa amizade, para mutuamente se animarem e conservarem nesses santos exercícios. Os que vivem no século, onde há tantas dificuldades a vencer para ir a Deus, se parecem com os viajantes que andam por caminhos difíceis, escabrosos e escorregadios, precisando sustentar-se uns nos outros para caminhar com mais segurança".

São Gregório e São Basília: amigos unidos no propósito e na esperança

São Gregório Nazianzeno fala de sua amizade com São Basílio com muito prazer, descrevendo-a deste modo: "Parecia que em nós havia uma só alma, para animar os nossos corpos, e que não se devia mais crer nos que dizem que uma coisa é em si mesma tudo quanto é e não numa outra; estávamos, pois, ambos em um de nós e um no outro. Uma única e a mesma vontade nos unia em nossos propósitos de cultivar a virtude, de conformar toda a nossa vida com a esperança do céu, trabalhando ambos unidos como uma só pessoa, para sair, já antes de morrer, desta terra perecedora".

Portanto, escolha bem suas amizades. Procure pessoas que queiram viver a virtude e a religião, sempre buscando a santidade. Lembre-se que você pode escolher alguém que o levante, mas também pode se sujeitar a alguém que o derrube.


Rafael Vitto

Rafael Vitto, seminarista CN. Graduado em Filosofia e estudante de Teologia. Atuante na paróquia São Sebastião em Cachoeira Paulista.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/relacionamento/lacos-que-santificam/