19 de abril de 2013

Síndrome da dispersão

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Faça poucas coisas, mas as faça bem

Encontro muitas pessoas que me perguntam: "E aí, padre, correndo muito?". No começo, eu sentia a obrigação de fazer um relatório completo das mil e uma atividades que me roubavam preciosas horas de sono e ocupavam minha escrivaninha com montes e montes de pastas a considerar e agendas que eu deveria cumprir. Aos poucos, fui percebendo que a sociedade moderna está doente da síndrome da dispersão. Sim, já virou doença. O estresse e a depressão são apenas sintomas dessa causa mais profunda.

Até o que seria um momento de lazer torna-se estressante naquele trânsito parado na descida ou na subida da serra, na padaria que não dá conta dos clientes de fim de semana ou na corrida por aquele pequeno lugar da disputada praia. Estamos doentes. As igrejas multiplicam pastorais e movimentos, nos quais, necessariamente, os cristãos devem estar engajados. Tudo bem. Mas acontece que muitos pertencem a duas, três e até quatro pastorais e simplesmente vivem a semana toda na igreja, muito mais do que com suas próprias famílias. 


Padres resolvem ser políticos e médicos pretendem ser gurus; psicólogos querem ser sacerdotes e políticos imaginam ser "deuses". Todos sentem a obrigação de saber quase nada sobre quase tudo. A superficialidade é filha primogênita da dispersão. Fazemos um amontoado de coisas sem qualidade. Somos obrigados a atingir metas de qualidade total... ou seria de quantidade total?! Nesse caminho, a modernidade enlouquecerá.


Vamos acelerando o carro e, quando percebemos, já passamos, e muito, da velocidade máxima permitida. Reduzir para os 100 quilômetros por hora chega a ser frustrante para aquele que está contaminado pela "síndrome da dispersão". Parar, então, é simplesmente uma tortura. A ausência da adrenalina pode provocar até doenças físicas. Pasme: estamos viciados em trabalho, perigo e violência. O refrão dessa tragédia é sempre o mesmo: não tenho tempo, não tenho tempo, não tenho tempo! Esta é a cantilena que escutam filhos carentes, namoradas com saudades, esposas e maridos, aquela vovó que espera ansiosa a visita de seus filhos e netos.

 

Sei que estou sendo radical, mas também sei que apenas uma surra da vida costuma tornar possível a cura da síndrome da dispersão. Existem os que ficam realmente doentes e procuram um médico. O problema é que muitos profissionais da saúde têm a mesma doença e resolvem seu próprio problema receitando, irresponsavelmente, uma quantidade enorme de medicamentos que irão tapar o sol com a peneira. É o milagre instantâneo provocado por medicações recentes. Mas sabemos que administrar essa medicação exige criar condições para que o paciente mude suas condições de vida. O terapeuta também deverá ser "paciente".

Refleti muito sobre a raiz mais profunda dessa síndrome e percebi que é aquele mesmo desejo humano relatado já nas primeiras páginas da Bíblia e que originou os outros pecados: "Vós sereis deuses".

Deixe Deus ser Deus. Somos apenas humanos, feitos de terra e um sopro; somos frágeis. Os sábios não sabem tudo nem fazem tudo, mas saboreiam aquilo que fazem. Sabedoria é saber com sabor. Faça poucas coisas, mas as faça bem.

Teresinha do Menino Jesus, santa das pequenas coisas, rogai por nós!

 

(Extraído do livro "Pronto, falei!")

 

18 de abril de 2013

Não deixe Jesus sozinho!

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Enquanto houver um sacrário, não haverá solidão

Uma das nossas maiores ingratidões para com Jesus é o abandono em que O deixamos em muitos dos nossos sacrários.


A Igreja o chama de "prisioneiro dos sacrários".

Jesus Eucarístico é o "amor dos amores". Ele faz, continuamente, este milagre para poder cumprir a Sua promessa: "Eis que estarei convosco todos os dias até o fim do mundo" (Mt 20,20).

Do sacrário, Ele nos chama continuamente: "Vinde a mim vós todos que estais cansados e Eu vos aliviarei" (Mt 11,28).

Ali, Ele está como no céu, com os braços abertos e as mãos repletas de graças para aqueles que forem buscá-las com o coração aberto. São João Bosco dizia:


"Quereis que o Senhor vos dê muitas graças? Visitai-o muitas vezes. Quereis que Ele vos dê poucas graças? Visitai-o raramente. Quereis que o demônio vos assalte? Visitai raramente a Jesus Sacramentado. Quereis que o demônio fuja de vós? Visitai a Jesus muitas vezes. Não omitais nunca a visita ao Santíssimo Sacramento, ainda que seja muito breve, mas contanto que seja constante".

Santo Afonso de Ligório disse:

"Os soberanos desta terra nem sempre, nem com facilidade, concedem audiência; mas o Rei do céu, ao contrário, escondido debaixo dos véus eucarísticos, está pronto a receber qualquer um. Ficai certos de que todos os instantes da vossa vida, o tempo que passardes diante do Divino Sacramento será o que vos dará mais força durante a vida, mais consolação na hora da morte e durante a eternidade".

Diante do Senhor, no sacrário, podemos repetir aquela oração reparadora que o anjo, em pessoa, ensinou às crianças, em Fátima, nas aparições de Nossa Senhora, em 1917:

"Ó Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, eu vos adoro profundamente e vos ofereço o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, presente em todos os sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido; e pelos méritos infinitos do seu Santíssimo Coração Imaculado de Maria, peço-vos a conversão dos pobres pecadores. Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos; peço-Vos perdão pelos que não creem, não adoram, não esperam e não Vos amam. Amém!"

Não deixe Jesus sozinho no sacrário da igreja de sua comunidade ou paróquia. Organize uma adoração, a mais constante possível, ao Santíssimo. Chame as pessoas, faça uma escala, divida o tempo para cada um: meia hora, uma hora, o quanto for possível. Podemos ter certeza que as chuvas de bênçãos descerão sobre a comunidade! Os jovens serão preservados do mau caminho, os pecadores serão convertidos, o demônio afastado, as calamidades afugentadas. Não é disto que estamos precisando?

A Igreja, desde o seu início, quis manter Jesus nos sacrários da terra para, ali, Ele ser amado e louvado, derramar sobre nós as suas bênçãos, e ser levado aos doentes.

Sempre foi ao pé do sacrário que os homens e mulheres de Deus buscaram forças e luzes para a sua caminhada. Foi, ali, que São João Vianney conquistou o coração dos seus fiéis e se tornou o grande "Cura D'Ars". Quando, recém-ordenado padre, ele chegou a Ars e encontrou, ali, uma paróquia sem padre há muitos anos, e as pessoas longe de Deus; a primeira coisa que fez foi ajoelhar-se diante do Santíssimo durante horas, rezando o rosário. Assim, ele revolucionou aquele pequeno lugar e fez tantos prodígios.

No livro das suas "Confissões", Santo Agostinho dá um testemunho marcante. Ele afirma que se converteu, porque sua mãe, Santa Mônica, entrava na igreja, três vezes por dia, e pedia a sua conversão a Jesus sacramentado.

Não há problema, qualquer que seja, que não possa ser resolvido diante do sacrário. Deus está ali. O que mais desejar?

Chiara Lubich disse certa vez que, enquanto houver a Eucaristia, o homem não caminhará sozinho, e enquanto houver um sacrário, não haverá solidão.

Que grande riqueza a nossa de podermos viver em um país católico, no qual se pode encontrar com facilidade uma igreja, com as suas portas abertas, guardando no seu interior o Rei da Glória, que nos espera com as mãos cheias de graças!

(Extraído do livro "Entrai pela porta estreita")

16 de abril de 2013

De que lado estamos?

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Precisamos estar abertos para receber a força do Alto

Não é necessário muito para que um cristão se torne o sujeito mais fraco do mundo e desista diante de qualquer obstáculo. Desse modo, precisamos estar abertos para receber a força do Alto. Como vamos fortalecer poderosamente nosso homem interior, se nos enchemos com essas "futricas" apresentadas pelo mundo? Somos chamados a coisas grandes. Se temos um projetinho pequenininho para nossa vidinha, estamos no lugar errado. Supliquemos o Espírito Santo, pois Pentecostes é para aqueles que querem ser cheios do Espírito de Deus.

Se quisermos ser do Paráclito, temos de ser animados por Ele. Se Ele nos defende das três grandes acusações (do mundo, do pecado e do encardido), se o salário do pecado é a morte, se todos os pecadores estão privados da glória de Deus, se o encardido é o nosso acusador, de que lado estamos? Se quisermos ser cheios do Espírito Santo, temos de nos esvaziar das coisas do encardido e mudar de lado. Estamos do lado de quem defende (Espírito Santo) ou do lado de quem acusa?

O encardido sempre tem dois instrumentos no bolso: uma lista de todos os nossos pecados não confessados e uma lupa. Se nos reunirmos, em nome de Jesus, o Senhor estará presente, mas se nos reunirmos para acusar alguém, quem estará no meio dessa atitude é o encardido com sua lista de limitações e sua lupa, a fim de aumentar as acusações e diminuir o acusado. Quem nos acusa vê nossos erros ampliados e nós, ao contrário, os vemos bem pequenos.

Para sermos cheios do Espírito Santo, devemos dispensar o encardido e jogar fora sua lista. Somos pecadores, fracos, mas temos um mediador, alguém que morreu para que não sofrêssemos as consequências do nosso pecado. Esse alguém tem nome e, diante dele, todos os joelhos se dobram na terra, no céu, no inferno, e toda língua proclama que Jesus Cristo é o Senhor. É preciso coragem para se afastar de todos aqueles que não são de Deus.

"Estes são murmuradores descontentes, homens que vivem segundo as suas paixões, cuja boca profere palavras soberbas e que admiram os demais por interesse. Mas vós, caríssimos, lembrai das palavras que vos foram preditas pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo, os quais vos diziam: 'No fim dos tempos virão impostores, que viverão segundo as suas ímpias paixões; homens que semeiam a discórdia, homens sensuais que não têm o Espírito'. Mas vós, caríssimos, edificai-vos mutuamente sobre o fundamento da vossa santíssima fé. Orai no Espírito Santo. Conservai-vos no amor de Deus, aguardando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, para a vida eterna" (Jd 1,16-21).

Tudo seja grande em nós.

Padre Léo, scj

15 de abril de 2013

Obedecer a Deus antes que aos homens

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A relação da Igreja com o mundo representa-se pelo diálogo

A "barca de Pedro", confiada a ele por amor do próprio Cristo, navega pelos mares da história, mesmo quando estes se mostram agitados (Cf. At 5,27-41; Jo 21,1-19). Os dias que vivemos revelam a grandeza atraente e contraditória do pluralismo de ideias e comportamentos, deixando, muitas vezes, confusas nossas mentes. Se de um lado bandeiras descritas como expressões de um estado laico ou da liberdade das pessoas são içadas com força cada dia maior, observamos, com honestidade, que este mesmo estado pode até criminalizar aqueles que desejam assumir comportamentos coerentes com a fé professada, relegando ao nível privado suas convicções, proibindo-lhes fermentar com o bem o ambiente social e cultural. As constituições dos diversos países asseguram direitos iguais, mas parece que alguns grupos da sociedade se consideram "mais iguais", negando justamente a quem tem raízes cristãs a possibilidade de viver coerentemente, considerando seu comportamento conservadorismo e bloqueio ao que chamam progresso da civilização.


Os cristãos entraram em contato com as diversas culturas, corajosos por serem positivamente diferentes e para melhor! As primeiras perseguições, cujos sinais se encontram nos Atos dos Apóstolos, a chamada "diáspora" - dispersão - fez com que o sangue dos mártires se tornasse semente de cristãos. Passaram as culturas que pretendiam eliminar os que professavam a fé cristã e esta permaneceu. Sucederam-se gerações de cristãos, todos convocados dentre os pecadores e não do meio dos justos, mas suas falhas e pecados não conseguiram acabar com a Igreja de Jesus Cristo.


O século passado, tempo que ainda é nosso, foi dos mais ferozes na perseguição à fé, como constatava o Beato João Paulo II no grande jubileu do ano dois mil. Naquela ocasião, convidou todos os cristãos a tomarem consciência da grandeza do testemunho de homens e mulheres que derramaram o sangue pela fé. E Papa Francisco, numa homilia do dia seis de abril, sobre a coragem para testemunhar a fé, que não se negocia e não se "vende a quem oferece mais", assim se expressou: "Para encontrar os mártires não é necessário visitar as Catacumbas ou o Coliseu; os mártires estão vivos, agora, em muitos países. Os cristãos são perseguidos por causa da fé. Em alguns países não podem usar a cruz, pois são punidos se o fazem. Hoje, no século XXI, a nossa Igreja é uma Igreja de mártires".


Ficaremos então imóveis, certos e orgulhosos de que os outros galhos da árvore cairão e nós seremos os vitoriosos? Sabemos que esta não é a atitude correta, pois queremos proclamar com a palavra e a vida que Deus ama a todos os seres humanos de nosso tempo maravilhoso e contraditório, destinatário dos bens da salvação.

Retomei com alegria a Encíclica "Ecclesiam suam", de Paulo VI, encontrando propostas muito atuais e inspiradoras que iluminam nosso argumento. Esta é a hora da Igreja aprofundar a consciência de si mesma, embora saibamos que nunca seu rosto mostrará toda a sua perfeição, beleza e santidade. Ela tem necessidade de se renovar e emendar os defeitos. Urge uma profissão de fé vigorosa, convicta e sempre humilde, semelhante à do cego de nascença: "Creio, Senhor" (Jo 9,38). Ser cristão é viver a consciência de uma "iluminação" que alumia a vida terrena e torna capaz de dirigir-se, como filho da luz, à visão de Deus.

A Igreja não pode ficar imóvel e indiferente, pois não está separada do mundo. Seus membros estão sujeitos à influência do mundo, de que respiram a cultura, leis e costumes. Se, por um lado, a vida cristã, como a Igreja a defende e promove, deve preservar-se de tudo quanto pode enganá-la, profaná-la e sufocá-la, vencendo o contágio do erro e do mal, por outro, a vida cristã deve não só adaptar-se às formas do pensamento e da moral, que o ambiente terreno lhe oferece e impõe, quando forem compatíveis com as exigências essenciais do seu programa religioso e moral, mas deve procurar aproximá-las de si, purificá-las, vivificá-las e santificá-las, o que lhe impõe revisão constante de vida, para dispor o espírito dos cristãos para obedecer a Cristo. Aqui está o segredo da sua renovação, sua conversão e seu exercício de perfeição, o "caminho estreito" (cf. Mt 7,13).

Há outra atitude, que a Igreja deve tomar: o seu contato com a humanidade. O cristão está no mundo sem ser do mundo (Jo 17,15-16), porém, distinção não é separação, indiferença, temor ou desprezo. O tesouro de salvação (Cf. 1 Tm 6,20) é fonte de interesse e de amor por todos. A guarda e a defesa do patrimônio da fé não são os únicos deveres da Igreja, mas também a difusão, a oferta, o anúncio: "Ide, pois, ensinar todos os povos" (Mt 28,19). Este impulso da caridade se chama diálogo, com que a Igreja se faz palavra, mensagem e colóquio.

O diálogo está no plano de Deus. Religião é enlace entre Deus e o homem, e a oração o exprime em diálogo. Deus tomou a iniciativa do diálogo! A relação da Igreja com o mundo, sem excluir outras formas legítimas, representa-se pelo diálogo. O próprio Paulo VI propôs um roteiro para entabular o contato com o mundo. Quem quer dialogar tem propósito de urbanidade, de estima, de simpatia e bondade, exclui a condenação prévia e a polêmica ofensiva. Quem dialoga sabe que não pode separar a própria salvação do interesse pela salvação alheia e anseia por difundir a mensagem que oferece.

O colóquio é arte de comunicação. Para vivê-lo, o diálogo supõe e exige clareza. Pede também mansidão, aprendida na escola de Cristo (Mt 11,29). O diálogo não é orgulhoso nem ofensivo. A autoridade lhe vem da verdade que expõe, da caridade que difunde, do exemplo que propõe; não é comando, não é imposição. O diálogo é pacífico, evita os modos violentos, é paciente e generoso. Para ser levado adiante supõe confiança. Produz confidência e amizade, enlaça os espíritos numa adesão ao bem, que exclui qualquer interesse egoísta. Enfim, ele é entabulado na prudência pedagógica, que atende às condições de quem ouve (Cf. Mt 7,6), exigindo tomar pulso da sensibilidade alheia e modificarmos nossas pessoas e modos, para não sermos desagradáveis nem incompreensíveis.

É na escola do diálogo que se realizará a união da verdade e da caridade, da inteligência e do amor. Esta é uma estrada de obediência ao mandato do Senhor! A cada cristão caberá a tarefa de concretizá-la diante dos desafios atuais.
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Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém - PA

11 de abril de 2013

O seu desejo é a sua oração

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Se o desejo é contínuo, também a oração é contínua

"Meu coração grita e geme de dor" (Sl 37,9). Há gemidos ocultos que não são ouvidos pelos homens. Contudo, se o coração está possuído por tão ardente desejo que a ferida interior do homem se manifesta em sons externos, procuramos a causa e dizemos a nós mesmos: talvez ele tenha razão de gemer e, talvez, lhe tenha sucedido algo. Mas quem pode compreender esses gemidos, senão aquele a cujos olhos e ouvidos eles se dirigem? Por isso diz: "Meu coração grita e geme de dor", porque os homens, se ouvem, às vezes, os gemidos de um homem, ouvem, frequentemente, os gemidos da carne; mas não ouvem o que geme em seu coração.


E quem seria capaz de compreender por que grita? Escuta o que diz: "Diante de vós está todo o meu desejo" (Sl 37,10). Não diante dos homens, que não podem ver o coração, mas diante de vós está todo o meu desejo. Se, pois, o teu desejo está diante do Pai, Ele, que vê o que está oculto, o recompensará.


O seu desejo é a dua oração; se o desejo é contínuo, também a oração é contínua. Não foi em vão que o Apóstolo disse: "Orai sem cessar" (1Ts 5,17). Será preciso ter sempre os joelhos em terra, o corpo prostrado, as mãos levantadas, para que ele nos diga: "Orai sem cessar". Se é isto que chamamos orar, não creio que possamos fazê-lo sem cessar.


Há outra oração interior e contínua: é o desejo. Ainda que faças qualquer outra coisa, se desejas aquele repouso do Sábado eterno, não cessas de orar. Se não queres cessar de orar, não cesses de desejar.

Se teu desejo é contínuo, a tua voz é contínua. Ficarás calado, se deixares de amar. Quais são os que se calaram? Aqueles de quem foi dito: "A maldade se espalhará tanto, que o amor de muitos esfriará" (Mt 24,12).

O arrefecimento da caridade é o silêncio do coração; o fervor da caridade é o clamor do coração. Se tua caridade permanece sempre, clamas sempre; se clamas sempre, desejas sempre; se desejas, tu te recordas do repouso eterno.

"Diante de vós está todo o meu desejo". Se o desejo está diante de Deus, o gemido não estará? Como poderia ser assim, se o gemido é a expressão do desejo?

Por isso o salmista continua: "Meu gemido não vos é oculto" (Sl 37,10). Não é oculto para Deus, mas o é para a multidão dos homens. Ouve-se, por vezes, um humilde servo de Deus dizer: "Meu gemido não voa, é oculto" e vê-se também esse servo sorrir. Será por que o desejo está morto em seu coração? Se o desejo permanece, também permanece o gemido; este nem sempre chega aos ouvidos dos homens, mas nunca está longe dos ouvidos de Deus.

Santo Agosinho, Bispo e Doutor da Igreja

(Extraído do livro "Alimento sólido")

 

10 de abril de 2013

Os filhos nos educam

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Aprenda com os filhos

Os pais são educados mediante a educação dos filhos. A razão é muito simples: ninguém pode ensinar o bem sem vivê-lo; não dá para falar em honestidade para o filho, sem praticar esta virtude; e assim por diante.


Não só na exigência da prática das virtudes para poder bem educar, mas também em muitas outras coisas somos educados enquanto educamos, e assim, a família se torna, também para os pais, um educandário.


Ao educar os filhos você vai notar que nem sempre tudo sai bem, como a gente quer, então somos obrigados a exercitar a paciência, a tolerância, a bondade, etc. Muitas vezes aprenderemos que é preciso esperar e ter fé. Aprendemos que o trabalho em equipe é melhor, que a perseverança foi fundamental para resolver aquele problema.


Certa vez um dos nossos filhos, com apenas oito anos de idade nos deu uma grande lição, sem dizer nada. Era nosso costume rezar o Terço com eles desde pequenos; e um dia, antes da oração, eu lhes contei que algumas pessoas rezavam o Terço em cruz, isto é, com os braços abertos e na horizontal, como penitência. Contei isto sem pretensão alguma de que eles o fizessem. Mas qual não foi a nossa surpresa quando o menino nos disse: "pois eu hoje vou rezar o Terço em cruz!". E ficou com os braços abertos por mais de vinte minutos até que tudo terminasse.

Por mais que eu insistisse com ele que já estava bom, que podia baixar os braços, não o consegui convencer. Fiquei abismado! Aprendi a respeitar mais a criança.

Outra vez tive que passar uma noite em claro no hospital com um deles com uma crise aguda de bronquite. Quanta coisa se aprende quando se passa uma noite em claro em um hospital...

Quantas lições de caridade, bondade, meiguice, pureza, naturalidade, espontaneidade, as crianças nos dão. Não é à toa que Jesus disse que para entrar no Reino dos céus temos que nos "tornar crianças".

Elas nos dão grandes lições: não se preocupam com o dia de amanhã, vivem intensamente o presente, confiam em alguém com todo o coração, não se dão ao luxo e aos caprichos dos adultos. Não fazem discriminação de pessoas e se adaptam com facilidade a qualquer lugar.

Aprenda com os filhos.

(Trecho extraído do livro "Educar pela conquista e pela fé")

 

8 de abril de 2013

Eu sou o Primeiro e o Último

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Fora de Cristo não existe qualquer esperança ou sentido de vida

No início do Livro do Apocalipse, João, o vidente, faz a experiência da presença do Senhor Jesus: "No meio dos candelabros havia alguém semelhante a um filho de homem, vestido com uma túnica comprida e com uma faixa de ouro em volta do peito. Sua cabeça e seus cabelos eram brancos como lã alvejada, igual à neve, e seus olhos eram como chama de fogo. Seus pés pareciam de bronze incandescente no crisol, e sua voz era como o fragor de águas torrenciais. Na mão direita, tinha sete estrelas, de sua boca saía uma espada afiada, de dois gumes, e seu rosto era como o sol no seu brilho mais forte. Ao vê-lo, caí como morto a seus pés, mas ele pôs sobre mim sua mão direita e disse: Não tenhas medo. Eu sou o Primeiro e o Último, aquele que vive. Estive morto, mas agora estou vivo para todo o sempre. Eu tenho a chave da Morte e da Morada dos mortos" (Ap 1,13-18).


Uma cena celeste que confirma uma outra terrena, mas igualmente verdadeira, vivida pelos discípulos de Jesus no dia da Ressurreição: "Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, os discípulos estavam reunidos com as portas fechadas por medo dos judeus. Jesus entrou e pôs-se no meio deles. Disse: A paz esteja convosco. Dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos, então, se alegraram por verem o Senhor" (Jo 20,19-21).


No centro, está Jesus vivo; as duas cenas têm lugar no primeiro dia da semana, chamado "domingo". Este é o espaço de vida da comunidade cristã, a qual se reúne, na fé, para o encontro com Aquele que é o Senhor e Salvador, o Primeiro e o Último, o Único que pode dar sentido à existência humana e apontar-nos a estrada da eternidade feliz. Por isso a Igreja privilegia o dia de domingo, valorizado desde os tempos apostólicos: "Não abandonemos as nossas assembleias, como alguns costumam fazer. Antes, procuremos animar-nos mutuamente – tanto mais que vedes o dia aproximar-se" (Hb 10,25).


Quando a Igreja se reúne para a Eucaristia de domingo, tem como preparação o anúncio de Jesus Cristo, chamado Kerigma, "o encontro com Cristo que dá origem à iniciação cristã. Este encontro deve renovar-se, constantemente, pelo testemunho pessoal, pelo anúncio do Kerigma e pela ação missionária da comunidade. O Kerigma não é somente uma etapa, mas o fio condutor de um processo que culmina na maturidade do discípulo de Jesus Cristo. Sem ele, os demais aspectos deste processo estão condenados à esterilidade, sem corações verdadeiramente convertidos ao Senhor. Só a partir do Kerigma acontece a possibilidade de uma iniciação cristã verdadeira" (Documento de Aparecida 278).

Evangelização e catequese resumem a formação do discípulo missionário de Cristo. Depois, tendo celebrado o mistério e a presença de Jesus, Aquele que é o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim, Alfa e Ômega, faz-se necessário praticar o que se crê e o que se celebra.

Toda vida cristã é, então, marcada com o sigilo da proclamação do senhorio de Jesus Cristo. A leitura dos Atos dos Apóstolos, oferecida pela Igreja e buscada por todos nós, cristãos, durante o tempo pascal, testemunha o crescimento dos que aderiam "ao Senhor" pela fé, uma grande multidão de homens e mulheres (Cf. At 5,14). Será, então, possível perceber as características dos cristãos de ontem e hoje.

Sua vida se fundamenta no reconhecimento de Jesus Cristo como Deus e Salvador. Não existe, fora d'Ele, qualquer esperança ou sentido de vida. Sua Palavra é reconhecida como fonte para todas as decisões, torna-se norma de comportamento, gera uma nova cultura, estabelece limites morais e, ao mesmo tempo, escancara as portas da liberdade e da felicidade.

Garimpando os textos das Cartas de São Paulo, é possível encontrar pérolas como a que se segue: "Tendo vós todos rompido com a mentira, que cada um diga a verdade ao seu próximo, pois somos membros uns dos outros. Podeis irar-vos, contanto que não pequeis. Não se ponha o sol sobre vossa ira, e não deis nenhuma chance ao diabo. O que roubava não roube mais; pelo contrário, que se afadigue num trabalho manual honesto, de maneira que sempre tenha alguma coisa para dar aos necessitados. De vossa boca não saia nenhuma palavra maliciosa, mas somente palavras boas, capazes de edificar e de fazer bem aos ouvintes. Não entristeçais o Espírito Santo de Deus, com o qual fostes marcados, como por um sinal, para o dia da redenção. Desapareça do meio de vós todo amargor e exaltação, toda ira e gritaria, ultrajes e toda espécie de maldade. Pelo contrário, sede bondosos e compassivos, uns para com os outros, perdoando-vos mutuamente, como Deus vos perdoou em Cristo" (Ef 4,25-32).

Para anunciar Jesus aos outros, à luz da Páscoa de Cristo, o primeiro anúncio e a primeira mudança ocorrem dentro de cada cristão ou cristã. Depois, tornamo-nos propagadores da mesma verdade que liberta, tendo ouvido a palavra de missão dita aos primeiros discípulos e que continua a ressoar nas sucessivas gerações: "A paz esteja convosco! Como Pai me enviou, também eu vos envio" (Jo 20,21).

Mudará, então, o trato com os bens da terra, com o desafio da comunhão dos bens (Cf. At 2,42-47), o trato com o dinheiro e as relações familiares e sociais: "Perseverai no amor fraterno. Não descuideis da hospitalidade; pois, graças a ela, alguns hospedaram anjos, sem o perceber. Lembrai-vos dos presos, como se estivésseis presos com eles, e dos que são maltratados, pois também vós tendes um corpo! O matrimônio seja honrado por todos, e o leito conjugal, sem mancha; pois Deus julgará os libertinos e os adúlteros. Que vossa conduta não seja inspirada pelo amor ao dinheiro. Contentai-vos com o que tendes, porque ele próprio disse: Eu nunca te deixarei, jamais te abandonarei" (Hb 13,1-5).

Desafiador? Possível! Com a graça de Deus, sim! Com Aquele que é Senhor, Primeiro e Último, Princípio e Fim.

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Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém - PA