28 de agosto de 2012

Falando de fé

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Deus age na nossa história, mas precisamos responder a essa ação

Fala-se muito de fé e sobre a fé em nosso meio, mas, afinal, o que é mesmo fé? O que precisamos conhecer de verdade sobre ela? Quando falamos sobre isso, é necessário considerar dois aspectos diferentes que estão interligados e não podem ser separados entre si. 

De fato, se formos levar em conta a teologia na Idade Média, essa reflexão é confirmada. Tal teologia dizia que a fé indica as verdades em que se creem; e que, por sua vez, se professam pela fé; ao mesmo tempo, para indicar a atitude pessoal em que ela consiste, isto é, o abandono total e a confiança da pessoa no encontro e na comunhão com Deus. Esse último aspecto é o verdadeiro fundamento e a substância daquilo que chamamos de fé.

O primeiro aspecto é, em certo sentido, a consequência disso. Agora, como entender melhor tudo isso? Imagino o povo continuamente distraído pelas sequências de vida da sociedade. Como esse povo pode fazer uma experiência de vida diferente, concentrada em um abandono total a Deus? Como fazer o encontro e a relação com Ele no dia a dia do nosso cotidiano? Como entender melhor tudo isso?

A comunicação nos ensina que a melhor recepção das mensagens tem de partir da realidade e do contexto dos envolvidos. Nesse caso, dos fiéis. O Mestre Jesus nos ensinou muito bem, por meio dos Evangelhos, a opção do gênero literário mediado pelos exemplos, isto é, as parábolas. Eu também quero desfrutar essa linguagem da realidade para poder penetrar no grande mistério da fé na nossa vida. 

Um jovem casal, com dois filhinhos, profissionalmente afirmado e com futuro mais promissor ainda, conduzia a vida normalmente, conforme os parâmetros de sucesso da nossa sociedade. Ah, sim, para melhor definir esse perfil, o casal, às vezes, tinha ainda um tempinho para ir à igreja, sobretudo por certas ocasiões sociais. Uma vida normal, conforme os dias de hoje. De repente, aconteceu aquilo que nunca se espera. Eles, acidentalmente, sem culpa nenhuma, perderam a filha menor. Uma desgraça que foi além da própria família. Parentes, amigos, conhecidos e colegas de profissão se sentiram todos abalados. Todos, por sua vez, tentavam mostrar a sua solidariedade, dando até conselhos mais impensáveis. Alguns, inclusive, chegaram a pensar coisas mais tristes, porque perder uma filhinha assim pode gerar somente desespero. Um túnel sem saída. 

No entanto, o jovem casal enfrentou a dura realidade e se deixou questionar pelo dramático evento da vida que aconteceu com ele, isto é, não soube somente chorar, mas soube se interpelar. A linda filhinha, sim, morreu, mas ela se tornou mais viva nos dois, conduzindo-os para profundas reflexões; uma delas foi constatar como ele, casal, por exemplo, nunca tinha tempo para ir à igreja nem para rezar um pouquinho mais ou aprofundar mais sobre a própria conduta religiosa e familiar.

A partir do trágico episódio, o jovem casal começou a se colocar em questão. Daí em diante, com grande e resoluta firmeza, eles se engajaram mais na vida da igreja para promover a pessoa da fé. De fato, o casal não perde mais uma missa aos domingos, participa toda semana do estudo bíblico e é solidário com aqueles que mais necessitam.

O trágico evento provocou o casal a fazer uma experiência diferente, de confiança total na busca de Deus, porque viu que esta vida foge do nosso controle. Por isso, pude ver, nesse caso, como a fé se tornou operante, como esse casal soube reconhecer que não somos nós que garantimos a vida, embora possamos ter todo o poder e riqueza desse mundo.


Assim, começou no casal uma relação de confiança em Deus, mediado pelo encontro com Jesus. Tudo isso mudou o olhar deles sobre a realidade, a concepção dos valores, o mundo dos desejos e nada ficou como antes; a vida interior desse casal e mesmo o comportamento são submetidos a um processo de conversão. Portanto, esse processo de fé começou com o evento da vida (a história) e lhe permitiu favorecer o encontro com Deus por meio de Jesus, e de fazê-lo amadurecer numa relação mais profunda e continuada na vida do jovem casal. Essa experiência de fé, com certeza, abriu-lhe novos horizontes de vida, os quais, dificilmente, se podem entender sem essa ótica de conversão.

Enfim, Deus age na nossa história, nas nossas realidades, mas, ao mesmo tempo, também nós precisamos agir respondendo a essa ação. Sem essa colaboração, é difícil fazer uma experiência de fé, porque Deus pode agir, mas se nós não respondermos, tudo se torna em vão.

Padre Cláudio Pighin
Doutor em teologia, mestrado em missiologia e comunicação

27 de agosto de 2012

Eu e minha casa serviremos ao Senhor!

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Quem não vive para servir, não serve para viver

A frase é de uma das maiores personalidades do século XX, Mahatma Gandhi, que conduziu seu país, a Índia, assim como muitos outros, a encontrar o caminho da independência e da democracia por meio da não violência ativa: "Quem não vive para servir, não serve para viver". Viver para servir! Proposta desafiadora, fonte de realização para todos os seres humanos, caminho de felicidade. Parece-nos encontrar aí uma das muitas sementes do Verbo de Deus, plantadas na sabedoria e na prática religiosa da humanidade, pois a própria Palavra Eterna do Pai encarnada, Jesus Cristo, mostrou a que veio, abrindo perspectivas novas para Seus discípulos e para toda a humanidade: "Eu vim não para ser servido, mas para servir e dar a vida por resgate de muitos" (Mc 10,45). Jesus Cristo veio ao mundo para fazer a vontade do Pai, para servir. 

O Antigo Testamento reporta a história de Josué, a quem foi dada a tarefa de introduzir o povo de Deus na Terra Prometida. Como havia acontecido na chamada Assembleia do Sinai, quando Moisés, em nome de Deus, pediu ao povo a definição de rumos diante da aliança estabelecida, também em Siquém se reúnem todas as tribos de Israel (cf. Js 24,1-18). A escolha de Josué, em nome de toda a sua família, é muito clara: "Eu e minha casa serviremos ao Senhor"! Nas diversas etapas da história da salvação, retorna a provocação positiva que toca no mais profundo da liberdade humana. Trata-se de escolher o serviço a Deus, optar pela fidelidade à Sua Palavra, cumprir Seus mandamentos, assumir a missão confiada àquele povo escolhido. A resposta do povo de Deus a Josué é decidida: "Nós também serviremos ao Senhor, porque ele é o nosso Deus" (Js 24,18). Durante os séculos que se seguiram, continuamente o Senhor enviou emissários que o chamaram, de novo, à fidelidade!

Veio Jesus, chamou os discípulos e começou uma nova forma de viver. Do meio deles, escolheu apóstolos, criou relacionamento diferente, acolheu crianças, chamou justos e pecadores, derrubou barreiras culturais e religiosas, abriu a estrada da fraternidade. Também o Senhor, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, entrou no maravilhoso jogo de provocação à liberdade humana. Depois das primeiras etapas da pregação do Reino e da constituição de uma nova comunidade de irmãos - os chamados evangelhos sinóticos - Jesus pede aos discípulos uma definição: "E vós, quem dizeis que eu sou?" (Cf. Mt 16,13-20; Mc 8,27-30; Lc 9,18-21). 

Já o Evangelho de São João, no texto que a Igreja proclama no vigésimo primeiro Domingo do Tempo Comum (Jo 6,60-69), traz uma pergunta altamente provocante, após a multiplicação de pães e o discurso de Jesus sobre o Pão da Vida: "Vós também quereis ir embora?". Vem de Pedro a resposta que continua a ressoar pelos séculos: "A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o santo de Deus!" Os discípulos aprenderam a seguir Jesus a partir da fé professada naquele que é Santo de Deus, Messias, Cristo, Filho de Deus. A Igreja não se cansará de proclamar a mesma fé em Jesus Cristo até o fim dos tempos.

Após a Ressurreição, a ascensão de Cristo e o Pentecostes, foi chamado aquele que, perseguidor implacável, veio a ser apóstolo das gentes. É o próprio Paulo quem conta, numa das narrativas de sua conversão, a pergunta que brota no coração de todas as pessoas que se encontram com Jesus Cristo: "Senhor, que queres que eu faça?" (At 22,10) A graça do apostolado continua a se multiplicar na Igreja. Quantas pessoas são chamadas a servir ao Senhor no anúncio da Boa Nova da salvação, nos ministérios e serviços existentes nas Comunidades Cristãs! Que profusão de carismas suscitados pelo Espírito no coração da Igreja, por meio dos quais as palavras do Evangelho são postas em prática e "lidas" nas inúmeras obras de caridade e de serviço existentes em toda parte! E como não reconhecer a beleza do serviço prestado por homens e mulheres, adultos e jovens que desempenham a missão de catequistas em nossas paróquias?

São pessoas que experimentaram a graça do seguimento de Jesus e não podem se calar. São leigos e leigas que, nos serviços internos da Igreja, nas inúmeras frentes de trabalho apostólico e na caridade, podem dizer com o apóstolo São Paulo: "Anunciar o Evangelho não é para mim motivo de glória. É, antes, uma necessidade que se me impõe. Ai de mim se eu não anunciar o evangelho!" (1 Cor 9,16).

Por isso, fixem seus corações onde se encontram as verdadeiras alegrias. Com todas estas pessoas, agradecemos a Deus pelo mês dedicado às vocações. Em sua conclusão, temos o direito e o dever de acolher as novas e muitas vocações para o serviço ao Senhor e à Sua Igreja.



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Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém - PA

20 de agosto de 2012

Oração do Encontro Internacional da Juventude Vicentina 2013

Deus da vida e do amor, 
nós vos louvamos e agradecemos, 
por que nos chamais a seguir vosso Filho Jesus, 
nas trilhas de São Vicente de Paulo.
Conheceis o nosso íntimo 
e sabeis do bem de que somos capazes,
fazei-nos descobrir o sentido da vida 
no ardor da  caridade e da missão,
como amigos solidários dos pobres,
artesãos da justiça e da paz.
Vós, Senhor,
sois a alegria de nossa juventude,
tornai-nos fecundos na oração, 
criativos no serviço e audazes nas tentativas,
missionários de vossa caridade, 
vicentinos felizes, 
livres e comprometidos, 
no caminho do vosso Reino.

Amém.

Virgem Maria, sinal de Deus para nós

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No mundo marcado pelo poder, ela se fez escrava do Senhor

Deus fala sempre e é necessário apurar os ouvidos diante de Suas Palavras. Muitas vezes, o silêncio é a Sua voz (Cf. Is 30,15; Sl 64,2), outras se manifestam por meio de pessoas por Ele enviadas, cujos gestos e respostas aos apelos do Senhor são altamente eloquentes. Grita bem forte, diante da história, o sinal que é a Igreja, esposa de Cristo, cuidada com amor por aquele que se entregou para fazê-la santa e imaculada. Sinal de Deus é o fato de ser esta mesma Igreja constituída por homens e mulheres marcados pela fragilidade comum a toda a natureza humana, mas tocados pela graça de Deus, que os conduz progressivamente à estatura de Cristo (Cf. Ef 4,13-16). O mistério de Cristo, luz do mundo, há de resplandecer na face da Igreja.

Tudo o que se diz da Igreja, em geral, pode ser aplicado em particular àquela que foi escolhida e preparada pelo Pai do Céu para ser Mãe de Seu Filho amado, a Virgem Maria, Imaculada, assunta ao céu, sinal de Deus para o mundo. Por outro lado, tudo o que se diz de Maria pode ser aplicado à Igreja no seu conjunto, como graça e vocação (Cf. Ap 11,19; 12,1-10). Ao celebrarmos com a Igreja a Festa da Assunção de Nossa Senhora, deparamo-nos com uma torrente de ensinamentos a serem colhidos com sabedoria, ainda que não sejamos capazes de absorver toda a riqueza dos mistérios de Deus, realizados em santa cumplicidade com a humanidade, nos quais nos envolvemos, com Maria e do modo de Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe.

O fato de Deus ter preservado a Virgem Maria
da corrupção, elevando-a em corpo e alma, "assumindo-a" na "assunção", traz consigo a lição do grande valor dado por Deus a tudo o que é humano. Não nos é lícito desprezar o corpo humano, as realidades terrestres destinadas a contribuírem à realização das pessoas, a beleza da natureza, o relacionamento entre elas. Tudo tem um destino de felicidade e de eternidade, tanto que buscamos um novo céu e uma nova terra, onde Deus será tudo em todos! É inclusive condição para a realização humana nesta terra o olhar otimista dos cristãos em relação a toda a criação. Cabe a eles passar pelas estradas do mundo plantando e colhendo o bem, recuperando a realidade e o sonho oferecidos por Deus no Livro do Gênesis, pois ele nos quer felizes no Paraíso. Nossa vida na terra é ao, mesmo tempo, saudade e esperança do Paraíso. Em Cristo, Salvador e Redentor, tudo é recapitulado, ganha um novo e definitivo sentido.

Olhar para o grande sinal aparecido do no céu e dar-lhe um nome: Maria! – traz ainda a grande certeza de termos uma Mãe no Céu, criatura como todos nós, mas escolhida, preservada do mal e elevada à comunhão plena com a Trindade. Um privilégio e uma graça que a tornou missionária. Ela chegou na frente para nos mostrar a estrada. Bendita entre todas as mulheres (Lc 1,39-45) para nos mostrar o caminho da bênção. Ela é Nossa Senhora da Esperança, Nossa Senhora da Glória, Nossa Senhora do presente e do futuro! Junto de Deus está a nossa humanidade. Estabeleceu-se um laço definitivo pelo que nós podemos renunciar a olhar para o Céu e caminhar para lá. 

Olhando para aquela que foi assunta ao Céu, parece-me encontrá-la realizada aqui na terra, em muitas outras pessoas que trazem os traços de Maria. Dentre tantas, no mês dedicado às diversas vocações na Igreja, volto meu olhar para os homens e mulheres que descobriram um chamado semelhante ao de Maria, tornando-se sinais da plenitude do Reino de Deus, na vida religiosa. Quando muitos põem toda a esperança nos bens da terra, a vida religiosa proclama a plenitude de Deus, com a bem-aventurança da pobreza, transformada em voto, entrega total de vida, e diz a todos que Deus eleva os humildes, despede os ricos de mãos vazias e sacia de bens os famintos. Com a virgindade e a castidade vividas e testemunhadas, os religiosos e as religiosas reconhecem que Deus olhou para a pequenez de seus servos e servas, e o proclamam senhor de todos os seus afetos, dispostos a construir a fraternidade, não constituindo para si uma família própria, mas suscitando a ternura da família dos filhos de Deus.

Ao mundo que luta pelo poder e o domínio de uns sobre os outros, a vida religiosa proclama, com o desafiador voto de obediência – "Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra" – que Deus derruba do trono os poderosos. Nos religiosos e nas religiosas o Senhor Jesus quer continuar a se fazer servo, obediente até à morte, e morte de Cruz (Cf. Fl 2,1-11). São pessoas que podem ser parecidas com Nossa Senhora, são homens e mulheres "apressados", desejosos de viver, desde já, os valores da eternidade. Sintam-se reconhecidos e valorizados pela sociedade, pela Igreja e por todas as pessoas que têm sede de Deus e muitos jovens experimentem o chamado a seguir Jesus de perto nesta forma de entrega à Igreja e ao Reino de Deus.


Com Nossa Senhora, com a Igreja e com as pessoas consagradas na Castidade, na Pobreza e na Obediência, pedimos ao Pai, Deus e eterno e todo-poderoso, aquele que elevou à glória do Céu, em corpo e alma a Virgem Maria, que nos faça viver atentos às coisas do alto, a fim de participarmos da sua glória.

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Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém - PA

16 de agosto de 2012

Seguindo o exemplo da Virgem Maria

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Tudo está submetido ao poder de Deus

Não sabemos para onde apontam os sinais da realidade brasileira em momentos de campanhas eleitorais e do cenário de julgamento do mensalão. Será que, em tudo isso, está a vitória do povo brasileiro? Quem sairá ganhando? Quem vai perder? É a grande incógnita de um país que não prima pela justiça.


A Festa da Assunção de Maria contempla a vitória de Jesus Cristo sobre todos os poderes que tentam impedir a construção do reino de Deus. Maria é sinal da Igreja, cuja missão é conduzir o povo para a condição de liberdade e de vida feliz. Isto acontece na prática da fraternidade e da partilha em gesto de justiça.

A fé e o compromisso com o reino da vida são fundamentais. Isto é condição para que a pessoa seja sinal e aponte para o bem de forma correta. A fé na Palavra de Deus gera compromisso e faz das pessoas discípulas e missionárias de uma cultura de paz. Isto supõe dizer nas palavras de Maria: "Eis a serva do Senhor" (Lc 1, 38).


Quando vamos ao encontro do outro, como fez Maria em relação a Isabel, algo de revelador acontece. A generosidade, o serviço, o querer ajudar os mais necessitados acaba sendo sinal da presença de Deus, fazendo a pessoa superar todo tipo de atitude egocêntrica, egoísta e alheia às carências dos marginalizados da comunidade.


Tudo na natureza e na história está submetido ao poder de Deus, mas é uma realidade também sujeita à ação do mal. O Apocalipse apresenta a figura do "dragão" que está, a todo momento, desarticulando os planos do Criador. É o retrato de quem sinaliza o poder destruidor, seja de autoridades ou de pessoas comuns.

Não podemos viver esperanças vãs nem uma fé inútil, porque deixamos de ser sinal de vida para o mundo. Maria, com muitos títulos, foi sinal de uma nova realidade. Ela é sinal da Igreja com a missão de levar Cristo para as pessoas.

Dom Paulo Mendes Peixoto
Arcebispo de Uberaba 

14 de agosto de 2012

O verdadeiro bem dos filhos

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O que de melhor posso deixar para os meus filhos?

Um dos maiores amores do mundo é aquele que - com algumas tristes exceções - os pais têm pelos filhos. Sai-lhes da mais entranhada fibra da alma querer bem a seus filhos e desejar o melhor para eles. Mas são poucos os que entendem qual é o maior bem para eles.

Muitos dirão que o maior bem é a saúde, porque é um pressuposto básico de quase todos os outros bens: "Tendo saúde, tudo se pode superar, tudo se pode conseguir!". Será preciso, como é lógico, acrescentar uma boa educação (procurar - como costumam dizer muitos pais orgulhosos dos filhos - que "não fumem, não bebam, não caiam na droga") e proporcionar-lhes um preparo profissional de excelência, o qual lhes permita ter segurança e bom nível material de vida pessoal e familiar.

Será que isso é o "maior bem", o "melhor" para os filhos? Tudo o que acabamos de mencionar é excelente, sem dúvida, mas não é o mais "essencial"; em vários aspectos, nem sequer é "imprescindível" (há, por exemplo, pessoas com sérias deficiências físicas ou com carência de bens materiais que são fantásticas, realizadas e felizes).

Seria um contrassenso que o bem mais "essencial" fosse desprezado, deixado de lado pelos pais. Faltando o essencial, todas as coisas "boas" dos filhos ficam como os materiais excelentes de uma ótima casa, a qual não tem alicerces nem pilares sólidos. É bom lembrar o que Cristo diz da casa construída sobre a areia: "Caiu a chuva (das dificuldades e provações), vieram as enchentes (momentos de crise e tormenta familiar, profissional ou social), os ventos sopraram e se abateram contra aquela casa (injustiças, perseguições, inimizades, falência, dívidas, etc.) e ela desabou. Sua ruína foi grande (cf. Mt 7,27).

Daí a grande importância de não perdermos nunca de vista qual é o verdadeiro bem do homem, o único bem imprescindível, sem o qual nenhum dos outros se sustenta. A resposta a essa questão já foi dada por Cristo: "Que aproveita o homem ao ganhar o mundo inteiro se vier a perder a sua alma? Ou que poderá dar o homem em troca da sua alma? (Mt 16,26).

São palavras que brilham como um farol no meio do nevoeiro. Nenhum "bem" vale a pena se a alma estiver privada da Vida divina, da Verdade e da graça de Deus. Com efeito, sem a graça divina, uma alma está "morta" e, então, as melhores qualidades e "bens" de que possa dispor não passam de flores vistosas enfeitando um corpo sem vida. Estando ausente a vida, "de que aproveitam" as flores?

Os pais deveriam pensar mais nisso, todos os pais cristãos deveriam ser capazes de compreender o que significa Cristo, o único Caminho, Verdade e Vida (Jo 14,6), e o valor de uma eternidade feliz. Uma e outra vez deveríamos repetir-nos que "querer bem" outra coisa não é senão "querer o bem" dos filhos, e que não pode haver "bens" autênticos quando falta Deus. "A quem tem Deus - dizia Santa Teresa de Ávila - nada lhe falta". A quem não O tem - poderíamos acrescentar - falta-lhe o suporte, impedindo que as melhores coisas (família, amor, alegria, sentido da vida) se esfarelem.

É excelente, sem dúvida, o empenho dos pais para que os filhos tenham saúde, cultura, bem-estar, capacitação profissional que lhes permita enfrentar, com segurança, o futuro. Mas é um empenho muito mais excelente e vital - por ser decisivo nesta terra e na eternidade - esforçarem-se com a sua oração, o seu exemplo e uma orientação prudente e contínua, para que os filhos conheçam as verdades da fé cristã - a doutrina salvadora de Cristo - e aprendam a amá-las e praticá-las.

Podem ter a certeza de que as virtudes cristãs de um filho vão lhe fazer, ao longo da vida, um bem infinitamente maior do que todos os diplomas ou contas bancárias que lhes possam proporcionar. Mil vezes mais vale a fé do que a saúde, a união com Deus do que o sucesso. Só as virtudes cristãs são os tesouros verdadeiros de que Cristo falava (Mt 6,19-20).

Somente esses tesouros proporcionam, àqueles que amamos, a "realização", o bem pleno, quer nesta terra, quer na eternidade. Sem esta convicção, todos os carinhos cheios de boa vontade podem vir a desfazer-se como um sonho ilusório.

Por isso, sempre deveria ecoar em nossos ouvidos, como um norte para a vida e, especificamente, para a família, o segredo que Cristo confidenciou a Marta: Tu te inquietas e te perturbas por muitas coisas; no entanto, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada (Lc 10, 41-42). A "melhor parte" é estarmos junto de Cristo, segui-Lo atentos às Suas palavras, fazer do amor de Deus e da Sua santa vontade a estrela que guia nossa vida. Aí está o verdadeiro bem do homem.


Padre Francisco Faus
http://www.padrefaus.org/

10 de agosto de 2012

Sacerdotes, nossos pais

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Eles participam das nossas tristezas e alegrias

Todas as religiões sempre se valeram dos préstimos de coordenação dos líderes religiosos. Encontramos gurus, pastores, sacerdotes, pajés, levitas, mães de santos, feiticeiros... Na maior parte dos casos, trata-se de gente de boa fé, querendo prestar serviços à humanidade diante do mundo divino. Até entre os ateus encontramos "apóstolos" que promovem a "evangelização" e querem libertar a raça humana de vãos temores. 

Não lhes nego a possibilidade de reta intenção, mas sabemos que todos esses líderes ocupam posições frágeis. A membrana que separa a verdade da mentira, a retidão da injustiça, a honestidade da exploração, é muito tênue e porosa. Não é fácil passar por tudo isso sem, ao menos, chamuscar as vestes.

Na Santa Igreja, temos uma figura que, em muitos aspectos, participa de eventuais características de fragilidade dos líderes religiosos. Alguns o chamam carinhosamente de padre, de presbítero, de sacerdote, de clérigo ou até de levita. Dentro da economia de salvação, trazida pelo Sumo-Sacerdote Jesus Cristo, a pessoa central na Igreja é o bispo, sucessor dos apóstolos. 

No dia-a-dia da vida da comunidade, a pessoa fulcral é o padre. É ele quem está em contacto permanente com os fiéis, participa de suas tristezas e alegrias, chama as ovelhas cada uma pelo nome, distribui-lhes os tesouros da salvação, organiza a vida religiosa e lhes ministra a Palavra Sagrada.

Nada a estranhar que o povo espere de seus presbíteros
uma grande santidade de vida. Posso garantir aos meus amigos que a preparação dos padres é séria e se estende por vários anos. Mas quero mostrar também que - muitos talvez não o saibam - uma vez ordenados, os sacerdotes passam por uma formação permanente com cursos, reuniões, planejamentos, retiros, dias de estudo e de oração.

Ademais, uma coisa que muitos veem, mas pouco se comenta é que os padres são pessoas quase únicas, pois eles têm a coragem de apostar sua vida nessa nobre missão; deixam de formar uma família para se tornarem pais de uma grande comunidade, pela qual empatam tudo. "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos" (Jo 15,13).


Dom Aloísio Roque Oppermann scj
Arcebispo Emérito de Uberaba, MG