14 de abril de 2023

O Senhor é bom e eterna é a sua divina misericórdia


A Liturgia do Domingo da Divina Misericórdia, que encerra a Oitava da Páscoa, revela-nos o início da comunidade cristã, praticada pela catequese, pela comunhão, pela fração do pão e pelas orações [1]. O Papa Francisco ensina que aquela "é uma comunidade onde se vive o essencial do Evangelho, isto é, o amor e a misericórdia com simplicidade e fraternidade". Com o anúncio do Cristo Ressuscitado, é preciso vivenciar uma vida nova, de amor e fé, que será "fonte de alegria indizível e gloriosa" [2]. Aquela primeira comunidade dos crentes, em Jerusalém, fiéis à Vida, Morte e Ressureição de Jesus, iniciou a Igreja que hoje é universal. E quanto a nós, o que queremos da Vida Nova? O que mudaremos com o anúncio da Ressurreição do Senhor?

Aqueles primeiros que se converteram eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, entendiam a importância de conhecer em profundidade o que lhes era transmitido. Inspirados pelo aprendizado dos fundamentos da fé, aquela comunidade vivia em comunhão fraterna, unidos pelo Espírito Santo. Essa comunhão era vivenciada na fração do pão, um rito "próprio da refeição dos judeus, foi utilizado por Jesus quando abençoava e distribuía o pão como chefe de família, sobretudo quando da última ceia", como ensina o Catecismo da Igreja Católica (1329). E as orações – que conjugado no plural indica orações específicas – são "as que os fiéis ouvem e leem nas Escrituras, mas eles atualizam-nas, em particular as dos salmos, a partir da sua realização em Cristo", o que também é explicado pelo Catecismo da Igreja Católica (2625).

A tranquilidade de fé

Vejam que bela comunidade! É de uma simplicidade que comove: a leitura do Evangelho, sua explicação, a comunhão, a fração do pão e as orações. E assim também é a Santa Missa: leituras, homilia, Eucaristia, cantos e orações; todos em comunhão (fazei de nós um só corpo e um só espírito). Aquelas primeiras comunidades se entregaram verdadeiramente à vida no Cristo Ressuscitado; a simplicidade da fé, que tranquiliza os corações, é resultado da Paz que foi a saudação de Jesus aos apóstolos que encontrou após a ressureição [3].

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O Santo Papa João Paulo II ensina que "a paz é o dom oferecido aos homens pelo Senhor ressuscitado e é o fruto da vida nova inaugurada pela sua ressurreição". Esse é o verdadeiro testemunho cristão, a paz vivida constantemente, em um sentimento de comunhão que preenche os nossos corações: "Oh! como é bom, como é agradável viverem os irmãos em harmonia!" [4]. A vida, em paz é a vida em abundância da qual Jesus nos fala [5]. Ao encerrarmos a Oitava da Páscoa, estejamos prontos para dar verdadeiro testemunho do Cristo Ressuscitado, prolongando esse sentimento fraterno, de entrega e confiança, de paz e harmonia.


Testemunhe a paz e a divina misericórdia de Jesus Ressuscitado

Sejamos virtuosos nas paróquias, nos nossos lares, nos ambientes de trabalho e estudo, nas ocupações cotidianas, e em todo tempo e lugar sejamos sal da terra e luz do mundo [6]. Esse convite, renovado, deve inspirar nossos corações com a mesma simplicidade que inspirou as primeiras comunidades cristãs; especialmente nos dias atuais, em que a sociedade tecnológica é muito mais complexa e estressante, é dessa simplicidade que precisamos. Nas palavras do Santo Papa João Paulo II: "Por mais atormentadas que sejam as situações e grandes as tensões e os conflitos, nada pode resistir à renovação eficaz que Cristo Ressuscitado nos trouxe. Ele é a nossa paz".

Saibamos viver com humildade e carinho a Vida Plena em Jesus, a Paz que o Cristo Ressuscitado nos desejou. Acalma teu coração, vivencia a Páscoa constantemente, anunciando a Boa Nova com alegria e com a tranquilidade de quem confia na providência de Deus Pai. Que assim seja!

Citações do texto bíblico
[1] (At 2, 42); [2] (1Pd 1, 8); [3] (Jo 20, 19.21.26); [4] (Sl 132(133)); [5] (Jo 10, 10); [6] (Mt 5, 13-16).

Referências

BÍBLIA SAGRADA. Tradução da CNBB, 18 ed. Editora Canção Nova.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. In textos fundamentais. Arquivo do Vaticano.
JOÃO PAULO II. Audiência Geral. Vaticano, 23 abr. 2003.
FRANCISCO. Audiência Geral. Vaticano, 04 abr. 2018.
FRANCISCO. Homilia do II Domingo de Páscoa (ou da Divina Misericórdia). Vaticano, 27 abr. 2014.
SAGRADA BIBLIA. Traducción y notas Facultad de Teología Universidad de Navarra. Edição Digital. Editora EUNSA. 2016.



Luis Gustavo Conde

Catequista atuante na evangelização de jovens e adultos; palestrante focado na doutrina cristã; advogado, tecnólogo e professor. Dúvidas e sugestões, fale comigo nas redes sociais: @luisguconde (Facebook, Twitter e Instagram). Agendamento de palestras e cursos: luisguconde@gmail.com


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/vida-de-oracao/o-senhor-e-bom-e-eterna-e-a-sua-divina-misericordia/


10 de abril de 2023

Vamos anunciar a ressurreição do Senhor


Este é o desejo que deve tomar conta dos nossos corações: Vamos anunciar a ressurreição do Senhor. O Evangelho deste domingo de Páscoa é o início do anúncio da Igreja, representada por Maria Madalena, que, na manhã do primeiro dia após o sábado, vai ao túmulo, encontrando-o vazio. Maria corre para anunciar aos discípulos um fato extraordinário, que até ela ainda não compreendeu completamente. Então serão os dois discípulos, Pedro e o discípulo amado, que correrão para o túmulo para ver os sinais.  E o que eles verão?  A "ausência e uma nova presença", para que a Fé Pascal nasça neles.

É uma imagem muito bonita da missão da Igreja e do sentido de sua vida que é guardada por Maria Madalena.  Ela é a primeira, segundo o Evangelho de João, a levar a todos o anúncio da Páscoa. Nos Atos dos Apóstolos, nas palavras de Pedro, encontramos a continuação daquele anúncio eclesial do qual Maria é a iniciadora.

Vamos anunciar a ressurreição do Senhor

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Mas qual é então o sentido da vida da Igreja que Maria guarda? Antes de tudo, a Igreja sabe que ela traz um anúncio de uma realidade, a Páscoa de Jesus. Um anúncio que não lhe pertence, mas que ela também recebeu como um dom gratuito e imerecido. Um anúncio que ela sabe não possuir plenamente, como Maria Madalena, que, tendo chegado ao túmulo vazio, não pode dar uma explicação para aquilo seus olhos viram. Sua única certeza é seu amor por seu Senhor, que ela viu deitado em uma tumba que agora está vazia. O túmulo vazio é o símbolo desta mensagem elusiva da qual a Igreja é a serva.

A proclamação da Ressurreição

Em segundo lugar, a Igreja é chamada a trazer a proclamação da vida. A proclamação da Ressurreição, que a Igreja sustenta para toda a humanidade, é uma palavra que vira a história de cabeça para baixo, porque insere nela uma realidade indestrutível. Se olharmos a história humana e também nossa história de hoje, nada sugere a ressurreição, tudo sugere a morte. Uma vida que não tem fim, que não está ameaçada pela morte, não pertence à nossa experiência e possibilidades. A Igreja, com os pés de Maria Madalena, é chamada a correr a todos para anunciar que o Senhor ressuscitou e que sua ressurreição pode transformar a história.


A Ressurreição é o "sim" de Deus ao estilo de Jesus, ao sentido que ele deu à sua vida. A Igreja hoje também é chamada a anunciar a Ressurreição, prolongando a vida de seu Mestre e Senhor: curando e fazendo o bem. A Igreja anuncia a Ressurreição quando ela é abençoada e faz o bem; quando ela faz e diz o bem.

O túmulo vazio é descoberto na manhã do primeiro dia após o sábado, o que corresponde ao primeiro dia de criação. Com os pés de Maria Madalena, a Igreja é chamada a anunciar a Ressurreição de Jesus como uma nova criação, como a possibilidade de realizar aquele projeto de beleza e mansidão que o Criador sonhou na aurora da Criação.

Na celebração da Páscoa, no rosto e nos pés de Maria Madalena, a Igreja pode reconhecer a si mesma e o significado de sua missão, como guardiã no mundo da indizível e sempre imprevisível proclamação da Ressurreição. Seu rosto, seus pés devem ser os de todo discípulo do Senhor Jesus.

Citações:
João 20,1-9

Dom Cristiano Sousa OSB Cam – Mosteiro da Santa Cruz de Fonte Avellana, Itália


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/liturgia/tempo-liturgico/pascoa/vamos-anunciar-a-ressurreicao-do-senhor/


5 de abril de 2023

Não está nas mãos dos homens!


O destino de Jesus não está nas mãos dos homens! Entramos nestes dias santos e estamos perto da celebração da Páscoa, tendo chegado às portas do Santo Tríduo. A passagem do Evangelho de Mateus nos apresenta a narrativa da preparação para a Páscoa. Uma preparação que é descrita através da justaposição de duas cenas paralelas realizadas por dois personagens distintos.

Estas duas ações se juntam no contexto da Última Ceia, quando Jesus se senta à mesa com seus discípulos (vv. 20-25). De um lado temos a ação de Judas (vv. 14-16), o que está nas mãos dos homens, do outro a ação que Jesus realiza (vv. 17-19), o que está nas mãos de Deus, ao fazer os preparativos para a ceia.

Quem entrega?

Lendo os primeiros versículos, podemos ser levados a acreditar que tudo está nas mãos dos homens, que tudo depende dos planos humanos. A traição de um discípulo, uma soma de dinheiro (cf. Zc 11,12; Ex 21,32), os cálculos de poder dos líderes políticos e religiosos! Duas vezes um verbo παραδίδω (paradidomi) "entregar" retorna -, um verbo fundamental nas narrativas da paixão.

Quanto vale um bom pastor?

O bom pastor parece estar completamente à mercê do homem. Sua entrega, sua traição, parecem ser fruto apenas da mesquinhez e do cálculo. O preço "pesado" pela traição é o preço fixado pela lei para um escravo (Ex 21, 32), é a soma com a qual o povo paga – segundo Zacarias – o salário do "bom pastor" que cuidou dele. É a soma da ingratidão com a qual o homem acredita que ele reembolsa Deus, a soma de nossos méritos e nossa busca de autonomia, é a soma que pagamos para silenciar Deus, para não permitir que ele seja Deus e para reduzi-lo a um ídolo mudo e surdo.

Não está nas mãos dos homens

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Assim, nesta primeira parte do evangelho, parece que tudo está nas mãos dos homens. Se parássemos aqui, os eventos que vamos celebrar nos próximos dias, seriam apenas o resultado da maldade do homem, da mesquinhez, do produto das nossas "trinta moedas", eventos apenas de morte e injustiça. Como tudo isso pode ser uma história de salvação?

Quem se entrega?

Mas passemos à segunda parte do texto (vv. 17-19). Aqui tudo parece ser diferente; aqui a pretensão do homem de governar e planejar tudo chega a uma inexorável negação. Mateus é quase irônico: o homem pensa que tudo depende de seus cálculos, de suas trinta moedas, de suas traições, mas na realidade Jesus mostra que tem nas mãos o que está acontecendo firmemente.
Jesus, entretanto, tem tudo em suas mãos de uma maneira radicalmente diferente do que os homens pensam que têm. Ele não precisa de traição, ele não precisa de somas de dinheiro, ele não está interessado em jogos de poder. Ele tem tudo firmemente em suas mãos, não porque ele tenha calculado tudo, mas porque ele amou e amou até o fim.

Preparativos para a páscoa

Ele "quer fazer a Páscoa conosco" (v. 18), e tudo é feito como ele desejou. É por isso que os eventos que celebraremos nos próximos dias podem ser eventos de salvação, porque são eventos de gratuidade e não de cálculo, eventos de amor e não de ódio, eventos de doação e não de traição.

O verdadeiro protagonista da entrega

Na última parte da passagem (vv. 20-25) os dois "preparativos para a Páscoa", o humano e o divino, estão reunidos na Última Ceia. Neste encontro, a ilusão do homem é desmascarada, e o verbo παραδίδω (paradidomi) – "entregar" – retorna mais quatro vezes para enfatizar quem é de fato o verdadeiro protagonista da entrega.

Cada um dos discípulos antes da revelação da traição pergunta: "Serei eu, Senhor?" (v. 22). Sim, porque cada discípulo traz dentro de si seus cálculos humanos, suas traições, a convicção de que ele pode se libertar de Deus com trinta denários. Aqui surge outro aspecto do senhorio de Deus sobre os acontecimentos da Páscoa: "O Filho do Homem vai embora, como está escrito dele" (v.24).

Nas mãos dos homens?

Aqui está outra bofetada no rosto daqueles que calculam tudo: o Filho do Homem não vai segundo os planos humanos, o Filho do Homem vai "como está escrito", ele vai "segundo as escrituras". De fato, não está nas mãos dos homens.

Dom Cristiano Sousa OSB Cam
Mosteiro da Santa Cruz de Fonte Avellana Italia
Mateus 26, 14-25


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/liturgia/tempo-liturgico/semana-santa/nao-esta-nas-maos-dos-homens/


3 de abril de 2023

O Mistério da Paixão do Senhor


Com o Domingo de Ramos e a Paixão do Senhor, entramos num tempo particular daquele itinerário que começou com a Quarta-feira de Cinzas: a Semana Santa. Neste domingo, a liturgia nos apresenta a Narração da Paixão do Senhor. No Ano A, lemos a Narração de acordo com Mateus. A Paixão do Senhor será proclamada novamente na Sexta-feira Santa, seguindo o Evangelho de João. Este Domingo cria com o Domingo de Páscoa um anúncio completo da Páscoa, com a narração da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor. O mesmo Anúncio Pascal é retomado, seguindo uma lógica diferente, no Tríduo Santo.

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Além da Paixão do Senhor segundo Mateus, a liturgia deste domingo lê todos os anos o terceiro cântico do Servo do Senhor retirado do Livro de Isaías. O Hino Cristológico da Carta aos Filipenses (2ª leitura) completam as leituras. São duas leituras que nos guiam na leitura dos fatos da Paixão, fazendo emergir mais claramente o sentido teológico e cristológico.

 

Mergulhados no mistério da Paixão do Senhor

As histórias da Paixão são certamente muito ricas e é difícil resumir sua mensagem em poucas linhas. Além disso, cada evangelista faz seus próprios acentos. Portanto, concentremo-nos unicamente em alguns dos aspectos mais significativos do Evangelho de Mateus que caracteriza o ano A. Um aspecto importante da Paixão por Mateus é o fato de Jesus ser apresentado desde o início como «o Senhor do evento» (cf. U. Luz). Já se observa no início da história: 

"Depois de todos estes discursos, Jesus disse aos seus discípulos: 'Sabeis que em dois dias é Páscoa e que o Filho do Homem será entregue para ser crucificado'". (Mt 26,1-2).

 O texto diz que tudo está firmemente nas mãos de Jesus: a sua vida não lhe é tirada, mas é Ele quem a dá. Tudo concretamente, então, parece estar nas mãos dos homens, mas Mateus, no início, nos revela quem é o verdadeiro «Senhor» do que acontece. Nos versos seguintes, entram em jogo os outros personagens da paixão, os líderes religiosos e políticos do povo:

"Depois os sumos sacerdotes e os anciãos do povo reuniram-se no palácio do sumo sacerdote, que se chamava Caifás, e aconselharam-se a prender Jesus com um engano e fazê-lo morrer" (Mt 26,3-5). No entanto, aqui também Mateus faz uma nota irônica e afirma: "Mas eles disseram: 'Não durante a festa, porque os tumultos não ocorrem entre o povo'" (Mt 26:5).

Eles acreditam que têm tudo em suas mãos, mas tudo acontecerá bem durante a festa, justamente quando eles excluíram que isso deveria acontecer.

Judas e a culpa

Nas mãos desses homens, de acordo com a história, há um instrumento: Judas. Para Mateus, Judas torna-se «testemunha da inocência de Jesus» (cf. U. Luz), precisamente contra os próprios dirigentes do povo. Ele jogando as moedas no templo não quer nada com a morte de Jesus. Ele comete suicídio porque não pode aceitar a consequência de sua ação, do que aconteceu.

Na condenação e morte de Jesus, chega-se a conclusão que a «justiça», anunciada em Mateus 3,15, era vontade de Deus, cumprimento da Torá, que Jesus não veio para abolir, mas para confirmar. Diante de uma justiça humana corrupta e injusta, encontra-se o verdadeiro juiz que realiza toda a justiça. Em Mateus 26,59, procuram-se falsas testemunhas! Mesmo o julgamento diante de Pilatos é uma farsa e o governador dos romanos se curva aos costumes do lugar e liberta Barrabás. Pilatos lava as mãos, não quer nada com a morte de Jesus. Em todos esses fatos, mesmo no próprio Judas, que somos sempre levados a crer na figura mais negativa da paixão, Jesus é proclamado como o Justo injustamente perseguido e condenado.

O julgamento do mundo

Mesmo nas convulsões cósmicas que acompanham a morte de Jesus, você pode ver uma cena de julgamento. Quando os homens parecem «julgar», na realidade a morte de Jesus é o verdadeiro «julgamento» do mundo, é aquele homem que não se salva, que realiza o julgamento do mundo, que o homem «julgou» injustamente, se torna o elemento de julgamento do mundo. Diante dele, ninguém pode permanecer indiferente. Esse acontecimento mina a nossa justiça e mostra-nos a face plena daquela «maior justiça» de que se falava no Sermão da montanha. Essa «maior justiça», tem seu parâmetro na morte daquele que não se salva e se torna salvação para todos. Não descendo da cruz ele faz toda justiça.

Um sonho negado

Um detalhe interessante da Paixão, segundo Mateus, envolve um personagem estranho que não encontramos nos outros Evangelhos, a esposa de Pilatos. Ela enviou uma mensagem muito obscura ao marido durante o julgamento de Jesus: «Não trateis dessa pessoa justa, porque, hoje, em sonho, fiquei muito transtornado por causa dele» (Mt 27,19).

No Evangelho de Mateus, já encontramos sonhos, no início da história: Jesus de José e o sonho dos Magos nas histórias de infância dos primeiros capítulos. Lá eles foram «ouvidos» sonhos, que mantêm a história acontecendo. José, ouvindo os sonhos, que representam a Palavra de Deus e sua vontade, faz a história continuar, mesmo quando parecia ser sem saída.

Da mesma forma, os Magos permitem que a história continue porque eles ouvem um sonho. Aqui, em vez disso, somos confrontados com um sonho «não ouvido», uma palavra não ouvida e obedecida. 

É como se Mateus quisesse nos dizer que a Paixão de Jesus é um sonho inédito, um sonho negado. A Paixão de Jesus, que hoje continua na história da humanidade e nas muitas «paixões» que atravessam a vida dos homens, é fruto do fracasso na escuta dos sonhos, da Palavra de Deus, do sonho de Deus. Será a fidelidade de Deus vencer, na ressurreição, a surdez dos homens antes do seu sonho, que no seu Filho se revelou.

O rosto de Deus

A Paixão de Jesus coloca em cena muitos atores que giram em torno de Jesus. Através deles, nos é mostrada a necessidade de entrar em contato com este evento. A necessidade de nos deixar «julgar». Aqui se revela o rosto de Jesus, o rosto de Deus e o rosto da Igreja. O rosto dos discípulos de Jesus chamados (cf. discurso missionário e eclesial do Evangelho de Mateus) a tornar-se «continuadores» da obra e da missão de Jesus depois da sua Páscoa. Mas essa natureza contínua de seu trabalho também inclui a paixão como um elemento essencial. Com o mesmo espírito de Jesus: não uma realidade sofrida, mas escolhida; não uma vida dilacerada, mas dada. Essas são apenas algumas pistas para nos colocarmos nestes dias «decisivos» antes da paixão de Jesus. Preparemo-nos para chegar à brilhante manhã da Páscoa.

Cristiano Sousa OSB Cam

 

Citações:

Is 50,4-7

Sal 21

Fil 2,6-11

Mt 26,14- 27,66


Vangelo di Matteo – SET  Ulrich Luz
Comentário Paideia / Editore Claudiana


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/liturgia/tempo-liturgico/semana-santa/o-misterio-da-paixao-do-senhor/


31 de março de 2023

Qual é o nosso compromisso de caridade quaresmal?


Já demos início à Quaresma deste ano e, com ela, trazemos explicitamente o nosso desejo de mudança interior e de conversão. Para muitos, é tempo de grandes propósitos, de muita ação em favor dos mais necessitados, de acentuadas mortificações que fazem notar a sede que a alma tem de uma radical mudança. Para outros, no entanto, é um momento favorável para fazer pouco e se destacar de tudo o que é grande, de se dedicar ao mínimo, e o essencial é buscar colher com profundidade os frutos dessa escolha. Claramente, o fazer pouco aqui não quer dizer mesquinhez, mas percepção de que é preciso desacelerar para contemplar o que nos passa diante e não vemos. Cada um de nós delineamos um projeto pessoal para a Quaresma, em vista de uma meta a ser alcançada e, independente do quanto audaz este seja, o importante é percorrer o caminho quaresmal com empenho e um bom toque de zelo. 

O evangelista Matheus que, escrevendo ao seu povo hebraico, também nos introduz à lógica da vida eterna. Depois de ter escrito o discurso de Jesus sobre a vinda do Filho do homem e ter convidado à vigilância, transcreve as parábolas de Nosso Senhor sobre o reino e nos presenteia uma síntese de doutrina do evangelho em vista do último juízo. 

Quaresma, tempo de caridade

"Disse Jesus aos seus discípulos: 'Quando o Filho do Homem vier em sua glória, acompanhado de todos os anjos, então se assentará em seu trono glorioso. Todos os povos da terra serão reunidos diante dele, e ele separará uns dos outros, assim como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. E colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda. Então, o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: 'Vinde benditos de meu Pai! Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo! Pois eu estava com fome e me destes de comer; eu estava com sede e me destes de beber; eu era estrangeiro e me recebestes em casa; eu estava nu e me vestistes; eu estava doente e cuidastes de mim; eu estava na prisão e fostes me visitar'. Então os justos lhe perguntarão: 'Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? Com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos como estrangeiro e te recebemos em casa, e sem roupa e te vestimos? Quando foi que te vimos doente ou preso, e fomos te visitar?' Então o Rei lhes responderá: 'Em verdade eu vos digo, que todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes!" (Mateus 25,31-40).

Reflitamos um pouco sobre alguns aspectos importantes deste texto em vista do nosso compromisso de caridade neste tempo da Quaresma. Não é difícil perceber que a expressão Filho do homem se refere ao Messias que voltará e que já os judeus esperavam com tanto ardor. Ele seria para eles aquele libertador político feroz que emanciparia o povo que por séculos foi oprimido por outras nações e portaria a Israel o cumprimento de toda promessa. Então, um messias pobre, desvinculado da fama, indagador sobre o modo de se viver os preceitos e que, ao invés de optar pelos ricos e doutos, preferiu os pobres e frágeis, não era a figura ideal e esperada. Do Cristo se esperava glória e potência, que fosse o Senhor da causa de um povo que bramava também por revanche. Para a decepção de muitos e incompreensão de outros tantos, foi tudo ao contrário. Este também é o nosso drama quando de Deus esperamos que corresponda ao nosso projeto de divindade e o vemos muito mais como o Senhor "resolvedor" dos problemas. Cá entre nós, quantas pessoas já vimos ir embora por que não ficaram satisfeitas com o modo de Deus de ser Deus? Não existem dois projetos divinos nem um modo contrastante de Deus se apresentar. O projeto é único, feito para aqueles aos quais o reino é preparado: para mim e para você.  "Vinde, benditos de meu pai!".

Deus está onde estão os seus filhos

Já sabemos que o Messias não veio aos moldes que muitos israelitas esperavam. O que dizer então se Deus se decidiu se manifestar no faminto, no sedento, no estrangeiro, no pobre, no doente, no aprisionado? Nada a dizer senão que, se é assim, a nossa opção pelos mais frágeis deve ser ainda mais concreta e talvez racional.

Perdoem-me mais uma referência ao mundo hebraico, mas para os judeus, ainda hoje, a esmola (Tzedaka) é uma questão de justiça e não uma oferta voluntária que exprime a generosidade em relação a alguém. É uma obrigação que independe do nosso sentir e que me vincula mesmo que eu não tenho quase nada a dar. Isso é louvável e me faz pensar que também nós, no nosso compromisso de caridade quaresmal, não devemos esperar o sentir compaixão por alguém para poder ajudá-lo! Diante de nós sempre tem um mais faminto, um mais sedento, um mais doente e aprisionado do que eu. Talvez, ele não esteja abandonado na rua da nossa casa, mas esteja dentro dela, da nossa comunidade ou do nosso trabalho. Nosso Deus está ali, aliás, Ele está lá onde estão seus filhos e, por isso, "todo lugar é lugar e todo tempo é tempo" para estar com Cristo. 

 

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Escrevendo este breve artigo para esta Quaresma, decidi ir até a biblioteca no setor de teologia para pegar um livro. E, chegando lá, logo encontrei uma mensagem de um jovem que, desiludido com toda a imagem que se tinha feito de Deus, escreveu: "Deus deixou de acreditar. Deixou de ajudar as promessas dos políticos e mudou de número telefônico, assim não mais podemos deixar para Ele as nossas barulhentas orações, mas somente as silenciosas na sua secretaria eletrônica. Ele não morreu por nós, somos nós que morremos por Ele". Não posso conhecer a pessoa que escreveu esse texto, mas a imagino como alguém inteligente, de vigor e com muito desejo de viver, mas que provavelmente não consegue encontrar respostas aos seus questionamentos. Talvez, ele ou ela não saiba mesmo que não temos resposta para todos eles e que a lógica de Deus não é a que aprendemos na escola. Ela, às vezes, revira tudo o que considerávamos certo e coeso, nos desveste de nós, da nossa pretensão de saber e nos reveste de uma sabedoria que nos alimenta profundamente. 

Caro irmão e irmã, que não sejamos nós a não permitir que o nosso próximo sacie a sua sede e fome de Cristo, da verdade, da água e do pão. Que não sejamos nós a aprisionar e a deixar morrer a alma doente. Que a nossa Quaresma seja regada por um desejo vivo e concreto de amar o próximo e de por ele se entregar. Nos comprometamos a permitir que o outro veja o Cristo ressuscitado em nós e que também nós saibamos ver o Cristo crucificado e sedento no nosso próximo. 

Um abraço e boa Quaresma!

 

 Seminarista Hugo Mota


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/liturgia/tempo-liturgico/quaresma/qual-e-o-nosso-compromisso-de-caridade-quaresmal/


27 de março de 2023

Encontre, na humildade, o começo da tua cura e libertação!


Jesus sabe o que está dizendo. Quando Ele dá este conselho a você, certamente não está jogando "palavras ao vento". Humildade! Quantos personagens da Bíblia puderam encontrar o verdadeiro sentido da vida apenas após abraçar este conselho!

O humilde é aquele que sabe quem é. Quem sabe quem é não consegue ser orgulhoso. O orgulho ou soberba é a matriz de todos os outros defeitos. O orgulhoso é uma pessoa cega em relação à sua própria verdade, à sua própria identidade. Porque todo aquele que consegue estar diante de si próprio, nu e cru, tal qual nos vê o Eterno, não consegue sentir-se "superior", rejeita a presunção de ser o que não é! O conhecimento de si só pode brotar num coração humilde. Deus resiste ao soberbo (1Pd 5,5). A verdadeira maturidade espiritual brota de um coração humilde. A decisão de ser humilde ainda não é humildade até que a pessoa se coloque a caminho pela estrada do arrependimento sincero, levantando-se toda vez que cair e reconhecendo que só o Senhor pode realizar a obra nova com que tanto sonhamos.

Crédito: AnnaNahabed by GettyImages/cancaonova.com

A humildade é também uma virtude indispensável, pois protege da vaidade que fecha o acesso à verdade.

A humildade de alma gera também uma grande liberdade. Finalmente, nos desprendemos do maligno fardo que é a "opinião alheia" e nos agarramos às asas libertadoras da "opinião divina". "Porque é sobre o humilde que Deus derrama a sua graça! É para o humilde de coração que Ele olha!". Como disse também Nossa Senhora: "Olhou para a humildade de sua serva!" (Lc 1,48). É preciso trilhar o caminho da humildade através do caminho do arrependimento.

A Igreja nos apresenta um momento muito especial para exercitar a humildade. Esse momento é um diálogo sincero com Jesus. É a oportunidade de permitir que o "Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo", cumpra essa missão no "meu mundo pessoal". Trata-se do Sacramento da Reconciliação, a confissão! Não vou prolongar o assunto tratando dos efeitos extraordinários da confissão como o alívio psicológico e cura interior. Quero dar ênfase ao fato de que o efeito libertador da confissão pressupõe que eu me confesse do jeito certo! Uma boa confissão exige um arrependimento sincero!


"Do desejo de ser conhecido, livrai-me, ó Jesus."

Não se aflija. A humildade não se trata apenas de uma necessidade pessoal. É também vontade de Jesus que sejamos assim. Em toda a sua vida, Ele não pediu que o imitássemos em outra coisa. Poderia ter pedido: "Aprendei de mim que sou bom pregador, taumaturgo e líder". Não! A recomendação, única neste gênero em todo o Evangelho, afirma: "Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração!". Se Jesus nos receitou a humildade, é porque Ele sabe que sem isso jamais seremos curados.

Padre Delton Alves de Oliveira Filho – Trecho retirado do livro: Sete conselhos do coração de Jesus


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/vida-de-oracao/encontre-na-humildade-o-comeco-da-tua-cura-e-libertacao/


24 de março de 2023

Você sabe qual a relação entre São José e a Providência de Deus?


Apesar das incoerências e fragilidades presentes no interior dos homens, o universo criado por Deus não está à própria sorte ou ao acaso. Deus tem seus meios, seus recursos amorosos e providentes.

comshalom

Para entendermos por que a tradição cristã da Igreja vê José, esposo de Maria, como um instrumento da Providência Divina, precisamos entender o sentido bíblico e teológico de providência. A Providência Divina é o meio ou recurso escolhido por Deus para governar, gerir, administrar as coisas que Ele mesmo criou, em favor de nós, seus filhos. Crer na Providência Divina significa afirmar, declarar que Deus tem o controle completo sobre todas as coisas.

"Ao Senhor pertence a terra e o que ela encerra, o mundo inteiro com os seres que o povoam; porque ele a tornou firme sobre os mares, e sobre as águas a mantém inabalável" (Sl 24)

Apesar das incoerências e fragilidades presentes no interior dos homens, o universo criado por Deus não está à própria sorte ou ao acaso. Deus tem seus meios, seus recursos amorosos e providentes. Muitas vezes, o que impede a boa efetivação desses projetos divinos é a liberdade corrompida de muitos de seus filhos, que ainda manchada e influenciada por resquícios do pecado original, não abrem espaços para Deus agir. Alguém então poderia se preguntar: Deus não é Deus? Por que então Ele não age mesmo sem o apoio e adesão humana? A resposta é simples, Deus não quer escravos, quer filhos que o amem e o obedeçam com liberdade, administrando com amor e criatividade os dons dados por Ele. 

São José é um grande modelo de alguém muito competente, a quem Deus confiou a administração de dois grandes tesouros, o primeiro: A Virgem Maria, aquela Cheia de graça, escolhida por Deus, para receber e gerar no próprio corpo, e o principal tesouro: Seu Filho Divino, nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. 

Fico às vezes a pensar e a refletir sobre o episódio do assassinato dos inocentes por ordem de Herodes (Cf.Mt:2,16-17). Quão grande foi a tensão, a preocupação, a criatividade e a coragem que o pequeno gigante São José precisou ter. Ele mesmo, se pudesse pessoalmente testemunhar nesse texto um pouco do que viveu, provavelmente iria às lágrimas e, ao mesmo tempo, expressaria seu louvor e gratidão ao Criador. O homem a quem Deus confiou o cuidado de Maria, a mulher cheia de graça, e a proteção de Seu Filho Jesus, nosso Salvador e Senhor, o Deus feito carne, sem dúvida, merece o meu e o seu respeito. Mais do que respeito, gratidão!

Termine comigo, como nos meus textos anteriores fazendo essa linda oração:

Ó Glorioso São José, vós que fostes escolhidos para ser o pai adotivo de Jesus e fostes instrumento da providência divina na família de Nazaré, nós vos pedimos, auxiliai e socorrei a Comunidade Católica Shalom, para que nunca nos faltem os meios materiais necessários para cumprirmos os desígnios de Deus a nosso respeito. Aumentai a nossa fé e a nossa generosidade para que, por meio da nossa fidelidade à Comunhão de Bens, possamos cumprir a nossa missão de anunciar com ousadia a Jesus Cristo, Nosso Senhor. Amém.


Fonte: https://comshalom.org/voce-sabe-qual-a-relacao-entre-sao-jose-e-a-providencia-de-deus/