17 de junho de 2022

Em Deus, aprenda a viver a verdadeira fé e conversão


A palavra fé vem do grego "pisteuo", que significa crer, prestar adesão a alguém. Deus comunica o Seu amor aos homens e espera uma resposta concreta para a realização de Suas obras. A fé é a resposta do homem ao Deus que se revela. Essa comunhão é confirmada quando a inteligência e a vontade do homem são submetidas completamente a Deus.

Em obediência à Palavra de Deus, o homem livremente inicia a vida de fé quando abre os olhos para a verdade e assume a graça de participar e optar definitivamente pelo plano de salvação.

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Foto Ilustrativa: doidam10 by GettyImages

Devemos ter fé e crer em Deus Pai todo poderoso

"De fato, é pela Sua graça que fostes salvos, mediante a fé, e isto não procede de vós: é dom de Deus" (Ef 2,8).

A virtude sobrenatural da fé é cultivada pela caridade (Cf II Ts 1,3). O amor é a única condição que intensifica o progresso na comunhão da fé autêntica, e das obras de misericórdia (Cf Tg 2, 14-23).

Fé é crer sempre em Deus

Fé não significa apenas acreditar na existência de Deus. "Crês que há um só Deus. Fazes bem. Também os demônios creem e tremem" (Tg 2,19).

As palavras afirmadas devem seguir as exigências estabelecidas pelos ensinamentos de Jesus. Fé é uma afirmação que nos leva à missão de percorrer o caminho da Ressurreição, para encontrarmos a vida nova em Nosso Senhor Jesus Cristo.

A raiz da não está firmada nos sentimentos; nenhuma situação ou acontecimento pode alterar o verdadeiro sentido dessa certeza manifestada pela glória de Deus (Cf Jo 11,40).

"Fé é o fundamento da esperança, é uma certeza a respeito do que não se vê" (Heb 11,1). É a posse antecipada do que se espera, é uma demonstração da realidade ainda não acontecida. Fé é o caminho da entrega e do abandono; é como atravessar um túnel, embora tudo pareça escuro, temos a certeza de encontrar a luz no final.

Como opção definitiva, a fé exige perseverança e fidelidade: "Combate o bom combate, com fé e boa consciência; pois alguns, rejeitando a boa consciência, vieram naufragar na fé" (I Tim 1,18-19). "Mas, quando vier o Filho do homem, achará sobre a terra?" (Luc 18,8).


Viva a conversão

A conversão parte da fé: "Crede em Jesus, arrependei-vos de vossos pecados e então podereis viver a vida do Filho de Deus ressuscitado" (Ato 2,38).

Conversão é a escolha radical; é a opção determinada pela causa do Reino de Deus. Essa transformação acontece quando: o arrependimento leva a pessoa a renunciar ao pecado, em busca de uma vida nova.

Jesus quer salvar e nos conduzir ao Pai e aceitar Jesus implica em uma mudança de valores, de atitudes e de vida. A experiência com Deus é a causa principal para que aconteça a confirmação da mudança de vida. A conversão de Santo Agostinho é um exemplo marcante na história do mundo, mesmo tarde, não deixou de amar a Deus, renunciou ao pecado para buscar definitivamente o caminho da santidade.

A conversão de Saulo, também, é outro sinal da misericórdia de Deus. Depois de tanto perseguir os cristãos, durante uma viagem a Damasco, Jesus o faz reconhecer seu erro, com a pergunta: "Saulo, Saulo, por que me persegues?" (Cf At 9,1-9). Saulo coloca-se diante do Senhor sem resistir ao Seu chamado e cumpre fielmente a sua missão de servir a Igreja.

Não basta viver a conversão por tempo determinado. Quando conhecemos a verdade, devemos ser fiéis no compromisso com Deus. Nossa resposta deve ser uma só: "Dizei somente sim se é sim; não se é não" (Mt 5,37). Perseveremos diante das dificuldades na caminhada; renunciemos ao pecado e deixemos o Senhor nos modelar para sermos transformados em criaturas novas.

Ir Fabiana Souza Duca de Aguiar
Carmelita Mensageira do Espírito Santo


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/vida-de-oracao/em-deus-aprenda-a-viver-a-verdadeira-fe-e-conversao/


15 de junho de 2022

Como devo reagir à oração não respondida?


Orar é dialogar com Deus. Na intimidade da oração, o coração rasga o véu do medo e abandona-se nas mãos do Pai. Diante das demandas da vida, muitas são as coisas a serem apresentadas. Muitos outros tantos são as necessidades que afligem a alma e roubam a paz. Contudo, nem sempre nossos pedidos são atendidos. Diante dessa realidade, uma pergunta ecoa no coração: como o cristão deve reagir à oração não respondida?

Os pais sabem muito bem que nem todos os pedidos de seus filhos podem ser atendidos. Muitos são os motivos que estão por trás de um desejo não realizado. Talvez, a criança precise crescer um pouco mais para que tal necessidade seja atendida; ou ainda, tal pedido possa ser perigoso e colocar em risco a vida dela. Muitos pais sabem que alguns pedidos que seus filhos lhes fazem é apenas capricho disfarçado de necessidade extrema.

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Foto Ilustrativa: PeopleImages by Getty Images

Deus é Pai e sabe que nem todos os nossos pedidos poderiam ser atendidos no tempo e na ocasião que desejamos. Por amor, Ele intervêm diante de nossas necessidades e concede-nos apenas aquilo de que precisamos. Alguns pedidos dirigidos a Deus visam apenas preencher nosso ego, mas maquiamos a realidade de tal maneira que parece uma necessidade urgente.

O que você tem pedido?

Vivemos tempos em que nos desacostumamos a viver com o essencial, e essa realidade, muitas vezes, é refletida em nossa vida de oração. Muitos não suportam mais viver com o essencial e precisam do periférico. Se não adquirirmos a sabedoria divina, vamos, a cada nova oração, disfarçar o periférico de essencial.


Mesmo que algum pedido não tenha sido atendido, não desanimemos. O Senhor responde todas as nossas orações, mesmo que a resposta seja 'não'. Talvez o fato de não termos recebido a graça hoje seja pelo fato de que Deus esteja preparando o melhor para o futuro. Renovemos nossa confiança no Senhor e busquemos o essencial. Tenhamos a coragem de olhar para as nossas necessidades espirituais e humanas e ver se não estamos nos comportando como crianças mimadas, que de tudo tem necessidade, mas lhe falta maturidade suficiente para discernir a realidade das intenções.

Oração:

"Divino Espírito, que com sua luz de amor concedei a sabedoria necessária aos corações vacilantes, concedei-me a graça da sabedoria diante das necessidades, e que minha oração, elevada ao Pai, seja sempre guiada por aquilo que realmente necessito. Afastai-me do desejo desenfreado de satisfazer meus caprichos pessoais e ajudai-me a buscar na força da oração o essencial na vida. Amém!"



Padre Flávio Sobreiro

Bacharel em Filosofia pela PUCCAMP e Teólogo pela Faculdade Católica de Pouso Alegre (MG), padre Flávio Sobreiro é pároco da Paróquia São José, em Toledo (MG), e padre da Arquidiocese de Pouso Alegre (MG). É autor de livros publicados pela Editora Canção Nova, além disso, desde 2011,  é colunista do Portal Canção Nova. Para saber mais sobre o sacerdote e acompanhar outras reflexões, acesse: @peflaviosobreirodacosta.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/vida-de-oracao/como-devo-reagir-oracao-nao-respondida/


13 de junho de 2022

Namorar sempre é a solução?


Nem sempre o namoro é a solução e, se não estivermos preparados para vivê-lo, pode até tornar-se negativo. Todos nós temos a necessidade de sermos amados. São muitas as pessoas que, com o intuito de corresponder a essa carência, pagam caro e se submetem às diversas situações.

Todos nós somos carentes, mas, se essa carência afetiva não for bem direcionada, poderá tornar-se um fator de desequilíbrio, arrastando-nos, muitas vezes, a tomar atitudes contrárias a um sadio comportamento.

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Foto Ilustrativa: NiseriN by Getty Images

Em uma sociedade em que as famílias são cada vez mais desestruturadas, "com mães e pais solteiros; e filhos órfãos de pais vivos", o índice de ausência de amor na formação de nossas crianças é assustador.

Namorar não pode ser uma fuga

Uma criança que nunca recebeu um abraço de seus pais, que nunca recebeu carinho, ao contrário disso, foi criada em meio aos gritos e às grosserias, com certeza, crescerá com um enorme vazio existencial. Muitas dessas crianças, hoje já crescidas e impulsionadas por suas carências, cometem grandes erros — somente para atrair sobre si a atenção dos demais.

Por isso, acredito que, antes de viver qualquer relacionamento afetivo, como o namoro, precisamos aprender a trabalhar a nossa história, buscando a cura de nossos afetos. É claro que não precisamos ser perfeitos para namorar, mas existem coisas em nossa vida que precisamos resolver, antes de assumir um relacionamento.

Carência com carência gera desequilíbrio

Carência com carência só pode gerar desequilíbrio e um relacionamento doentio, no qual a cobrança será excessiva e a ternura ausente. De tal modo, um sufocará o outro e a relação acabará se tornando um peso.

Existem determinadas coisas em nossa história que somente Deus pode curar; outras, somente nós podemos resolvê-las. Por isso, faz-se necessária a experiência do autoconhecimento, para descobrirmos a nossa verdade e os passos que precisamos dar, buscando a experiência da cura interior, de modo que Deus possa trabalhar em nossa história, curando as nossas feridas e marcas. Essas experiências precisam preceder os nossos relacionamentos, para que os ciúmes, o orgulho e as nossas carências não destruam o verdadeiro afeto no relacionamento.

Namorar é bom, ou melhor, é ótimo! Porém, melhor ainda é namorar pronto, do jeito certo, tendo equilíbrio no amar e ser amado, compreendendo que somente Deus pode preencher o vazio da alma, e esse espaço o outro não pode ocupar, por mais que o forcemos a isso.


Não se deixe levar pela pressa

Amor em que um diviniza o outro e, depois, o prende, é amor destemperado e doente. Antes de se viver o "nós", é preciso trabalhar o "eu", para que, no futuro, nossos relacionamentos tenham mais qualidade e sejam mais duradouros.

Quem não se deixa levar pela pressa, mas segue o caminho proposto por Deus, colherá maravilhosos frutos e alcançará gradativamente a felicidade em seus relacionamentos.

Tenhamos a coragem de realizar tudo do jeito de Deus e não do nosso, abrindo-nos à Sua ação libertadora em nossa vida. Somente assim poderemos acompanhar e sermos melhores acompanhados pelos demais.


 


Padre Adriano Zandoná

Padre Adriano Zandoná é missionário da Comunidade Canção Nova. Formado em Filosofia e Teologia, tem seis livros publicados: Construindo a Felicidade, Curar-se para ser Feliz, Conquistando a Liberdade Interior, 7 Passos para Restaurar sua Família, A Cura da Alma Feminina e Como Controlar e Vencer a Ansiedade. Dois quais 2 foram traduzidos para o inglês. Gravou quatro CDs pela Gravadora Canção Nova. Apresenta o programa Para ser Feliz ao vivo pela TV Canção Nova (em rede nacional), todas as terças às 20h. É membro da Direção Artística da TV Canção Nova, em Cachoeira Paulista.

Twitter: @peadrianozcn
Facebook: PadreAdrianoZandonaOficial
Instagram: @padreadrianozandona


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/relacionamento/namoro/namorar-sempre-e-a-solucao/


10 de junho de 2022

Edith Stein, tradutora de Newman


Em 1923, Edith conhece o padre jesuíta Erich Przywara, editor e responsável pela divulgação da obra do Cardeal Newman – bispo anglicano, que se converteu ao catolicismo. Przywara convidou Edith para traduzir algumas obras do cardeal Newman, e ela ficou muito feliz, pois lhe possibilitou penetrar mais profundamente no pensamento de Newman, assim como na doutrina católica.

Edith foi aprofundando a fé dela e se assegurando cada vez mais de sua decisão de se fazer batizar na Igreja católica, vista pelos protestantes como dogmática e distante da liberdade intelectual. A tradução das obras de Newman – A Ideia de Universidade e Cartas e escritos anteriores à conversão dele – ajudou a Edith, que nesse período estava provavelmente buscando operar uma síntese entre a sua formação intelectual fenomenológica e a sua vivência da fé cristã católica.

Edith Stein, tradutora de Newman

Edith escreve ao seu amigo Roman Ingarden, em 19 de junho de 1924, sobre a alegria dela em traduzir e ficar mais próxima "de um espírito como Newman", pois a vida inteira dele "consistiu numa busca da verdade religiosa, e o conduziu inevitavelmente à Igreja católica". Logo em seguida, nesta mesma carta, Edith chama a atenção de seu amigo Ingarden, pois, em uma carta anterior, ele lhe havia escrito que não entendia a conversão de Edith ao catolicismo, pois esse lhe parecia um "aparato dogmático inventado para domínio das massas".

Quais eram os questionamentos de Edith Stein

Argumentando com muita liberdade, Edith lhe questiona a atitude ambígua dele: como fenomenólogo, Ingarden reivindica uma objetividade rigorosa, não emite nenhum juízo sobre qualquer questão filosófica sem uma cuidadosa investigação, mas quando se refere à religião católica, a critica e a condena sem nunca ter se empenhado em estudar, ao menos nas aulas de religião na escola, sobre os seus dogmas, fundamentos teológicos e desenvolvimento histórico. Edith acrescenta que essa crítica não se dirige apenas a Ingarden, pois é uma atitude típica de um intelectual que não foi educado na vida eclesial, visto que ela mesma pensava desse modo antes de se converter.

Nesta mesma carta, Edith segue citando homens como Agostinho, Anselmo, Boaventura e Tomás, grandes teólogos da Igreja, que viram nos dogmas "algo maior do que o espírito humano consegue atingir, é o único pelo qual vale a pena oferecer a vida". Coloca-se à disposição do amigo para responder e argumentar quaisquer questões que possam lhe interessar e que sejam apresentadas por ele, de modo imparcial, sobre o tema. Edith finaliza com uma frase que resume a conversão dela, mostrando que não estava fundamentando-se apenas em belas teorias, mas em uma experiência real e verdadeira de vida: "Eu aprendi a amar a vida desde que sei para que vivo" (Carta de 19 de junho de 1924).

Penetrando no pensamento de Santo Tomás de Aquino

O Padre Przywara também era estudioso da obra de Santo Tomás, que despertava muito interesse à época – final do século XIX e início do século XX. O esforço era de tentar compreender o pensamento tomasiano valendo-se dos textos do próprio Tomás e não de manuais empregados para sintetizar e ensinar aos alunos, especialmente religiosos, a filosofia e teologia de Santo Tomás. Essa corrente considerava muito mais proveitoso colocar Tomás e a filosofia tradicional católica em diálogo com a filosofia moderna, buscando nas obras dele argumentos válidos para responder aos problemas filosóficos que estavam surgindo naquele tempo, do que tentar voltar a um passado e a uma visão de mundo que o próprio Tomás não mais reconheceria como sua, caso vivesse no tempo presente.

Przywara exorta Edith Stein a não abandonar os estudos de filosofia, apesar de suas aulas nas dominicanas, e a ocupar-se de um estudo sistemático da obra de Santo Tomás de Aquino, lendo no original em latim – língua que ela dominava perfeitamente. Ele a orienta pessoalmente e sugere que faça a tradução das Quaestiones Disputatae de Veritate (Questões disputadas da verdade). Para conseguir realizar o que lhe havia sido pedido, no semestre de 1925-1926, Edith pede às irmãs dominicanas para reduzir as suas lições a apenas 10 horas por semana, com o intuito de se dedicar mais ao estudo de Santo Tomás. Elas compreendem e prontamente aceitam.

Além de seus estudos sobre Tomás e suas aulas na escola das dominicanas, Edith não deixa de se dedicar à questão da educação, especialmente das moças, e não recusa os inúmeros convites que lhe serão feitos para dar conferências sobre o tema da formação e da educação, na Alemanha e em outros países próximos, tais como Áustria e Suíça.

Beuron – antessala do céu

Em setembro de 1927, faleceu o Padre Joseph Schwind, grande amigo e diretor espiritual de Edith. Ela sofre muito com essa perda, mas a vida de fé de Edith, permite a ela olhar mais além e a ter a certeza de que Deus lhe ajudará a superar tal sofrimento. Edith é convidada a escrever sobre o seu diretor e amigo, então, descreve o modo como ele conduzia a sua direção espiritual: "Sua direção era calma, acertada e refletida, fundada sobre um grande conhecimento dos seres humanos e a longa experiência na direção das almas e, ao mesmo tempo, acompanhada de um santo respeito pela ação de Deus na alma".

Em janeiro de 1928, ao encontrar-se com o Padre Przywara, ele lhe aconselha a conhecer o jovem abade polonês da abadia beneditina de Beuron, Dom Raphaël Walzer (1888-1966). Na Semana Santa do mesmo ano, ela consegue se hospedar em uma casa próxima da abadia e é apresentada a Dom Walzer, que a acompanhará em seu percurso espiritual até a sua entrada no Carmelo. Edith Stein o chama de "meu abade" e sempre recorre a ele em todas as decisões importantes que pensa em tomar.


Muito bonito ver a humildade dessa grande intelectual, que não deseja dar passos falsos na sua vida de fé, apesar de seus grandes conhecimentos, não apenas de filosofia, educação, literatura, mas também de teologia e da doutrina católica. A direção espiritual era algo imprescindível para ela, pois seguia o que havia aprendido de sua Madre, Santa Teresa, que mantinha essa postura com seus confessores e diretores, mesmo quando se sentia incompreendida por eles. O Livro da Vida de Teresa de Jesus está repleto desse tipo de relato.

A partir de 1928 até a sua entrada no Carmelo, em 1933, Edith vai, ao menos uma vez por ano, a Beuron, durante o período de férias escolares da Semana Santa. Ela descreve a abadia beneditina como uma "antessala do céu". Lá ela recebe a direção espiritual e goza de longos tempos de oração e de silêncio, especialmente durante as orações das horas. Aproveita também para trabalhar na tradução do Quaestiones Disputatae de Veritate de Santo Tomás de Aquino.

Diálogo entre Tomás e Husserl – reflexões sobre a fé e a razão

Em 1929, Edith Stein publica um artigo no livro organizado por Heidegger, para a comemoração dos 70 anos de Husserl, intitulado: A fenomenologia de Husserl e a filosofia de Santo Tomás de Aquino – Ensaio de um cotejo. A versão original do texto, em forma de diálogo-peça de teatro, não foi aceita por Heidegger. Edith Stein, com muita liberdade, mas sem perder o rigor científico, achou que seria interessante aplicar seus dons e conhecimentos de poesia e literatura, que cultivava desde a juventude, para imaginar um diálogo fictício entre o seu Mestre de fenomenologia e o grande Mestre da escolástica, Tomás de Aquino. A fenomenologia lhe havia ensinado a olhar sem preconceitos para todos os tipos de conhecimentos, desde que contribuíssem para uma maior aproximação da verdade sobre as coisas, de sua essência, do modo como elas realmente são. Mas seu primeiro texto não foi aceito, então, Heidegger lhe pede para transformar o seu diálogo em um "texto científico".

A obra original, escrita no formato de uma peça de teatro, trata de um diálogo entre Husserl e Santo Tomás. O encontro dos dois acontece na noite do aniversário de 70 anos de Husserl, após a celebração com a família e amigos. Tarde da noite, Husserl deixa a sala de sua casa e se retira para seu escritório, pois se encontra cansado dos eventos sociais do dia. Husserl afirma estar desejoso de "uma verdadeira conversa filosófica", a fim de que seus pensamentos possam "retomar o caminho certo" em sua mente. Neste momento, alguém bate à porta de seu escritório: um frei de hábito branco e capa preta pede perdão por importuná-lo e diz que gostaria muito de falar com ele a sós. Apresenta-se como sendo Tomás de Aquino.

Esse texto de Edith Stein, apesar de não ter sido reconhecido como científico e não ter sido publicado durante a sua vida, ilustra perfeitamente o objetivo que ela passou a percorrer após a sua conversão: colocar a tradição católica em diálogo com a filosofia moderna, de modo que ambas pudessem aprofundar e enriquecer os seus próprios pontos de vista. Esse objetivo será realizado em sua forma mais completa na obra magna de Edith Stein, escrita quando já estava no Carmelo: Ser finito e ser eterno.

Edith buscou aquele tipo de conhecimento que o Papa João Paulo II descreve na introdução de sua encíclica Fides et Ratio, de 1998:

A Fé e a Razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de conhecer a ele, para que, conhecendo-o e amando-o, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio.

Na sequência, veremos Edith nessa sua busca da verdade, amadurecendo cada vez mais o desejo de conhecer e amar a Deus, sentido e fim último de sua existência.

Referências bibliográfica:
1. GOLAY, Didier-Marie, o.c.d. Edith Stein – Devant Dieu pour tous. Paris: Cerf, 2009, p. 127.
2. Esse primeiro texto, em forma de diálogo, é publicado postumamente na Edith Stein Werke, Erkenntnis und Glaube (vol. XV), Freiburg, Basel, Wien: Herder, 1993, p. 19-48. Essas duas versões encontram-se no segundo volume da versão crítica traduzida para o português das Obras completas de Edith Stein. Textos sobre Husserl e Tomás de Aquino. Trad. Enio Paulo Giachini et. al. Revisão da tradução e revisão técnica Juvenal Savian Filho. São Paulo: Paulus, 2019.
3.STEIN, Edith. O que é filosofia? Uma conversa entre Edmund Husserl e Tomás de Aquino. Op. cit., p. 55.
4. Carta Encíclica do Sumo Pontífice João Paulo II, de 14/9/1998.



Maria Cecilia Isatto Parise

Maria Cecilia Isatto Parise. Casada há 30 anos e mãe de dois filhos. Mestra, pesquisadora, professora e conferencista em Edith Stein.
Site: edithstein.com.br
Instagram: Maria Cecilia Isatto Parise
Facebook: Chouette – Filosofia Comentada


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/igreja/santos/edith-stein-tradutora-de-newman/


8 de junho de 2022

Onde está a vontade de Deus?

Muitas vezes, o que mais desejamos na vida é saber saber qual é a vontade de Deus a nosso respeito. Rezamos, ouvimos opiniões, lemos a Bíblia, mas parece que ainda falta alguma coisa para nos dar a certeza do que o Senhor quer para nós. Nestes dias, tive um sonho que me ajudou neste sentido, por isso, o partilho com você: sonhei com um barco em alto-mar, nele estavam dois homens, um remando com grande dificuldade e o outro contemplando-o, serenamente, sentado ao seu lado. Era um cenário bonito, o mar azul, iluminado pelos primeiros raios de sol naquela manhã de primavera, inspirava serenidade e paz. Porém, fiquei incomodada ao ver que um homem fazia tanto esforço ao remar sozinho, e o outro continuava tão descansado ao seu lado. Foi quando Deus me fez compreender que o mesmo nos acontece às vezes.

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Foto Ilustrativa: by Getty Images / fizkes

Compreender é buscar a vontade de Deus

O mar é a liberdade que o Senhor nos concede por amor; o barco é a nossa vida; o homem tentando remar sozinho somos nós que queremos conduzir nossa história com as próprias mãos e outro homem sentado ao lado, a contemplar o esforço do companheiro, é o Senhor que permanece conosco, no entanto, respeita nossa liberdade e espera o momento em que Lhe pedimos ajuda para intervir. Ainda no sonho, em certo momento, aquele homem já cansado, entregava os remos ao companheiro e este, com muita destreza, conduzia a embarcação na rota certa, sem demora. Era como ouvir Deus falar: "Dijanira, é isso que você precisa fazer hoje: entregue o barco da sua vida em minhas mãos, pois Eu sei remar. Estou aqui ao seu lado pronto para ajudá-la. Se continuar insistindo em remar sozinha, vai se cansar e não chegará aonde deseja. Deixe que Eu conduza seu barco, deixe que Eu reme por você. Confie em mim!"

Compreendi que, na busca de discernir a vontade Deus, Ele nos propõe docilidade, confiança e atitude. Pois não podemos dizer que temos fé, se não confiamos; e confiar exige a atitude de deixar Deus "remar" por nós.

Talvez, você me diga: "Já fui tão decepcionado (a). Como posso confiar de novo?". Isso é possível com a graça de Deus! As pessoas nos decepcionam, e é natural que seja assim. Ninguém é perfeito neste mundo e, um dia ou outro, mesmo quem amamos acaba agindo da maneira que não esperávamos, ou seja, nos decepciona. Mas é a atitude de confiar na graça divina que pode agir por intermédio daquela pessoa, que nos impulsiona a continuar acreditando. E com Deus não é diferente, Ele é perfeito, mas, muitas vezes, esperamos d'Ele o que por amor a nós Ele não realiza e isso pode nos decepcionar. Neste caso, precisamos acreditar no amor do Senhor e recomeçar um relacionamento de confiança total n'Ele para chegarmos à meta, que é sempre a felicidade.

Deus sempre intervém quando pedimos

Certamente, essa não é uma tarefa fácil, principalmente por vivermos em uma época como a nossa, na qual se fala tanto sobre segurança e se busca todos os meios para planejar um futuro seguro, então, a proposta de confiar em Deus e deixar que Ele nos conduza parece contraditória. Porém, ouso testemunhar que minha vida é bem mais feliz desde que comecei a viver essa experiência. Claro que é um desafio diário, por vezes, também me sinto fraca na fé e impaciente, mas recomeço com a graça de Deus e tento dar um passo de cada vez no dia a dia e em cada situação.

Lembro-me de um período difícil, no qual eu queria que a minha vontade prevalecesse em um relacionamento, mas mesmo assim, rezava: "Senhor, que seja feita a Tua vontade". E realmente Deus Pai fez a vontade d'Ele porque nada foi como eu desejava. Sofri com a decepção e a perda, mas nunca duvidei da intervenção divina. Hoje, quando me recordo do fato, tenho ainda mais certeza de que o Senhor agiu, e continuo pedindo com confiança: "Senhor, que em tudo seja feita a Tua vontade. Toma o remo e conduz o meu 'barco' no imenso mar do Teu amor. Tu sabes o que é melhor para mim".


Dê o primeiro passo

Talvez, hoje, Deus esteja lhe pedindo a mesma atitude, se for o caso, não tenha medo de dar os passos. Acredito que o primeiro deles é fazer uma revisão de vida e ter a coragem de perguntar: "Isso que tanto busco, insisto e sonho é vontade de Deus ou é apenas a minha vontade?". Um dos sinais para discernir a resposta é perceber os frutos da espera. O que é de Deus traz paz e edifica, mesmo que passe pela cruz. Ao passo que o que é apego humano não produz bons frutos, torna a pessoa amarga, sem brilho, sem vida e sem alegria, além de ansiosa.

Madre Teresa de Calcutá, quando via alguém triste, logo pensava: "O que será que esta pessoa está negando a Deus?". Pois, para ela, a tristeza da alma estava muito ligada ao apego à vontade própria, uma vez que, se estivermos de acordo com Deus, já não haverá motivos para ficarmos contrariados, preocupados ou angustiados, e em tudo o que vier nos acontecer saberemos que existe a permissão divina, portanto, acolheremos com alegria, mesmo que seja difícil.

Não dá mais pra voltar

As pessoas que nos conhecem e nos amam são grandes instrumentos do Senhor para nos ajudar a discernir onde está a vontade d'Ele. Experimente pedir a opinião de quem você confia e sabe que o ama e tenha a coragem de ouvir a resposta. Se for preciso entregar o "barco de sua vida" nas mãos do "Grande Navegador", faça isso ainda hoje. E se prepare para desbravar o alto-mar da vida nova que Deus tem para você.

Estou unida a você!



Dijanira Silva

Missionária da Comunidade Canção Nova, desde 1997, Djanira reside na missão de São Paulo, onde atua nos meios de comunicação. Diariamente, apresenta programas na Rádio América CN.  De segunda a sexta-feira (exceto quinta-feira), está à frente do programa "Florescer", que apresenta às 14h40 na TV Canção Nova. É colunista desde 2000 do portal cancaonova.com. Também é autora de livros publicados pela Editora Canção Nova.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/vida-de-oracao/onde-esta-a-vontade-de-deus/

6 de junho de 2022

Deixar-se transformar por Jesus


De tempos em tempos, precisamos atualizar o sistema operacional do nosso smartphone ou notebook. Este procedimento é importante para que nossos aparelhos não fiquem ultrapassados; assim, conseguimos obter melhores recursos para usá-los. Tudo que fica desatualizado, mais cedo ou mais tarde, precisa ser revisto e melhorado.

Em nossa vida espiritual, também acontece o mesmo processo: é preciso atualizarmos espiritualmente nossa alma para que possamos viver melhor a nossa fé. Essa atualização espiritual é um procedimento constante e ininterrupto. Encontramos, na Eucaristia, a plena atualização de amor que nosso coração necessita para viver com intensidade cada momento da vida.

Deixar-se transformar por Jesus

Foto ilustrativa: Bruno Marques/cancaonova.com

Quais são os meios necessários para eu me deixar transformar por Jesus?

A Eucaristia atualiza a Paixão, a Morte e a Ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso é um privilégio para nós fazermos parte do banquete do Senhor, onde o pão e o vinho, frutos da terra e do trabalho do homem, tornam-se o Corpo e Sangue do Senhor, mistério da nossa fé, onde anunciamos a Morte do Senhor e proclamamos a Sua Ressurreição.

Celebrar a Eucaristia é celebrar o Cristo vivo, presente no meio de nós, que manifesta Sua presença amorosa na comunidade reunida, na Palavra meditada, refletida e partilhada; no pão e no vinho, que se tornam Seu Corpo e Sangue, alimento para nossa vida e cura para nossa alma.

Ao aproximarmo-nos da Eucaristia, aproximamo-nos do próprio Cristo, que se doa, entrega e nos faz pessoas novas em Seu Amor Misericordioso. Ao comungarmos o Corpo e Sangue do Senhor, o próprio Cristo, comprometemo-nos com a construção de um mundo novo, pautado nos princípios evangélicos de um Reino de paz, de justiça e fraternidade.

Todos em Cristo

A Eucaristia transforma o nosso coração para sermos, no mundo, sinais do próprio Cristo. É Cristo em nós para que sejamos Cristo no mundo. Na comunhão eucarística, não comungamos sozinhos, de modo individualista, mas em comunidade. O Jesus que eu recebo é o mesmo que meus irmãos e irmãs também recebem. Cristo em todos, e todos em Cristo. Por isso, a Eucaristia é comunitária, sinal de unidade, amor e participação ativa e consciente no mistério celebrado.


Ser sinal da Eucaristia!

A cada comunhão eucarística, devemos ser, no mundo, pessoas novas em Cristo Jesus. Comungar não é simplesmente uma aventura espiritual isolada, mas sim comunitária. Com toda a assembleia, formamos um único corpo, que tem no Cristo o seu coração.

Diante de tão grande privilégio, sejamos no mundo sinais de Eucaristia: amemos, partilhemos, doemos, levemos uma palavra de esperança, anunciemos o Evangelho com a vida e com palavras.

Comungar o Corpo e o Sangue do Senhor é construir, no hoje da nossa história, céus novos e terras novas, pelos quais esperamos confiantes. Atualizemos em nós o Amor de Cristo.

Para ser Feliz

Permita que Jesus ocupe todos os espaços de sua vida e deixe-se transformar por Seu Amor Misericordioso.

Trecho extraído do livro "Felicidades sem segredos", do padre Flávio Sobreiro



Padre Flávio Sobreiro

Bacharel em Filosofia pela PUCCAMP e Teólogo pela Faculdade Católica de Pouso Alegre (MG), padre Flávio Sobreiro é pároco da Paróquia São José, em Toledo (MG), e padre da Arquidiocese de Pouso Alegre (MG). É autor de livros publicados pela Editora Canção Nova, além disso, desde 2011,  é colunista do Portal Canção Nova. Para saber mais sobre o sacerdote e acompanhar outras reflexões, acesse: @peflaviosobreirodacosta.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/vida-de-oracao/deixar-se-transformar-por-jesus/


1 de junho de 2022

Os filhos são dons de Deus


"O amor sempre dá a vida. Por isso, o amor conjugal 'não se esgota no interior do próprio casal (…). Os cônjuges, enquanto se doam entre si, doam para além de si mesmos a realidade do filho, reflexo vivo do seu amor, sinal permanente da unidade conjugal e síntese viva e indissociável do ser pai e mãe'" (Papa Francisco, Exortação Apostólica Amoris laetitia, no 165). Homens e mulheres possuem, portanto, uma missão sublime: participam da criação de Deus, são instrumentos do amor divino e recebem a responsabilidade de perpetuarem as gerações dos filhos de Deus.

Como é imprescindível ter tal consciência quando se quer formar uma família! Numa sociedade atual, marcada pelo egoísmo e por projetos pessoais não confiados em Deus, um filho é visto, tantas vezes, como um projeto de realização pessoal. Não! De forma alguma! Os filhos são dons, dádivas de Deus!

Os filhos são dons de Deus

Foto ilustrativa: Larissa Ferreira/cancaonova.com

Os filhos não podem ser projetos de realização pessoal, eles são dons de Deus

É Ele quem escolhe e dá a vida. Com isso, segundo as orientações da Doutrina da Igreja, não é lícito lançar mão de técnicas artificiais para ter os filhos ou, ao contrário, impedir a abertura à vida por meio de métodos contraceptivos. São Paulo XVI, em sua Encíclica Humanae Vitae, muito bem orientou sobre isso e quanto ao uso dos métodos naturais de planejamento familiar:

Na missão de transmitir a vida, eles não são, portanto, livres para procederem a seu próprio bel-prazer, como se pudessem determinar, de maneira absolutamente autônoma, as vias honestas a seguir, mas devem, sim, conformar o seu agir com a intenção criadora de Deus, expressa na própria natureza do matrimônio e dos seus atos e manifestada pelo ensino constante da Igreja (Encíclica Humanae Vitae, n. 10). 

A Igreja é coerente consigo própria, quando assim considera lícito o recurso aos períodos infecundos, ao mesmo tempo que condena sempre como ilícito o uso dos meios diretamente contrários à fecundação, mesmo que tal uso seja inspirado em razões que podem parecer honestas e sérias. Na realidade, entre os dois casos, existe uma diferença essencial: no primeiro, os cônjuges usufruem legitimamente de uma disposição natural; enquanto que, no segundo, eles impedem o desenvolvimento dos processos naturais. É verdade que em ambos os casos os cônjuges estão de acordo na vontade positiva de evitar a prole, por razões plausíveis, procurando ter a segurança de que ela não virá; mas é verdade também que, somente no primeiro caso, eles sabem renunciar ao uso do matrimônio nos períodos fecundos, quando, por motivos justos, a procriação não é desejável, dele usando depois nos períodos agenésicos, como manifestação de afeto e como salvaguarda da fidelidade mútua (Encíclica Humanae Vitae, no 17).

O caráter unitivo e procriativo do ato conjugal

O ato conjugal tem em si as características unitiva e procriativa. A primeira diz respeito ao amor dos cônjuges expressado na relação sexual, e o caráter procriativo se relaciona à abertura à vida. O casal, portanto, é convidado a ser reflexo do amor da Santíssima Trindade: uma comunhão plena do Pai, Filho e Espírito Santo que não se esgota em si, mas transborda de amor ao criar cada pessoa e concede a vida nova dada por Cristo em Sua Ressurreição. Da mesma forma, o amor fecundo dos esposos não fecha em si mesmo e está sempre aberto para que esse amor se renove e novas vidas sejam geradas.


Maternidade e paternidade responsáveis

Como ainda destaca o documento de Paulo VI, tal missão requer dos homens e mulheres uma consciência de sua missão expressa na "maternidade e paternidade responsáveis":

Em relação com os processos biológicos, paternidade responsável significa conhecimento e respeito pelas suas funções: a inteligência descobre, no poder de dar a vida, leis biológicas que fazem parte da pessoa humana. Em relação às tendências do instinto e das paixões, a paternidade responsável significa o necessário domínio que a razão e a vontade devem exercer sobre elas. Em relação às condições físicas, econômicas, psicológicas e sociais, a paternidade responsável exerce-se tanto com a deliberação ponderada e generosa de fazer crescer uma família numerosa como com a decisão, tomada por motivos graves e com respeito pela lei moral, de evitar temporariamente, ou mesmo por tempo indeterminado, um novo nascimento.

Paternidade responsável comporta ainda, e principalmente, uma relação mais profunda com a ordem moral objetiva, estabelecida por Deus, de que a consciência reta é intérprete fiel. O exercício responsável da paternidade implica, portanto, que os cônjuges reconheçam plenamente os próprios deveres para com Deus, para consigo próprios, para com a família e para com a sociedade, numa justa hierarquia de valores (Encíclica Humanae Vitae, no 10).

A bela e exigente missão de doar a vida

Missão exigente, mas, talvez, a mais bela de todas, pois se trata de doação de vida! Desse modo, requer sacrifícios e maturidade na compreensão de que um filho é dádiva de Deus. Como também ressaltou o Papa Francisco, na Exortação Apostólica Amoris laetitia, muito tem se espalhado a mentalidade da geração de vida como uma satisfação pessoal:

[Uma criança] não é um complemento ou uma solução para uma aspiração pessoal, mas um ser humano, com um valor imenso, e não pode ser usada para benefício próprio. Por conseguinte, não é importante se esta nova vida lhe será útil ou não, se possui características que te agradam ou não, se corresponde ou não aos teus projetos e sonhos, porque "os filhos são uma dádiva!

Cada um é único e irrepetível (…). Um filho é amado porque é filho: não porque é bonito ou porque é deste modo ou daquele, mas porque é filho! Não porque pensa como eu, nem porque encarna as minhas aspirações. Um filho é um filho". O amor dos pais é instrumento do amor de Deus Pai, que espera com ternura o nascimento de cada criança, aceita-a incondicionalmente e acolhe-a gratuitamente (Exortação Apostólica Amoris laetitia, n° 170).

É nadar contra a maré de uma sociedade consumista e utilitarista! Somente com a graça do Espírito Santo é possível transformar o olhar sobre a beleza e a integridade de cada vida humana. Pais e mães são convidados a serem formadores e geradores de vidas, mas não donos absolutos delas. Os filhos não são concebidos para atender aos anseios dos pais. Esta não é a identidade da natureza humana criada por Deus.

Entregue sua família à Providência Divina

Voltando ao conceito de "paternidade responsável", isso não quer dizer que os casais não devam procurar as condições econômicas, emocionais e sociais para conceber um filho. Entretanto, tais condições e o desejo de gerar uma criança não podem ser um fim em si mesmo, mas sim um meio de realizar o projeto de Deus para a humanidade.

Se entregarmos os projetos familiares à Providência Divina, o amor se transbordará mais e mais! É libertador e traz paz ao coração compreender isso, até mesmo quando não se consegue alcançar uma gravidez. Obviamente, a parte humana deve ser feita: observância dos períodos férteis da mulher; busca de tratamentos adequados, quando forem necessários; uma vida saudável no corpo e na alma, inclusive uma sadia relação entre marido e mulher; não entrega à ansiedade e, sobretudo, confiança no poder de Deus e na intercessão da Virgem Maria.

Contudo, se, devido às circunstâncias da vida, uma gravidez não for possível, o conceito de fecundidade deve ser alargado. Ela pode se dar ainda por meio da adoção e da contribuição que os casais podem oferecer à sociedade: em atos de solidariedade; assistência aos abandonados; suporte espiritual e emocional aos que sofrem; luta por justiça social nos diversos serviços pastorais das paróquias, comunidades e dioceses; enfim, são inúmeras as formas!

A adoção é um ato de alargar o coração ao amor

Sobre a adoção, o Papa Francisco apoia firmemente:

A adoção é um caminho para realizar a maternidade e a paternidade de uma forma muito generosa, e desejo encorajar aqueles que não podem ter filhos a alargar e abrir o seu amor conjugal para receberem quem está privado de um ambiente familiar adequado. Nunca se arrependerão de ter sido generosos. Adotar é o ato de amor que oferece uma família a quem não a tem. É importante insistir para que a legislação possa facilitar o processo de adoção, sobretudo nos casos de filhos não desejados, evitando, assim, o aborto ou o abandono. Aqueles que assumem o desafio de adotar e acolhem uma pessoa de maneira incondicional e gratuita, tornam-se mediação do amor de Deus, que diz: "Ainda que a tua mãe chegasse a esquecer-te, Eu nunca te esqueceria" (cf. Is 49,15) (Exortação Apostólica Amoris laetitia, no 179).

Palavras encorajadoras e que ajudam a mudar o olhar. Se há a angústia porque não se consegue engravidar, adotar uma criança ou exercer a paternidade/maternidade de tantos outros modos é dar sentido ao sofrimento. O amor de Deus pode, assim, com tão grande contribuição, ser derramado mais e mais na sociedade e transformar vidas que nunca se pensou atingir!

A comunhão da Trindade é transbordada e a vida nova acontece em tantas pessoas por diversos meios.

Trecho extraído do livro "Nossa Senhora do Ó", de Gracielle Reis



Gracielle Reis

Gracielle Reis é missionária da Comunidade Canção Nova, sendo segundo elo, na missão de Portugal.

Carioca, jornalista pela Universidade Federal Fluminense (UFF): Bacharel e Licenciada em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ): e pós-graduação em Logoterapia, pela Associação de Logoterapia Viktor Emil Frankl (ALVEF).

Atualmente, jornalista na TV Canção Nova, em Portugal.

Em trabalhos com mulheres e famílias, também é instrutora do Método de Ovulação Billings e Consultora de Imagem, Estilo e Coloração Pessoal.

E-mail: graciellereis@gmail.com

Instagram: @gracielledasilvareis [https://www.instagram.com/gracielledasilvareis/]

Facebook: Gracielle Reis


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/familia/pais-e-filhos/os-filhos-sao-dons-de-deus/