26 de julho de 2011

A beleza da amizade

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A amizade finda onde a desconfiança começa
No conturbado mundo de hoje a ausência da verdadeira amizade é uma das causas de inúmeros males. É este laço sagrado que une os corações. Quirógrafo das almas nobres, é a afeição que fundamenta o lídimo amor, sendo este a própria amizade em maior intensidade. Desde a mais remota antiguidade o homem se interrogou sobre a essência da amizade. Filosofou sobre este aspecto da interação humana.

Podemos dizer que a amizade é uma certa comunidade ou participação solidária de várias pessoas em atitudes, valores ou bens determinados. É uma disposição ativa e empenhadora da pessoa. O valor da amizade foi revelado pela Bíblia: "O amigo fiel não tem preço" (Sl 6,15), pois "ele ama em todo o tempo" (Pv 17,17). "O amigo fiel é uma forte proteção; quem o encontrou, deparou um tesouro" (Ecl 6,14). "O amigo fiel é um bálsamo de vida e de imortalidade, e os que temem o Senhor acharão um tal amigo" (Ec 6,16).

A função psicossocial da amizade é, assim, de rara repercussão. Ela é fator de progresso, pois o amigo autêntico aperfeiçoa e educa pela palavra e pelo exemplo; é penhor de segurança, uma vez que o amigo leal é remédio para todas as angústias, dado que a amizade é força espiritual. Entretanto, há condições para que floresça a amizade.
Pode-se dizer que são seus ingredientes: a sinceridade, a confiança, a disponibilidade, a tolerância, a compreensão e a fidelidade.

Saint-Exupéry afirmou: "És eternamente responsável por aquilo que cativas".

Na plenitude dos tempos Jesus apresentou-se como legítimo amigo. Ele declarou: "Já não vos chamo servos, mas amigos" ( Jo 15,15) e havia dito: "Ninguém dá maior prova de amor do que aquele que entrega a vida pelos amigos" (Jo 15,13)..

Rodeou-se de pessoas, às quais se repletaram dos eflúvios de Sua bondade. Felizes os que O conheceram, como Lázaro, Marta, Maria, Seus amigos de Betânia; os Doze apóstolos; Nicodemos; Zaqueu; Dimas, o bom ladrão; e tantos outros. É, porém, preciso levar a amizade a sério.

A Bíblia assegura que "O amigo fiel é medicina da vida e da imortalidade" (Ecl 6,16). Disse, porém, Santo Agostinho: "A suspeita é o veneno da amizade". Bem pensou, porque a amizade finda onde a desconfiança começa.

O amigo é luz que guia, é âncora em mar revolto, é arrimo a toda hora. Esparge raios de sol de alegria, derramando torrentes de clarões divinos. Dulcifica o pesar. Tudo isso merece ser pensado e repensado. É essencial, todavia, meditar também sobre o ensinamento bíblico: "Quem teme a Deus terá bons amigos, porque estes serão semelhantes a ele" (Ec 6,17).

Cônego José Geraldo Vidigal de Carvalho
Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

22 de julho de 2011

Os demônios da vida conjugal

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Vencer a crise é indispensável para que o amor sobreviva
No amor conjugal, o segredo é não lutar contra a idade, sim estar em união com ela, tal é a regra da sabedoria.


A infância do amor conjugal.
Ao início é, sobretudo, alegria e esperança. O amor é novo e está intacto. Os dois vivem em estado de descoberta permanente. Entretanto, o amor não escapa aos ataques do tempo. Uma primeira crise, a da desilusão, sacode o lar nascente. O demônio da desilusão faz com que a imagem ideal, que um havia construído do outro, comece a desvanecer-se. Para vencer essa crise terão que se aceitar em suas imperfeições. Nessa época o matrimônio se constitui realmente.

A juventude do amor.
Ao final da fase de adaptação, um mútuo conhecimento impede maiores atritos. O amor se instala. Mas, se a crise da desilusão não foi superada, o tempo precipita a segunda crise, a do silêncio. Se o demônio mudo se apodera dos dois, caem em uma espécie de letargia. O casal vive, então, em retrocesso, sem crescer, sem um ritmo seguro, sem dinamismo. Vencer essa segunda crise é indispensável para que o amor sobreviva.

A maturidade do amor.
Por volta dos 15 anos, os esposos adquiriram maturidade. Com uma juventude madura vivem com serenidade. São os anos mais belos da vida conjugal. Já não se fala de felicidade, como quando se é jovem, simplesmente é feliz. Mas, também pode produzir-se o contrário, se não encontraram o caminho do diálogo e de sua unidade. Uma terceira crise, com frequência fatal, é a da indiferença. O amor se transformou em hábito, o hábito em rotina, e a rotina, enfim, em indiferença. Vive-se junto ao outro, mas os corações já não estão em contato: o tempo paralisou ou inclusive matou o amor. A vida em comum não é mais que uma aparência que se mantém, seja por obrigação já que estão os filhos, seja por conveniência social. Com o demônio da indiferença instalado, sempre existe lugar para um novo amor e, por isso, para a infidelidade e a separação.

O meio-dia do amor.
Entre os 45 e 50 anos surge um novo perigo. Em ambos é o difícil momento das mudanças físicas e psicológicas. A mulher perde um atributo de sua feminilidade, a fecundidade. O homem vai perdendo um caráter de sua virilidade: o vigor sexual. Mas, antes que se produza esse declive, muitas vezes se dá uma espécie de volta à adolescência. A essa crise da metade da vida chamamos de: "demônio do meio-dia". Se o matrimônio entra nessa etapa minado pela indiferença e pela rotina, o demônio do meio-dia tem grandes possibilidades de triunfar.

O renascimento do amor.
Se o casal soube superar essa época turbulenta, entra num período de uma segunda maturidade. É o crepúsculo do amor, o momento em que o matrimônio desfruta da unidade conquistada, de una harmonia, profunda e de uma nova paz. É a hora de uma felicidade serena, sem choques e sem conflitos. O tempo, que não perdoa, oferece então aos cônjuges a inapreciável recompensa do renascimento do amor.

O repouso do amor.
Virá, por último, a hora do repouso em que, envelhecidos no amor, ambos só terão reconhecimento um para o outro. Nem sequer a dolorosa perspectiva da morte poderá perturbar a maturidade do amor. Haver-se amado até o final converte a morte num ápice, numa vitória. Diante dos homens, como diante de Deus, não existe um amor mais perfeito que o de dois seres que envelheceram juntos e que deram a mão para vencer as últimas dificuldades a fim de gozar das últimas claridades do dia.

Padre Nicolás Schwizer
Shoenstatt mov.apostólico

20 de julho de 2011

O ciúme exagerado

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Que o passado não seja o determinante do nosso presente
A língua grega classifica o Amor em três formas distintas. Eros: amor romântico, é caracterizado quando se ama além do amor philos-amizade, aplica-se a relacionamentos bem como a união. Philos: amor virtuoso e desapaixonado. Denota amor entre amigos e familiares. Ágape: afeição mais ampla que o Eros, sentimentos não carnais. Na literatura bíblica significa autossacrifício, para todos, amigos ou mesmo inimigos.

No "sentimento da paixão" predomina a forma "Eros", caracterizada pela atração física, desejo, contemplação da beleza. É um amor que busca recompensa, ainda que seja simplesmente da presença da pessoa amada. A pessoa apaixonada pensa em satisfazer suas expectativas no (a) parceiro (a).

O Eros é a face que melhor representa e torna possível a aspiração que o próprio Senhor depositou no gênero humano – em ter alguém único (a) e que o (a) complemente: "Por isso o homem deixa o seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher; e já não são mais que uma só carne" (Gn 2, 24). É vocação, inscrita no íntimo do ser: "A vocação para o Matrimônio está inscrita na própria natureza do homem e da mulher, conforme saíram da mão do Criador" (Catecismo da Igreja Católica, n. 1603).

A afetividade e sexualidade pedem complemento, por isso necessitamos nos relacionar com outras pessoas. Mas, no caso da vocação ao amor esponsal – apaixonado - , com a capacidade de amar Eros, é natural que vislumbremos o (a) outro (a) como parte de nós. Isso é maravilhoso, é um chamado dado pelo Senhor, é o desejo de Deus para o ser humano. No entanto, se não bem compreendida e experienciada por um coração, da capacidade de amar pode derivar-se a tendência em ter um sentimento de posse em relação ao (à) parceiro (a) e não de complemento.

Quando se tem um relacionamento amoroso com alguém é natural sentir ciúme. Afinal, estabelecemos um compromisso com a outra pessoa, no qual entregamos algo de nós muito precioso, que passa a não depender mais dos nossos cuidados. Para o (a) amado (a), confiamos a nossa verdade, a honra e os afetos. Consideramos a outra pessoa como esse complemento, parte de nós mesmos, extensão do nosso ser, ou no caso do namoro, um aspirante a ser tudo isso em nossa vida, que o vai recebendo aos poucos.

Em certos momentos, o amor Eros, que trazemos, se manifestará na forma de querer preservar esse sagrado e, consequentemente, o vínculo que temos. Queremos nos certificar de que a outra parte também cuida e se importa, tanto quanto nós mesmos, para preservar o afeto e o compromisso existentes entre nós.

Sabe aquela espiadinha básica para ver se nada está sofrendo ameaça? Agimos assim, como que dizendo: "Por favor, conserve o que eu sinto por você, porque o que tenho dentro de mim é precioso demais e estou lhe entregando! Você vai zelar por tudo isso?"

O problema é quando esse sentimento torna-se exagerado, daí provem aquele ciúme que destrói a relação.

Na Sagrada Escritura o ciúme é tido como obra da carne, contrário aos frutos do Espírito Santo (cf. Gl 5, 19-20). Não somente em relações amorosas, mas também no termo Philos o ciúme está presente. São exemplos disso: Caim que matou seu irmão Abel (cf. Gn 4), Saul com ciúme do amigo e servo Davi (cf. I Sm 18, 9). Esses casos também demonstram o ciúme como sinônimo de inveja, cobiça e complexo de inferioridade.

Somente na face Ágape não se contempla o ciúme: "O amor não tem inveja" (cf. I Cor 13, 4). São Paulo usa o termo Ágape neste capítulo todo. O ciúme, neste aspecto, é definido como: reação diante de uma ameaça real ou imaginária. É causada por projeções de experiências negativas, baixa autoestima e imaturidade emocional.

Para não sofrermos desse impulso doentio na emoção será necessário trabalharmos a nossa cura interior no coração. Que o passado não seja o determinante do nosso presente e futuro. A vida se renova a cada dia e a todo instante há uma chance de escrever uma nova história. Que as dores de outrora sirvam apenas como experiência para caminharmos de forma mais acertada daqui em diante. Se algo vivido no passado ainda causa medo ou não permite avanço numa área de nossa vida, é hora de buscarmos auxílio. A cura interior deve ser psicológica e espiritual.

Aqui cabe a busca de sanar os três pontos acima citados: projeções negativas, imaturidade emocional e baixa autoestima. Reveja sua história, "o que é, o fato e de onde parte"  a causa da insegurança. Dentro desse processo, deve também acontecer:

O aprendizado em acreditarmos na verdade – Os fatos da realidade deixam rastros nos elementos onde quer que passem. Se ele (a) não lhe é fiel, uma hora isso virá à tona. De nada adiantará a supervisão e a neurose de encontrar evidências de traição ou desleixo da outra parte. Jesus afirma a verdade como regra, princípio e lei espiritual: "Porque nada há oculto que não deva ser descoberto, nada secreto que não deva ser publicado" (cf. Mt 4, 22).

É preciso respeitar a liberdade da pessoa amada – Não somos donos de ninguém. Temos um compromisso, mas não podemos determinar nada na vida do outro. O ponto ideal é que o (a) parceiro (a) se sinta livre. Liberdade gera equilíbrio por não querer mudar a outra pessoa no que ela é, mas em perceber sua responsabilidade no compromisso que ele (a) tem com você, sendo espontâneo (a).

Reflita sobre isso. Posso dizer que a pessoa que amo tem responsabilidade em nosso compromisso? As atitudes dele (a) com as quais não concordo realmente ameaçam o relacionamento ou são pontos que trazem desgosto e desconfiança por uma possibilidade remota de ele (a) me substituir por outro (a), ou por um outro afazer e entretenimento?

Seja curado por seu relacionamento e não uma pessoa doente afetivamente. O que é de cada um, aquilo que Deus tem para nós, virá de uma forma ou de outra. Se hoje algo nos escapa pelas mãos, significa que não é verdadeiramente parte de nós. Então, para que se agarrar a isso tão firmemente?

Guarde a força do seu coração para os sentimentos que realmente valerão a pena. O ciúme exagerado é um desgaste desnecessário.

Deus o abençoe!




Sandro Ap. Arquejada-Missionário Canção Nova
blog.cancaonova.com/sandro - sandroarq@geracaophn.com

18 de julho de 2011

Saudade

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Quando as boas lembranças invadem a alma
É assim que o padre Fábio de Melo define o chamado de quem compõe, escreve ou canta: a tentativa de aproximar o coração humano do coração de Deus. Nesses dias, senti muita saudade... Isso me fez dar mais atenção a esse tema, que sempre foi fonte de inspiração para lindas e importantes obras de arte ao longo da história.


Mas o que seria saudade? Será aquele sentimento que chega de mansinho e invade a alma, arrastando-nos, por um instante, a pessoas e lugares, que passaram por nossas vidas, os quais agora estão distantes? Acredito que saudade seja muito mais que isso!

Talvez seja aquela certeza que, lá no fundo da alma, nos garanta: valeu a pena! Quando vivemos com intensidade as oportunidades que Deus nos dá, as pessoas e os fatos não passam como o vento em nossa vida... Eles levam um pouco de nós consigo e deixam um pouco deles conosco. Esse pouco ou, às vezes, muito, do que é deixado em nós, é que desperta em nós, de vez em quando, o sentimento que chamamos de saudade. Padre Fábio ainda afirma: "De todas as certezas que possuo, esta é a mais bela: sou metade incompleto, que só a eternidade poderá preencher, não posso negar: o meu coração tem saudades do céu... deseja voltar". De todas as saudades, acredito que esta seja a mais real e a menos compreendida: Saudade do céu!

Santo Agostinho, a meu ver, é quem melhor consegue explicar esse sentimento, quando diz que o homem nasceu do coração de Deus e permanecerá inquieto enquanto não retornar a Ele. Talvez, seja por isso que saudade traz em si um misto de eternidade. Mas, como lidar com esse sentimento sem sufocá-lo nem deixar que ele nos maltrate quando se trata de algo com o qual precisamos conviver? Primeiro, devo concordar com o diácono Nelsinho, quando diz: "Só se tem saudade do que é bom!"

Portanto, se esse sentimento lhe trouxer alguma sensação ruim, o maltratando e o arrastando para a tristeza, merecerá outro nome. Saudade, cuja essência é um sentimento ligado a algo bom, deverá, portanto, trazer-nos alegria e inspirar-nos coisas boas, trazendo-nos paz, mesmo que seja uma paz inquieta. De maneira simples, lido com a saudade comunicando-me como e quando posso com os entes queridos. Está provado que a comunicação ameniza esse sentimento [saudade].

Quando não posso mais me comunicar com alguém, como é o caso do meu pai, que já está na eternidade, rezo por ele e procuro lembrar dos momentos bons que vivemos juntos, das histórias que ele me contava, dos conselhos que me dava e de tantos outros fatos. Essas boas lembranças me alegram a alma. Só se tem saudade do que é bom! Deus é bom, talvez seja por isso que nosso coração tenha tanta saudade d'Ele.

Foto Dijanira Silva
dijanira@geracaophn.com

15 de julho de 2011

O perdão

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Perdoar passa pelo coração e depois pela inteligência
O perdão começa sempre em nosso coração. Passa depois pela nossa inteligência. É uma decisão! Depois de concebido no coração e gestado no pensamento, ele [perdão] ganha vida por uma decisão irreversível e explícita. Enquanto não perdoamos, perpetuamos a falsa ideia de que a vingança e o ódio podem ser remédios para curar nossa dor, a vingança parece ser mais justa do que o perdão. Mas é só na hora. A longo prazo suas consequências serão terríveis e cruéis.


O perdão afeta o presente e o futuro, mas não pode mexer no passado. Não adianta nada querer sonhar com o passado melhor ou diferente. O passado foi o que foi. Não há o que fazer para mudá-lo. Podemos e devemos assimilá-lo e aprender o que ele tem a nos ensinar. Mais do que isso é impossível.

A esperança por um passado melhor é uma ilusão do encardido [demônio]. Ele é o grande especialista em passado. Jesus, ao contrário, nunca fez nenhuma pergunta sobre o passado de nunhuma pessoa. Ele nunca fez uma regressão ao passado com ninguém. Nem mesmo com aqueles que tinham sérios problemas afetivos e até sexuais. Parece estranho que o Senhor não tenha realizado uma sessão de cura interior das etapas cronológicas com Maria Madalena, Maria de Betânia, a Samaritana, Zaqueu, Pedro, Tiago e João, Judas e tantos outros que, por suas atitudes, demonstraram carregar sérios problemas oriundos da infância e mesmo na gestação.

Cristo não retomava o passado porque sabia que a única coisa que podemos fazer em relação ao passado é enxergá-lo de um jeito novo e aprender com o que ele tem a nos ensinar. Mas isso se faz vivendo intensamente o presente e projetando o futuro. Jesus foi o grande mestre do perdão. Ele nos mostra que o perdão não acontece de uma hora para outra e nem pode ser uma tentativa de abafar ou simplesmente ignorar essa dor. O perdão é um processo profundo, repetido tantas vezes quantas forem necessárias no nosso íntimo. A pressa é inimiga do perdão!

O perdão nos ensina a nos relacionar, de modo maduro, com o passado. Não é um puro esquecimento dos fatos, nem sua condenação. Não é a colocação de panos quentes e muito menos a tentativa de amenizar os acontecimentos. Perdoar é ser realista o suficiente para começar a ver o passado com os olhos do presente, voltados para o futuro.

Quem não perdoa não consegue se libertar das garras, interiores e exteriores, daquele que o machucou. Mesmo que seja necessário se afastar, temporária ou definitivamente, dessa pessoa, só podemos fazê-lo num clima de perdão.

Antes de colocar para fora do nosso coração alguém que nos machucou é preciso perdoá-lo. Sem perdão, essa pessoa vai permanecer ocupando um espaço precioso de nossa vida e continuará tendo um poder terrível sobre nós.

Do livro "Gotas de cura interior".

Padre Leo, SCJ

13 de julho de 2011

Escutar a Palavra de Deus

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A grande questão é saber discernir a voz de Deus
Na parábola do semeador Jesus mostrou como há diversas maneiras de se receber a Palavra de Deus, a qual Ele compara com uma semente. Segundo Santo Agostinho, "escutar a Palavra de Deus é como se alimentar de Cristo". Ele explica que há duas mesas na Igreja: a mesa da Eucaristia e a mesa da Palavra. Com isso ele patenteava que a Palavra de Deus é um alimento espiritual. Quem bem se nutria dessa refeição santificadora era a Santíssima Virgem Maria, a irmã de Marta e Lázaro, elogiada por Jesus pelo fato de O escutar atentamente, deixando todos os outros afazeres. Aliás, o próprio Cristo aconselharia: "Procurai, antes de tudo o reino de Deus e tudo mais vos será dado em acréscimo" (Mt 6,33).


Portanto, estar atento à Palavra constitui a melhor parte da vida do batizado. Ao deixar Deus entrar na mente pela Sua Palavra, meditando-a profundamente e fazendo dela a força e o sustentáculo de cada instante o cristão age menos pela emoção, mas solidificado em profundas raízes espirituais. Isso porque há então uma conexão admirável dos esforços humanos com o pensamento divino e se colhe um fruto tanto mais saboroso quanto maior for a docilidade em acatar as inspirações celestes advindas da Palavra.

A grande questão é saber discernir a voz de Deus da voz humana. Ele fala a cada um de maneira diferente. Faz ressoar a Sua Palavra por meio de outras pessoas; por meio dos acontecimentos tão repletos dos gestos divinos; das provações de cada hora; mas, sobretudo, é claro, pela Escritura Sagrada ouvida na Liturgia, que é o lugar privilegiado no qual Deus se faz ouvir; e, ainda, na conversa pessoal com Ele numa leitura bíblica individual.

Tanto isso é verdade que a mesma passagem da Bíblia cada vez que é refletida traz novas mensagens para a alma de acordo com suas necessidades naquele momento. O citado Santo Agostinho lia e relia muitas vezes certos trechos bíblicos para que pudesse entender o que Deus lhe queria comunicar.

Quem assim procede percebe a reciprocidade da parte do Espírito Santo que exige uma persistência em querer discernir Sua luz, que ilumina, guia e salva. Desenvolve-se, desta maneira, uma amizade pessoal com Deus, a capacidade de perceber as minúcias de Seus recados, que, muitas vezes, parecem interpelações que cumpre sejam analisadas. Elas dizem a respeito a nós mesmos, aos que estão em nosso derredor e à nossa relação com Ele.

Por tudo isso cumpre que se viva na presença de Deus Pai, que quer falar a cada um a cada instante num colóquio repleto de luzes, mas tantas vezes exigente, provocador, requerendo sempre um esforço maior em busca da própria santificação e da do próximo. Com efeito, o ato de escutar a Palavra que gera a fé é não só a escuta da palavra escrita, mas também a escuta da palavra interior pronunciada pelo Espírito Santo no íntimo da consciência.

Isto supõe evidentemente empenho existencial que envolva todas as potencialidades humanas, uma vez que o Todo-poderoso age em cada um e com cada um.

No Evangelho Cristo compara a Sua Palavra a uma semente que produz mais ou menos abundantemente de acordo com a qualidade do terreno. Esta Palavra, segundo a Carta aos Hebreus, é como a "espada de dois gumes" que "penetra até dividir alma e espírito, junturas e medulas. Ela julga as disposições e as intenções do coração" (Hb 4,12). Eis por que sempre que ouvida com humildade ela é transformante, operando uma cristificação radical, por isso é necessário sempre a atitude de Maria, que disse ao Anjo: "Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1,38).

O efeito da Palavra de Deus depende, assim, do empenho de cada um sempre aberto ao diálogo com o Criador. É preciso deixar que a Palavra se apodere inteiramente do coração que vai assim ao encontro com as Pessoas Divinas, ou seja, ao diálogo inefável da dileção profunda na qual se responde sinceramente a Deus, que fala e que exige uma atitude obediencial. Por este acatamento é que a alma se torna terra boa, produzindo fruto cem por um!

Cônego José Geraldo Vidigal de Carvalho
Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos

11 de julho de 2011

O evangelizando é um comunicador

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Mais importante que os meios usados é o comunicador
A Igreja existe para evangelizar, para comunicar a Boa Nova do Evangelho e fazer discípulos de Jesus entre todos os povos. Esta é a missão que o Senhor confiou à Sua Igreja, com a garantia de que Ele estaria com ela [Igreja] até o fim do mundo (cf. Mt 28,19). Obedientes ao mandato de Jesus, os apóstolos, logo após a Ascensão de Cristo, saíram para proclamar a Boa Notícia por todos os lugares (cf. Mc 16,20).


A mensagem de Jesus não é esotérica, isto é, não é para ficar escondida ou reservada a algum grupo de iniciados, a alguma seita ou religião; ao contrário, ela é destinada a todos os povos: "O que vos é dito aos ouvidos, proclamai-os sobre os telhados" (Mc 10,27).

São Paulo, após a sua conversão, compreendeu essa necessidade de comunicar a mensagem do Evangelho de maneira radical: "Anunciar o Evangelho não é título de glória para mim; é, antes, necessidade que se me impõe. Ai de mim, se eu não evangelizar" (I Cor 9,16).

Diante desta urgência da missão, a Igreja não pode deixar de usar os modernos e potentes meios de comunicação, como a imprensa, o rádio, o cinema, a TV, o celular, a internet e outros mais, para comunicar a uma imensa multidão de pessoas a mensagem de Cristo, "o Salvador do homem e da história, Aquele em quem todas as coisas alcançam sua perfeição" (Bento XVI).

Não podemos nos esquecer de que os meios de comunicação são apenas instrumentos para nos comunicar, não são bons nem maus; tudo depende da finalidade de seu uso. Eles não devem substituir o contato pessoal, pois a comunicação  é,  antes de tudo, relação entre pessoas para criar  comunhão, pois o homem é um ser relacional e a comunicação é essencial em sua vida.

Mais importante que os meios usados é o comunicador e  a mensagem que ele transmite.  Aliás, este é o sentido da palavra "comunicação", que vem do latim "communis" e significa "comunidade". Não devemos, pois,  nos isolar das pessoas que estão ao nosso lado, nem querer construir um mundo paralelo, diferente daquele em que vivemos.

Mesmo não tendo os meios modernos de comunicação ao seu alcance, você, discípulo e missionário de Jesus, deve ser um evangelizador, um comunicador, em sua casa, em seu trabalho e na sua vida social.

Dom Raymundo Damasceno Assis
Cardeal arcebispo de Aparecida