22 de março de 2021

Como posso construir boas amizades ao longo da vida?


E se eu perguntasse a você: "O que é amizade?", você saberia me responder? É dessa forma que iniciamos o nosso processo de descoberta de como construir boas amizades, e para isso vamos entendê-la.

Muitas vezes, aquilo que mais falamos é o que menos sabemos de verdade. Por isso, vamos entender a amizade para depois compreendermos qual o caminho para a construção de boas amizades.

Como posso construir boas amizades ao longo da vida

Foto Ilustrativa: by Getty Images / ViewApart

O que é amizade? Como ter boas amizades?

Aristóteles, um dos maiores filósofos gregos, que viveu cerca de 300 anos antes de Cristo, diz que a amizade é uma virtude ou implica uma virtude. E ele continua dizendo que a amizade é necessária à vida. "Porque sem amigos ninguém escolheria viver, ainda que possuísse todos os outros bens". Sim, meus amigos leitores, a amizade, como disse Aristóteles, é necessária à vida. Seria infértil e vazia a nossa vida se não tivéssemos amigos com quem partilhar as alegrias e tristezas próprias do dia a dia. Continua ainda Aristóteles: "A amizade também ajuda os jovens a afastar-se do erro, e aos mais velhos, atendendo-lhes às necessidades e suprindo as atividades que declinam por efeito dos anos. Aos que estão no vigor da idade, ela estimula a prática de nobres ações, pois na companhia de amigos – 'dois que andam juntos' – os homens são mais capazes tanto de agir como de pensar". Para encerrar o pensamento de Aristóteles sobre amizade, ele diz que a amizade é uma alma em dois corpos.

Já para São Tomás de Aquino, santo e doutor da Igreja, a amizade está diretamente relacionada ao comportamento que precisamos ter em relação aos outros. E é também reconhecida como uma virtude. "Ora, é preciso que as relações entre homens se ordenem harmoniosamente num convívio comum, tanto em ações quanto em palavras, ou seja, é necessário que cada um se comporte com relação aos outros de maneira conveniente." E essa virtude se chama amizade ou afabilidade.

Agostinho de Hipona, outra grande homem de Deus na história da Igreja, fala sobre a amizade a partir da experiência que ele teve com um amigo na qual narra desta forma: "Conheci um amigo, a quem amei em demasia por ser meu companheiro de estudos, de minha idade, e por estarmos ambos na flor da juventude. Juntos fomos criados quando crianças, juntos íamos à escola, juntos havíamos brincado. Mas nessa época não era amigo tão íntimo como o foi depois, embora também não o fosse tanto quanto o exige a verdadeira amizade, uma vez que esta só existe entre os que unem por meio da caridade, derramada em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado". A amizade para Agostinho tem como elo a caridade que nos é dada pelo Espírito de Deus. Ele ainda completa: "Ama-se de tal modo os amigos que a consciência se julga culpada se não é capaz de amar aquele que ama, ou se não procura retribuir o amor com amor, e apenas procura na pessoa do amigo o sinal exterior da sua benevolência". O bispo de Hipona, com essa sentença, alerta sobre o perigo de uma amizade interesseira.

A construção de boas amizades

Depois da contribuição de grandes homens para nos ajudar a entender o que é amizade, vamos agora para o maior Homem que existiu e que nos ensina como construir verdadeiras amizades. Sim, é com Jesus Cristo que daremos passos na compreensão de amizades verdadeiras.

Os nossos amigos são aqueles que nos conhecem de fato. Como falou Lawrence: "O meu nome é pertença dos meus amigos". A amizade permite que o outro adentre na vida do amigo, fazendo com que conheça os sonhos, as alegrias, as dores e também as tristezas. E com isso, além da amizade, surge a virtude da caridade, fazendo com que somente aquele que nos ama é que sabe quem realmente nós somos. O amigo é aquele que deposita constantemente em nós uma centelha de esperança, nem tanto por ele saber o que pode acontecer no futuro, mas pela certeza de que independente do que aconteça, ele estará ao nosso lado.


A verdadeira amizade é fundada na caridade, como disse Agostinho, e essa caridade só pode ser nos dada pelo Espírito Santo, que é derramado em nossos corações. Somente quem me ama pode me trair. Durante a vida pública de Jesus, muitos quiseram prendê-lo, mas ninguém conseguiu pôr a mão nele; apenas um amigo pode traí-lo. Mesmo com a traição, Jesus estava disposto a perdoá-lo, estava desejoso que Judas se arrependesse e voltasse para dentro da amizade, para esse espaço seguro. A verdadeira amizade deve ter sempre à disposição perdoar, dar o passo na direção do outro.

A palavra amigo pode ser entendida na definição de Kristianson: "Nunca se está realmente só quando se tem um amigo. Um amigo ouve o que tu dizes e tenta compreender o que não sabes dizer". O amigo consegue entender o que está em nosso coração, muitas vezes quando nem conseguimos expressar. A amizade exige tempo, o conhecimento do coração exige dedicação, paciência e, acima de tudo, respeito pelo sagrado, que é o coração do outro.

Continuando a narrativa da traição, o evangelista escreve o seguinte: "Ao cair da tarde, ele pôs-se à mesa com os Doze e, enquanto comiam, disse-lhes: 'Em verdade vos digo que um de vós me entregará'" (Mt 26,20). Com esse versículo, notamos que era noite. Assim acontece na amizade, quando não jogamos luzes no relacionamento, não conseguimos perceber com nitidez o que acontece, e erramos, traímos e machucamos aquele que amamos.

Tenha bons amigos ao longo da vida

O caminho de uma amizade é longo e exigente. Que tenhamos a coragem de nos lançar em verdadeiras amizades, que são baseadas na caridade, e que nos levam sempre para Deus. Como disse Tomás de Aquino, o amigo é aquele que quer as mesmas coisas e rejeita as mesmas coisas. Você só é amigo das pessoas que estão indo na mesma direção e têm os mesmos valores que você.

O livro do Eclesiástico (6,14-16) ensina o que é um amigo: "Amigo fiel é poderoso refúgio, quem o descobriu descobriu um tesouro. Amigo fiel não tem preço, é imponderável o seu valor. Amigo fiel é bálsamo vital, e os que temem o Senhor o encontrarão". Meus amigos leitores, o temor do Senhor é o caminho para uma amizade verdadeira.

Referências bibliográficas: 

[1] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991, L. VIII, 1. 

[2] Ibid.

[3] AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Trad. Aldo Vannucchi et al. 2 ed. São Paulo, 2010. v. VI. Texto bilíngue: latim-português.

[4] AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Paulus, 1984, L. IV, c. IV.

[5] AGOSTINHO, 1984, L. IV, c. IV.

[6] MENDONÇA, José Tolentino. Nenhum caminho será longo: para uma teologia da amizade. 5. ed. Prior Velho: Paulinas, 2012, p. 186.

[7] Ibid., p. 191



Fábio Nunes

Francisco Fábio Nunes
Natural de Fortaleza (CE), é missionário da Comunidade Canção Nova e candidato às Ordens Sacras. Licenciado em Filosofia pela Faculdade Canção Nova, Cachoeira Paulista (SP), Fábio Nunes é também Bacharelando em Teologia pela Canção Nova, Cachoeira Paulista (SP) . Atua no Departamento de Internet da Canção Nova, no Santuário do Pai das Misericórdias e nos Confessionários.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/relacionamento/amizade/como-posso-construir-boas-amizades-ao-longo-da-vida/

19 de março de 2021

Será que os santos atendem nossas orações?


Reflita: só Deus pode atender as nossas orações

Nessa sexta-feira, 3 de fevereiro, a Igreja celebra São Brás. Para continuarmos as reflexões sobre a oração, eu o questiono: Por que oramos aos santos? Essa oração tem eficácia? Nossos pedidos são atendidos por eles? Se os santos foram homens ou mulheres como nós, quais "poderes" eles teriam para atender nossa súplica? Se podemos pedir diretamente para Deus, por que "gastar tempo" pedindo para alguém que não seja Ele?

Mais uma vez, quem nos ajuda nessa reflexão é São Tomás de Aquino, por meio da Suma Teológica escrita por ele, para trazer à luz questões sobre a natureza de Deus, a natureza de Jesus e também algumas questões morais.

Os santos atendem nossas orações

Foto: Daniel Mafra/cancaonova.com

Reflexão de São Tomás de Aquino

Para esses questionamentos, São Tomás é muito claro em nos apontar a resposta: "De dois modos fazemos oração a alguém: para que esse mesmo a defira ou para que obtenha de outrem o que queremos". Ou seja, no primeiro caso, o único que pode aceitar, conceder o que você pede é Deus. Portanto, é conveniente que você ore ao Senhor, pois é Ele e somente Ele quem vai deferir o seu pedido. É Ele quem tem todos os poderes (por ser Deus, onipotente) para conceder-lhe o que você pede.

São Tomás vai além ao dizer que podemos pedir a alguém que interceda junto Àquele que pode nos conceder. Fazendo uma comparação simples, muitas vezes, quando éramos crianças e queríamos receber alguma coisa que somente o pai podia nos dar, íamos até nossas mães. Por mais que elas não pudessem dar o que estávamos pedindo, sabíamos que elas intercederiam por nós junto a nossos pais. Ou ainda, dentro de uma empresa hierárquica, você deve falar primeiramente com o seu chefe imediato para solicitar alguma coisa. Por mais que ele não possa lhe conceder, é ele quem pode falar com a diretoria para conseguir o que você quer. Você, humildemente, apresenta o seu pedido ao seu chefe, que o leva adiante e pede à diretoria em seu nome.


Súplica aos santos

Essas pequenas comparações podem ilustrar a realidade da oração aos santos. Ao apresentarmos nossas súplicas aos santos, não estamos pedindo para eles "resolverem" o que queremos, mas solicitando que eles intercedam junto de Deus por nós.


Por mais que os santos tenham sido homens ou mulheres como nós, eles têm o mérito de fazer parte da morada celeste e ver Deus face a face. A Igreja acredita e propaga, por meio da vida dos santos, que eles estão com Deus e têm livre acesso a Ele. Pelos méritos próprios de uma vida santa vivida aqui na Terra, eles chegaram ao Céu. Se a Igreja canoniza um santo, é porque ela atesta que essa pessoa está no Céu. Como sabemos, o Céu é a morada de Deus.

Devoção aos santos

Os santos, portanto, além de mostrarem com sua vida e com seu testemunho que é possível viver uma vida repleta de Deus, ainda nos ajudam, intercedendo por nós junto do Pai.

Tenho dois santos de devoção: Dom Bosco e Santa Teresinha do Menino Jesus, além do Beato Pier Giorgio Frassati. Ao olhar para a vida deles, espelho-me e encorajo-me a viver uma vida de santidade. Mas ainda sei que, se em alguma situação eu pedir a intercessão deles, poderão me ajudar do Céu, ao lado de Deus, onde também residem.

Qual é o seu santo de devoção? A quais "amigos do Céu" você tem pedido ajuda? Não nos esqueçamos deles, pois, com seu auxílio, chegaremos também ao Céu.


Guilherme Zapparoli

Guilherme Zapparoli. Formado em Ciências Biológicas e pós-graduando em Bioética.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/vida-de-oracao/sera-que-os-santos-atendem-nossas-oracoes/

17 de março de 2021

Não tenha medo de se reconhecer como miserável


Costumamos dizer que a vida às vezes nos prega peças. Um desses casos são aquelas ocasiões inesperadas que despertam em nós uma espécie de monstro interior que preferiríamos que permanecesse dormindo. Aquele senhor aparentemente calmo e comedido que bebeu demais na confraternização do condomínio e escandalizou a todos fazendo um discurso no qual dizia a sua opinião mais sincera (e extremamente negativa) a respeito de seus vizinhos, do síndico e até da mãe do síndico. Ou o pai que foi levar o filho pequeno para vacinar e aparentemente surtou porque imaginou que alguém furou a fila, dirigindo uma ira desproporcional a outro pai que ali estava com um bebê nos braços. Não faltam exemplos, e em tempo de vídeos virais, todos nós já devemos ter visto cenas como essas circulando em nossos celulares, a maioria delas de pessoas comuns que tiveram reações imprevisivelmente ruins a eventos aparentemente simples (Nem sempre essas reações se resumem à ira, frise-se. Em alguns casos é uma mentira grave "contada no susto", uma trapaça numa competição familiar que nem valia nada, só para não passar pelo vexame da derrota, ou mesmo um troco que veio a mais e você, num impulso, não devolveu). Normalmente, a pessoa se sente afogada na vergonha quando o episódio passa e tem grande dificuldade de encarar aqueles que presenciaram o "espetáculo", mas uma dificuldade ainda maior de encarar a si mesmo, de aceitar que aquele monstro saiu de dentro de si.

Não tenha medo de se reconhecer como miserável

Foto ilustrativa: triocean by Getty Images

Você tem medo de agir assim?

Dorian Gray, um dos mais famosos personagens da literatura, permanecia belo e jovem, com rosto angelical e puro, apesar de se deixar levar cada vez mais pelos vícios. Um dia, movido pela curiosidade, decidiu olhar o quadro com a sua imagem, justamente o quadro que ele tanto invejara pela beleza e pelo qual vendera a sua alma com o juramento imprudente de que daria qualquer coisa para permanecer eternamente belo e jovem como aquela imagem no quadro. Ele ficou então sumamente escandalizado quando viu que o quadro havia envelhecido e não ele, e que o quadro assumira as feições perversas e eivadas de vícios, enquanto ele mantinha a máscara de bondade que encantava as pessoas ao seu redor. O quadro claramente simbolizava o seu interior, sujo e mau, mas ele não podia suportar essa dura verdade, por isso escondeu a obra de arte onde nem mesmo ele fosse capaz de ver. É o que muitos de nós fazemos quando nos deparamos com nossas misérias. Negamos toda a situação, como se isso apagasse o fato  corrido: "Isso nunca me aconteceu antes!" ou "Eu sou incapaz de fazer isso, foi a bebida, a situação tal que eu estou vivendo, um surto etc., porque eu sei que sou incapaz de fazer mal a uma mosca". Aqui, preciso fazer algumas correções: sim, você é capaz de fazer isso. Sim, você é capaz de fazer mal a uma mosca. Não, não foi a bebida, não foi a tensão ou o nervosismo. Essas coisas apenas tornaram mais difícil controlar o que já estava dentro de você: o homem velho, dominado pelo pecado, inclinado para o mal, avesso ao bem. Essas "peças" que a vida nos prega são ocasiões privilegiadas de conversão e não deveríamos fingir que elas não aconteceram, não deveríamos ser covardes como Dorian Gray e esconder o quadro do nosso interior, mas refletir bastante sobre nossa conduta, à luz do Espírito Santo. Por meio desses momentos catárticos, entramos em contato direto com as nossas misérias, sem filtros, sem máscaras. Podemos ver de que barro somos feitos e o que somos realmente quando agimos guiados apenas por nossos instintos.

Há uma semana, envolvi-me num acidente de carro. Eu, minha esposa, dois dos meus filhos e um sobrinho voltávamos à noite do cinema em uma cidade próxima. Estávamos numa rodovia estadual e quando passávamos pelos quebra-molas, na área de um posto de gasolina, um motociclista bêbado, sem capacete e com o farol da moto desligado perdeu o controle e cruzou a pista diretamente na nossa direção, batendo frontalmente no nosso carro. Como eu havia passado por um quebra-molas e estava me aproximando de outro, o carro vinha bem devagar e o impacto não foi tão grande. Minha família e eu não nos machucamos, mas o motociclista fraturou a perna direita. Desci com a minha esposa do carro, vimos que o rapaz estava consciente, não estava sangrando, acalmamos as crianças e eu liguei para o SAMU e para a polícia. Ficamos aguardando e enquanto isso apareceram muitas pessoas que moravam ali na área, curiosas com o acidente. Após alguns minutos, o efeito do choque deve ter passado, assim como o torpor da bebida, e o motociclista começou a reclamar de dor. Mais do que reclamar, ele começou a gritar a plenos pulmões, intercalando os gritos com palavrões. O SAMU já tinha sido chamado há cerca de meia hora e não chegava, e o rapaz no chão, sem poder ser removido, por conta da fratura, gritando, sofrendo em agonia. Minha esposa estava inquieta, perturbada com o sofrimento do rapaz. A todo instante ela vinha me perguntar da ambulância que não chegava, enquanto rezava silenciosamente por ele.

É isso mesmo, produção?

Foi então que me dei conta de algo que acontecia em meu interior, ou, melhor dizendo, não acontecia: eu não sentia compaixão ou pena por aquele rapaz acidentado. Na verdade, eu não sentia nada. No melhor estilo "é isso mesmo, produção?", eu me questionei interiormente a respeito disso. "Não é verdade", eu dizia a mim mesmo, "eu não posso ser tão insensível". Não é que eu estivesse com raiva dele e por isso não sentia compaixão. Não, não era esse o caso. Eu simplesmente não conseguia me compadecer de uma pessoa que estava há meia hora agonizando de dor no chão com uma perna fraturada. Compartilhei essa descoberta com a minha esposa e continuei refletindo. Pedi a Deus a graça de sentir compaixão dele, esforcei-me para isso, mas era algo que vinha do intelecto, não do coração. Algumas pessoas vinham puxar conversa comigo, por exemplo, dizendo que aquele bêbado desgraçado só complicava a vida de gente de bem, que não tinha nada a ver com a cachaça dele, como eu. Eu dizia que não era bem assim, que o coitado estava sofrendo muito mais do que eu e o que nós passamos ali era só um pequeno transtorno perto do que ele iria enfrentar até se recuperar do acidente. Eu me esforçava vivamente para manifestar compaixão, mas me sentia como Arnold Schwarzenegger em O Exterminador do Futuro 2, quando o garoto John Connor tenta ensiná-lo a ser descolado, a falar gírias e dizer frases de efeito, mas tudo que o Exterminador fala é artificial, mecânico, sem o calor próprio de quem tira as coisas do coração.

Passei dias e dias refletindo sobre isso e parte de mim queria negar tudo aquilo, buscando argumentos e razões que explicassem a minha "aparente" insensibilidade, como algum possível choque diante do acidente, mas eu sabia que isso não era verdade. Foram dias de um longo diálogo com Deus e comigo mesmo, e, ainda assustado, assumi que aquela minha reação me dizia algo importante sobre mim mesmo, mostrava quem eu sou. E quem eu sou? Um homem com quase vinte e cinco anos de vivência intensa na Igreja, catorze deles como membro da Canção Nova. Um homem que busca a santidade de vida, que prega essa santidade, que participa da missa diariamente, confessa-se com regularidade, esforça-se para permanecer na Graça de Deus. Um homem que busca ser em tudo guiado pelo Espírito Santo, que reflete diariamente sobre a Cruz de Cristo e a cruz nossa de cada dia… Ainda assim, um homem que depois de tudo isso tem tão pouco amor no coração que foi incapaz de se compadecer de uma pessoa acidentada no chão, gritando de dor com os ossos quebrados. Esse sou eu. Sem enfeites, sem máscaras, sem exageros nem autocondescendência, esse sou eu. Após um quarto de década de vida na Igreja, eu já aprendi sobre virtudes e sobre vida dos santos, sobre graça santificante e sobre a história da Igreja, sobre tantas coisas, mas ainda não aprendi a ver Cristo no próximo, amando-o. Essa descoberta me desanimou, me fez ter a impressão de que perdi meu tempo? Não. Pelo contrário, o pensamento que me veio foi: se andando com Cristo esses anos todos eu ainda sou assim, imagine quem eu seria se não fosse a Graça de Deus agindo sobre mim.


Fonte de conversão

Tirei desse episódio duas grandes conclusões, que posso chamar de dois frutos espirituais para a minha conversão. "Onde estaria eu se não fosse o seu amor, Senhor?", parafraseando a bela canção, é o primeiro. Deus tem feito uma obra belíssima em mim e se não fosse isso, que tipo de coração ainda mais duro e cruel eu não teria! Entra então o segundo fruto: baixe a sua bola, Leonardo. Você não é isso tudo que às vezes tenta se convencer que é. O que quer que exista de bom dentro de você vem exclusivamente de Deus. Os talentos, as boas inspirações, os gestos, os sentimentos, tudo vem de Deus. Quando você age movido pelos seus próprios impulsos, acontece isso que você
experimentou: miséria, desamor, falta de compaixão, insensibilidade… Por isso, esvazie-se de si mesmo como o próprio Cristo esvaziou-se. Ele, que é Deus, não fez questão disso, mas aniquilou-se a si mesmo, viveu a obediência até o último instante e humilhou-se até a morte de Cruz. Esvazie-se das suas pretensões de bondade, das suas certezas, das suas vaidades. Quando tudo estiver vazio dentro de você, sobrarão as misérias, a fraqueza, a vulnerabilidade. Então você ouvirá de Deus o que São Paulo ouviu: "Basta-te minha graça, porque é na fraqueza que se revela totalmente a minha força".



José Leonardo Nascimento

José Leonardo Ribeiro Nascimento é casado, pai de quatro filhos e membro do segundo elo da Comunidade Canção Nova desde 2007. Natural de Paripiranga (BA), cursou Ciências Contábeis na Universidade Federal de Sergipe e fez pós-graduação em economia por meio do Minerva Program, na George Washington University, nos Estados Unidos. Trabalha, há 18 anos, como Auditor Federal na Controladoria-Geral da União em Aracaju (SE). Ele e sua esposa trabalham, há muitos anos, com a evangelização de casais e de famílias, coordenando grupos e pregando em retiros e encontros.
Instagram: @leonardonascimentocn | Facebook: @leonardonascimentocn


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/comportamento/nao-tenha-medo-de-se-reconhecer-como-miseravel/

15 de março de 2021

Como combater o pecado da impureza e viver a castidade?


Dando continuação a nossa série de estudos sobre os pecados capitais, tomemos conhecimento, agora, do pecado da impureza e o remédio para combatê-la: a castidade.

Diz São Paulo aos Coríntios: "Ora, vós sois o corpo de Cristo e cada um de sua parte, é um dos seus membros" (ICor 12,27). Diz ainda: "Fugi da fornicação. Qualquer outro pecado que o homem comete é fora do corpo, mas o impuro peca contra o seu próprio corpo" (ICor 6,18). Com isso, podemos dizer que o pecado da impureza é grave, porque faz mal não só para quem o pratica, como também para todo o corpo místico de Cristo.

O apóstolo ainda diz: "Tomarei, então, os membros de Cristo, e os farei membros de uma prostituta? Ou não sabeis que o que se ajunta a uma prostituta se torna um só corpo com ela? Está escrito: 'Os dois serão uma só carne' (Gen 2,24)" (ICor 6,16). Vemos que, para Paulo, entregar-se à prostituição é o mesmo que prostituir o Corpo de Cristo. Diz professor Felipe Aquino, em seu livro 'Os Pecados e as Virtudes Capitais', que "essa é uma realidade religiosa da qual ainda não tomamos ciência plena, isto é, toda vez que eu peco, o meu pecado atinge todo o Corpo de Cristo. Essa é uma das razões pela qual nos confessamos com o ministro da Igreja, para nos reconciliarmos com ela, que foi manchada pela nossa falta".

Como combater o pecado da impureza e viver a castidade?

Foto ilustrativa: Wesley Almeida/cancaonova.com

O remédio para combater a impureza é a castidade

Jesus levou muito a sério o pecado da impureza. No Sermão da Montanha, quando ensinava ao povo, Ele disse: "Todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração." (Mt 5,27-28). Com essas palavras, Jesus quer ensinar que o pecado da impureza necessariamente deve ser cortado pela raiz, isto é, já nos pensamentos e imaginações. "É do coração que provém os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as impurezas, os furtos, os falsos testemunhos, as calúnias." (Mt 15,19). Se o pecado da impureza não for cortado nos pensamentos, não tardará em se transformar em ato.

O pecado da impureza é vivido, muitas vezes, entre os casais de namorados e noivos. Começam a viver uma vida marital antes do sacramento do matrimônio. Não compreenderam que a "união dos corpos só tem sentido quando existe a união prévia dos corações e das almas, de maneira sólida e permanente, como se dá no casamento" (Felipe Aquino).

Como bem ensina professor Felipe Aquino, "o sexo é belo, mas fora do plano de Deus é um desastre, explode como uma bomba atômica. Desgraçadamente, a nossa sociedade promove o sexo acintoso, sujo, sem responsabilidade nem compromisso, e depois se assusta com as milhões de meninas grávidas, estupros, separações, adultérios etc".


Castidade

Papa João Paulo II: "A educação sexual, direito e dever fundamental dos pais, deve fazer-se sempre sob a sua solícita guia, quer em casa, quer nos centros educativos escolhidos (…). Nesse contexto, é absolutamente irrenunciável a 'educação para a castidade' como virtude que desenvolve a autêntica maturidade da pessoa, e a torna capaz de respeitar e promover o 'significado nupcial' do corpo." (Familiaris Consortio, n. 37).

Vale recordar o emocionante momento de São João Paulo II quando esteve nas Filipinas em janeiro de 1995. Haviam ali mais de 4 milhões de jovens para participar da Santa Missa celebrada em Manila. Para surpresa e, ao mesmo tempo, alegria do Papa, um grupo de aproximadamente cinquenta mil jovens entregou para Sua Santidade um abaixo-assinado contendo o compromisso deles em viver a castidade. O Papa ficou emocionado.

Em suma, "a castidade é a virtude que mais forma homens e mulheres de verdade, de acordo com o desejo de Deus, e os prepara para constituir famílias sólidas, indissolúveis e férteis. Mas, infelizmente, também nós católicos, por terrível omissão, permitimos que fosse arriada a bela bandeira da castidade. Ficamos mudos e calados diante abaixo, os horrores de um "sexo-livre", devasso e pervertido" (Felipe Aquino).

O remédio contra a impureza é a castidade. Devemos fugir de toda e qualquer ocasião de pecado. Diz o ditado popular: "a ocasião faz o ladrão". Não podemos abrir brechas para o pecado em nossa vida. Se abrirmos, ele entrará e destruirá nossa vida. Por isso mesmo, devemos dizer não a tudo que nos leva a pecar: filmes, livros, revistas, músicas etc. Uma coisa é certa: jamais viverá a castidade quem não vigiar o olhar, os pensamentos e as imaginações. Acima de tudo, evitar as ocasiões que podem levar ao pecado.



Padre Elenildo Pereira

Padre Elenildo Pereira é membro da Comunidade Canção Nova. Licenciado em Filosofia pela Faculdade Canção Nova, Cachoeira Paulista (SP).  Bacharelando em Teologia pela Faculdade Dehoniana, Taubaté (SP) e pós-graduando em Bioética pela Faculdade Canção Nova. Atua no Departamento de TV da Canção Nova, no Santuário Pai das Misericórdias e Confessionários. Autor do livro "Ser humano, obra prima das mãos de Deus", pela Editora Canção Nova.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/cura-interior/como-combater-o-pecado-da-impureza-e-viver-a-castidade/

12 de março de 2021

Qual é o seu projeto de santidade?


Deus reserva para o pecador as Suas delicadezas de Pai de misericórdia, que ama e perdoa sempre. Regenera-o totalmente para que possa retornar o caminho e trabalhar para o Reino d'Ele, pela justiça e pela paz. "Misericórdia" é uma das palavras que mais aparecem na Bíblia, sobretudo, no Evangelho de Lucas, que é chamado "o evangelista da misericórdia". A prática de Jesus confirma a atitude de um Pai misericordioso. Cuidar e cuidar-se são atitudes que geram qualidade de vida. Tudo na vida requer cuidado. Um projeto de santidade requer uma atitude contínua de vigilância e de cuidados diários. Devemos cuidar diariamente de nosso corpo e de nossa alma, assim como quem tem flores precisa cuidar delas todos os dias para não perdê-las.

A Igreja oferece a seus fiéis um sacramento especial: rito do perdão. O sacramento da confissão é o lugar privilegiado do perdão de Deus para recuperar e cuidar da vida decaída dos cristãos.

Você se sente fraco e pecador? Deus lhe diz: "Faça sua parte e eu farei o resto. Tende confiança. Eu venci o mundo" (cf. Jo 16,33).

Qual é o seu projeto de santidade?

Foto ilustrativa: Anastasiia Stiahailo by Getty Images

Almeje a santidade!

Diga com vontade: "Quero ser santo", "quero continuar a caminhada", e isso vai acontecer. Quem persegue um sonho precisa ter obstinação e uma santa teimosia, além de um otimismo repleto de esperança, que confia em Deus e em Seu poder. Deixe o resto por conta d'Ele. Deus ama a todos como são. Aliás, ama os pecadores mais que os "santos". É a lógica do amor. O Senhor entende profundamente o coração humano, que é inconstante.

Deus Pai perdoa não apenas pelo sacramento da confissão. Sempre que alguém se arrepender de algo e pedir perdão será perdoado. A Bíblia diz que a caridade cobre uma multidão de pecados. Então quem tem o amor no coração não deve ter medo do pecado. O Altíssimo não só perdoa, mas se alegra com o retorno do filho, com sua conversão e faz festa, assim como o pai do filho pródigo, que abraçou e beijou o filho que retornava para a casa, preparando uma grande festa para comemorar a sua volta.

O tratamento que Jesus dispensava aos publicanos e aos pecadores era tão especial que escandalizava os fariseus, que se julgavam os "melhores". Cristo agia bem diferente: perdoava e esquecia os pecados cometidos pelos homens.

A alegria do perdão

Há pessoas muito boas, bem intencionadas, que carregam certos "pecados" como uma verdadeira cruz, às vezes, pela vida inteira. Só Deus conhece o sofrimento terrível dessas pessoas que querem seguir a Jesus, mas não conseguem porque cometem sempre a mesma falta, a qual, muitas vezes, nem pecado é, e sim hábito. Qualquer texto de moral cristã ensina que o hábito diminui a culpabilidade e até cancela a culpa. Embora, muitas vezes, não sejam pecados, criam, no entanto, um "sentimento de culpa" causando sofrimento às pessoas. Deus não quer isso para os Seus filhos queridos.


É preciso ter paciência também consigo mesmo e perdoar-se, sentir a alegria do perdão. O Salmo 50 nos ajuda a rezar: "Devolve-me a alegria de ser salvo" (Sl 50,14). Quem se perdoa, perdoa aos outros também.

O grande recurso criado por Cristo para restituir a paz e o perdão ao pecador e permite-lhe continuar, sem remorsos inúteis, o caminho da santidade é o sacramento da reconciliação ou penitência. Com ele, sela-se a paz. Sentir-se perdoado, poder "deixar para trás" um passado que, muitas vezes, nos incomoda e envergonha, para recomeçar uma vida nova, é certamente um grande dom de Cristo a cada cristão e à Sua Igreja.

(Trecho extraído do livro "Cristãos de atitude – O caminho espiritual proposto por Dom Bosco" de padre Mário Bonatti)


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/vida-de-oracao/qual-e-o-seu-projeto-de-santidade/

10 de março de 2021

Em todas as situações podemos alcançar a vitória


O profeta Daniel traz um fato muito importante no capítulo 3 de seu livro, e acredito que Deus quer nos falar por meio desse texto hoje. Ele narra que o rei da Babilônia Nabucodonosor mandou construir uma estátua de ouro enorme, media 30 metros de altura por 3 metros de diâmetro, e decretou que todos os habitantes do reino deveriam prostrar-se e adorá-la quando tocassem as trombetas e os instrumentos musicais. E fizeram isso. Só que chegou a seus ouvidos que três jovens judeus – chamados Sidrac, Misac e Abdênago (cf. Daniel 3, 16ss) – não estavam obedecendo as suas ordens. Furioso, mandou chamar os três rapazes e os ameaçou dizendo que se não adorassem a estátua, seriam jogados na fornalha de fogo e morreriam queimados, e ainda os insultou perguntando: "E qual é o Deus que vos há de livrar da minha mão?" (v. 15)

A resposta dos três jovens foi esta: "Nem precisamos dar resposta a esta ordem. Existe o nosso Deus a quem cultuamos, Ele nos pode livrar da fornalha acesa, salvando-nos da tua mão. Mas mesmo que isso não aconteça, fica sabendo, ó rei, que não vamos prestar culto ao seu deus, nem vamos adorar a estátua de ouro construída por ti, ó rei" (v. 16-18).

Em todas as situações podemos alcançar a vitória

Foto ilustrativa: Wesley Almeida/cancaonova.com

Para alcançar a vitória, busque uma maturidade de fé

Aqui está o segredo do coração desses três jovens: "Mas mesmo que isso não aconteça, não vamos prestar culto ao seu deus". Em outras palavras, mesmo que o Senhor não nos livre, não O trairemos, permaneceremos fiéis, morreremos se for preciso, mas não voltamos atrás! Isso é amor incondicional a Deus, é fidelidade a toda prova. Que maturidade de fé!

Isso também precisa acontecer conosco. Precisamos chegar a essa maturidade e a esse amor incondicional a ponto de dizermos: "Mesmo que nada mude em minha vida, mesmo que eu não seja curado, mesmo que isso não aconteça, permanecerei fiel ao Senhor! Não O negarei! Não desistirei! Mesmo que a minha oração aparentemente não traga resultados, não deixarei de orar, permanecerei fiel ao Senhor!"

O rei ficou furioso e mandou amarrar os três, colocou ainda mais combustível na fogueira e os jogou lá dentro. Eles caíram louvando a Deus, dando seu testemunho de fé. E algo maravilhoso aconteceu: "Os três ficaram passeando por entre as chamas, cantando hinos a Deus e louvando ao Senhor" (v. 24). E a Palavra de Deus continua descrevendo que "o Anjo do Senhor, porém, desceu para junto de Azarias e seus companheiros na fornalha. Impeliu as labaredas para fora da fornalha e fez surgir no meio da fornalha um vento úmido e refrescante. O fogo não os atingiu nem lhes causou qualquer incômodo" (v. 49).


O que me chama a atenção é que eles não negaram o poder de Deus; muito pelo contrário, afirmaram com toda a força que Ele tinha o poder de livrá-los daquela situação terrível. Só que eles deram um passo a mais, e aqui está o ensinamento para nós, eles deixaram claro que a sua fidelidade a Deus não estava condicionada ao fato de Ele os livrar ou não! Independentemente disso, decidiram permanecer fiéis ao Senhor. Num mundo tão materialista como o nosso, com tantas ofertas e propostas de negociar com Deus, com tentativas até de forçá-Lo a fazer o que se quer ou de querer comprá-Lo com votos, promessas e coisas parecidas, o testemunho desses três rapazes é muito forte.

Corações apaixonados por Deus conquistam a vitória

Sinto com essa passagem bíblica um forte convite do Senhor para que primeiro façamos uma revisão de vida a respeito de nossas disposições de fé. E depois, que possamos pedir esse coração apaixonado, essa fé madura, essa atitude fiel e gratuita para com Ele.

"A vitória vem pelo louvor!" E é justamente isso que vemos nesse texto bíblico. O louvor que brotou desses corações convictos em Deus, apaixonados pelo Senhor e fiéis a Ele de maneira incondicional, conquistou da parte do Senhor o livramento da fornalha, a libertação diante da tirania de Nabucodonosor. E o fruto dessa fidelidade foi a conversão do próprio rei, que reconheceu o poder de Deus e passou também a buscá-Lo.

Creio firmemente que a partir dessa mudança interior, dessa mudança do nosso coração e de nossa postura diante das situações e das tribulações, se tivermos esse coração totalmente confiante em Deus, e principalmente, incondicional na fidelidade a Ele, muita coisa vai começar a mudar em nossa vida, não haverá "fornalha" capaz de nos fazer mal, não haverá tirania suficiente para nos prender, não haverá situação impossível. Veremos a glória de Deus!

Que o Senhor nos conceda essa conversão no dia de hoje!

Deus abençoe você!

Por Padre Clóvis Andrade de Melo
Missionário da Comunidade Canção Nova


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/vida-de-oracao/em-todas-as-situacoes-podemos-alcancar-a-vitoria/

8 de março de 2021

O tempo da Quaresma nos convida à conversão


A Quaresma é tempo o propício de conversão, de retorno dos que se encontram distanciados de Deus. Dois instrumentos da graça divina nos são oferecidos para essa renovação e fortalecimento espiritual: a Confissão ou Reconciliação, e a Comunhão. Recebendo-os, cumprimos um dever pascal.

A trajetória histórica dos sacramentos apresenta períodos de maior vitalidade e também de sombras, dúvidas e negações. Conforme o maior aperfeiçoamento de conceitos e crises, de épocas ou gerações, surgem falhas e também vitórias. São avanços ou retrocessos, mas sempre preservando e essencial desses canais da graça redentora deixados por Jesus a Sua Igreja.

O tempo da Quaresma nos convida à conversão

Foto ilustrativa: BrianAJackson by Getty Images

Os sacramentos são meios importantes para a conversão

Hoje, a Eucaristia, a Comunhão e a Penitência ou Reconciliação sofrem impactos opostos. Quanto à primeira, verifica-se uma crescente participação, aumentam os comungantes, mas surge uma interrogação sobre a observância do indispensável estado de graça adquirido pelo Sacramento da Confissão, requerido para uma adequada e frutuosa recepção da Eucaristia.

Até há pouco tempo, a Comunhão era cercada de uma série de medidas que, protegendo-a, provocavam, por vezes, um afastamento pelos obstáculos criados exteriormente. Ao serem estes removidos, sob o sopro do Espírito Santo, parece que, por vezes, tentaram eliminar o que não era acessório, mas indispensável à obtenção de seus frutos.

Um clima de que "tudo é permitido" ameaça atingir essa área sagrada, e pode levar alguns a uma aproximação imprópria da mesa do Senhor. Indevida e sacrílega, produzirá a morte o que devia aumentar a vida. Pelo documento "De Sacra Communione", da Congregação para o Culto Divino, continua firme a prescrição: "ninguém que tenha cometido pecado mortal, ainda que arrependido, participe da mesa eucarística sem a prévia confissão sacramental". Evidentemente pode haver caso extraordinário, e a Igreja sempre o reconheceu. O mesmo documento estimula a recepção, com oportuna frequência, do sacramento da Penitência.

Remédio de revigoramento

A Confissão sempre encontrou resistência na natureza humana. Hoje, a maior ânsia de prazer e de liberdade, a reação ao que exige sacrifício são, entre outras, causas da menor afluência ao tribunal sagrado. Outro documento da Sagrada Congregação para o Culto Divino, com data de 2 de dezembro e divulgado a 8 de fevereiro de 1974, sobre o novo rito do Sacramento da Penitência, abriu grandes perspectivas pastorais para sua revitalização. O uso do termo reconciliação indica um encontro do homem arrependido com Deus que perdoa.

A confissão, para quem não perdeu a vida espiritual, é como um remédio de revigoramento no encontro sacramental com o Cristo na cruz, fonte de toda reconciliação e da vida santificada. O novo rito, que, evidentemente, não altera a essência do sacramento, dá maior destaque ao caráter eclesial, comunitário, da reconciliação, pois há um prejuízo social no pecado.

No documento, permaneceu a confissão individual, cujo ritual é enriquecido com elementos catequéticos e pastorais. Além disso, há a possibilidade da reconciliação em cerimônia coletiva, com acusação dos pecados e absolvição também individual; e também a confissão comunitária, com absolvição coletiva, esta em circunstâncias absolutamente especiais. Para a última já foi dada clara orientação pela Santa Sé.

Ao ser notificada a reforma litúrgica da Penitência, houve destaque para o acessório. Assim, com certo sensacionalismo, afirmou-se terem sido supressos os confessionários. O documento, entretanto, remeteu às determinações do Direito vigente e às Conferências Episcopais. Eis o esforço pastoral da Igreja, conforme determinação do Concílio Ecumênico, sobre esses dois sacramentos.


Favores divinos

A Quaresma nos oferece especial oportunidade para uma renovação profunda na prática da reconciliação e da comunhão. A recepção da Eucaristia, em circunstâncias interiores e exteriores aptas, produzirá os frutos oriundos da sua infinita vitalidade. A maior participação na Penitência nos dá melhores ou indispensáveis condições para a comunhão sacramental e uma valiosa contribuição na vida espiritual. Cabe a cada um o devido aproveitamento dessa fonte de favores divinos. Os resultados ultrapassam a esfera pessoal e irão beneficiar a coletividade católica, pela maior vitalização da presença divina.

Neste período do ano litúrgico, muito útil também recordar a Carta Apostólica "Misericordia Dei" sobre alguns aspectos da celebração do sacramento da Penitência. Merece uma particular reflexão esse "forte convite aos meus irmãos Bispos, e através deles, a todos os presbíteros para um solícito relançamento do sacramento da Reconciliação, inclusive com exigência de autêntica caridade e de verdadeira justiça pastoral, lembrando-lhes que cada fiel com as devidas disposições interiores, tem o direito de receber pessoalmente o dom sacramental".

Recordo que o Concilio de Trento declarou que é necessário "por direito divino, confessar todos e cada um dos pecados mortais". E assim por diante.

O tempo litúrgico que vivemos é uma oportunidade para refletir sobre essas verdades. Elas são importantes para a saúde espiritual do povo de Deus.

Peçamos a Nossa Senhora Aparecida e a São Sebastião que nos ajudem.

Dom Eugenio de Araújo Sales


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/liturgia/tempo-liturgico/quaresma/o-tempo-da-quaresma-nos-convida-a-conversao/