23 de outubro de 2020

Possíveis consequências das regras de distanciamento social


Com a desaceleração da pandemia ligada ao covid-19, pouco a pouco as cidades começam a retomar um ritmo "normal". Esse, com certeza, será um processo muito longo, pois acredito que ainda não temos ideia das reais consequências desta crise sanitária. Uma coisa é certa: muitas mudanças no nosso modo de vida acontecerão. Neste segundo texto sobre "a volta da quarentena", quero partilhar com você uma preocupação pessoal sobre as possíveis consequências das regras de distanciamento social.

Aqui, na França, antes mesmo dessa medida drástica para atravessar a crise, cerca de 12% dos franceses já viviam o drama da solidão e 24% da população se sentia só ou isolada (informações do site do ministério da saúde da França). Temos ainda outros números assustadores: dados de 2019 mostram que em 2018 mais de 8500 pessoas se suicidaram na França (média de um suicídio a cada hora!), e outras 200.000 tentaram cometer tal ato. O suicídio já é a maior causa de mortalidade entre pessoas de 25 a 34 anos. É assustador.

Claro que vários fatores levam ao suicídio, mas não posso deixar de ligar esses dois dados: solidão elevada e suicídio elevado! Sei que infelizmente o Brasil caminha nessa direção. Não sou médico, nem psicólogo. Quero dar somente minha palavra de padre que ama a vida e que se preocupa com o povo de Deus. Por favor, lembrem-se: somos a religião da encarnação. Essa verdade tem que mudar e transformar nossas relações – com nós mesmos e com o mundo.

Foto Ilustrativa: Antonio_Diaz by Getty Images

Consequências do distanciamento social

"E o Verbo se fez carne e habitou entre nós" (Jo 1,14). Negligenciar as necessidades de nosso corpo e nossas necessidades relacionais é um erro gravíssimo com consequências dramáticas. Não somos anjos! Deus é Trindade: há uma relação perfeita de amor entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Somos criados à imagem e semelhança de Deus, ou seja, somos também seres de relação, feitos por amor, para amar e para sermos amados. Aprendi um ditado aqui, na França, muito pertinente: "cristão isolado é cristão em perigo".

Não fazemos parte de uma religião onde podemos viver nossa vida espiritual sozinhos. (Pequena consideração: existem pessoas chamadas de modo extraordinário à vida eremítica; vale destacar que os ermitas estão sozinhos, mas não isolados, pois sabem que estão em plena comunhão com Deus e com todas as realidades do mundo). Jesus, Deus que se encarnou, teve fome e sede, sentiu-se cansado, chorou a morte de seu amigo Lázaro, alegrou-se quando teve seus pés lavados e perfumados por Maria, estendeu a mão para curar e erguer pessoas excluídas, toucou e lavou os pés dos discípulos, partilhou pão e vinho, sentiu uma grande agonia antes de morrer… Poderia citar tantos outros exemplos que mostram a vida social e relacional de Jesus. Mas Jesus também se retirava para rezar sozinho. Tantas e tantas passagens do Evangelho mostram isso. Ele estava em tamanha comunhão com o Pai, que os apóstolos o admiravam de longe rezar. Um dia, quando voltava da oração, pediram a Ele: "ensina-nos a orar" (Lc 11,1). Sobre rezar sozinho, Jesus ensinou: "Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, te recompensará" (Mt 6,6).

Mesmo se esses momentos "a sós" de Jesus com o Pai eram algo corriqueiro na vida de Jesus, e mesmo um ensinamento precioso para nós, o Senhor também se reunia sempre com o povo para rezar; essa oração comunitária se dava na sinagoga com grande assembleia, ou então apenas com os discípulos, ou ainda simplesmente em alguma família. Neste sentido, Ele também nos diz que "onde dois ou três estão reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles" (Mt 18,20). Na nossa caminhada cristã não escolhemos entre viver a nossa fé "eu e meu Deus" ou "eu com o povo de Deus" – precisamos dessas duas dimensões. Muitos puderam aprender na quarentena a crescer numa vida espiritual mais íntima com Deus, sozinho em casa e com os meios possíveis: terço, leitura da Palavra, pregações televisionadas, comunhão espiritual, oração em família, dentre outros.


Estou seguro de que tudo isso é benéfico e essencial para nossa caminhada cristã. Que bom se você cresceu neste ponto. Se não for o caso, nunca é tarde! Não se desespere. Muitas vezes, o ritmo frenético de antes da quarentena nos "impedia" de crescer na vida de oração pessoal. Mas, depois de tudo isso, vamos retomar esse ritmo louco e teremos que encontrar meios de manter e crescer ainda mais na oração pessoal e familiar, sem esquecer a importância da nossa oração comunitária. Pouco a pouco, segundo a legislação de cada lugar, vamos retomar nosso ritmo habitual. Não ache que você pode continuar se contentando de missa, pregações e orações pelas redes sociais. Estes não são os meios ordinários de comunhão do cristão. Deus nos deu um corpo com sensações e sentimos, e com estes, a capacidade de entrar em relação uns com os outros.

O distanciamento social necessário para proteção não é uma regra, e sim exceção

Repito: "o Verbo se fez carne", e Ele chorou, sorriu, sentiu, tocou… na última ceia Jesus nos deu três ordens importantes: "tomai, bebei, comei… isso é meu corpo, isso é meu sangue" (cf. Mt 26,26-28). Vamos ser sinceros: é impossível colocar esses verbos em prática através das mídias. São gestos que pedem nossa presença real. Não se faca de desentendido: o distanciamento social necessário para proteção não é uma regra, e sim uma exceção. Quando pudermos, e da melhor maneira possível, precisamos nos relacionar novamente para vivenciar nossa fé juntos, como povo de Deus. Somos o corpo de Cristo, e um corpo funciona com seus membros agindo juntos. Tocar, passar a mão na cabeça, bater nos ombros, abraçar, beijar e apertar de a mão… tudo isso faz parte das relações humanas, e sobretudo da nossa cultura brasileira. Cada gesto feito de maneira casta transmite uma mensagem. Não podemos perder isso. Não creio que exagero dizendo que cortar nossas relações humanas é mutilar a nossa fé.

Isso vale também para a maneira com a qual estamos realmente presentes nos diversos eventos da nossa vida: se vou à missa, eu fico atento às leituras, à homilia e aos irmãos; se comungo, penso no que estou fazendo e rezo tendo a certeza de que Deus está comigo; se exerço a caridade, o faço em nome de Jesus, e não para me promover; participo de retiros ou de encontros com o intuito de realmente crescer e me converter. Pequenas atitudes feitas com ardor e maior zelo podem transformar nossa relação com Deus e com os irmãos.

Enquanto padre, dou ênfase na nossa vida espiritual. Mas convido você a utilizar esse mesmo princípio em tudo o que você faz – na escola, na faculdade, no trabalho, numas ONG ou em qualquer outro lugar onde você esteja. Que seus pequenos gestos sejam gestos de transformação para o bem. O mundo conta conosco. Deus conta conosco. Que Deus nos dê força e sabedoria para sermos aquilo que realmente somos: filhos amados e membros do corpo de Cristo.



Padre André Favoretti

Natural de Vitória – ES, foi ordenado sacerdote dia 25/06/2017, na diocese de Fréjus-Toulon, onde atua como missionário. Antes de ser padre, concluiu uma licenciatura em Geografia (UFES), foi professor e fez uma pós-graduação em filosofia (UFOP).


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/comportamento/possiveis-consequencias-das-regras-de-distanciamento-social/

21 de outubro de 2020

Quais são os traços que a santidade dos nossos dias nos trazem?


Neste artigo, vamos continuar nosso caminho rumo à santidade proposto pelo Papa Francisco, na Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate. Nos artigos anteriores, percebemos que o caminho de santidade consiste no mandamento do amor. Nas Sagradas Escrituras, o próprio Senhor deixou claro ser este o maior mandamento: "Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com todo o teu entendimento; e teu próximo como a ti mesmo". (Lc 10,27).

É mais do que importante sabermos as características ou os traços que podem fazer de nós santos nos tempos atuais. Bem, sabemos que o contexto sociocultural no qual estamos vivendo não é nada fácil. Atualmente, temos desafios próprios relacionados à maneira de pensar, às ideologias que surgem e ao contexto humano específico dos nossos dias.

Foto Ilustrativa: Wesley Almeida/cancaonova.com

Os riscos de não trilhar o caminho da santidade

Talvez, a sua vida seja tão corrida devido aos afazeres de casa, do trabalho, dos estudos, filhos e compromissos sociais, que você tenha certas atitudes que não fazem bem para você e muito menos para os outros que convivem com você. Às vezes, você nem percebe tais atitudes. Contudo, o Papa Francisco nos lembra atitudes que são comuns a nós, mas precisamos evitar "a ansiedade nervosa e violenta que nos dispersa e enfraquece; o negativismo e a tristeza; a acídia (preguiça) cômoda, consumista e egoísta; o individualismo e tantas formas de falsa espiritualidade sem encontro com Deus que reinam no mercado religioso atual". (n. 111).

O Papa nos alerta sobre uma espiritualidade sem Deus. Parece algo paradoxal e até estranho aos nossos ouvidos, "como podemos ter uma espiritualidade cristã sem Deus?". Podemos comparar com uma festa de casamento sem os noivos. É absurdo! Mas Francisco deixa claro que acontece. Como características contrárias a essas atitudes, o Papa nos deixa cinco formas de manifestarmos o amor a Deus e ao próximo.

Cinco manifestações do amor

O primeiro ato de amor é: "permanecer centrado, firme em Deus que ama e sustenta". Essa primeira característica nos permite suportar as dificuldades e até mesmo as agressões que se apresentam a nós, afirma Francisco. (Cf. n. 112). Permanecer centrado e firme em Deus, que nos ama, será o motivo da nossa paz e fará de nós testemunhas de uma santidade possível. Lutar contra as nossas inclinações agressivas e egocêntricas, combatendo-as com a firmeza interior que procede de Deus, eis o segredo para conservar-nos centrados na busca pela santidade. Peçamos a Deus o dom da firmeza interior.

O segundo ato consiste em "viver com alegria e sentido de humor". A santidade não consiste em ser triste ou amarga, desanimada, mas a nossa alegria contagiará os outros e atrairá a esperança. O Papa, no n. 122, utiliza de São Tomás de Aquino na Suma Teológica e nos diz: "do amor de caridade, segue-se necessariamente a alegria. Pois quem ama sempre se alegra na união com o amado". Meus irmãos, o amor é o fundamento da alegria. Se amamos a Deus, não podemos ser tristes. Ainda temos a possibilidade de amar fraternalmente e assim nos alegrar, ou seja, a alegria do outro alegra-me também. "Alegrai-vos com os que se alegram". (Rm 12,15).

Como terceiro ato, Papa Francisco traz a parresia, que significa ousadia e ardor, como impulsos do evangelizar cristão. É próprio de quem experimenta o sabor da santidade, mesmo que de forma limitada a desejar que outros também experimentem essa graça, e esse desejo é evangelização com parresia. E quem nos dá a parresia? Ela é própria do Espírito Santo, por isso, peçamos o Espírito, a fim de que nos dê ousadia e ardor na evangelização.


Corremos o risco de cairmos em um comodismo, procurando as nossas próprias seguranças, afirma o Papa. Porém, Deus se faz novidade e a seu exemplo nos quer tirar da vida cômoda: "Ele próprio se fez periferia. Por isso, se ousarmos ir às periferias, lá o encontraremos […]" (n. 135). Jesus está naqueles irmãos que estão feridos e excluídos da sociedade. (Cf. n. 135).

O quarto ato de amor que nos leva à santificação é a vida em comunidade. É fato que, quando estamos sozinhos, corremos mais riscos de cairmos e sucumbirmos à tentação. Além disso, a vida comunitária também proporciona o crescimento espiritual, pois é a oportunidade de exercitarmos as virtudes. Francisco nos diz: "A comunidade é chamada a criar aquele espaço teologal onde se pode experimentar a presença mística do Senhor ressuscitado. Assim como viver os sacramentos. A comunidade é guardiã do amor.

Por fim, o quinto e último ato de amor é o que o nosso Papa chama de oração constante. Não podemos ser santos sem ter um espírito orante. Gosto da definição de oração de Santa Teresa quando ela diz: "oração é um trato de amizade, estando muitas vezes a sós com quem amamos." O santo tem necessidade de estar nessa relação com Deus. Mas para isso precisa que nós tiremos um tempo do nosso dia para estarmos com o Amado de nossas almas. Procuremos ocasiões e momentos para estar a sós com Ele, o silêncio é o nosso amigo para que esse diálogo aconteça.

Espero que, com a ajuda do nosso amado Papa Francisco, seguindo os passos indicados nesta exortação apostólica, cheguemos à santidade tão desejada por Deus para as nossas vidas. Que encarnemos essas características e busquemos a vontade de Deus no nosso dia a dia.



Fábio Nunes

Francisco Fábio Nunes
Natural de Fortaleza (CE), é missionário da Comunidade Canção Nova e candidato às Ordens Sacras. Licenciado em Filosofia pela Faculdade Canção Nova, Cachoeira Paulista (SP), Fábio Nunes é também Bacharelando em Teologia pela Canção Nova, Cachoeira Paulista (SP) . Atua no Departamento de Internet da Canção Nova, no Santuário do Pai das Misericórdias e nos Confessionários.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/vida-de-oracao/quais-sao-os-tracos-que-santidade-dos-nossos-dias-nos-trazem/

19 de outubro de 2020

A importância de dedicar-se à vida de oração


Nos textos anteriores vimos que todos somos chamados por Deus à santidade, mas poucos optam por esse caminho. A grande maioria das pessoas se divide entre viver no pecado e viver uma vida mundana. Isso apenas confirma o que o próprio Jesus nos ensinou: "Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição e numerosos são os que por aí entram" (Mt 7,13). E Nosso Senhor arremata com palavras que parecem bastante desanimadoras: "Estreita, porém, é a porta e apertado o caminho da vida e raros são os que o encontram" (Mt 7,13). São raros os que encontram o caminho da vida, ainda que muitos passem anos e anos buscando. Por que
isso acontece? O que fizeram de diferente aqueles que encontraram o caminho? Santa Teresa d'Ávila dá a resposta de maneira muito simples: a porta para entrar no castelo interior é a oração. Não se trata somente de recitar orações, porque há muitas pessoas que passam anos e anos rezando e não crescem no amor a Deus. A oração que nos conduz à santidade passa por duas direções apontadas por Santo Agostinho há mais de 1.500 anos:

"Deus sempre o mesmo: que eu me conheça a mim mesmo; que eu Te conheça".

A importância de dedicar-se à vida de oração

Foto ilustrativa: tepic by Getty Images

A vida de oração dos mundanos e dos que querem ser santos

Se Deus habita no mais íntimo do meu coração, nas moradas mais secretas da minha alma, a minha oração precisa, portanto, me conduzir para o meu interior. Qual a diferença entre a oração de alguém que está confortável com sua vida mundana, ainda que não esteja em pecado mortal, e a oração de alguém que quer ser santo? É só lembrarmos da parábola do fariseu e do publicano: o fariseu rezava agradecendo a Deus por não ser como os outros homens, ladrões, injustos e adúlteros. Já o publicano se mantinha à distância e sequer levantava os olhos, enquanto suplicava que Deus tivesse piedade dele, por ser pecador. Jesus não disse que o fariseu mentia na sua oração, então podemos crer que de fato ele não era ladrão, nem injusto, nem adúltero. Era um perfeito cumpridor de obrigações, tanto que ele completa a sua oração dizendo que jejuava duas vezes por semana e pagava o dízimo de todos os seus lucros. Ele, contudo, não saiu justificado da presença de Deus, mas sim o publicano. Qual a diferença entre as duas orações? O próprio Jesus nos responde: a humilhação diante do Senhor. O mundano não percebe, mas sua atitude é sempre conduzida pela soberba. Ele está satisfeito com o próprio relacionamento com Deus, com a própria vida porque julga a si mesmo como alguém bom, justo, que já está fazendo o suficiente. Ele pensa: "Antes eu traía minha esposa, mas agora larguei o pecado e sou um homem de Deus", ou "Eu vivia nas cachaçadas da vida, de bar em bar, e agora que encontrei Jesus, vou à missa aos domingos, não bebo mais, sou um novo homem!"


Humildade

Louvado seja Deus por tudo isso, mas ainda não é essa a vontade de Deus para a nossa vida. Não basta abandonar o pecado, é preciso amar, e amar muito, mas para amar eu preciso reconhecer quem eu sou e quem é Deus na minha vida. É por isso que Santo Agostinho diz que a oração dele é sempre essa, pedindo que ele conheça a si mesmo e conheça a Deus. O primeiro movimento da nossa oração deve ser sempre guiado pela mais elevada humildade. À medida que nos aproximamos de Deus com humildade, falando das nossas misérias, limitações e dores, Ele, em sua misericórdia, vai nos revelando quem somos de verdade. A verdadeira oração vai invertendo os papéis. O mundano tende a chegar diante de Deus como aquele fariseu, achando-se cheio de "créditos" por conta dos preceitos que cumpre. Por conta disso, sua oração normalmente é cheia de pedidos, de súplicas de graças, milagres, sinais. O mundano pede muito que Deus afaste o seu sofrimento, resolva seus problemas, lhe dê a vitória, honre sua fidelidade. Aquele que busca a santidade, contudo, aproxima-se de Deus de cabeça baixa, humilde, porque à medida que rasga seu coração diante de Deus, vai se reconhecendo em sua miséria. Um dos primeiros frutos dessa oração é a consciência dos próprios pecados: "Senhor, eu tento fazer o bem, mas sou orgulhoso demais! Senhor, como eu sou infiel a ti! Meu Deus, eu sou um teimoso, um preguiçoso, não consigo controlar meus impulsos. Misericórdia, Senhor!"

A oração automaticamente passa do "que eu me conheça" para o "que eu Te conheça, Senhor", porque a consciência das próprias misérias acende um enorme holofote diante da pessoa: "Eu não te amo, Senhor, como eu deveria!" Essa descoberta é fundamental para quem quer ser santo. Aliás, pode-se até dizer que é essa descoberta que começa a mover a pessoa em direção à santidade, porque ela quebra todas as estruturas que sustentam a vida mundana. Até então, tudo estava tranquilo, pois parecia ser prova de amor o cumprimento das obrigações. Mas ao contemplar a obra salvífica de Deus, ao compreender o sacrifício redentor de Jesus e colocá-lo lado a lado com os meus muitos pecados passados e presentes, algo se agiganta na minha alma: ao mesmo tempo que louvo a Deus por perceber isso e poder me consertar, vejo-me arrependido, envergonhado, com o coração dilacerado por ter ofendido tanto a Nosso Senhor Jesus Cristo, por ter feito tão pouco caso da sua Paixão. Santa Teresa d'Ávila expressa isso muito bem: "Não peçais aquilo que não mereceis; nem haveria de nos passar pela cabeça que, por muito que sirvamos a Ele, poderíamos merecer tanto ao termos ofendido a Deus". Em outro momento de As Moradas do Castelo Interior, ela diz que mesmo que até o último instante da nossa vida não pecássemos mais, ainda assim seríamos devedores, por conta da nossa ingratidão passada com o Sangue inocente de Cristo derramado na Cruz. Quando me dou conta de que com os meus pecados eu tornei mais pesada a cruz que Cristo levou ao Calvário, como disse Santo Afonso de Ligório, vejo que não tenho outra opção: preciso viver até o fim da minha vida me esforçando para amar mais a Deus, para tentar retribuir, tanto quanto eu puder, o amor que Cristo demonstrou por mim.

Amar somente a Deus

Ao pedir a Deus "que eu me conheça, que eu Te conheça", eu me uno a São João de Ávila, que diz:

"Senhor, quando vos vejo na cruz,
tudo me convida a amar:
o madeiro, a vossa pessoa, as feridas de vosso corpo e principalmente o vosso amor.
Tudo me convida a vos amar e a não me esquecer mais de Vós."

Mas o caminho de santidade não é nada fácil, porque descobrimos que não conseguimos amar a Deus como Ele merece por conta das nossas muitas faltas, da maldade e dos muitos apegos que ainda residem no nosso coração. É necessário, portanto, educar nosso corpo e nossa alma para amar somente a Deus, para ter somente a Ele como tesouro. Mas isso é um assunto para o próximo texto.



José Leonardo Nascimento

José Leonardo Ribeiro Nascimento é casado, pai de quatro filhos e membro do segundo elo da Comunidade Canção Nova desde 2007. Natural de Paripiranga (BA), cursou Ciências Contábeis na Universidade Federal de Sergipe e fez pós-graduação em economia por meio do Minerva Program, na George Washington University, nos Estados Unidos. Trabalha, há 18 anos, como Auditor Federal na Controladoria-Geral da União em Aracaju (SE). Ele e sua esposa trabalham, há muitos anos, com a evangelização de casais e de famílias, coordenando grupos e pregando em retiros e encontros.
Instagram: @leonardonascimentocn | Facebook: @leonardonascimentocn


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/vida-de-oracao/importancia-de-dedicar-se-vida-de-oracao/

16 de outubro de 2020

Por que é importante ler para os filhos?


O que pode ao mesmo tempo entreter o bebê, ajudá-lo a conquistar novas habilidades, tornar sua imaginação mais fértil, deixá-lo mais independente e, de quebra, criar rituais muito particulares e ricos com os pais? Ler para bebês, mesmo antes de terem nascido, assim como apresentar livros para as crianças logo nos primeiros anos de vida, significa oferecer a eles uma cesta de benefícios embutidos em páginas coloridas, não importa se são de papel, plástico ou tecidos.

Ainda na barriga, o bebê pode ouvir histórias contadas pela mãe. Ele é um leitor ouvinte nessa fase. Escutar a voz da mãe é sempre um prazer para o bebê, que começa a ouvir ali pela 20ª semana da gestação. Claro que, o bebê não vai entender a história, mas o importante é aproveitar a oportunidade para criar um delicioso ritual entre a mãe e o
bebê.

Por que é importante ler para os filhos?

Foto ilustrativa: gorodenkoff by Getty Images

O hábito de ler para os bebês e crianças estimula o processo de desenvolvimento

Na primeira infância, o livro oferece mais do que treino para a alfabetização. É uma atividade completa: ajuda a conhecer costumes, idiomas e a riqueza que o mundo oferece. Quanto mais cedo começar, mais curiosa e preparada para conviver com as diferenças será a criança. A leitura na primeira infância deve ser entendida como uma das necessidades básicas, fundamentais a serem supridas mesmo antes do nascimento. Os livros provocam a imaginação, o faz-de-conta, o fantástico. Essa parece ser sua principal contribuição à infância.

A leitura começa antes de a criança se familiarizar com o livro físico, importante a partir do oitavo mês de vida. Não importa se a leitura é de um livro, de fato, se é uma história consagrada ou poesia. Não há nenhuma receita de certo e errado. Nessa primeira etapa tudo pode ser lido, o que vale é o ritmo e a musicalidade. É com essa parte que o bebê deve se acostumar. Essa é uma das principais razões para que existam cantigas de ninar, contos populares, acalantos, contos da tradição oral que vão passando de geração para geração, em todas as civilizações.

Quando o bebê cresce, permitir que manuseie o livro é fundamental. Nessa fase, ele aprende pelos sentidos, leva tudo à boca, precisa tocar, ou seja, sentir para aprender. Os livros são ideais para ajudá-lo a diferenciar texturas, formas e cores. Há obras muito boas para essa fase.


Esforço e rituais

Um dos momentos mágicos na vida de uma criança ocorre quando ela aprende a ler. Elas, então, passam a ter acesso ao que está escrito em todos os lugares; e é comum que queiram ler qualquer coisa que apareça na frente. Porém, para desenvolver o hábito da leitura na educação infantil é necessário um pouco de esforço.

A leitura é também perfeita para colaborar com rituais importantes na primeira infância, como o de dormir. A criança associa a leitura com um momento que é dela e da mãe (ou do pai), e sabe que, antes de dormir, terá direito àquele momento com uma historinha. Por meio dos sentidos e do afeto, o conhecimento do mundo chega para as crianças da primeira infância.

É importante conhecer os interesses da criança. Assim, fica mais fácil sugerir livros para ela em atividades específicas. Quando menos esperar, ela terá prazer na leitura.

Leiam para seus filhos!



Heda Cristina Bilard

Graduada em Enfermagem pela UNIFATEA, Heda Carvalho tem especialização em Saúde Publica pela UNITAU, Obstetrícia pela UNIVAP e Administração Hospitalar pela Universidade São Camilo, áreas na qual possui vasta experiência de 10 anos. Ela trabalhou como Coordenadora na Saúde Pública de Guaratinguetá, foi Gerente de Enfermagem na Santa Casa de Lorena e Aparecida. Atualmente, é fundadora da assessoria para mães e bebês "CASULO", sendo especialista em Educação Perinatal, Shantala, Laserterapia, Aromaterapia e Doulagem.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/familia/educacao-de-filhos/por-que-e-importante-ler-para-os-filhos/

13 de outubro de 2020

O homem deve conhecer a si sem deixar de conhecer a Deus


Um dos maiores desafios dos nossos tempos, senão o maior, é arrancar o ser humano da desumanização. São João Paulo II dizia que o homem é o foco primordial de toda missão da Igreja: "O homem é o primeiro caminho que a Igreja deve percorrer no cumprimento de sua Missão: ele é a primeira e fundamental via da Igreja, via traçada pelo próprio Cristo e via que, imutavelmente, conduz através do mistério da Redenção." (PAULO II, João. O Redentor do homem. São Paulo: Paulinas, 1979. p. 41).

Ser pessoa implica entrar e, ao mesmo tempo, sair de si mesma – movimentos essenciais do ser humano, que está aberto à transformação progressiva na busca de encontrar sua plenitude no transcendente, pois há nele a participação da vida divina. Cada um de nós é um projeto a ser construído todo dia. O ser humano sempre será um segredo a ser descoberto, pois "cada homem tem uma característica irrepetível" (STEIN, Edith. Die Frau… p. 132. Italiano. p. 197).

O homem deve conhecer a si sem deixar de conhecer a Deus

Foto ilustrativa: Wesley Almeida/cancaonova.com

O homem é parte essencial da missão da Igreja

É notável um crescimento grandioso de escritos, pautados em superações humanas, com base nos próprios esforços, o que demonstra que o homem está tentando se encontrar para vencer os obstáculos do cotidiano. No entanto, constata-se, aqui, um paradoxo, pois se a suplantação fundamentada em si mesma fosse satisfatória ao ser humano, ele não estaria tão divorciado de si mesmo por uma vida sem sentido, mergulhada em tristezas e devassidões. É notório que existe, aqui, um grande problema, pois há uma busca sincera do ser humano pela autodependência, porém, ele ainda não percebeu que, afastado do seu Criador, estará cada vez mais distante de suas satisfações mais profundas, pois sua sede de ser feliz jamais será saciada longe da plena Felicidade, que é o próprio Deus. 

Ainda que o mundo atual viva como se Deus não existisse – estando, por isso, tão cético, racionalista e relativista –, você é convidado a redescobrir o valor da fé que habita o seu interior e permitir que ela paute sua conduta para, a partir daí, reencontrar-se, reencontrando o Criador, por quem é moldado e planejado.


Descobrir a sua essência

Temos a capacidade dada por Deus de nos erguer. Sendo assim, de forma simples, o objetivo do livro O Segredo de Ser Você é traçar um caminho espiritual, mediante as habilidades humanas, para sermos o que devemos ser. Tendo o conhecimento de si, com o auxílio da Graça divina, o ser humano consegue redescobrir sua beleza e sua essência. O fio condutor desse livro, portanto, é guiar o leitor na redescoberta dessa essência não só como animal racional, conforme diz Santo Tomás de Aquino, citando Aristóteles, mas, sobretudo, como Imagem e Semelhança do seu Criador. A natureza humana está ordenada para um fim, o qual, se for negligenciado, deformará a própria natureza.  

O homem, tal qual um ser espiritual, possui a vontade como uma de suas capacidades, e esta, segundo Santa Edith Stein, "se adestra exercitando-se em escolher, decidir, superar, perseverar etc.". (STEIN, Edith. Escritos antropológicos e pedagógicos. Obras completas. Volume IV. Madri: Espiritualidade, 2003). Assim, podemos reiterar que essa capacidade de escolher, decidir, superar e perseverar está inserida no homem pelo seu Criador, por isso é impensável tratar do mistério humano deixando de elevar a mente a Deus, sem o qual não existiríamos, pois somos seres contingentes e não subsistimos por nós mesmos. 

O papel da dor na nossa vida

É importante compreendermos também o papel da dor na vida do ser humano, porque, ao entender que a dor é consequência da ruptura do homem com Deus, notamos, então, que o modo de superá-la é o ato de união com Ele. O Filho de Deus assume a dor, fazendo-se homem e morrendo no alto de uma Cruz, tendo passado por torturas atrozes na flagelação para que n'Ele toda criatura reencontrasse o valor do sofrimento

O nosso caminho formativo é obra divina. Por isso, é muito importante focarmos em alguns pontos, os quais nos conduzem ao adestramento da nossa vontade e das más inclinações. Para tanto, é necessário o desejo sincero de entrarmos em nós mesmos, desbravando-nos e corrigindo-nos, pela prática da vida interior, as realidades que ainda nos tornam reféns de nós mesmos e de nossas paixões. Como dizia São Bernardo: "O desconhecimento de si leva à soberba, e o desconhecimento de Deus, à degradação".



Irmã Ana Paula

Irmã Ana Paula, da Ordem das Irmãs Carmelitas Mensageiras do Espírito Santo, é ministra de música; compositora; pregadora; escritora do livro "O Segredo de Ser Você" e cursanda de Teologia, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/comportamento/o-homem-deve-conhecer-a-si-sem-deixar-de-conhecer-a-deus/

8 de outubro de 2020

Oração de meditação: elevando a mente a Deus


Santa Teresa D'Ávila, a partir de sua experiência pessoal iluminada pelo Espírito Santo, reconhece diferentes graus de oração, consegue diferenciá-los e, e desejando ajudar todos a progredir numa crescente intimidade com Deus, passa a descrevê-los em suas obras.

Já analisamos sua comparação da alma com um jardim e as duas primeiras formas de regá-lo: a oração vocal e a oração de meditação ou mental. Além da descrição da doutora da Igreja sobre cada um desses tipos de oração, já vimos um exemplo concreto de como ela vivia a oração vocal sempre em comunhão com a mental na sua análise do Pai-Nosso, a oração dominical.

No artigo anterior, vimos a descrição da oração mental e a maneira pela qual a santa a considera como um modo muito mais eficiente de se unir a Deus. Agora, veremos alguns avisos de São Pedro de Alcântara (1499-1562) para a oração de meditação, não só por ele ser contemporâneo de Santa Teresa mas, principalmente, ser um dos "letrados" que a Santa constantemente se referia com gratidão em seus escritos. Contrariamente aos diretores espirituais inexperientes, que colocaram muitos obstáculos aos progressos da doutora, São Pedro foi um farol a conduzi-la.

Foto ilustrativa: Bruno Marques/cancaonova.com

A oração de meditação cristã e seu objetivo

Logo de início é necessário esclarecer dois pontos essenciais: a meditação ou oração mental cristã é uma prática da Igreja vivida há muitos séculos e em nada parecida com as meditações orientais ou esotéricas da "nova era". Ela consiste, basicamente, em mergulhar com atenção e amor nas Sagradas Escrituras e procurar estudar e refletir sobre seus ensinamentos. Em outras palavras, aprofundar-se em seus mistérios investigando-os sem a pretensão de esgotá-los.

Outro ponto importante é que, embora seja um estudo, seu principal objetivo não é adquirir conhecimentos e tornar-se especialista nisto ou naquilo, e sim elevar a mente a Deus (definição própria da oração), crescer na fé e no amor pelo Senhor. Nesse sentido, a oração de meditação fornece base para um grande desenvolvimento das virtudes teologais: aumenta a Fé à medida que desenvolve o conhecimento de Deus, fortalece a Esperança dando-lhe argumentos para se manter firme e inabalável e, finalmente, promove a Caridade fazendo o coração maravilhar-se com as obras e realizações do Senhor de todas as coisas.

Baseado nisso, e entendendo que ela precisa ser um caminho para o próximo estágio da oração: a oração afetiva, São Pedro de Alcântara promove avisos que levam não só a desenvolver a mente na oração, mas, principalmente, aquecer o coração e prepará-lo para assumir o próximo nível de oração que trataremos mais à frente, no próximo artigo.

Avisos para a meditação

Primeiro aviso: se o objetivo da oração mental é aproximar-nos de Deus, tudo aquilo que é frio e sem vida no estudo deve ser deixado de lado. Por outro lado, quando um trecho específico promove reflexão e devoção, não devemos abandoná-lo. Não é a quantidade, mas a qualidade da meditação que deve ser buscada.

Segundo aviso: a meditação só é verdadeira oração quando se medita para conhecer, e não para ensinar. É muito mais um trabalho do afeto do que do entendimento por ser uma forma de intimidade com Deus. É sobre esse tipo de oração que Santa Teresa se referia ao dizer: "A oração não consiste em pensar muito mas, em amar muito". Separa-se aqui o trabalho dos professores e estudantes da vivência dos piedosos e contemplativos: a matéria é a mesma, os objetivos distintos.

Terceiro aviso: embora o afeto deva ser buscado, não é a partir da violência interior das emoções que se pode obtê-lo. A oração de meditação deve ser um olhar simples e sossegado buscando, sobretudo, estar aberto às inspirações do próprio Espírito Santo que é puro amor. Se tal não acontecer imediatamente, paciência.

Quarto aviso: para corresponder às moções de Deus, a atenção não só da mente, mas também do coração é primordial. Vivo, atento, mas nem muito forte, nem muito frouxo. Nem cansar a mente com concentração exagerada, nem cansar o coração buscando sentir o que não se sente. Mas também, nem deixar a mente solta ao ponto de divagar e o coração insensível a ponto de não se envolver com o que a mente medita.


Quinto aviso: não desanimar ou desistir facilmente. Aguardar Aquele que virá fazer parte de nossa fé e esperança, devendo gerar amor, e não ansiedade. Se o Senhor, por fim, não vier, ofereçamos a Ele nosso tempo como um digno sacrifício sabendo que, de forma alguma, poderia ter sido melhor aproveitado do que se colocando em sua presença. Na impossibilidade de se meditar da maneira descrita, o melhor é tomar um livro de espiritualidade e lê-lo com calma e atenção.

Sexto aviso: é aconselhável que esse tipo de oração não seja breve ou dentro de um período muito curto de tempo. A razão disso é que, geralmente, perde-se muito tempo para preparar a mente, sossegando a imaginação. Assim, São Pedro recomenda que se utilize duas horas corridas por dia ou se faça este tipo de oração mental logo após outras devoções que, por si só, já acalmem e preparem o coração: a Santa Missa, a Adoração ao Santíssimo Sacramento, a meditação do Rosário. Também existem horários mais propícios do que outros, como o período da madrugada, que permite maiores frutos em menor tempo.

Sétimo e oitavo avisos

Sétimo aviso: quando a alma for visitada na oração, ou fora dela, pelo próprio Senhor, submeter-se de bom grado imediatamente. De fato, Ele mesmo, sem esforço, pode nos visitar e elevar-nos a mente e o coração. À semelhança dos discípulos de Emaús, nosso coração passa a arder (Lc 24,32). Não se deve desprezar essas visitas inesperadas, pois nos concede imediatamente o que, às vezes, gastamos uma noite inteira sem sucesso (Lc 5,5).

Oitavo aviso: por último, e citado como mais importante, deve-se entender que essa oração busca uma primeira contemplação de Deus. Ou seja, discorrer com a inteligência para repousar na sua presença do amor. Se a devoção já veio, se o amor já se faz presente, se o afeto está pleno da presença de Deus, todo o discurso intelectual deve cessar. Pouco se pode investigar sobre Deus, mas muito se pode (e se deve) amá-Lo. Essa oração de meditação tem como objetivo revolver a terra dura do coração para que brote a verdadeira videira do amor. Usando o mesmo exemplo teresiano, o santo explica sobre isso que

"É assim que faz o jardineiro quando rega a sua terra a qual, depois de tê-la enchido de água, suspende o jorro da corrente e deixa empapar e difundir-se pelas entranhas da terra seca o que esta recebeu e, uma vez feito isto, volta a soltar o jorro da fonte, para que receba mais e mais e fique melhor regada. Mas o que então a alma sente, o que goza da luz, da fartura, da caridade e da paz que recebe, não se pode explicar com palavras, pois aqui está a paz que excede todo o sentido e a felicidade que nesta vida se pode alcançar."

Vislumbra-se aqui o terceiro modo de oração que já começa a se manifestar: a finalidade da busca da oração mental. Por isso, no próximo artigo, examinaremos com Santa Teresa D'Ávila aquilo que ela se refere como sendo o terceiro modo de se regar o jardim e, consequentemente, uma oração muito mais frutuosa e eficaz: a oração afetiva.



Flávio Crepaldi

Flavio Crepaldi é teólogo, casado e pai de três filhas. Além do bacharelado em Teologia, possui formação em Comunicação e especialização em Gestão, sendo colaborador da TV Canção Nova desde 2006. É o autor do livro "Santidade para todos: Descobrindo as Moradas Interiores", em que, de maneira prática e descomplicada, ele explica o caminho espiritual pela busca da santidade.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/vida-de-oracao/oracao-de-meditacao-elevando-a-mente-a-deus/

5 de outubro de 2020

Temos pressa para as coisas erradas


Outro dia, após a Santa Missa, o padre avisou que Jesus Eucarístico seria exposto para adoração. Fiquei observando o acólito e a religiosa que preparavam o altar. Eles retiraram as velas, o Missal, o crucifixo e trouxeram uma toalha branca, sobre a qual colocaram o trono e o ostensório. Eles fizeram tudo com a imensa segurança de quem já fez aquilo incontáveis vezes, mas não foi isso que chamou a minha atenção, e sim o absoluto cuidado em cada passo, em cada mínima etapa. Ao colocar a toalha, a religiosa agiu com tanta lentidão que parecia estar fazendo um curativo na pele ferida de uma criança. Quando ela enfim depositou a toalha sobre o altar, abaixou o corpo como se procurasse um ângulo em que pudesse ver melhor se ela estava exatamente no centro. Deve ter notado alguma imperfeição, porque puxou um pouquinho para um canto, depois mais um tantinho para o outro e a cada pequena alteração passava a mão sobre a toalha com a ternura de quem afaga um bebê. Isso se repetiu na hora de posicionar o trono e já havia acontecido com cada objeto que foi retirado do altar. Eu observava e não via outra coisa que não amor pela Sua Majestade, pelo Senhor que ocuparia em instantes aquele ostensório, mas que ocupa cada espaço nos corações daquela religiosa e daquele acólito. A cena dos dois arrumando o altar me fez imaginar Maria e as outras mulheres preparando o corpo do Senhor para o seu sepultamento. Com que amor lhe lavaram o corpo, prepararam suas vestes, depositaram seu corpo sobre a pedra! Havia na religiosa e no acólito a absoluta falta de pressa de quem sabe que está fazendo o mais importante.

Temos pressa para as coisas erradas

Foto ilustrativa: AzmanL by Getty Images

Esse episódio me ajudou a adorar Jesus logo em seguida, porque pude refletir sobre a minha pressa, a urgência que eu coloco em tantas coisas sem importância. Também me fez lembrar de uma outra situação que vivi há alguns dias. Uma pessoa me ligou relatando as situações terríveis que está vivendo com sua esposa e seus filhos, que têm feito coisas que desagradam muito a Deus. Ele me perguntou, entre lágrimas, o que eu podia fazer para ajudá-lo ali, naquele instante, e a única resposta que eu pude dar é que eu rezaria. Ele insistia comigo, desesperado, como se esperasse algum milagre, uma palavra ou oração que alcançassem instantaneamente o coração de cada membro da sua família e os arrastassem para Deus. Ao fim da ligação, fiquei pensando que em relação ao Reino de Deus somos apressados para muitas coisas: um milagre, uma cura, a vitória nesse ou naquele campo, conseguir um emprego, um namorado, a conversão de um filho, de um marido, do pai, da mãe, da vizinha… Parece faltar-nos pressa justamente para a única coisa que está ao nosso alcance: a nossa própria conversão.

A pressa é para receber, nunca para dar

Como a viúva que importuna o juiz iníquo, eu insisto que Deus me dê um milagre, consiga a graça que peço, converta fulano ou beltrano. Levanto um clamor, profetizo a vitória, brado que Deus é justo e fiel, peço que Ele se apresse para vir em meu socorro, recorro a passagens bíblicas que falam que Deus não tarda, que sua justiça não falha. Mas quando Jesus nos chama para segui-lo, dizemos que primeiro temos que enterrar nossos mortos ou nos despedir da nossa família, terminar a faculdade, criar os filhos, construir a casa e tantas outras desculpas. Nosso Senhor, contudo, exige de nós prontidão: "Deixa que os mortos enterrem seus mortos; quanto a ti, vai anunciar o reinado de Deus". Ele também diz que quem põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o reinado de Deus. A pressa é para receber, nunca para dar. Somos do fogo para pedir, para implorar, para receber as bênçãos do céu, mas somos mornos quando se trata de reconhecer os nossos pecados, arrepender-se e buscar mudança de vida, afinal, para que tanta urgência?


Essa não é a nossa única pressa errada, entretanto. Usamos muito mal nosso tempo também de outra maneira: queremos Deus, mas não queremos ficar com Ele. A nossa oração é acelerada, para acabar logo; as Ave-Marias se atropelam no terço; os minutos diante de Jesus demoram a passar; a homilia logo parece se prolongar demais e o momento de Ação de Graças se estende e eu já não consigo permanecer com o Senhor, pensando no que virá depois da Missa: almoço, praia, futebol, filme. Tanto para essa pressa como para a outra, faz-me muito bem observar a religiosa e o acólito em seu cuidado com a adoração eucarística. Para eles ali não havia relógio a se observar, porque Nosso Senhor é o mais importante e eles estão a Seu serviço. Se há pressa em me converter, não deve haver pressa para sair da presença de Deus, já que o amor nos impulsiona a permanecer com o amado. Não é a permanência de quem bate ponto diante de Deus até alcançar um bem desejado, como a viúva insistente. Antes, é a permanência de quem ouviu o convite do próprio Jesus de ir até Ele descansar o coração, pois quem estivesse aflito sob um fardo pesado encontraria repouso e alívio para a alma. Quem quer repouso não se apressa quando encontra a Sua Majestade. Também não fica apressando o Senhor, enchendo-o de súplicas. Apenas permanece na Presença que é maior que o tempo e que ordena todas as coisas ao nos colocar em nosso lugar: humildes, de joelhos, diante do Senhor, ao redor de quem o mundo gira.

Atenda o chamado do Senhor!

Apressemo-nos, pois, em buscar o Senhor, enquanto se deixa encontrar. Ele nos convida, está à nossa espera, mas quer de nós um coração contrito, arrependido, disposto a amá-lo acima de tudo e disponível para amar o próximo. Não nos aproximemos de Deus com um coração apressado e mercantilista, de quem oferta o próprio coração em troca da urgência de uma graça, um milagre, uma cura. Nosso Senhor curou a muitos, mas sempre foi muito claro que não foi para isso que Ele veio, e sim para pregar a Boa Nova, o arrependimento e a conversão, em vistas do Reino de Deus, que está próximo. Atendamos o chamado do Senhor, que nos diz: Levantai-vos! Vamos!



José Leonardo Nascimento

José Leonardo Ribeiro Nascimento é casado, pai de quatro filhos e membro do segundo elo da Comunidade Canção Nova desde 2007. Natural de Paripiranga (BA), cursou Ciências Contábeis na Universidade Federal de Sergipe e fez pós-graduação em economia por meio do Minerva Program, na George Washington University, nos Estados Unidos. Trabalha, há 18 anos, como Auditor Federal na Controladoria-Geral da União em Aracaju (SE). Ele e sua esposa trabalham, há muitos anos, com a evangelização de casais e de famílias, coordenando grupos e pregando em retiros e encontros.
Instagram: @leonardonascimentocn | Facebook: @leonardonascimentocn


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/comportamento/temos-pressa-para-coisas-erradas/