15 de maio de 2024

Pentecostes e o início do Tempo da Igreja


Após a vinda do Espírito Santo no Pentecostes, a Igreja pode ser chamada: "povo congregado na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo".

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A origem da Igreja é discutida, porém, mais do que "discutida" deve ser "reconhecida". O mistério da Igreja (assembleia) que permanece em unidade com Cristo é tão profundo que não pode ser estabelecido um único ponto histórico de origem, mas deve ser reconhecido como um processo que se desenvolve ao longo do Novo Testamento. É no decorrer da Sagrada Escritura que o rosto da esposa de Cristo vai sendo desenhado por Deus.

Não existe um só ponto de origem da Igreja, pensar assim seria olhar de forma linear, e puramente histórica. Existe uma dimensão teológica a respeito desta questão que não nos permite olhar desta forma, antes nos convida a fazê-lo a partir de diversas perspectivas. Sendo assim, podemos dizer que cada uma das perícopes mencionadas acima fala da origem da Igreja em alguma dimensão particular (histórica, pastoral, sacramental, esponsal, missionária, etc.).

O batismo do Espírito

Os Apóstolos não iniciam a evangelização imediatamente depois de que Jesus ascende aos Céus. Ora, eles já conheciam a sua missão: pregar o Evangelho e batizar. Eles não estavam prontos? Os quarenta dias de convívio com o Ressuscitado não seriam suficiente para começar a pregação do Evangelho?

Vejamos bem, a Igreja, esposa de Cristo, unida a Cristo pelo vínculo indissolúvel da Cruz, procura em tudo imitar o seu Esposo. Se a missão de Jesus começou com o batismo, no qual o Senhor recebeu o Espírito Santo (cf. Mc 1,9-11; Mt 3,13-17; Lc 3,21-22), da mesma forma, a Igreja deve receber o batismo do Espírito, que a levará a realizar a sua missão: o Pentecostes. Efetivamente, antes da sua Ascensão, Jesus deixou à sua Igreja duas missões, pregar o Evangelho (cf. Mc 16,15; Mc 3,14) e batizar (Mt 28,19), no entanto, foi só depois da vinda do Espírito Santo que os Apóstolos iniciaram a missão.

Ensina o Concílio Vaticano II: "Consumada a obra que o pai confiara ao Filho para que ele realizasse na terra (cf. Jo 17,4), no dia de Pentecostes foi enviado o Espírito Santo para santificar continuamente a Igreja, e assim dar aos crentes acesso ao Pai, por Cristo num só Espírito (cf. Ef 2,18)" E ainda: "Sem dúvida o Espírito Santo já agia no mundo, antes ainda de que Cristo fosse glorificado. Contudo, foi no dia de Pentecostes que ele desceu sobre os discípulos, para permanecer com eles eternamente (cf. Jo 14,16), e a Igreja apareceu publicamente diante da multidão e teve o seu início a difusão do Evangelho".

O envio no Espírito

"Todos os evangelistas, ao narrarem o encontro de Cristo Ressuscitado com os Apóstolos, concluem com o mandato missionário (cf. Mt 28, 18-20; cf. Mc 16, 15-18; Lc 24, 46-49; Jo 20, 21-23). Esta missão é envio no Espírito, como se vê claramente no texto de S. João: Cristo envia os Seus, ao mundo, como o Pai O enviou a Ele; e, para isso, concede-lhes o Espírito. Lucas põe em estreita relação o testemunho que os Apóstolos deverão prestar de Cristo com a ação do Espírito, que os capacitará para cumprir o mandato recebido".

Após a vinda do Espírito Santo no Pentecostes, a Igreja pode ser chamada: "povo congregado na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo". Ora, se na economia da salvação o Espírito Santo é a terceira pessoa da Trindade a se revelar, somente após a sua descida dos céus sobre a Igreja, é que a Igreja tem acesso pleno a Deus para realizar a sua missão. Se bem Cristo é o fim da revelação e a ponte que dirige ao Pai, somente o Espírito faz com que o homem a atravesse. Por isso, São João Paulo II afirma que este fato deu início ao "tempo da Igreja".


Fonte: https://comshalom.org/pentecostes-e-o-inicio-do-tempo-da-igreja/


13 de maio de 2024

Não temas! Olhai para os lírios do campo e as aves do céu

Muitas vezes, há uma enorme distância entre o que professamos com nossos lábios e o que vivemos, especialmente na rotina, nos hábitos que se repetem exaustivamente ao longo dos anos. Creio que a maioria dos católicos não se levanta nem vai dormir sem rezar ao menos uma vez o Pai-Nosso, no qual suplica que seja feita a vontade de Deus e que Seu Reino venha até nós. Muitos desses mesmos católicos, contudo, levam suas vidas conduzidos por outras "orações", a exemplo de duas frases presentes em duas canções bastante populares: A primeira diz que "o acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído" e a segunda diz "deixa a vida me levar, vida leva eu".

Elas refletem um modo bem comum de viver a vida, como uma sucessão de fatos, um atrás do outro, sem sentido aparente, sem um mistério que a envolva, sem, enfim, a eternidade a lhe fazer sombra. É justamente o contrário daquilo que rezamos no Pai-Nosso. Traduzindo em palavras mais claras, é viver como se Deus não existisse, ainda que se reze, ainda que se professe a fé.

A vigília de Deus

Não é o acaso que nos protege, mas o Senhor, que não dorme nem cochila, o guarda de Israel, que está sempre ao nosso lado para nos proteger. Mas essa não é apenas uma frase pronta para consolar corações aflitos. É uma realidade que traz consequências. O Senhor vela por nós porque nos ama, e por esse motivo não quer que nos percamos, e perder-se é afastar-se de Deus.

Não temas! Olhai para os lírios do campo e as aves do céu

Foto Ilustrativa: ipopba by Getty Images / cancaonova.com

Cristo, no sermão da montanha, nos disse para não nos preocuparmos com o que vestir ou com o que comer, porque se os lírios do campo vestem-se com esplendor e às aves do céu não falta alimento, quanto mais nós seremos cuidados pelo Pai do céu. Não se confunda, entretanto, achando que Nosso Senhor está nos aconselhando a "deixar a vida nos levar", porque Ele conclui seu raciocínio com uma frase fundamental: "Buscai antes de tudo o Reino de Deus e a sua justiça, e o resto vos darão por acréscimo".

Viva conforme a vontade de Deus

Buscar em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça não é sentar-se e esperar o maná cair do céu. É colocar a mão na massa, trabalhar sem cessar, mas sem buscar segurança que não seja em Deus, sem tirar os olhos do porto seguro aonde queremos chegar. A continuação da admoestação enviada por Deus por meio do profeta Isaías é clara: "continuarei a tratar esse povo de modo tão estranho que a sabedoria dos espertalhões se perderá e a inteligência dos astutos desaparecerá".


O Reino dos Céus não é conquistado por um belo palavreado, nem por eloquentes discursos, mas é "tomado à força e são os violentos que o conquistam". Precisamos ser violentos contra as nossas paixões, nossas hipocrisias, nosso pecado. Precisamos abandonar as máscaras, arregaçar as mangas, reconhecer nossa indignidade e seguir o Senhor até onde ele nos levar, num caminho que invariavelmente passará pela Cruz.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/vida-de-oracao/nao-temas-olhai-para-os-lirios-do-campo-e-as-aves-do-ceu/

10 de maio de 2024

Você sabe a diferença entre querer filhos e querer ser mãe?


A primeira pergunta, na verdade, podemos dizer que é fruto de um desejo bem egoísta, uma satisfação do próprio ego. Muitas mães têm seus filhos como troféus, pois elas os expõem constantemente, exibindo o filho como aquele que "salvou" o casamento dela depois do nascimento dele. Exibem as belas roupas caras que são capazes de dar para esse filho, expõem o seu desenvolvimento e talento, afinal de contas, o filho é especial. E isso é perigoso, porque colocam neles um peso que ainda não são capazes de suportar, mesmo que lhes pareça interessante ou divertido, não é próprio de sua idade.

As mães expõem seus filhos como forma de mostrar que sua família é perfeita. Será que é? Ou será que criou um conto de fadas para essa criança viver? Quando o filho descobrir que não é o príncipe (ou a princesa), qual será a reação dele (a)?

Toda criança passa naturalmente pela fase do narcisismo, egoísmo e egocentrismo. Porém, se essas fases forem estimuladas, pode ser que a criança não dê conta de superá-las e continue presa a elas por toda vida. Pense como é chato e desgastante uma relação com adultos narcísicos, que só pensam no quanto eles podem ser bons, belos e ostentam tudo o que têm! Ou um adulto que possui um grande sentimento de posse, que quer tudo, não se satisfaz com nada e fica envolvido em "ter coisas e pessoas", usa tudo como "objetos" de pertença. Quem sabe ainda, um adulto egocêntrico, que se diz o dono da verdade, que sua palavra e seus pensamentos são sempre os melhores. Tenho certeza de que não será fácil conviver com essas pessoas.

Créditos: by Getty Images / Drazen Zigic/cancaonova.com

Ser mãe é doar amor

Ter filhos é uma resposta à sociedade! Isso revela que sou capaz e viril! Porém, a via do amor passa um pouquinho distante dessa relação social. Não é que aqueles que desejam, a todo custo, ter um filho, não os amem, mas é uma manifestação de amor diferente.


Qual a sua resposta?

Uma vez, ouvi uma mãe dizer a Deus que precisava encontrar seus filhos porque ela sofria a falta deles, e sabia que eles também sentiam a falta do amor de mãe. Deus a ouviu e lhe deu uma filha do coração. Esse é o verdadeiro sentido de ser mãe! Saber que possui um amor tão grande que sente a ausência desse filho, o qual, muitas vezes, vem de forma surpreendente.

Adotar uma criança pode ser um risco para aqueles que não sabem amar. Você quer ser mãe ou quer ter filhos?

Equipe Formação Canção Nova 


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/familia/maternidade/voce-sabe-a-diferenca-entre-querer-filhos-e-querer-ser-mae/


8 de maio de 2024

A paz que você procura está no silêncio que você não faz


Em Feira de Santana (BA), minha cidade natal, vi, uma vez, em um quadro negro daqueles bem antigos de escola, a seguinte frase: "A paz que você procura está no silêncio que você não faz".

De fato, essa sentença permaneceu por toda uma vida em minha memória e marcou-me tanto, que, ainda hoje, busco o caminho de como bem vivê-la. Embora eu tenha tido contato com a biografia da vida de santos, com o Catecismo e a Bíblia, confesso que adentrar nessa experiência tem me exigido muito esforço e dedicação.

Certa vez, li que "o silêncio aparece como uma expressão importante da Palavra de Deus" (VD 21). E mesmo parecendo um paradoxo de que no silêncio haja comunicação, pude compreender, a partir disso, que o nosso Deus sempre está presente, seja nas orações permeadas em palavras ou naquelas em que nem sabemos expressar o que estamos sentindo.

"Nas vossas orações, não sejais como os gentios que multiplicam as palavras porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos. Não façais como eles, porque vosso Pai celeste sabe de que tendes necessidade, antes que vós o peçais" (Mt 6,7-8).

Créditos: Ridofranz / GettyImagens / cancaonova.com

Vamos imitar o silêncio de Jesus

Ademais, Jesus bem sabia o quanto precisaríamos nos calar para nos ouvir e podermos ouvi-Lo, pois Ele mesmo o fazia, retirando-se para o deserto para orar ao Pai do Céu, para fazer jejum e oração e até mesmo para vencer a tentação do demônio.

Jesus é o Verbo encarnado e, no cumprimento de Sua missão na cruz a morrer por nossa salvação, Ele se calou, não abriu a boca e, nessa atitude, nos comunicou a Sua Paixão. O próprio Deus se cala. E nesses momentos sombrios e assustadores em que parece que estamos sós, não tenhamos medo, pois mesmo aí Ele se manifesta no Seu abismo de amor, Ele que é o próprio Amor.


No silêncio, Deus fala conosco

Note que é no silêncio que ouvimos Deus, e no silêncio Ele age em nós. Claro que não vamos parar de falar! O ser humano, afinal de contas, nasceu com capacidade para a comunicação, e isso é lindo e tem o seu valor. Mas se você me permite ainda um pouco mais, aconselho que fuja do barulho na medida do possível, diminua as telas, planeje a sua vida de oração e faça exercício físico, para que toda a ansiedade acumulada no dia a dia possa ser liberada, deixando-nos abertos à vida interior.

Que a Virgem Santíssima nos acompanhe nessa jornada em busca do silêncio fecundo.

Micheline Teixeira
Comunidade Canção Nova  


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/vida-de-oracao/a-paz-que-voce-procura-esta-no-silencio-que-voce-nao-faz/


6 de maio de 2024

Onde encontrar Deus numa sociedade que O nega?


Estamos vivendo na sociedade da pós-modernidade marcada pelo crescente individualismo, materialismo, consumismo, hedonismo, pela intolerância e violência. A ordem social é legitimada não mais pela religião e ética, mas pelo mito do progresso científico. Tudo é justificado em nome do progresso e da felicidade. A ética dá lugar à técnica, e esta se torna a resposta e a solução para todas as coisas, incluindo a busca de sentido para a existência humana. Surge o mito do progresso, e, com isso, a tradição, a religião são vistas como algo profundamente negativas e obsoletas.

Enquanto nas sociedades tradicionais, a esperança na Vida Eterna orientava as pessoas e fundamentava os seus valores, agora, busca-se o paraíso terrestre, cuja construção se dará pelas mãos humanas conduzidas pela razão, pelas ciências em busca da felicidade aqui e agora. Todos os desejos individuais se realizarão através do progresso técnico-científico, e não mais por meio da graça divina. Para muitos, Deus se tornou até mesmo desnecessário ou está "morto".

No entanto, morte, miséria, violência, corrupção, frustrações pessoais, dúvidas existenciais, aumento da ansiedade, no índice de suicídios, desastres ecológicos etc., continuam existindo. Como diz Dráuzio Varella: "A depressão foi considerada pela Organização Mundial da Saúde como o 'mal do século XXI'. Doença silenciosa, ela ainda é incompreendida inclusive por quem sofre do problema. Já fala-se sobre uma epidemia de depressão, pois ela atinge 10% da população mundial, e esse índice aumenta a cada ano".

Descristianização da sociedade

Papa Bento XVI descreve esta realidade com clareza: "Se hoje existe um problema de moralidade, se hoje existe o problema da decomposição moral na sociedade, é resultado, sem dúvida, da ausência de Deus em nosso pensamento, em nossa vida". Ainda o Papa Bento XVI, viver sem Deus provoca "a decomposição moral", manifestada no individualismo, hedonismo, consumismo, exploração do outro e utilitarismo.

Créditos: AzmanJaka / GettyImagens / cancaonova.com

Alguns afirmam que está acontecendo um rápido estado de descristianização da nossa sociedade, da "morte de Deus" e isso tem se mostrado pelo aumento no número de pessoas que se declaram ateus ou dizem acreditar em uma divindade, mas vivem como se não existisse, que também é uma forma de ateísmo.

As perguntas que faço aqui são estas: "Onde podemos encontrar Deus numa sociedade que O nega e até mesmo O expulsa?" Posso afirmar que: "uma vida 'habitada' por Deus é bem diferente de uma vida deserta, sem Deus, encerrada nos estreitos limites humanos"? "Em que consiste esta diferença?"

A sociedade pós-moderna tem mostrado muitos caminhos, porém, são caminhos que ignoram a presença de Deus e dos seus valores na vida das pessoas. Deus se tornou alguém cada vez mais distante, desnecessário ou sem importância. O Papa Bento XVI afirma: "Não temos mais coragem de acreditar que o homem é tão importante aos olhos de Deus e que Ele sempre cuida de nós e se preocupa conosco". Muitas pessoas vivem como se Deus não existisse, construindo suas vidas sem contar com Ele.

O sentido da vida

Tudo isso é uma tentativa de levar o homem a negar a sua própria essência, o mais profundo do seu ser, que é a presença de Deus em nós. Esta presença que dá sentido à nossa existência, que nos sacia e realiza. Podemos afirmar que só em Deus e com Deus seremos capazes de encontrar o sentido da vida e preencher a nossa existência.

A sede de Deus é condição da existência humana como afirma Santo Agostinho: "Criastes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em Vós". O homem se realiza somente em Deus. Negar esta verdade é negar a si mesmo. Fomos criados à imagem e semelhança de Deus, e por isso não temos como fugir dessa realidade. O sentido da vida não está no acúmulo de riquezas, na busca desenfreada do poder e do prazer, porque não são capazes de nos livrar da morte, mas em buscar as coisas do alto, porque o sentido do viver está em Cristo e, n'Ele, nos tornamos ricos para Deus.

O homem procura Deus

Todos nós somos pessoas a quem Deus inquieta: há um "algo" na natureza do homem que o abre e projeta para o transcendente, que o leva a interrogar-se continuamente sobre Deus e a tentar encontrar o seu rosto. Portanto, Deus não é totalmente evidente: "Agora, nós vemos num espelho, confusamente, mas, então, veremos face a face. Agora, conheço apenas de modo imperfeito, mas, então, conhecerei como sou conhecido" (1Cor 13,12). Se confiarmos apenas nos nossos sentidos, Deus não existe: não conseguimos vê-Lo com os nossos olhos, sentir o seu cheiro ou tocá-Lo com as nossas mãos.

É extremamente existencial o que reza o salmista e expressa muito bem o grande desejo do homem:

"Assim como a corça suspira pelas águas correntes, suspira igualmente minh'alma por vós, ó meu Deus! Minha alma tem sede de Deus, e deseja o Deus vivo. Quando terei a alegria de ver a face de Deus? O meu pranto é o meu alimento de dia e de noite, enquanto insistentes repetem: 'Onde está o teu Deus?' Recordo saudoso o tempo em que ia com o povo. Peregrino e feliz caminhando para a casa de Deus, entre gritos, louvor e alegria da multidão jubilosa. Por que te entristeces, minh'alma, a gemer no meu peito? Espera em Deus! Louvarei novamente o meu Deus Salvador! Minh'alma está agora abatida, e então penso em vós, do Jordão e das terras do Hermon e do monte Misar" (Salmo 41 (42), 2-7)

Carência e solidão

Nosso ser continuamente clama pela presença de Deus, e tentar fugir de Deus é querer fugir de si mesmo, e isso é impossível e insuportável.


Antropologicamente, o ser humano é carente do outro e do grande Outro. Existe em nós uma abertura natural para o outro e para o transcendente. Essa abertura do ser humano, que dá sentido à existência, coloca-nos em busca por Deus, a fim de que a vida possa ser preenchida e totalmente realizada. Este desejo é a procura pelo Amor e pelo Amado. Deus continuamente quer saciar nossa sede: "Quem tem sede, venha a mim, e quem quiser, receba, de graça, a água da vida" (Ap 22,17).

A presença de Deus é vital

No Salmo 42, o salmista afirma que tem sede de Deus e que O deseja: "(…) a minha alma anseia por ti, ó Deus. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo". O salmista nos recorda que Deus é desejado pelo ser humano, que Ele é buscado pela existência. A presença de Deus é vital para a realização do ser humano, tal como a água para o animal sedento. A existência humana, muitas vezes não compreendida, anseia por Deus, pelo Deus vivo, a fim de que a sede de sentido da vida seja saciada.

A crise existencial da humanidade é, sem dúvidas, provocada pela "ausência" de Deus no coração do homem. À medida que nos fechamos para Deus, viramos as costas para Deus, perdemos em nossa essência, e por isso dizemos que o problema mais profundo em nossa vida é a ausência de Deus, ou seja, a falta de consciência de que Deus e o Seu Reino já estão no meio de nós.

Rezemos com o Salmo 62(63) 2-9:

"Senhor, sois o meu Deus: desde a aurora Vos procuro. A minha alma tem sede de Vós. Por Vós suspiro, como terra árida, sequiosa, sem água. Quero contemplar-Vos no santuário, para ver o vosso poder e a vossa glória. A vossa graça vale mais que a vida: por isso os meus lábios hão-de cantar-Vos louvores. Assim Vos bendirei toda a minha vida e em vosso louvor levantarei as mãos. Serei saciado com saborosos manjares e com vozes de júbilo Vos louvarei. Quando no leito Vos recordo, passo a noite a pensar em Vós. Porque Vos tornastes o meu refúgio, exulto à sombra das vossas asas. Unido a Vós estou, Senhor, a vossa mão me serve de amparo."

Lemos no Evangelho de Mateus 14,22-33 que, depois da multiplicação dos pães e tendo despedido as multidões, Jesus obriga os discípulos a entrarem na barca e, depois, Ele sobe ao monte para rezar. Os discípulos foram surpreendidos pelo mar revolto, a barca agitada pelo vento, Jesus aparece caminhando sobre as águas do lago, "mar" de Tiberíades ou Genesaré. Jesus salva Pedro ao tentar caminhar sobre as águas "Senhor, salva-me!" e depois acalma a tempestade, isto é, a vitória de Jesus: "Assim que subiram no barco, o vento se acalmou".

A cena acontece à "noite", representa as trevas, a escuridão, a confusão, a insegurança, o medo em que tantas vezes "navegam" na vida dos discípulos de Jesus, sem saber precisamente que caminhos percorrer nem para onde ir; a barca agitada pelo mar revolto, as "ondas" que agitam a barca representam a hostilidade do mundo, que bate continuamente contra homens e mulheres que viajam. Os "ventos contrários" representam a oposição, a resistência do mundo ao projeto de Jesus e na vida dos seus discípulos e discípulas.

Coragem! Não tenhais medo!

Quantas vezes, em nossa viagem pela história, nos sentimos perdidos, sozinhos, abandonados, desanimados, desiludidos, incapazes de enfrentar as tempestades que as forças da morte e da opressão lançam contra nós. É exatamente neste momento que Jesus manifesta a Sua presença. Ele vem ao nosso encontro caminhando sobre o mar, manifestando assim que Ele é o Senhor que tem poder e domínio sobre todas as forças ameaçadoras da vida dos seus discípulos e discípulas.

Jesus é, portanto, o Deus que cuida do seu Povo e que não deixa que as forças da morte o destrua. A expressão "Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!" transmite aos discípulos e a cada um de nós a certeza de que nada temos a temer, porque Jesus, o Deus que vence as forças da morte, caminha conosco e nos dá força para vencermos a adversidade, a solidão e a hostilidade do mundo.

A falta de sentido existencial de tantas pessoas, muitas delas jovens, em grande parte se deve à falta de fé, ao vazio interior que promove a crise espiritual. Ter uma vida habitada por Deus é caminhar em Sua presença, e, ao mesmo tempo, ter a certeza de que nossa vida não se tornará um deserto quando preenchida pela presença amorosa de Deus.

Equipe Formação Canção Nova 


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/sociedade/onde-encontrar-deus-numa-sociedade-que-o-nega/


2 de maio de 2024

Você sabe trabalhar e orar ao ritmo da vida?


Conciliar trabalho e oração pode trazer mais equilíbrio para enfrentar tantos desafios em nosso dia a dia. Afinal, harmonizar rotina em casa, contas a pagar, estresse, educação de filhos, não é algo tão simples, e não é mesmo!

A sabedoria cristã ensina que é possível realizar nosso trabalho em sintonia com Deus. Tal abordagem é fundamental. Quando trabalhamos com amor e dedicação, oferecemos nossos projetos, realizações e sacrifícios, estamos sintonizados com o Senhor. Portanto, nosso trabalho torna-se santificado.

Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que para alcançar a santificação você não precisa mudar de profissão. Consequentemente, é necessário transformar tudo o que você enfrenta no ambiente de trabalho em matéria-prima para a oração.

Créditos: jacoblund / GettyImagens / cancaonova.com

Para qual lado você tem olhado?

Mas como orar se vivo num estresse desde a hora que me levanto? Faço tudo correndo: já acordo cansado porque situações atrapalharam meu sono; preparo café; criança chora; trânsito um caos; salário não dá para pagar as contas. Como tenho buscado levar todas essas situações a Deus? Tenho enfrentado sozinho ou lembro que tenho um Pai no Céu, e Ele prometeu o pão nosso de cada dia? Qual a parte que me cabe?

Temos algumas ferramentas a nossa disposição. A oração é como uma pauta musical onde colocamos a melodia da nossa vida. Um ensinamento de São João Crisóstomo, que viveu no quarto século, parece muito atual: "É possível, mesmo no mercado ou durante um passeio solitário, fazer oração frequente e fervorosa; sentados na vossa loja, a tratar de compras e vendas, até mesmo a cozinhar".


Trabalhar e orar em conjunto

Os desafios tentam nos mostrar o contrário, dando a impressão de que trabalho e oração são opostos, como se trabalhar fosse urgente e a oração perda de tempo. Só que essa separação acaba prejudicando nossa relação com a vida profissional, levando-nos, inclusive, a ver nosso colega não como um irmão, mas como um rival, ou pior ainda, algo descartável, sem valor.

O que temos visto em nossa sociedade são pessoas e famílias que têm se sido arrastadas por uma busca insaciável de realização profissional, porém de maneira desequilibrada. Com isso, os frutos que têm colhido são frustrantes. A boa notícia é que é possível reverter essa situação. É preciso reassumirmos as rédeas de nossa vida, colocando o trabalho em seu devido lugar, enaltecendo-o como lugar de encontro com Deus, de santificação.

Trabalho e oração ao ritmo de vida. Onde você estiver, seja um profissional de Deus, busque ser o melhor no que realiza, ame, seja responsável, dedique-se, ofereça ao Senhor tudo o que vive. Dessa maneira, seus trabalhos sobem ao Céu como um incenso agradável, elevados a um verdadeiro ministério de serviço a Deus e ao próximo.



Rodrigo Luiz dos Santos

Missionário na Canção Nova, Rodrigo Luiz formou-se em Jornalismo pela Faculdade Canção Nova. É casado com Adelita Stoebel, também missionária na mesma comunidade. Autor de livros publicados pela Editora Canção Nova.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/sociedade/voce-sabe-trabalhar-e-orar-ao-ritmo-da-vida/


29 de abril de 2024

O que define a dimensão da autenticação do dom pessoal?


Em que consiste a autenticação? É como gravar, marcar de forma definitiva, indelével o que as percepções trouxeram. Existe diferença entre reconhecer e autenticar.

O reconhecimento se dará quando, após cada prática de vida, percebemos os sentimentos, efeitos e causas que se fazem em nós.

Já autenticar é detectar, nas várias experiências de reconhecimento, características que se repetem e verificar de qual característica da nossa humanidade provêm tais traços.

Os dons pessoais

Descobrindo a sua origem é que chegaremos à conclusão dos atributos que estão intrínsecos em nós; a partir daí, tomaremos como particular identidade, assumiremos de si os dons específicos que temos.

Créditos: by Getty Images / monkeybusinessimages/cancaonova.com

Por exemplo: se uma pessoa gosta de manifestar seu carinho pelas pessoas às quais tem apreço sempre com um presente ou amar com gesto concreto e material, poderá identificar que seu perfil é o de ser provedora. É essa sua personalidade que o impulsiona a proceder em presentear. Por meio do gosto por presentear, que é apenas uma característica do dom, ela poderá chegar à conclusão de que tem um perfil de provedor autenticado em si.

Outro detalhe é que ninguém nunca alcançará a verdadeira autenticação de si julgando ter algo ruim em sua natureza, pois fomos criados todos no bem, tudo em nós tem uma estrutura originariamente vinda da bondade. "E viu (Deus) que tudo era muito bom" (Gn 1,31). São Tomás de Aquino diz que "o homem, ao seguir qualquer desejo natural, tende à semelhança divina, pois todo bem naturalmente desejado é uma certa semelhança com a bondade divina".

Ainda citando São Tomás de Aquino, ele diz: "O pecado é desviar-se da reta apropriação de um bem". Isso significa que todas as nossas faculdades humanas, em princípio, foram criadas no bem, mas se algo em nós é inclinado ao mal, é porque estamos lidando com um traço da nossa personalidade criado para o bem, que, porém, durante a história pessoal, foi habituado na forma de pecado e não de virtude.

Facilidade em comunicação

Um exemplo disso: uma pessoa que tem uma grande habilidade de comunicar-se pode canalizar esse dom para levar a Boa Nova, e então ela desenvolve-a com técnicas de oratória, estudando conteúdos diversos, especializando-se na Sagrada Escritura, ou essa pessoa pode se estagnar, direcionar essa força para a atitude de fofoca, na maledicência e no boato.

Enquanto o indivíduo atribuir à sua natureza algo que seja ruim, ele não chegará à autenticação do dom pessoal, pois os pecados e erros, mesmo os constantes, são condições adquiridas no percurso de vida, e não traços intrínsecos no ser. Essas fragilidades até dão uma pista da grandiosa característica que a pessoa tem, mas, de modo algum, é sua mais profunda realidade.

Ato conjugal é o dom do amor

E o que está na essência do ato conjugal e, ao mesmo tempo, no âmago do ser humano? Qual característica é entranhada, primeiramente, na pessoa e manifesta a sublimação do indivíduo em suas ações e, consequentemente, também na união sexual, como expressão nobre de si? É o dom do amor. "Deus criou o homem por amor, também o chamou para o amor, vocação fundamental e inata de todo ser humano. Pois o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, que é amor" (CIC, 1604). Portanto, o sexo, sendo entrega do todo do indivíduo, deve estar sempre íntimo e permanentemente ligado ao dom do amor.

Como a pessoa poderá, através da vida ativa sexual com seu cônjuge, autenticar sua identidade mais profunda? Somente por meio do amor. Se o indivíduo se entrega no ato conjugal com amor e por amor, conseguirá identificar em si a capacidade do bem, e só assim alcançará uma boa impressão de si mesmo.

Pela grandiosa força que a união íntima exerce em nós, o marco da presença de amor em nossa alma e coração será de igual modo muito poderoso, confirmando e atualizando tal natureza. Além de tal efeito, a cada união íntima, promove-se o desejo de crescer no amor, numa doação cada vez maior, que se traduz nos outros momentos de romantismo, mas também no cotidiano, em ocasiões em que um necessita ser amparado pelo outro.


Vida sexual

A boa vivência conjugal, incluindo a dimensão sexual, conforme os desígnios do Senhor, dentro da graça, no sacramento do matrimônio, vai convencendo a pessoa de que ela é capaz de produzir o amor e o bem, e de que essas duas virtudes estão impregnadas em seu ser, por isso se faz natural a pessoa acreditar nela mesma em outros âmbitos de sua humanidade. Isso autentica o dom do amor na alma do indivíduo. O lar, a atmosfera que circunda o casal acabam sendo um ambiente regido pelo dom do amor.

Nisso, concluímos que só por atitudes de amor a pessoa pode se reconhecer, e pelo mesmo amor que existe em sua mais pura essência, o indivíduo pode autenticar sua impressão de si como algo real a seu respeito.

E sua dimensão sexual tem uma forte representatividade em sua estrutura humana. Numa relação sexual, quanto mais se busca o bem do cônjuge, quanto maior for a entrega em expressar o melhor de si, não em desempenho, mas em afeto, melhor será esse momento.

A consciência da vida sexual

Por isso mesmo que o sexo tende a não ser canal de tamanha virtude quando praticado por um falso amor ou por pura paixão, quando ainda não é um comprometimento de vidas em totalidade, portanto, lícito só dentro do sacramento do matrimônio.

Sem essa consciência da importância do amor e de que na vida afetiva a pessoa deve se doar por amor, este indivíduo vai se acostumando e impregnando em si outras impressões de si mesmo. Passa a acreditar que seu prazer é sua felicidade, embora, nos momentos de solidão e tristeza, não encontre sentido e busque novamente as satisfações de momento. Não acreditará que no compromisso definitivo existe preenchimento existencial e vai, aos poucos, aliciando seu coração a paixões circunstanciais. Vai esmorecendo, arrefecendo dentro de si o dom do amor.

Notemos que, em tudo que relatamos sobre o ato conjugal, se consumado com amor, edifica os cônjuges, tanto nas dimensões da pessoa para consigo mesma quanto no conhecimento do outro e, ainda, no bom êxito do relacionamento.

O afastamento da essência

Já a busca do prazer como forma de bem próprio, por si só, não eleva a pessoa à sua totalidade, mas a afasta de sua essência e a fragmenta, e como já relatamos antes, em algum momento, esse afastamento do amor será sentido na forma de falta de sentido existencial. Ou seja, na não autenticação de seus valores, a pessoa verá se repetir suas características deturpadas. E se consumado com sentimentos negativos de raiva, indignação ou qualquer tipo de violência, o ato sexual, igualmente, alimentará tais sentimentos.

Contudo, neste modelo que estamos apresentando, em que os esposos entendem a união íntima como dádiva da benevolência existente desde sempre em si mesmos e que é transmitida ao cônjuge, concluímos que a união íntima do casal, de forma alguma, deve estar destituída ou isolada de uma vivência plena e satisfatória de outras práticas de amor e cumplicidade. Veja que, na "Teologia do Corpo", São João Paulo II cita: "o homem e a mulher, unindo-se entre si (no ato conjugal)", ou seja, apesar de se tratar da união íntima dos esposos, o saudoso Papa refere-se à "união" de uma unidade que deve acontecer em tudo na vida.

Quanto mais amarmos, mais donos de nós mesmos seremos, num reconhecimento e autenticação do que em nossa natureza temos de mais elevado. Só o amor confirma e autentica a pessoa.

Trecho extraído do livro "Ato Conjugal – Beleza e transcendência"


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/afetividade-e-sexualidade/vida-sexual/o-que-define-a-dimensao-da-autenticacao-do-dom-pessoal/