19 de maio de 2022

O que é e quais os sintomas da síndrome do pânico?


Maria tem 52 anos de idade e trabalha como secretária do lar em uma casa de família há mais de dez anos. Ela sempre toma o mesmo ônibus, no mesmo local e no mesmo horário. Um dia, após uma contrariedade em casa, ao se dirigir para o ponto de ônibus, começou a sentir um medo intenso, começou a tremer, a suar, a ter dores no peito e dificuldade para respirar. Na primeira vez em que teve esse quadro, ficou desesperada, a ponto de ir correndo a um Pronto Socorro perto da sua casa, pois achava que estava morrendo. Como teve vários ataques semelhantes nos últimos seis meses, esperou um pouco e, em dez minutos, foi melhorando, até que o ataque passou.

Às vezes, os ataques ocorrem em situações estressantes, como foi o caso da Maria, mas, muitas vezes, eles começam sem nenhum motivo aparente – a pessoa pode até mesmo acordar à noite com um ataque de pânico. Maria começou a ficar com medo de ter outro ataque e, assim, passou a evitar situações que podiam dispará-los, ou mesmo evitar locais onde, na eventualidade de um ataque, não pudesse ser socorrida. Maria, como outras pessoas com síndrome do pânico, começou a evitar lugares fechados, com muita gente, e sempre que tem que estar nesses locais, traça mentalmente rotas de fuga.

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Foto Ilustrativa: by Getty Images / PeopleImages

O termo "pânico" vem do grego panikon, que deriva do deus mitológico Pã. Segundo a crença dos antigos gregos, esse deus era habitante de bosques e campos e protetor de rebanhos e pastores contra todos os males. Era um ser horrível: da cintura para baixo, era um bode peludo e, da cintura para cima, humano, com enormes chifres. Quando aparecia para os camponeses, sempre de uma forma repentina, ocasionava enorme pavor, surgindo daí o nome pânico, como um terror repentino.

Pã teve um templo erguido na cidade de Atenas, em uma praça denominada Ágora, local do mercado onde se reuniam muitas pessoas. Essa é a origem da palavra agorafobia, inicialmente relacionada ao medo de locais amplos e com muita gente.

Foi somente a partir de 1980 que o transtorno do pânico foi reconhecido como um problema específico de ansiedade. Até aquela época, os ataques de pânico eram considerados, principalmente, como uma forma de ansiedade, que tinha nomes como: neurastenia cardiocirculatória; PiTi ou HY, codinome das crises histéricas reconhecidas nos serviços de emergência.

Atualmente, a patologia é bem definida e o Transtorno do Pânico (TP) caracteriza-se pela ocorrência espontânea e inexplicável de ataques de pânico concomitantes com, pelo menos, quatro dos seguintes sintomas:

• palpitações, taquicardia ou ritmo cardíaco acelerado;
• sudorese;
• tremores ou abalos;
• sensação de falta de ar ou sufocamento;
• sensação de asfixia;
• dor ou desconforto no peito;
• náuseas ou desconforto abdominal;
• sensação de tontura, instabilidade, vertigem ou desmaio;
• desrealização ou despersonalização;
• medo de perder o controle e enlouquecer;
• medo de morrer;
• parestesias, formigamentos, anestesias;
• calafrios ou ondas de calor.

Despersonalização e desrealização

A despersonalização é uma sensação comum nos estados ansiosos que pode surgir mesmo fora dos ataques de pânico. Caracteriza-se por dar à pessoa uma sensação de não ser ela mesma, como se estivesse saindo de dentro do próprio corpo e observando a si mesma. A desrealização é a sensação de que o mundo ou o ambiente em volta estão diferentes, como se fosse um sonho ou houvesse uma nuvem encobrindo a realidade.

Cerca de um terço das pessoas com transtorno do pânico desenvolvem agorafobia, uma forma extrema de evitação fóbica, o que, na verdade, é o medo de ter medo. Muitas pessoas, por conta da agorafobia, evitam sair de casa, isolando-se socialmente, criando espaço para a ocorrência da depressão, situação muito associada à síndrome do pânico.

E como ocorre?

A ocorrência de um ataque de pânico é insuficiente para se fazer o diagnóstico da doença. Dez a doze por cento da população geral relatam que, nos últimos doze meses, já sofreram pelo menos um ataque de pânico inesperado, mas somente dois a seis por cento da população geral preenchem todos os quesitos necessários para o diagnóstico do Transtorno do Pânico.

Alguns sintomas do TP são também achados frequentes em doenças do coração, como dor torácica, palpitação, sudorese, sensação de asfixia, sufocação e ondas de calor. Essa sintomatologia quase sempre é responsável pelos pacientes procurarem serviços de emergência em cardiologia durante as suas crises. Daí vem a grande familiaridade dos cardiologistas com essa doença.

Os portadores de pânico costumam ter tendência à preocupação excessiva com problemas do cotidiano, bom nível de criatividade, excessiva necessidade de estar no controle da situação, expectativas altas e pensamento rígido, além de ser competentes e confiáveis.


Esses pacientes têm tendência a subestimar suas necessidades físicas

Frequentemente, esses pacientes têm tendência a subestimar suas necessidades físicas, envolvendo-se demais com suas atividades profissionais, o que ocasiona estresse acentuado. Eles costumam reprimir pensamentos negativos, sendo os mais comuns o orgulho, a irritação e seus conflitos íntimos. Sua maneira de ser os predispõe a situações de grande estresse, levando a um aumento da atividade de determinadas áreas cerebrais e desencadeando um desequilíbrio bioquímico local, com consequente ocorrência de um ataque de pânico.

O transtorno do pânico é marcado por ataques de pânico frequentes e que se repetem sem aviso. Além disso, eles são seguidos por intensa ansiedade antecipatória sobre ter outro ataque ou sobre as consequências de um ataque (por exemplo, perder o controle ou ter um ataque cardíaco).

Causa

O transtorno do pânico tem causas biológicas e psicológicas, conhecendo-se vários genes que podem estar envolvidos na sua gênese, de modo que existe um caráter hereditário dessa doença.

Quem está em risco?

As mulheres são duas vezes mais propensas que os homens a sofrer de transtorno do pânico. O distúrbio, geralmente, começa durante a adolescência tardia ou início da idade adulta. Ter um parente próximo com transtorno do pânico aumenta o risco de desenvolvê-lo em dez a vinte por cento; ter um gêmeo idêntico com transtorno do pânico aumenta o risco em trinta por cento.

Sintomas da Síndrome do Pânico

• Preocupação persistente em ter outro ataque de pânico ou alterações de comportamento para evitar ter mais ataques;
• Ataques de pânico não ligados a situações particulares e que podem ocorrer inesperadamente;
• Medo súbito ou terror e sensação de catástrofes iminentes;
• Dificuldade de respiração, sudorese, palpitações, mãos frias, sensação de morte iminente;
• Sensação de que vai enlouquecer ou perder o controle de si mesmo.

Trecho extraído do livro "Livre para viver", de Dr. Roque Savioli.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/saude-atualidade/o-que-e-e-quais-os-sintomas-da-sindrome-panico/


16 de maio de 2022

Somente a consciência do amor incondicional nos torna capazes de amar


"Se alguém guardar minha palavra, jamais provará a morte" (Jo 8,51). Jesus, com sua vida, honra o Pai. Busca a glória do Pai e não a sua, por isso Ele "honra o Pai", guarda a palavra do Pai" e "está em comunhão com o Pai". A verdade que nos faz livres é a verdade de nossa condição de filhos e filhas vivida no amor. A relação filial com Deus, único Absoluto, nos desliga do domínio do prazer e do dever, tornando-nos capazes de agir de acordo com o Amor que conhecemos e que nos conhece pessoalmente. O princípio da liberdade é o amor, que nos torna aquilo que somos: semelhantes a Deus. A liberdade cristã consiste em amar como e porque somos amados, colocando-nos a serviço dos irmãos e irmãs (Gl 5,13).

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Foto: Wesley Almeida/cancaonova.com

A verdade que nos liberta para o amor: o conhecimento do amor do Pai

Somos filhos e filhas amados, muito amados – tanto que Deus enviou o Seu Filho e este deu Sua vida por nós! Isto é amor. Nós somos chamados a entrar neste amor. Entrar nele é viver e ir melhorando nossa vida. O que não podemos fazer é condenar um dos filhos de Deus, por quem Cristo deu sua vida na cruz, quando este erra e peca. Há o perdão. Nada de excluir alguém por ter errado. É a hora de amar. Por isso, Jesus disse: "Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra" (Jo 8,7).

O ser humano precisa ser aceito para poder viver. Vivemos ou morremos à medida que somos aceitos ou não pelo outro. Até não conhecer um amor incondicionado, vamos à cata nem que seja de migalhas. A moldura do amor, a imagem perfeita dele nós encontramos no Filho. Aqui ele é total, livre e gratuito. Nós não amamos na intensidade de Deus. Amamos na nossa intensidade, que pode ser total. Nosso total é menor que o total de Deus. Mas Deus nos pede o nosso total. Podemos nos entregar e amar com nosso modo, capacidade e quantidade. Aqui não podemos economizar.


Só quem sabe ser amado incondicionalmente é capaz de amar

Só quem tem consciência de ser amado sem condições é capaz de amar a si próprio e aos outros. O amor dá consciência de valor, autoestima, e essa nos torna capazes de reconhecer o valor dos outros e do Outro. O princípio da nossa liberdade é a verdade de Jesus, o Filho amado, que, amando-nos, nos revela nossa identidade de filhos e filhas amados pelo Pai.

Esta é a verdade que nos liberta para o amor: o conhecimento do amor do Pai, prático, vivido, que não é uma ideia, mas uma pessoa, Jesus! Olhemos sempre de novo para Jesus! "Felipe, quem me vê vê o Pai" (Jo 14,9).



Dom João Inácio Müller

Dom João Inácio Müller é Bispo da Arquidiocese de Campinas (SP).


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/igreja/catequese/somente-consciencia-amor-incondicional-nos-torna-capazes-de-amar/


13 de maio de 2022

Como preparar seu filho para lidar com a frustração


Num mundo de opções tão variadas, é possível prepararmos os nossos filhos para conviverem com essa diversidade? É possível dizer "não"  para aquilo que não é bom para eles e ensiná-los a conviver com a frustrações? Para respondermos a essas perguntas, precisamos, primeiro, entender o que é frustração. É um estado que vivenciamos quando algo nos impede de realizar nosso objeto de prazer. Na vida, sabemos que existem várias barreiras limitadoras – sejam elas sociais, psicológicas, físicas ou espirituais – e é bom que assim seja, pois elas nos impedem de termos comportamentos nocivos para nós e para os outros. A forma de lidar com isso gera satisfação ou insatisfação?

Durante toda a nossa vida, vivemos realidades permeadas de expectativas não atendidas, tais como a falta de pessoas e de sentimentos, os quais gostaríamos que elas tivessem ou não para conosco. Esses sentimentos podem despertar em nós emoções de raiva ou tristezas, que acabam se transformando em ira ou depressão, levando nossos filhos a pequenos ou grandes sofrimentos.

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Foto Ilustrativa: Pollyana Ventura by Getty Images

A  vida é uma academia para treinar e lidar com a frustração

A frustração pode atacar principalmente a autoestima dos nossos filhos e levá-los a fazerem escolhas erradas, tais como drogas ou relacionamentos complicados.

Como fazer para que as crianças aprendam a conviver e trabalhar essas frustrações inevitáveis? Esse é um grande dilema vivenciado diariamente por muitos pais.

A escola da vida é uma excelente academia para treinarmos desde pequenos, e colocarmos limites nos possibilita criar condicionamentos mentais, que vão nos propiciando amadurecimento e condições para lidarmos com frustrações maiores. Poder trabalhar preventivamente é um ponto importante para quem tem filhos pequenos.

Nesse ponto, temos vivido uma realidade preocupante. Como a vida profissional dos pais exige que estes fiquem muito tempo fora de casa, eles acabam atendendo aos desejos dos filhos (não deveriam) para acalmar o sentimento de culpa que sentem por causa da ausência.

Superar a frustração

A grande maioria dos pais, quando perguntados sobre o que mais querem para seus filhos, provavelmente responderão: que sejam felizes. Para isso, esforçam-se para oferecer às crianças as melhores condições, mas, muitas vezes, perdem a oportunidade de ensinar a simplicidade da felicidade. Temos de entender que dentro de cada um de nós existe uma pessoa fraca e uma forte. A pergunta que temos de nos fazer é: qual estamos alimentando mais em nossos filhos? Ensiná-los a lidar com as emoções e os sentimentos fazem parte do nosso papel de educador, a fim de que possam superar as frustrações que enfrentarão por toda a vida.

O primeiro aprendizado que focamos muito como sucesso é o que o mundo nos ensina, ou seja, criarmos condições, principalmente, no desenvolvimento do quociente intelectual, mas nos esquecemos do quociente emocional e espiritual, que é a nossa capacidade de lidar com as emoções diante dos desafios diários da vida. A capacidade de transcender, abrir mãos de necessidades atendidas no presente para uma vida futura melhor.


A vocação dos pais é serem os primeiros educadores

O nosso papel é trabalhar as competências de nossos filhos, seus conhecimentos, suas habilidades e, principalmente, suas atitudes aos valores e às crenças que introjetamos neles a partir da forma como vemos o mundo. A escola pode ser parceira, mas os pais não podem terceirizar uma função que é inerente à sua vocação. E a vocação dos pais católicos é serem os primeiros educadores e catequistas de seus filhos.

O que podemos, então, fazer como pais para ajudar os filhos desde pequenos? Primeiro, buscar o autoconhecimento, pois quem se conhece tem mais possibilidade de se aceitar com foco na construção da autoconfiança. Pessoas que reconhecem suas qualidades e defeitos têm mais facilidade para trabalhar comportamentos inadequados sem se sentirem pessoas inadequadas. Isso permite que ela tenha coragem de mudar quando for preciso e aceitar aquilo que ela não pode mudar.

Caminho para ajudar a lidar com a frustração

Trabalhar a paciência para que eles aprendam a esperar, fazendo com que a frustração seja menos dolorida. O diálogo é fundamental para a criança aprender a partilhar seus sentimentos, e, quando falados, possam ser melhor trabalhados. Aprender a ser persistente, pois pouca coisa nós conseguimos sem que tenhamos de batalhar por elas.

A vida não é o que a televisão vende, mas algo conquistado passo a passo. Como diz São Paulo, precisamos combater o bom combate, sermos resilientes, ou seja, ter a capacidade de mudar de estado de acordo com algumas situações, controlar impulsos e aceitar as adversidades e as alegrias como parte da vida, porque o mundo não se restringe ao nosso umbigo, mas a uma coletividade.

Nada disso, porém, é possível sem que os pais se lembrem de que o comportamento dos filhos é modelado por seus exemplos, portanto, precisam ser os primeiros a reconhecer seus próprios sentimentos e lidar com suas frustrações diante da realidade da vida.

Lembrem-se: nossos filhos são como folhas em branco, nas quais podemos escrever nossas frustrações, nossos medos ou contribuir para o aprendizado de como lidar com as decepções e superá-las. Assim como em uma academia, temos de começar com exercícios leves até chegar aos mais exigentes, ou seja, ajudá-los a serem adultos maduros e felizes.



Angela Abdo

Mestre em Ciências Contábeis pela Fucape, pós-graduada em Gestão de Pessoas pela FGV, Gestão de Pessoas pela Faesa, graduada em Serviço Social pela Ufes e psicanalista. Consultora e Executiva na área de RH e empresa hospitalar. Foi coordenadora do grupo fundador do Movimento Mães que Oram pelos Filhos da Paróquia São Camilo de Lellis, em Vitória (ES) e do grupo de Amigos da Canção Nova de Vitória. Atualmente, é coordenadora nacional e internacional do Movimento Mães que Oram pelos Filhos. Escritora dos livros "La Salette, o grito de uma Mãe!" (2018), "Superação x Rejeição: Aprendendo a ser livre" (2017), "Ser Mulher À Luz da Bíblia: Porque Deus Pode Tudo!" (2016) e "Mães que Oram pelos Filhos" (2016). Participa do programa "Papo de Mãe que Ora", no canal Mães que Oram pelos Filhos Oficial, e do "Mães que Oram pelos Filhos", na Rádio América.  Autora de livros publicados pela Editora Canção Nova.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/familia/educacao-de-filhos/como-preparar-seu-filho-para-lidar-com-frustracao/


11 de maio de 2022

A formação da mulher: Edith Stein


Em 1926, quando ainda era professora na escola das dominicanas em Espira, Edith Stein inicia uma nova e inesperada carreira de conferencista ao ser convidada a dar palestras nessa cidade e em Kaiserlauten sobre o tema: "Verdade e clareza no ensinamento e na educação". Em maio de 1927, ela entra para a "Associação de Professoras Católicas da Baviera", dedicando-se ao estudo da formação dos pedagogos, especialmente das mulheres.

Entre 1926 e 1933, Edith Stein dá uma longa série de palestras sobre a educação e sobre a questão feminina em várias cidades da Alemanha e países vizinhos: Espira, Bendorf, Heidelberg, Nuremberg, Salzburg, entre outros. Ela já havia se tornado uma intelectual católica de renome, tanto pelo seu conhecimento aprofundado da fenomenologia de Husserl e da filosofia tomista quanto pelo seu engajamento na luta pela igualdade de condições de formação e dos direitos das mulheres.

A formação da mulher Edith Stein

A obra "Olav Audunssön", de Sigrid Undset.

Edith Stein e as questões femininas

Como havíamos falado no final do artigo anterior, Edith Stein aborda em suas conferências principalmente o tema da constituição do ser humano. Para ela, não se pode falar de educação e formação sem levar em consideração o sujeito a ser formado, ou seja, sem analisar de modo profundo o que é o ser humano.

Em nossa cultura ocidental, até muito pouco tempo atrás, o ser humano masculino era tido como aquele que representa o ser humano em geral – isso se nota inclusive na linguagem, pois geralmente fala-se "homem" quando se refere aos homens e às mulheres no plural. Faltava, então, uma análise aprofundada da mulher, de suas especificidades e se ela precisaria, ou não, de um tipo específico de formação. Homens e mulheres são capazes de realizar as mesmas tarefas? A entrada das mulheres no mercado de trabalho, especialmente no período da industrialização e da Primeira Guerra Mundial, tornava a questão sobre a formação feminina um tema prioritário a ser abordado.

A alma feminina na literatura

Em 18, 20, 25 e 27 de janeiro de 1932, Edith Stein ministra quatro conferências na "Associação Feminina Católica" de Zurique sobre o tema: "A vida cristã da mulher" 1 . Ao falar para um público leigo, não formado em filosofia, fenomenologia ou psicologia, ela trata o tema da formação feminina apresentando a que entende por "essência" ou
"alma" feminina, recorrendo às obras literárias. Não se pode, contudo, esquecer que, apesar do recurso à literatura, ela o faz como filósofa e fenomenóloga, fundamentando-se sempre ao método fenomenológico de Husserl, mesmo quando não o cita de modo explícito.

Ao apresentar o objeto a ser analisado, a "alma feminina", ela coloca uma questão: como falar desse objeto de um modo genérico? Sabemos que não existe uma "coisa" que podemos identificar como sendo a "alma feminina", mas existe apenas uma enorme variedade de mulheres, distintas umas das outras. Partindo dessa imensa variedade, o
máximo que se poderia fazer é identificar alguns "tipos gerais" de mulher e descrevê-los, tal como faz a psicologia. Mas isso não é suficiente. É preciso buscar, por meio desses tipos, um "denominador comum" e diferenciá-lo de outro denominador, o que entendemos por "essência" ou "alma" masculina.

Para Edith Stein, a literatura, mais do que a análise psicológica, revela esse denominador comum encontrado em vários tipos diferentes de mulheres, especialmente nas obras que apresentam uma "interpretação e descrição da alma", que manifestam "um valor simbólico especial" (STEIN, 1999, p. 107). Esse valor simbólico não se encontra em qualquer tipo de literatura. Edith Stein, formada em germanística, no estudo da língua e da literatura alemã, escolhe três autores reconhecidos pela capacidade de apresentar o íntimo da alma humana de um modo profundo: Goethe (Alemanha, 1749-1832), Henrik Ibsen (Noruega, 1828-1906) e Sigrid Undset (Noruega, 1882-1949). Para ela, a análise da "alma humana" apresentada nas obras desses três autores é profunda e abrangente, desenvolvendo-se no âmbito das essências, dos arquétipos.

Edith Stein escolhe três obras diversas entre si, cuja narrativa se dá em épocas bem distintas: a obra "Olav Audunssön", de Sigrid Undset; a peça teatral "A casa das bonecas" (Nora oder ein Puppenheim) de Henrik Ibsen; e a peça dramática de Goethe, "Ifigênia", inspirada em uma peça clássica grega.

Ingunn, a personagem feminina da obra de Sigrid Undset, e Olav, seu irmão de criação, vivem no campo, na Noruega da Idade Média. São criados soltos no campos e agem como "forças da natureza", presos aos seus instintos e, especialmente com relação à figura feminina de Sigrid, sem conseguir lutar contra eles. Os pais, quando sabem que estão apaixonados, enviam Olav para lutar em países longínquos e eles não se veem por muitos anos. Ingunn procura em vão a felicidade nos sonhos e é seguidamente afligida por crises de histeria. Acaba tornando-se vítima de um sedutor e concebe um filho.

Quando Olav retorna ao lar, ouve de Ingunn a confissão de sua culpa e aceita não romper o vínculo sagrado que tinha prometido: a leva para morar em seu sítio e cria o filho como seu próprio herdeiro. Mas eles não são felizes, pois Ingunn vive tão abatida pela consciência de sua falta que todos os seus filhos com Olav nascem mortos. No
entanto Olav, no final da vida de Ingunn, "começa a suspeitar que nessa alma deve ter germinado algo mais do que afeição surda e irracional, que deve ter havido uma centelha divina subnutrida e a compreensão de um mundo superior, mas sem a necessária claridade, e que, por isso, não tivera a força necessária para dar forma à sua
vida (STEIN, 1999, p. 108).

Os personagens Nora e Robert de Henrik Ibsen também vivem na Noruega, mas em uma cidade moderna, provavelmente no final do século XIX, e suas personalidades são formadas como produtos da sociedade. Especialmente Nora, pois "tendo sido a boneca preferida de seu pai, é agora a boneca preferida de seu marido, assim como os filhos são suas bonecas" (STEIN, 1999, p. 109). Quando seu marido sofre de um grave problema
de saúde, afastando-se do trabalho e gerando dificuldades financeiras, Nora falsifica sua assinatura para conseguir um empréstimo.

O objetivo era nobre, pois ela queria custear o caro tratamento de seu esposo para salvá-lo, mas quando o marido descobre, a condena moralmente e diz que ela já não merece mais ser a educadora dos filhos. Apesar de Robert tentar depois restabelecer a vida marital comum, Nora sente que já não pode mais voltar atrás. Ela percebe "que precisa tornar-se outra pessoa antes de tentar outra vez ser esposa e mãe" (STEIN, 1999, p. 109). Por causa da tomada de consciência da mulher, Robert também chega a uma conclusão semelhante: "precisa transformar-se em ser humano, deixando de ser apenas uma figura social, para que sua convivência pudesse transformar-se em casamento" (STEIN, 1999, p. 109).


A Ifigênia de Goethe, última obra citada por Edith Stein, vive na Grécia Antiga. Ainda muito jovem é ameaçada de morte, mas é salva pela mão dos deuses e tirada do convívio de seus pais e irmãos. Ela é destinada ao serviço sagrado do templo em Táuris, onde é muito bem tratada como sacerdotisa e venerada como uma santa. Apesar
disso, Ifigênia mantém o amor à sua família e sonha retornar ao convívio de seus parentes. O rei de Táuris a pede em casamento, mas ela recusa, sabendo que desse modo será muito mais difícil retornar à pátria. Como castigo o rei ordena que dois estrangeiros devam ser sacrificados à deusa, "cumprindo assim um antigo costume local que tinha
sido revogado justamente por sua iniciativa" (STEIN, 1999, p. 110).

Os estrangeiros que aparecem na praia são o seu irmão e um amigo dele. Ifigênia é posta diante do dilema de salvar o seu irmão, o amigo dele e a si mesma por meio da mentira e trapaça, ou cumprir uma antiga maldição de sua família. A princípio, ela decide pelo mal menor, mas a sua alma pura "não suporta a falsidade e o abuso de confiança, lutando contra eles como um corpo sadio se opõe aos germes de uma doença" (STEIN, 1999, p. 110). Confiando na veracidade dos deuses, Ifigênia acaba contando todo o plano ao rei, que felizmente a perdoa e como recompensa permite que ela, o irmão e seu amigo retornem à pátria. O irmão, que vivia atormentado pela morte da mãe, também é capaz de se perdoar.

A função eterna da mulher contraposta a do homem

O objetivo de Edith Stein nesse ciclo de conferências aparece agora de modo mais claro: pressupondo o método fenomenológico, chegar o mais próximo possível do que seria a essência da mulher, a "alma feminina" contrapondo-a a "alma masculina", por meio da análise dessas personagens principais de três romances.

Apesar das diferentes concepções de ser humano, que estão por trás desses personagens, como produto da natureza, do meio social ou podendo elevar-se acima de toda determinação natural e cultural em busca de um ideal ético e religioso –, Edith Stein identifica algo comum às três figuras femininas retratadas, que permite que se fale em termos gerais de uma "essência" da mulher:

Podemos, então, destacar algo comum nessas três figuras que cresceram em solos tão diversos (tanto com relação ao ambiente em que a criação literária as coloca quanto à época cultural e à personalidade de seus criadores)? (…) Em todas, encontro uma índole comum: o desejo de dar e de receber amor, e com isso, a aspiração de serem tiradas da estreiteza de sua existência real atual para serem guindadas a um ser e agir mais elevado (STEIN, 1999, p. 111).

Nesses três "arquétipos" femininos, Edith Stein diz encontrar no fundo uma mesma aspiração, mesmo que desenvolvida em contextos diversos. Esse desejo essencialmente feminino corresponde ao que ela define como a "função eterna da mulher", estreitamente vinculada à sua relação com os outros que se encontram em relação com
ela:

Tornar-se aquilo que se deve ser, deixar amadurecer para o desdobramento mais perfeito possível a humanidade que está latente nela, da forma individual especial que foi colocada nela. Deixar amadurecê-la na união amorosa que, fecundando, provoca esse processo de amadurecimento e, ao mesmo tempo, estimula e promove também nos outros o amadurecimento de sua perfeição, essa é a aspiração mais profunda do desejar feminino, que pode manifestar-se nos mais diversos disfarces e mesmo distorções e desfiguramentos (STEIN, 1999, p. 112).

A mulher a exemplo de Maria

Em uma outra conferência, "A vocação do homem e da mulher de acordo com a graça" – que abordaremos no próximo artigo –, Edith Stein associa essa visão da "mulher eterna" à Maria, Mãe de Jesus. Por Cristo, toda mulher é convidada a olhar para Maria, sua mãe, como modelo a ser seguido para tentar resgatar, ao menos parcialmente, a
ordem original. A imagem da mãe de Deus nos revela a atitude fundamental da alma feminina que corresponde à vocação natural da mulher, querida por Deus no momento da Criação.

Nossa Senhora realiza em sua natureza o modelo perfeito de doação e amor desinteressado pelos outros. Por meio de Maria, as mulheres podem tomar para si esse ideal elevado de realização, contando sempre com a graça. Apesar de saber que a realização plena de sua essência só se dará plenamente na vida eterna, cabe a cada um de nós começar a cultivá-la e construí-la no aqui e agora de nossas vidas.

Referência Bibliográficas:

1 STEIN, Edith. A vida cristã da mulher. In: A mulher: Sua missão segundo a natureza e a graça. Trad. Alfred J. Keller. Bauru, SP: EDUSC, 1999, p. 105-133.



Maria Cecilia Isatto Parise

Maria Cecilia Isatto Parise. Casada há 30 anos e mãe de dois filhos. Mestra, pesquisadora, professora e conferencista em Edith Stein.
Site: edithstein.com.br
Instagram: Maria Cecilia Isatto Parise
Facebook: Chouette – Filosofia Comentada


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/afetividade-e-sexualidade/afetividade-feminina/formacao-da-mulher-edith-stein/


9 de maio de 2022

Reflita: as diferentes faces do amor de Deus


Amor é uma das palavras mais difíceis de conceituar em nosso mundo. A necessidade ou a conveniência foram gerando diversos significados para essa palavra e, na minha opinião, todos esses significados têm certo teor de verdade, mas necessitados de contextualização. Minha intenção, no momento, não é a de trabalhar os contextos do amor, e sim as diferentes faces do amor de Deus.

O Senhor nos ama com toda a Sua capacidade infinita. Ele não sabe amar menos e toma a iniciativa sempre. No entanto, a vida humana se desenvolve num complexo ambiente, com fases diferenciadas e momentos próprios, por isso a nossa necessidade de amor é alterada também.

Reflita: as diferentes face do amor de Deus

Foto Ilustrativa: Wesley Almeida/cancaonova.com

O amor pode ter várias representações, então conheça o amor de Deus por você

Uma criança, por exemplo, não pode ser amada com um amor de "homem-mulher", porque isso não atende a sua necessidade e ainda pode provocar deficiências em seu amadurecimento interior, e Deus sabe disso. O Pai Poderoso ama a todos igualmente, mas não nos ama com um amor genérico. O Seu amor vai se configurando a nossa necessidade, e quase podemos dizer que, por amar pessoalmente cada um, Ele nos ama de "forma diferente" – em estilo, mas em igual intensidade. Um amor pessoal e único em sua expressão. A cada momento, somos amados da forma adequada e diferenciada.

Exatamente por sermos reflexos do amor de Deus, nós também não amamos a todos do mesmo jeito. Se assim o fizéssemos, seríamos injustos, porque o amor de verdade deve tocar a individualidade de cada um, amar do jeito certo. E como o amor é criativo! Ele encontra a forma individual e única de ser fecundo em cada pessoa. Não adianta pensar que amaremos todos de forma igual, porque isso não é possível. Ao sabermos disso, evitamos o risco de nos sentirmos pouco amados, simplesmente porque somos amados de forma diferente que os outros.


O amor divino

Para compreendermos o amor divino, podemos observar as imagens dele existentes no amor humano. Um exemplo fácil é o amor de uma mãe que, com a mesma intensidade de amor, ama de uma forma os seus pais, de outra o seu esposo, de outra os seus filhos e de outra ainda seus amigos. Será que o que muda é a intensidade do amor? Não. O que muda é o estilo dele, suas características, e não sua profundidade.

O amor na forma e na dose certa é como um medicamento, um fortificante ou uma vitamina; não é ele quem leva ao desenvolvimento, mas é ele que garante que o processo da vida não sofrerá atrofias ou danos permanentes. Nossa identidade surge a partir do estilo de amor que recebemos.

Descobrimo-nos filhos a partir do amor de pai e mãe; descobrimo-nos irmãos a partir do amor de nossos irmãos. É o amor que abre nossos olhos à nossa própria identidade, é ele quem dá a sobriedade de vida e nos faz amar e gostar de nós mesmos, desejando sempre sermos melhores.

Que Deus o abençoe e o faça crescer sempre em seu amor!



Padre Xavier

Padre Antônio Xavier Batista, sacerdote na Comunidade Canção Nova ordenado em 16 de dezembro de 2007, é formado em Filosofia, Teologia e Mestre em Ciências Bíblicas e Arqueologia pela Pontifícia Universidade Antoniana (Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém). Twitter: @padrexaviercn


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/igreja/catequese/reflita-as-diferentes-face-do-amor-de-deus/


6 de maio de 2022

Não existe a fórmula perfeita para ser mãe. Não se cobre tanto!


Quem não chegou em um momento da vida em que precisou se deparar com as fragilidades de sua própria mãe? Que frustração! Ela era uma heroína, quase "imaculada" àqueles olhos infantis. Nesse dia, passamos a ter de compreender que ela tem muitas fraquezas e não dá conta de tudo como imaginávamos.

Quando fomos introduzidos em nossa cultura, herdamos essa imagem materna de alguém que não erra, que nos protege, que é forte. E quase podemos dizer que é dotada de "superpoderes".

Não existe a fórmula perfeita para ser mãe. Não se cobre tanto!

Foto: Larissa Ferreira/cancaonova.com

Toda mãe traz em si a obrigação de ser infalível, mas não existe mãe perfeita

Toda mãe traz em si essa enraizada "obrigação" de ser infalível para seus filhos, principalmente nos dias atuais, em que é preciso dar conta de uma jornada de trabalho longa, cuidar da saúde dos filhos, assim como escola, atividades extras, alimentação, roupa, higiene, organização da casa, relacionamento com o marido, agenda da família, e assim vai. Ufa! E, ainda, tem o cuidado com si mesma. Por que isso só me veio à lembrança por último? Sim, é assim que acontece. Toda mãe traz consigo o dom da renúncia e de querer fazer o melhor possível para os filhos, mesmo que esse melhor requeira não colocar a si mesma na lista de prioridades.

Com essa "obrigação" de acertar em tudo, perde-se também o direito de cometer falhas. E quando elas acontecem, desmorona um "mundo" sobre os próprios ombros, justamente porque sabemos que nos foi confiado alguém que depende totalmente de nós. "Educar e suprir as necessidades de um filho não é uma tarefa fácil, pois consome todo tempo e energia da mãe. É um cuidado integral, de intensa dependência, que pode, muitas vezes, gerar sentimentos de angústia, ansiedade, fracasso e culpa", esclarece a psicóloga Lisandra Borges.

Os motivos que fazem as mães não se sentirem ideais

Comum é encontrar alguém não se sentindo a mãe ideal, e os motivos são díspares. Algumas vezes, porque se acham muito protetoras ou muito ausentes. Outras vezes, porque são muito rígidas ou ainda não conseguem ter a firmeza necessária. Quantas vezes choramos depois de gritarmos com as crianças, mas também, porque percebemos nossas omissões e limitações. Ou ainda sentimos aquela angústia e medo por não conseguirmos dar para eles o que precisam. Se o desenvolvimento do filho não está da melhor forma, se as notas na escola estão baixas, se tem ficado doente com frequência ou se o filho está muito rebelde… Ai, meu Deus! Onde estou errando? Tudo pode se tornar motivo de preocupação dentro da cabeça de uma mãe, pois ela entende que suas atitudes são determinantes na vida dos filhos.

Esse sentimento é fruto do muito amor, de alguém que não sabe fazer nada além de se doar, um verdadeiro martírio, como tem citado Papa Francisco, ressaltando também que esse dom não é só o de gerar o filho, mas de lhe dar a vida, a sua própria vida no dia a dia, nas suas escolhas.

Cuidar-se

Por outro lado, na vivência desse dom, a mulher é chamada a cuidar de si mesma para que esteja também em boas condições para lidar com aqueles que tanto ama e para que tenha saúde e disposição para as lutas diárias. Lisandra Borges dá algumas dicas que favorecem esse processo.

"Lembre-se de que a mãe perfeita não existe, pois somos seres humanos e estamos aprendendo todos os dias. Além disso, nenhuma criança vem com manual de instruções, então, aprendemos no dia a dia, com a experiência. Aceite a imperfeição, isso já é um começo! É importante saber que você está fazendo o melhor, atendendo as necessidades do seu filho, mas nunca as conseguirá sanar cem por cento. Aproveite os bons momentos junto com os filhos, valorizando mais os sentimentos positivos", ensina a psicóloga.

Esse consumir-se provoca um esgotamento, por isso é necessário dar-se o direito de ser cuidada, sem culpa; e aqui vale reafirmar: sem culpa mesmo. Não é porque você se tornou mãe, que vai esquecer de si mesma. Quando nos sentimos bem, os filhos colhem o melhor de nós e são os primeiros beneficiados. Quando você se sente bonita, por exemplo, tudo muda, principalmente o humor.

Separar um tempo para si

Em meio a tanta correria, não é fácil ser prioridade, porém vale muito a pena separar um tempo para si. De repente, cuidar das unhas, do cabelo ou fazer algo que lhe dê prazer. Que tal encontrar-se com os amigos de que tanto gosta? Separar um momento para estar a sós com Deus? Ou então deixar as crianças com alguém para curtir um cineminha com o marido? De repente, um jantar a dois!

Filhos são os melhores presentes que uma pessoa pode receber de Deus, mas, as mães precisam respirar novos ares de vez em quando, retomar as forças para dar o melhor de si para esses tesouros.

É preciso também, e principalmente, olhar para o Senhor

Ele sabe das nossas intenções, como está em 1 João 3,19-20: "Nisto conheceremos que somos da verdade, e diante dele tranquilizaremos o nosso coração; porque se o coração nos condena, maior é Deus do que o nosso coração, e conhece todas as coisas".

Com isso, a mãe é chamada a confiar na graça de Deus. Aliás, mulheres heroínas só existem nas telas de cinema e revistas em quadrinhos. Nós, simples pecadoras, dependemos da graça de Deus. Uma boa forma de nos depararmos com nossas fragilidades e limitações é entendermos que sem Ele não conseguimos realizar nossa missão, que não somos suficientes.


Sempre é tempo de retomar

Pedir ajuda é uma excelente saída. Muitas vezes, escondemo-nos atrás de lamúrias ou autopiedade, para não enfrentarmos os problemas.

"Se o sentimento de culpa realmente tiver fundamento e você conseguir identificar alguns pontos que pode melhorar, faça isso, encontre soluções práticas para resolver o problema. Se você se sente culpada por não estar sempre presente com seu filho, encontre uma hora para estar somente os dois", diz a psicóloga Lisandra Borges.

Aproveite para escutar seu filho e refletir o que está fora do equilíbrio e, talvez, minando sua maternidade. Os nossos exageros como mães, muitas vezes, deixam-nos cegas. Porém, dá para respirar fundo e recomeçar.

A Palavra de Deus nos diz ainda que "a mulher será salva pela maternidade, contanto que permaneça com modéstia na fé, na caridade e na santidade" (I Tm 2,15). Portanto, abandonemo-nos nas mãos de Nosso Senhor, pois, à medida que fazemos isso, o fardo se torna leve. A maternidade não é algo que possuímos, mas um presente que nos faz participar da criação e paternidade de Deus. Uma linda experiência do amor de Deus.

Não deixe que a tristeza tome conta de seu coração. Cuide de você sem culpa, cuide de seu filho e acredite na graça de Deus. Celebre, porque Deus, Aquele que realmente é perfeito, faz festa com sua maternidade!

Elzirene Pereira
Jornalista e Missionária da Comunidade Canção Nova 


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/familia/maternidade/nao-existe-a-formula-perfeita-para-ser-mae-nao-se-cobre-tanto/


4 de maio de 2022

Um caminho com Maria


Mas o Senhor Deus chamou o homem e perguntou: "Onde estás?". Ele respondeu: "Ouvi teu ruído no jardim. Fiquei com medo, porque estava nu, e escondi-me". Deus perguntou: "E quem te disse que estavas nu? Então comeste da árvore, de cujo fruto te proibi comer?" O homem respondeu: "A mulher que me deste por companheira, foi ela que me fez provar do fruto da árvore, e eu comi". Então, o Senhor Deus perguntou à mulher: "Por que fizestes isso?" E a mulher respondeu: "A serpente enganou-me, e eu comi". E o Senhor Deus disse à serpente: "Porque fizeste isso, serás maldita entre todos os animais domésticos e entre todos os animais selvagens. Rastejarás sobre teu ventre e comerás pó todos os dias de tua vida. Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar" (Gn 3,9-15).

A serpente, que é Satanás, sabia a que Mulher o Senhor se referia: desde o princípio, em seu eterno projeto, Deus já queria que seu Filho viesse a esta terra para ser Senhor, para ser o primogênito de todas as criaturas, o primeiro em meio a uma multidão de irmãos. E esse Filho precisava de uma mãe. Portanto, antes de pensar em qualquer outra criatura, o Senhor pensou na mãe de seu Filho e de todos os outros homens: Maria. Ela foi a primeira de todas as criaturas, querida e amada desde o princípio.

O Catecismo da Igreja Católica nos ensina: "Deus enviou Seu Filho" (Gl 4,4), mas para "formar-lhe um corpo", quis a livre cooperação de uma criatura. Por isso, desde toda a eternidade, Deus escolheu, para ser a Mãe de Seu Filho, uma filha de Israel, uma jovem judia de Nazaré na Galileia, "uma virgem desposada com um varão chamado José, da casa de Davi, e o nome da virgem era Maria" (Lc 1,26-27) (§488).

Lúcifer – que era anjo, e por isso feito para servir deveria preparar a humanidade para a vinda do Filho de Deus. Assim, ele foi escolhido por Ele como príncipe deste mundo. O Senhor lhe revelou seu plano aos poucos até chegar o momento em que lhe disse que teria de servir não apenas a seu Filho, mas também àquela que seria a primeira das criaturas. Ao saber que teria de submeter-se a uma pessoa humana, Lúcifer, que era um anjo resplandecente, poderoso, cheio de qualidades, sentiu-se ferido em seu orgulho e se revoltou. Como os anjos foram criados para servir, Lúcifer, ao se recusar a obedecer a Deus, perdeu a razão de ser. A partir de então, em vez de preparar a terra para o Filho de Deus, de ajudar a humanidade a servir, a receber, a acolher, a obedecer a Jesus, ele preparou-a para o anticristo. Daí seu ódio por Jesus, pela mulher, por nós; um ódio com o qual não se brinca.

Somos a descendência de Maria

Ao pensar em uma Mãe para seu Filho primogênito, Deus a imaginava também a mãe de todos os seus filhos – uma vez que para ser o primogênito, um filho precisa de irmãos e de uma mãe em comum. Portanto, a descendência da mulher a que Deus se refere na passagem acima, quando fala à serpente, não é apenas Jesus, mas nós também. Somos a bendita descendência de Maria.

Pregado na cruz, minutos antes de morrer, Jesus nos deu sua Mãe para ser a nossa Mãe; o apóstolo João, aos pés da cruz, representava cada um de nós. Recebeu-a e levou-a para sua casa. Você já fez isso? Já levou Maria para sua casa,  para sua vida, como sua mãe espiritual?

Junto à cruz de Jesus, estavam de pé sua mãe e a irmã de sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena. Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe: 'Mulher, eis o teu filho!'. Depois disse ao discípulo: 'Eis a tua mãe!'. A partir daquela hora, o discípulo a acolheu no que era seu ( Jo 19,25-27).

Infelizmente, a serpente conseguiu introduzir o veneno do seu ódio contra Maria no coração de nossos irmãos. Temos de ter piedade deles, e não segui-los. Devemos fazer de tudo para arrancar a revolta de nosso coração. Precisamos ter amor por Maria, nossa mãe, a primeira das criaturas, e ajudar nossos irmãos a se libertar do ódio contra ela.

"Eis minha mãe e meus irmãos"

Jesus voltou para casa, e outra vez se ajuntou tanta gente que eles nem mesmo podiam se alimentar. Quando seus familiares souberam disso, vieram para detê-lo, pois diziam: "Está ficando louco". Os escribas vindos de Jerusalém diziam que ele estava possuído por Beelzebu e expulsava os demônios pelo poder do chefe dos demônios. Jesus os chamou e falou-lhes em parábolas: "Como pode Satanás expulsar Satanás? Se um reino se divide internamente, ele não consegue manter-se. Se uma família se divide internamente, ela não consegue manter-se. Assim também, se Satanás se levanta contra si mesmo e se divide, ele não consegue manter-se, mas se acaba. Além disso, ninguém pode entrar na casa de um homem forte para saquear seus bens, sem antes amarrá-lo; só depois poderá saquear a sua casa. Em verdade, vos digo: tudo será perdoado às pessoas, tanto os pecados com o as blasfêmias que tiverem proferido. Aquele, porém, que blasfemar contra o Espírito Santo nunca será perdoado; será réu de 'um pecado eterno'". Isso, porque diziam: "Ele tem um espírito impuro". Nisso, chegaram a mãe e os irmãos de Jesus. Ficaram do lado de fora e mandaram chamá-lo. Ao seu redor estava sentada muita gente. Disseram-lhe: "Tua mãe e teus irmãos e irmãs estão lá fora e te procuram". Ele respondeu: "Quem é minha mãe? Quem são meus irmãos?". E passando o olhar sobre os que estavam sentados ao seu redor, disse: "Eis minha mãe e meus irmãos! Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe" (Mc 3,20-35).

Maria: a primeira a fazer a vontade de Deus

Esse trecho do Evangelho nos fala da mulher, de Maria, da sua mãe. Alguns diriam que aqui há um desprezo pela sua mãe, pelo fato de Jesus perguntar quem são seus irmãos e sua mãe. Mas não se trata disso, pois Jesus bem sabia que ela era a primeira a fazer a vontade de Deus. Portanto, ao dizer que aquele que faz a vontade de Deus é seu irmão, sua irmã e sua mãe, Ele proclamava duplamente Maria.

Nas bodas de Caná, Jesus chamou sua mãe de mulher – "Mulher, o que temos nós com isso? Minha hora ainda não chegou" –, isso à primeira vista pode parecer estranho, e até ofensivo, mas não. Tanto Jesus como Maria sabia que ela era aquela Mulher, a bendita das criaturas, que desde o princípio foi pensada por Deus para ser nossa mãe. E porque Maria disse "Eles não têm mais vinho", mandando que enchessem as talhas de água, Jesus apressou sua hora e fez o milagre, transformando a água em vinho.

Do alto da cruz, olhando para Maria e, ao lado dela,  para João, Jesus lhe disse: "Mulher, eis o teu filho!". Dessa forma, Jesus, no momento em que realizava seu sacrifício, recordou a si mesmo, ao Pai, a Maria e a todas as mulheres de todos os tempos que ali estava a Mulher anunciada no Gênesis (3,15). Do alto da cruz, Ele a confirmou como a mãe de todas as criaturas.

Não pode ser súdito do Rei quem não respeita a Rainha

A mãe do Rei é Rainha; a mãe do Senhor é Senhora, e deve ser venerada, honrada, respeitada. Portanto, não pode ser súdito do Rei quem não respeita a Rainha; não pode servir ao Senhor quem não respeita sua Mãe e não a tem como Senhora. Nós, católicos, temos de fazer com que nossos irmãos a reconheçam e a respeitem.

Muitos nos criticam quando rezamos a segunda parte  da Ave-Maria – "Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós" –, que não está no Evangelho, dizendo tratar-se de uma invenção da Igreja.

Vejamos: no ano 430, em Constantinopla, surgiu uma heresia por parte de um bispo patriarca chamado Nestório. Ele negava que Maria seria a Mãe de Deus, mas apenas a mãe do homem Jesus, separando a natureza divina e a natureza humana de Jesus, como se fossem duas pessoas distintas: o Jesus homem e o Jesus Deus. A teologia católica sempre defendeu duas naturezas, a humana e a divina, na pessoa única  de Jesus. A Igreja sempre ensinou que o Filho de Deus assumiu a natureza humana no ventre de Maria, por obra do Espírito Santo, e o Deus feito homem nos salvou.

Diante desta heresia, a Igreja estremeceu, porque estava em risco a própria verdade sobre a nossa salvação. Se eram duas pessoas distintas, o Filho de Deus e a pessoa humana de Jesus, que nasceu da virgem Maria e morreu por nós na cruz, como poderia acontecer a nossa salvação? A ideia espalhada de que Maria era mãe de Jesus homem e não mãe do Filho de Deus foi tão grave que, no ano 431, a Igreja se reuniu para o Concílio de Éfeso, hoje na Turquia, local onde São João morou com Nossa Senhora numa casa ainda existente.

A Mãe de Deus!

Discutiram muito, oraram, pediram luzes ao Espírito Santo, foram à Palavra, ao ensino dos apóstolos e, por fim, a Igreja chegou a uma conclusão: o Filho de Deus se fez homem. São duas naturezas, a humana e a divina, mas numa única pessoa. E Maria, portanto, é a mãe dessa pessoa que é Deus e homem.

O Concílio de Éfeso proclamou solenemente que Maria é Hagios Theotókos, em grego, "Santa Mãe de Deus"; e o povo aplaudiu, pois desde o primeiro século os cristãos já rezavam a bela oração: "Debaixo da vossa proteção nos refugiamos, ó Santa Mãe de Deus, não desprezeis as nossas necessidades, ó Virgem gloriosa e bendita!"


Ao ser lida a bula de proclamação dessa verdade, o Papa, que estava à espera da decisão dos bispos, se pôs de joelhos no chão e disse, numa exclamação que veio de dentro do seu coração: "Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós, os pecadores [porque estavam duvidando dela], agora e na hora de nossa morte", e toda a assembleia pronunciou: "Amém!" Naquela noite, os religiosos ali reunidos saíram em procissão com tochas, velas, cantando e orando para que todos soubessem a verdade. "Quem é esta que avança como a aurora, formosa como a lua, brilhante como o sol, temível como um exército em ordem de batalha? Esta é a Maria, a mãe de Jesus e a nossa mãe".

Reze o Santo Rosário!

Ela, Maria, a Imaculada, quer salvar seus filhos do rio de lama, e a corda que ela usa para isso é o Terço. Em cada oração do Terço, estamos proclamando aquela que é "cheia de graça", com quem o Senhor esteve desde o começo; aquela que nos trouxe o Salvador Jesus em sua primeira vinda e vai nos trazer na segunda. E o inimigo não gosta disso. Cada Ave-Maria que rezamos é uma condenação para ele; a cada oração dizemos que a serpente vai ser esmagada pelo calcanhar de Maria, ou seja, que ele será esmagado.

Um dia, assim como o trouxe da primeira vez, Maria trará Jesus em sua segunda vinda, para Ele implantar o Reino de Deus entre nós, de maneira definitiva, e nesse dia nossos irmãos que não a aceitam irão reconhecê-la e respeitá-la.

O Senhor, nos últimos tempos, dá-nos uma grande "arma": sua própria mãe, Maria. Todos nós amolecemos o coração diante do amor de mãe. Não é à toa que Nossa Senhora está aparecendo continuamente. Em Medjugorje, por exemplo, já são 29 anos de aparição. Ela está vindo para esmagar a cabeça da serpente, tocar o coração endurecido de seus filhos, cortar as amarras que prendem as mãos e os pés de seus filhos ao fundo do rio de lama.

Una-se a Maria e reze, principalmente o Terço, que, ao contrário do que às vezes se pensa, não é uma oração ingênua, mas de poder. É uma aliança feita entre você e aquela que nos trouxe a Salvação, Jesus. Amém.

Trecho extraído do livro "Caminho para a santidade", de  Monsenhor Jonas Abib



Mons. Jonas Abib

Fundador da Comunidade Canção Nova e Presidente da Fundação João Paulo II. É autor de diversos livros, milhares de palestras em audio e vídeo, viajando o Brasil e o mundo em encontros de evangelização. Acesse: http://www.padrejonas.com


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/nossa-senhora/um-caminho-com-maria/