23 de janeiro de 2013

A mística do silêncio

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O silêncio é necessário para oração

O silêncio é necessário para que se possa penetrar na grandeza incomensurável do Ser Supremo. Supõe maleabilidade e acessibilidade às influências das moções divinas. Isto é condição básica para atingir a maturidade espiritual que deve ser uma meta de todo aquele que tem fé. Um primeiro passo para se poder envolver inteiramente na luz celestial é evitar a dispersão, inimiga peremptória da concentração. O bulício é empecilho a um diálogo com Deus, pois "non in comotione Dominus", o Senhor não está na agitação. Quando se age longe do tumulto, esta atitude muito agrada a Deus. Os demais passos tornam-se mais fáceis. Entre o "mundo" e "Deus" o posicionamento se torna claro, radical e definitivo. Verifica-se o sim verdadeiro de quem quer estar unido ao Pai Celeste.


Eis por que é preciso aprender a fazer silêncio para que seja viável o aprimoramento interior e, em consequência, a transformação de todo o ser. É possível a taciturnidade mesmo que não esteja dentro de um mosteiro. Encontrar um espaço para estar a sós com Deus é questão de opção. Criar um ambiente para a abertura ao contato com o Espírito Santo significa a disposição implícita de escutá-lo, já tendo, inicialmente, o cristão se proposto à observância sincera e perseverante dos mandamentos sagrados do Decálogo e se colocado numa atitude de profunda humildade. 


Dá-se, deste modo, a possibilidade da imersão no mistério do Deus três vezes santo. Desta maneira, as orações ganham sentido. O terço, por exemplo, torna-se uma prece vocal e, ao mesmo tempo, mental pela contemplação atenta dos grandes episódios bíblicos. A leitura pausada de trechos da Sagrada Escritura passa a propiciar oportunidade ímpar para que o Espírito Santo fixe suas diretrizes, as quais são então acatadas como resposta instantânea ao Seu Senhor. Ocorre, neste caso, a admirável adaptação da criatura a Seu Criador. Eis um primeiro fruto do silêncio. 


Ele enseja ao cristão compreender que o estar com Deus não representa se alienar do que o rodeia numa fuga condenável das tarefas cotidianas e, também, do interesse pelo próximo. Ao contrário, revigorado com estes instantes de união com o Senhor, o cristão compreende que silêncio sem apostolado é vão egoísmo, e sem o cumprimento do dever de cada instante é fatuidade. Com efeito, aquele que se entrega a momentos de uma oração silenciosa coloca em ordem seu interior e quer, depois, irradiar paz, serenidade, tranquilidade, imperturbabilidade em seu derredor, fazendo bem tudo que deve fazer a bem dos outros. Apenas assim chega-se à sabedoria e à inteligência espiritual de que fala São Paulo aos Colossenses.

Esta sabedoria conduz a um comportamento digno do Senhor, tudo transformando em pensamentos, desejos e ações agradáveis a Ele .

É assim que a vida do cristão produz, de fato, frutos abundantes e o epígono de Cristo cresce continuamente no conhecimento de Deus numa sublime atitude perseverante e paciente (cf Cl 1,9-11). É preciso, portanto, saber e degustar todas as alegrias de se sentir salvo amado por Aquele que é o oceano infinito de amor. Tudo que aconteceu no passado fica entregue confiadamente à Providência e ela lança o cristão jubilosamente para o futuro, como ensina o referido São Paulo (cf.Fl 3,14). O dia de Deus se torna sempre presente, duração viva, sem trevas, tristezas, fobias. É que os momentos de silêncio se convertem em instantes felizes nos quais a alma como que, inefavelmente, toca o infinito.

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho

21 de janeiro de 2013

Quais são os seus maiores medos?

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Não nos deixemos vencer pelo desânimo e sentimento de derrota

Quem não tem medo nesta vida? Convivemos com muitos medos todos os dias, mas eu os tenho vencido pelo poder da Palavra e da oração. Quais são os seus maiores receios, aqueles que o impedem de caminhar, o paralisam? É hora de darmos um grande passo e vencer nossos medos.


"Quanto a ti, permanece firme naquilo que aprendeste e aceitaste como verdade. E sabes de quem o aprendeste! Desde criança conheces as Escrituras Sagradas. Elas têm o poder de te comunicar a sabedoria que conduz à salvação pela fé no Cristo Jesus. Toda Escritura é inspirada por Deus e é útil para ensinar, para argumentar, para corrigir, para educar conforme a justiça. Assim, a pessoa que é de Deus estará capacitada e bem preparada para toda boa obra" (cf. 2Tm 3, 14-17).

"Em todas as circunstâncias, empunhai o escudo da fé, com o qual podereis apagar todas as flechas incendiadas do maligno. Enfim, ponde o capacete da salvação e empunhai a espada do Espírito, que é a palavra de Deus!" (Ef 6, 16-17).

Essa carta de amor escrita por Deus é uma maneira muito concretas de comungar Jesus, pela Santíssima Eucaristia e pela Palavra de Deus. Hoje, o Senhor quer disser para você: "Nada de medo, homem predileto! Calma! Coragem! Coragem!". Basta Ele falar para que nos sintamos mais fortes e digamos: "Fale este meu Senhor, que me devolveu as forças!" (Daniel 10, 19).

Este é o poder da Palavra de Deus em nossa vida, quantos de nós passamos por situações agora de aflição, que nos enchem de medo e de insegurança. E essa Palavra vem trazer conforto e fortaleza. O Senhor está dizendo para você: 'Nada de medo, meu filho, minha filha predileta! Calma! Coragem! Coragem!'

Senhor, escuta o meu clamor e atende as minhas preces. Estende a Tua mão e me arranca desta situação, põe Tua Palavra em meu coração e devolve as minhas forças para viver. "É em Deus que eu ponho minha esperança; nada temo. Que mal me pode fazer um ser de carne?" (Salmo 55,12).


Não nos deixemos vencer pelo desânimo e sentimento de derrota: "O Senhor é minha luz e minha salvação. De quem eu terei medo? O Senhor é quem defende a minha vida; a quem eu temerei?" (Salmo 27, 1.) 


Diante dos nossos inimigos e das coisas que nos ameaçam está o nosso Deus, que é fiel e cumpre Suas promessas. Nestes dias, estou batalhando com problemas de saúde na família e, quando chequei em casa, meus irmãos estavam organizando um Cerco de Jericó com este tema. Que conforto para minha alma saber que não estou sozinho e que a Palavra de Deus me alimenta e sustenta! "Eis o Deus que me salva, eu confio e nada temo, porque minha força e meu canto é o Senhor, e ele foi para mim libertação." (Isaías 12).

Assim como eu, você também pode estar passando por situações diversas no casamento, com seus filhos, no trabalho, um problema sério de saúde física ou esíritual. Não temas! "Lâmpada para meus pés é tua Palavra e luz para os meus caminhos. Meu sofrimento passa dos limites, senhor, dá-me vida segundo tua palavra." (Salmo 118, 105). Deixe-se guiar pela direção de Deus em Sua Palavra e interceda junto conosco. Você não está sozinho!

Jesus também animava e encorajava com Sua presença terna e Suas palavras fortes e confortantes. Ele dizia aos discípulos e à multidão: "Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas. Porque meu jugo é suave e meu peso é leve" (Mateus 11,28-30).

Jesus disse aos Seus discípulos: "No mundo terei aflições, mas coragem eu venci o mundo!" (João 16,33). Vou partilhar com você esta palavra que é o lema da minha vida como padre: "Tudo posso naquele que me dá forças" (Filipenses 4,13).

Vamos nos deixar conduzir e encorajar pela Palavra, pois, assim, venceremos um obstáculo a cada dia, pois muitos eu já tenho vencido com esta Palavra que é um grito de fé e de vitória.


Padre Luizinho, sacerdote da Comunidade CN

14 de janeiro de 2013

E quando a vida nos diz "não"?

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Nem sempre as portas estarão fechadas

Nem sempre quando a vida nos diz "não", tal resposta tem a finalidade de nos encerrar em um tempo de esterilidade. O "não" pode também se manifestar como a possibilidade de trilharmos um novo caminho, adentrando por uma nova porta que a nós se inaugura neste específico momento. Há momentos nos quais, de maneira antecipada e, quem sabe, até precipitada, tudo definimos e estabelecemos dentro de nós, idealizando nossos sonhos e metas de maneira irrevogável. Entretanto, em muitas circunstâncias, as realidades acabarão não acontecendo da maneira como planejamos, e nesses peculiares invernos, poderá – intensamente – nos visitar a frustração.

É horrível desejar tanto uma realidade e, por fim, deparar-se com a sua não realização. Contudo, não é só quando a vida sorri que podemos ser felizes. Muitas vezes, a felicidade que nos espera será preparada pelas lágrimas, sendo que estas podem se tornar um sólido alicerce para a construção de uma madura realização em nossa história. As lágrimas podem também gerar vida e recomeços, e o não, pode se tornar um específico lugar onde se pode refletir e escutar a Verdadeira voz, que poderá nos conduzir à mais perfeita realização.


Neste processo de deparar-se com o "não" se faz essencial a confiança. Confiar em um motivo Maior no qual possamos recostar nossas fragilidades, pois sempre haverá um concreto sentido (significado) no qual poderemos ancorar nossas esperanças e depositar as nossas lágrimas. Faz-se necessário confiar nos planos de nosso Autor, pois, diante de cada circunstância, Ele sempre verá mais longe e comtemplará o real muito melhor que nós mesmos.

É preciso, de fato, confiança e abandono, mesmo quando a vida diz "não", pois o "não" – conduzido por Deus – torna-se fonte de vida e de felicidade para nós. É preciso dizer "sim" aos "nãos" que Deus nos apresenta, acreditando que Ele conhece nossos sonhos e que, quando nos diz "não", é porque está nos preparando algo infinitamente superior ao que esperávamos.

Seus planos são perfeitos, e no centro deles estamos nós. É preciso treinar a audição para o Infinito e sempre n'Ele esperar, dizendo constantemente "sim" às realidades nas quais Ele nos insere. De tal forma em tudo cresceremos, adquirindo uma sabedoria e maturidade ímpares, que nos farão adentrar naquilo que é próprio da Eternidade. Cresçamos com os "nãos", treinemos a confiança e nos abandonemos aos cuidados deste singular e infinito Amor!

 

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Padre Adriano Zandoná

27 de dezembro de 2012

Tempo de Natal: nasceu para nós um Salvador!

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O amor de Deus invisível se faz visível

O que vamos fazer nestes dias do tempo de Natal, já desde a noite em que Jesus nasceu? Voltar os olhos e o coração inteiramente para a figura do Menino envolto nos paninhos que a Mãe trouxe de Nazaré e reclinado sobre as palhas do presépio. Não sentimos desejos de olhar para Ele e Lhe dizer: Meu Senhor e meu Deus!? Porque esse Menino, que vemos na manjedoura, é Deus feito homem, que vem ao nosso encontro para nos salvar. Tanto amou Deus o mundo – dizia Jesus a Nicodemos – que lhe deu Seu Filho único. O Senhor não enviou o Filho ao mundo para condená-Lo, mas para que o mundo fosse salvo por Ele (Jo 3,16).

Contemplando este mistério da Encarnação do Verbo, estamos no coração da nossa fé cristã. É um mistério que nos dá a certeza de que Deus é amor e nos quer com loucura. Essa é, precisamente, a certeza que fazia o apóstolo São João exclamar: "Deus é amor!" Nisto se manifestou o amor de Deus para conosco: em nos ter enviado o Seu Filho únicopara que vivamos por Ele (cf. 1 Jo 4,8-9).

Sim, no Natal, o amor de Deus invisível se faz visível. Está aqui, junto de nós, no presépio. São João extasiava-se com essa maravilha da bondade de Deus, que é a vinda do Verbo encarnado, e dizia: 'Ninguém jamais viu a Deus. O Filho único, que está no seio do Pai, foi quem o revelou' (Jo 1,18). E, cheio de júbilo por tê-Lo conhecido, por ter convivido com Ele durante três anos e ter experimentado o Seu carinho, exclamava: 'Nós o vimos com os nossos olhos, nós o contemplamos, nós o ouvimos, nós o tocamos com as mãos…!' (cf. 1 Jo 1,1-3) Por experiência própria, podia afirmar: 'Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é Amor' (1 Jo 4,8).

Jesus é Deus feito homem, que nos ama com toda a força do seu amor divino e humano. Seu amor é grande e verdadeiro, tem os dois sinais claros da autenticidade. Primeiro, é uma doação plena. Amor que não se dá não é amor. Mas não é um dar-se qualquer, é uma doação que visa o nosso bem. E aí está o segundo sinal de autenticidade: todo o verdadeiro amor, ao dar-se, quer bem, ou seja, dá-se procurando o bem da pessoa amada.

E qual é o bem, quais são os bens que Jesus nos traz? Todos os bens! A vida verdadeira, a vida eterna! A felicidade que não poderá morrer! Nessa infinita riqueza de bens divinos, podemos distinguir especialmente três grandes tesouros. O tesouro da verdade, que Ele nos ensina; o tesouro do caminho do Céu, que Ele abre e nos mostra; e o tesouro da vida nova dos filhos de Deus, que Ele ganha para nós na cruz.

Tudo isso resumiu-o Jesus numa só frase: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14,6). Será que captamos a importância dessas palavras? Tentemos arrancar, do fundo delas, a grande luz que encerram, meditando um pouco sobre o seu significado. Jesus nos traz, primeiro, a luz da verdade. Vem-me à cabeça agora o pai de São João Batista, Zacarias – o marido de Santa Isabel –, que profetizou o nascimento de Jesus de uma maneira muito significativa. Dizia que a ternura e a misericórdia do nosso Deus nos vai trazer do alto a visita do Sol nascente, que há de iluminar os que jazem nas trevas e nas sombras da morte e dirigir os nossos passos no caminho da paz (Lc 1,78-79). Desde antes de nascer, Jesus já é anunciado como o Sol, como a Luz, a Luz da Verdade, que nos guiará para o bem e para a paz, para a paz terrena e eterna.

Isso é o que também diz São João no prólogo do seu Evangelho. Ele era a verdadeira Luz, que, vindo ao mundo, ilumina todo homem. A luz resplandece nas trevas e estas não a compreenderam (cf. Jo 1,9-11). Que pena se nós não a recebêssemos! Que pena se nós não a compreendêssemos! Porque a verdade que Ele nos traz não é uma verdade qualquer, mas a única verdade-verdadeira, a única verdade que salva: a verdade sobre Deus, sobre o mundo e sobre o homem. Só ela pode dar sentido à nossa vida.

Utilizando-nos de uma comparação do próprio Cristo, podemos dizer que a verdade ensinada por Ele é como a semente na mão do semeador. Pode cair nas pedras ou entre espinhos e morrer; ou pode cair numa boa terra e dar fruto (cf. Mt 13, 4 ss.). Depende de nós. Se procurássemos acolher essa verdade com carinho, seria uma maravilha, seríamos– no empenho por edificar a nosa vida – como o construtor de que Jesus falava: 'Aquele que ouve as minhas palavras e as põe em prática é semelhante a um homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha' (Mt 7,24). Nem a chuva, nem o vento, nem as tormentas conseguiriam derrubá-la. Porque essa verdade nos daria – como diz a Bíblia – um amor forte como a morte' (cf. Cânticos 8,6).

Se continuarmos a olhar para Jesus Menino, veremos que Ele nos diz também, como já mencionávamos, "Eu sou o Caminho". Toda a vida d'Ele é exemplo e caminho para nós, é como a sinalização luminosa da estrada que conduz a Deus, o roteiro que devemos seguir para nos realizarmos nesta terra e na eternidade.

É por isso que Jesus diz, muitas vezes: 'Segue-me!'. Compara-nos às ovelhas que Ele, o Bom Pastor, conduz entre brumas e perigos até o pasto que alimenta e o refúgio seguro. Ele é o Bom Pastor que caminha adiante delas, adiante de nós, indicando-nos o caminho; mais: sendo, com o Seu exemplo, Ele próprio o caminho. Acontece que o caminho de Cristo é, essencialmente, o caminho do amor. Caminhai no amor – escrevia São Paulo –, segundo o exemplo de Cristo, que nos amou e por nós se entregou (Ef 5,2).

O amor que é caminho é o amor autêntico, com maiúscula, o Amor que vem de Deus (1 Jo 4,7). Não é fumaça cor de rosa, nem é uma teoria ou só uma paixão que arde e se evapora; é um amor vivo, sincero e realista, que se manifesta, no dia a dia, na prática das virtudes que são como o selo de garantia do amor.

Por isso, aquele que ama esforça-se por ser – com a graça de Deus – generoso, compreensivo, dedicado, paciente; e também por ser constante, por ser forte na adversidade, por ser sóbrio e moderado nos prazeres; por ser caridoso, gentil, prestativo; por ser justo, discreto; por dar a Deus cada dia mais amor, e aos irmãos também. Em suma, por levar a sério a prática das virtudes humanas e cristãs.

Nunca percamos de vista: aquele que ama faz, age, não fica só pensando e sentindo. É exatamente isso o que nos diz São João, o grande intérprete do amor de Cristo: "Meus filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas por atos e em verdade" (1 Jo 3,18). E é claro que isso se aplica tanto ao amor a Deus como ao amor ao próximo. Como diz o mesmo São João: "Temos de Deus este mandamento: quem ama a Deus, ame também a seu irmão" (1 Jo 4,21).

Padre Francisco Faus
http://www.padrefaus.org/

19 de dezembro de 2012

Uma constelação de famílias

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Famílias respeitadas, sociedades sadias

É conhecida a sentença que, com pequenas variantes, afirma: «Família sadia, sociedade sadia. Família em crise, sociedade em crise». 

Essa afirmação é, sem dúvida, discutível; no entanto, é inegável que encerra um grande núcleo de verdade. Sobre a importância social da família há volumes alentados, análises e estudos muito ponderáveis. Eu desejaria agora, concretamente, frisar apenas uma das razões que, a meu ver, evidenciam o nexo de causalidade existente entre família sadia e sociedade sadia.

Refiro-me ao fato de que, na sociedade, não há nenhum âmbito de crescimento humano e moral, nenhum ambiente educativo, nenhum "coletivo" tão propício e eficaz para o cultivo das virtudes como a família bem estruturada. E isso me parece de suma importância, levando em consideração que, no mundo atual, cada vez parece mais evidente que a sociedade precisa de um oxigênio vital, de virtudes aprendidas, arraigadas, exercitadas e desenvolvidas até a maturidade. Decadência social, ignorância ou desprezo pelas virtudes são a mesma coisa.

A não ser que, hoje ainda, se considerem vigentes as afirmações feitas pelo poeta Paul Valéry, num famoso discurso à Academia Francesa: «Virtude, senhores, a palavra "virtude" já morreu ou, pelo menos, está em vias de extinção [...]. Receio que não exista jornal algum que a imprima ou se atreva a imprimi-la com outro sentido que não seja o do ridículo. Chegou-se a tal extremo, que as palavras "virtude" e "virtuoso" só podem ser encontradas no Catecismo, na farsa, na Academia e na opereta».

Seria de desejar que atitudes desse tipo tivessem ficado enterradas no passado. Quando Valéry falava, virtude sugeria limite, enquadramento, barreira obsoleta num ambiente ébrio do vinho novo da liberdade. A centralidade da virtude, na formação do ser humano, havia cedido o espaço à liberdade sem limites, numa eufórica erupção de individualismo egocêntrico (que paradoxalmente, na primeira metade do século XX, descambou nas duas maiores tiranias da história). A sociedade atual, com suas mazelas, com os preocupantes desvios de uma parte não pequena da juventude (basta pensar nas drogas) é de molde a reacender uma autêntica "saudade das virtudes". Mas, pergunto-me, será isso possível ao mesmo tempo em que se exalta como nunca a "liberdade ilimitada" como único valor moral, ao passo que se desprestigia a família?

Penso que, nos nossos dias, muitas vezes pode ser bom mergulhar um pouco na sabedoria dos antigos. Remontemos, há 2.500 anos, e ouçamos Confúcio dizer: «Para governar deliberadamente um reino é necessário dedicar-se primeiramente a estabelecer a família e o ordenamento que lhe convém… Uma família que responda às exigências humanas e pratique o amor bastará para infundir, no reino, estas mesmas virtudes» (Confúcio: Studio integrale,IX.3. Milão 1960). 

Muito nos pode dizer também a sabedoria dos gregos. Qualquer estudioso da antiguidade clássica sabe que, entre os poetas e filósofos gregos – e, posteriormente, entre seus discípulos latinos – a grandeza do ser humano estava indissociavelmente vinculada à "aretê", conceito de rico conteúdo cuja tradução mais aproximada, na linguagem moderna, é precisamente a de "virtude". O homem vulgar – recorda Werner Jaeger na sua famosa "Paideia"– não tem "aretê". E, nas pegadas de Sócrates, Platão reiterará que a virtude, a "aretê", é a que torna a alma bela, nobre e bem formada, a que abrange e eleva o "humano" em sua totalidade, e irradia depois como glória na vida da comunidade. 

Como é sabido, o conceito clássico de virtude, cinzelado primorosamente pela sabedoria grega, pode resumir-se dizendo que é a elevação do ser na pessoa humana, a potencialização do "ser" humano; ou, com linguagem mais atual, a realização das potencialidades humanas no campo dos valores, a elevação da "qualidade humana".

Pois bem, perante isso, parece preciso perguntar-nos: Onde é que a nossa juventude aprende a "aretê", a virtude que deve ser, acima de tudo, um valor reconhecido e amado pela criança, o adolescente e o jovem, uma convicção enraizada, uma prática exercitada com empenho, da qual depende o bem da pessoa e da sociedade? Será que, hoje, se pode dizer que a virtude se aprende na escola, em qualquer dos seus níveis e graus? É evidente que não. E em casa?

A família, sim, já foi e deveria ser agora o caldo de cultura mais propício para a descoberta, a valorização, o aprendizado e a prática das virtudes. Mas, em que pé está a família entre nós? Será que há algum empenho dos poderes do Estado em fortalecê-la como estrutura vital e moral indispensável para a construção do bem e da sociedade. Creio que não está longe da verdade afirmar que, aparentemente – a julgar pela evolução do direito de família e dos projetos de lei em trâmite –, nota-se mais um empenho, por parte das cúpulas do poder, em desestruturar a família e em desferir-lhe golpes de morte.

Estamos numa encruzilhada, e, além de honesto, é necessário não esconder a cabeça debaixo da asa. Não duvidemos. A futura sociedade brasileira caminha para uma dessas duas possibilidades, apontadas pelo jurista Pedro J. Viladrich: ou ser uma "constelação de famílias", dessas células primárias, vitais, naturais, sadias, que constituem o bom tecido social; ou ser um "aglomerado de indivíduos", preso cada um deles ao interesse particular e ligado aos demais pelo que Gustave Thibon chamava um "egoísmo compartilhado".

Na verdade, é perfeitamente compatível, na prática, ficar apregoando ideais comunitárias e metas sociais – de resto legítimas – e, simultaneamente, viver obcecados pela exaltação idolátrica do "indivíduo" com seu acúmulo de "direitos intocáveis", como hidras que a cada dia criam uma nova cabeça. A maioria vive aos pés de um ídolo nitidamente egoísta, ao qual se sacrifica, como nos ritos pagãos, a família, os filhos, a razão, a moral, a ética, o respeito e a virtude. 

Por isso, pergunto-me se não terá chegado já o momento em que os responsáveis pelos destinos do Brasil, em vez de se dedicarem a lançar lenha na fogueira onde se incineram os valores familiares, voltem a sua atenção para a família, conscientes de que está – em boa parte por culpa deles mesmos – frágil e doente. Eu não duvido de que é na família, na autêntica família, mais do que em qualquer outro quadro de convivência, o "lugar" onde podem ser cultivados os valores, as virtudes e as sábias "tradições", que constituem o melhor embasamento da educação cidadã.

Quando a família for valorizada e defendida como um ideal, quando for uma meta prioritária do poder; quando for protegida e defendida como verdadeira "célula-base" da sociedade, então poderemos confiar em que as nossas crianças e adolescentes consigam aprender, como quem respira, o que significa amar e ser amado, conviver, compartilhar, respeitar, abraçar o desprendimento e conquistar o autodomínio e a capacidade de doação; e, assim, tornarem-se justos, amantes da verdade e da palavra, responsáveis pelos demais… Que consigam aprender, em suma, as virtudes que capacitam as pessoas para serem construtoras de uma sociedade justa e "respirável".

Padre Francisco Faus
http://www.padrefaus.org/

17 de dezembro de 2012

Arrumar a casa

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A Palavra de Deus pede atitudes novas

Deus nos concedeu a capacidade para expressar o que vai na alma por meio de sinais exteriores. Muda a face de uma cidade como Belém quando é Círio "outra vez". A estação de festas juninas tem seu colorido próprio. Férias têm roupa adequada, viagem preparada, lazer que toma conta do tempo. Festa de aniversário de criança sem bolo, doces, velinhas, parabéns, ficaria sem graça! Por outro lado, não se vai a um velório do mesmo jeito que se vai à praia. E casamento, então? Roupa nova, vestidos deslumbrantes, o terno alinhado... É bom ser assim, ter cara de domingo e jeito de dia de trabalho. A rotina se transforma e a vida fica mais bonita.

Quando vem o Natal, com ele fim de ano, gratidão, festas, enfeites, tudo a ser preparado para ser bem vivido. A Igreja sabe do ritmo humano da vida e o preenche com o que existe de melhor, pois nos oferece o mistério de Cristo vivido nesse tempo. Nossa vida, nossos passos e nossas festas ganham sentido novo.

O final do ano traz consigo o convite à renovação de vida, exame de consciência, propósitos novos, desejo de recomeçar. Para os cristãos não há qualquer perspectiva mágica na mudança do calendário, mas somos chamados à renovação contínua pela graça de Deus, na medida em que o mistério de Cristo é celebrado e acolhido com crescente consciência. O tempo não é um ciclo implacável e cansativo, mas oportunidade privilegiada oferecida por Deus a seus filhos. E a Igreja celebra, neste período, algumas realidades marcantes, correspondentes à ação amorosa de Deus, que nos enviou Seu Filho como Salvador e Redentor.


"Advento" é a primeira palavra
que chama atenção nos dias que correm. O contato com Deus não nos deixa estáticos, imóveis diante de uma realidade fechada. O Senhor é dinâmico em Sua presença e em Seu plano de salvação a favor da humanidade. Foi verdadeira peregrinação o caminho feito com Seu povo no Antigo Testamento. Os profetas foram portadores da mensagem da esperança, ajudando muitas gerações a não perderem a perspectiva dos dons de Deus. E Jesus Cristo, Filho de Deus, Deus verdadeiro e Homem verdadeiro, é alguém que chega, passa pela magnífica e desafiadora realidade da família, num tempo de perseguições e incompreensões, mas "vem", entra nas estruturas do mundo, participa de tudo, menos do pecado, justamente porque veio para salvar do pecado e da morte. O apelo é ao acolhimento da iniciativa de Deus e a resposta alegre ao seu amor.

Daqui a poucos dias, o Natal será a luz para entender os sentimentos humanos e unir pessoas e famílias. O nascimento de um Menino – e que Menino! – continua a deixar o mundo extasiado. O mistério da vida, dom de Deus, permanecerá como farol que ilumina as gerações. Os cristãos se agarrem a esta realidade, tomem posse da bandeira do Natal de Cristo, com Ele apostem na vida e defendam-na, façam tudo para que o sorriso do Menino de Belém se reflita em tantas crianças, de todas as idades, para que não se apague a vida e a esperança.

Logo a seguir, o "palco" do Natal se abrirá para observarmos os detalhes: a Sagrada Família, a Mãe de Deus, os pastores que acorreram a Belém e, enfim, os Magos que vieram, de longe, para desvendar o mistério. É a destinação final de tudo o que se celebra na Igreja neste tempo: abrir os espaços, para que todos, sem exceção, reconheçam Jesus Cristo, Filho de Deus, e n'Ele creiam. Manifestação, Epifania!


Não se vive uma realidade tão significativa sem a devida preparação, como acontece em nossas casas, onde grandes acontecimentos pedem arrumação geral, faxina, decoração nova, ambiente diferente! O convite da Igreja há de encontrar acolhida nos homens e mulheres de boa vontade!


A Palavra de Deus pede atitudes novas, mudança de roupa! Ao povo de ontem e de hoje, pede que se tome a veste da justiça. Na Bíblia, justiça e fidelidade a Deus se abraçam! A glória da cidade só pode vir d'Ele. Nossa sociedade é chamada a se abrir a Deus e à verdade. A secura do deserto só pode ser superada com a abertura dos corações ao Evangelho. Nossa sociedade, com o argumento de uma laicidade levada ao extremo, tem contribuído para que as pessoas separem fé e vida. O resultado é que ficam sem fé e sem vida digna! Arrumar a casa do mundo é buscar um equilíbrio entre os diversos setores da sociedade para que dois nomes se aproximem e sejamos com eles chamados: "Paz-da-Justiça", "Glória-do-culto-a-Deus" (cf. Br 5,1-9).


"É que Deus já mandou cortar todo morro elevado, toda serra antiga para aterrar os lugares mais fundos e aplainar o chão a fim de que Israel possa passar com segurança sob a glória de Deus. Por ordem de Deus todas as árvores e plantas de cheiro hão de fazer sombra para Israel. Assim é que, festivamente, Deus há de conduzir Israel para a luz de sua glória, por força da justiça e da misericórdia que dele vêm" (Br 5,7-9). Quando veio João Batista, precursor do Salvador do Mundo, sua voz ecoou pregando a "arrumação" da casa do mundo e dos corações. Sua palavra pediu conversão, correção de rota.


Abaixem-se, pois, os montes do orgulho e da soberba, preencham-se os vales da falta de amor e solidariedade, nivelem-se as estradas, estabelecendo caminhos de comunicação entre as pessoas! Então, nosso testemunho de homens e mulheres de fé ajudará a que todas as pessoas vejam a salvação de Deus (cf. Lc 3,6).

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Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém - PA

11 de dezembro de 2012

Os nomes de Cristo

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Muitas são as formas de relacionar-se com o Senhor

São muitos os nomes e títulos atribuídos a Cristo por teólogos e autores espirituais ao longo dos séculos. Uns são emprestados do Antigo Testamento, outros do Novo. Alguns são usados e aceitos pelo próprio Jesus; outros lhe foram aplicados pela Igreja no decorrer dos séculos. Veremos aqui os mais importantes e mais conhecidos.
 
Jesus (cfr. Catecismo 430-435), que em hebreu significa 'Deus salva': "Quando da Anunciação, o anjo Gabriel dá-Lhe como nome próprio Jesus, o qual exprime, ao mesmo tempo, a Sua identidade e a Sua missão" (Catecismo, 430), isto é, Ele é o Filho de Deus feito homem para salvar 'o seu povo de seus pecados' (Mt 1, 21). "O nome de Jesus significa que o próprio nome de Deus está presente na pessoa do Seu Filho (cf. At 5,41;3 Jo 7) feito homem para a redenção universal e definitiva dos pecados. Ele é o único nome divino que traz a salvação (cf.Jo 3,18; At 2,21) e pode, desde agora, ser invocado por todos, pois a todos os homens Se uniu pela Encarnação" (Catecismo, 432). O nome de Jesus está no coração da oração cristã (cfr. Catecismo, 435).

Cristo (cfr. Catecismo, 436-440), palavra que vem da tradução grega do termo hebreu 'Messias' e quer dizer 'ungido'. Passa a ser nome próprio de Jesus, "porque Ele cumpre perfeitamente a missão divina que tal nome significa. Com efeito, em Israel eram ungidos, em nome de Deus, aqueles que Lhe eram consagrados para uma missão d'Ele dimanada" (Catecismo, 436). Este era o caso dos sacerdotes, dos reis e, excepcionalmente, dos profetas. Este deveria ser, por excelência, o caso do Messias que Deus enviaria para instaurar definitivamente seu Reino. Jesus cumpriu a esperança messiânica de Israel em sua tríplice função de sacerdote, profeta e rei (cfr. ibid.). 

Jesus "aceitou o título de Messias a que tinha direito (cfr. Jo 4, 25-26; 11, 27), mas não sem reservas, uma vez que esse título era compreendido, por numerosos dos Seus contemporâneos, segundo um conceito demasiado humano (cfr. Mt 22, 41-46), essencialmente político (cfr. Jo 6, 15; Lc 24, 21)» (Catecismo, 439).

Jesus Cristo é o Unigênito de Deus
, o Filho único do Senhor (cfr. Catecismo, 441-445). A filiação de Jesus, em relação a Seu Pai, não é adotiva como a nossa, mas a filiação divina natural, isto é, "a relação única e eterna de Jesus Cristo com Deus, Seu Pai: Ele é o Filho único do Pai (cf. Jo 1,14.18; 3,16.18) e, Ele próprio, Deus (cfr. Jo 1,1). Crer que Jesus Cristo é o Filho de Deus é condição necessária para ser cristão (cfr. At 8,37; 1 Jo 2,23)" (Catecismo, 454). "Os evangelhos se referem, em dois momentos solenes - no batismo e na transfiguração de Cristo -, a voz do Pai, que O designa como Seu «filho muito-amado» (Mt 3,17; 17,5). Designa-se a Si próprio como «o Filho único de Deus» (Jo 3,16), afirmando por este título a sua preexistência eterna" (Catecismo, 444).

Senhor (cfr. Catecismo, 446-451): "Na tradução grega dos Livros do Antigo Testamento, o nome inefável sob o qual Deus Se revelou a Moisés (cfr. Ex 3, 14), YHWH, é traduzido por « Kyrios» («Senhor»). Senhor torna-se, desde então, o nome mais habitual para designar a própria divindade do Deus de Israel. É neste sentido forte que o Novo Testamento utiliza o título de «Senhor», tanto para o Pai como também – e aí é que está a novidade – para Jesus, assim reconhecido como sendo Ele próprio Deus (1 Co 2, 8)" (Catecismo, 446).

Ao atribuir a Jesus o título divino de Senhor, as primeiras confissões de fé da Igreja afirmam, desde o princípio (cfr. At 2, 34-36), que o poder, a honra e a glória, devidos a Deus Pai, também são devidos a Jesus (cfr. Rm 9,5; Tt 2,13; Ap 5,13), porque Ele é «de condição divina» (Fl 2, 6) e o Pai manifestou esta soberania de Jesus ressuscitando-O de entre os mortos e exaltando-O na Sua glória (cfr. Rm 10,9; 1 Co 12,3; Fl 2,11)" (Catecismo, 449). A oração cristã, litúrgica ou pessoal, está marcada pelo título 'Senhor' (cfr. Catecismo, 451).

José Antonio Riestra
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