Desde o princípio de sua existência a Igreja como Povo de Deus tem vivido com Maria sua experiência do Transcendente. Quando da vinda do Espírito Santo no Cenáculo, lá está Maria junto com os discípulos recebendo a força de Deus para ser testemunha viva de tudo que viram e ouviram de Jesus de Nazaré seu filho e Filho de Deus. Por isso, nos diz e Encíclica Mariales Cultus de Paulo VI n⁰ 21 "desde cedo os fiéis começaram a olhar para Maria, a fim de, como ela, fazerem da própria vida um culto a Deus, e do seu culto um compromisso vital. Já no século IV Santo Ambrósio, ao falar aos féis, lhes auspiciava que em cada um deles houvesse a alma de Maria, para glorificarem a Deus: "Que em cada um de vós haja a alma de Maria para bendizer o Senhor; e em cada um de vós esteja o seu espírito, para exultar em Deus!".
A Igreja procura traduzir as multíplices relações que a unem a Maria, em outras tantas atitudes e manifestações culturais, em uma veneração profunda, refletindo de forma única a dignidade da Virgem Santíssima, que, por obra do Espírito Santo, se tornou Mãe do Verbo Encarnado; em amor, que se manifesta na maternidade espiritual de Maria para com todos nós membros do Corpo Místico de Cristo; naquela em quem se pode confiar, quando experimentamos a necessidade de intercessão da advogada e auxiliadora; em serviço amoroso, quando percebemos sua gratuidade em colaborar na obra de salvação tornando-se a mãe do salvador, sendo modelo de imitação, pois nela contemplamos a santidade e as virtudes queridas pelo Pai.
Seguramente Maria é para nós cristãos deste novo milênio modelo de vivencia da fé e em quem podemos buscar inspiração para a vivência de nosso projeto de vida cristã, pois nas condições concretas da sua vida, ela aderiu total e responsavelmente à vontade de Deus (cf. Lc 1,38). Soube acolher a sua palavra e pô-la em prática, sendo sua ação animada pela caridade e pelo espírito de serviço, tornando-se a primeira e a mais perfeita discípula de Cristo, reconhecida como modelo excelentíssimo de Igreja, na ordem da fé, da caridade e da perfeita união com Cristo.
a) - Maria é a Virgem que sabe ouvir: acolhe a palavra do Pai com fé. Fé que foi caminho para a maternidade divina. Ela, cheia de fé disse: "Eis a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1,38); fé, ainda, que foi motivo de segurança no cumprimento da promessa: "Feliz aquela que creu, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido" (Lc 1,45); fé com a qual ela, protagonista e testemunha dos acontecimentos da infância de Cristo, guarda-os no íntimo do seu coração (cf. Lc 2,19.51). É isto que também a Igreja faz. Na sagrada Liturgia, ela escuta com fé, acolhe, proclama e venera a Palavra de Deus, distribuindo-a aos fiéis como pão de vida, descobre os sinais dos tempos os interpreta e vive os acontecimentos da história.
b) - Maria é a mulher da oração. Assim Em sua visita à Isabel exulta no espírito glorificando ao Deus, da humildade, da fé e da esperança: tal é o "Magnificat" (cf. Lc 1,46-55), a oração de Maria, o cântico dos tempos messiânicos no qual confluem a exultação do antigo e do novo Israel. Este cântico da Virgem Santíssima, na verdade, prolongando-se, tornou-se oração da Igreja inteira, em todos os tempos. Neste mesmo caminho segue a experiência vivida em Caná, onde, ao manifestar ao Filho, uma necessidade temporal, obteve também um efeito de graça, que Jesus ao realizar o primeiro dos seus "sinais", confirma os discípulos na fé n'Ele (cf. Jo 2,1 12). Por fim, o ultimo texto sagrado que nos apresenta Maria descrevem-na orando com os Apóstolos: "perseveravam unânimes na oração, com algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus, e com os irmãos dele" (At 1,14). Presença orante de Maria na Igreja nascente, e na Igreja de todos os tempos, porque ela, assunta ao céu, não abdica de sua missão de intercessão e de salvação. Virgem dada à oração e também a Igreja, pois, todos os dias apresenta ao Pai as necessidade dos seus filhos, e "louva o Senhor sem cessar e intercede pela salvação de todo o mundo".
c) - Maria Virgem Mãe, isto é, aquela que "pela sua fé e obediência, gerou na terra o próprio Filho de Deus Pai, por obra e graça do Espírito Santo". Maternidade prodigiosa, constituída por Deus protótipo e modelo da fecundidade da Virgem-Igreja, a qual por sua vez, se torna também mãe, pois com o anúncio e o batismo gera para vida nova e imortal os filhos concebidos por ação do Espírito Santo e nascidos de Deus".
Sendo Maria modelo de vivência de Igreja é de fundamental importância que nossas orações dedicadas a Virgem Maria exprimam, de maneira clara, sua característica trinitária e cristológica que lhes é intrínseca e essencial. O culto cristão é por sua natureza culto ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Nesta perspectiva, torna-se o culto extensivo, legitimamente, se bem que de maneira substancialmente diversa, em primeiro lugar e de modo único, à Mãe do Senhor, e depois aos Santos, nos quais a Igreja proclama o Mistério Pascal, por isso mesmo que eles sofreram com Cristo e com Ele foram glorificados.
A espiritualidade Mariana vivida em nossas comunidades deve levar em conta o que nos pede a norma da Constituição Sacrosanctum Concilium, a qual, ao mesmo tempo que recomenda os exercícios de piedade do povo cristão, acrescenta: "...Importa, porém, ordenar essas práticas de piedade tendo em conta os tempos litúrgicos, de maneira que se harmonizem com a sagrada Liturgia, de certo modo derivem dela, e a ela, que por sua natureza lhes é muito superior, conduzam o povo cristão" (SC 13). Portanto A Igreja católica, apoiada em sua caminhada de dois milênios, reconhece na devoção a Virgem Santíssima um caminho seguro, um auxílio poderoso para todo homem e toda mulher em marcha para a conquista da sua própria plenitude. Maria, a Mulher nova, está ao lado de Cristo" o Homem novo, em cujo mistério, somente, encontra verdadeira luz o mistério do homem. Esta é a nossa garantia que em uma simples criatura, Maria tornou realidade o plano de Deus em Cristo, para a salvação de todo o homem.
Nossa comunidade que vivencia a espiritualidade vicentina, tem a graça de ter recebido em sua família a visita da mãe de Deus. Na tarde de um sábado, dia 27 de novembro de 1830, véspera do 1º Domingo do Advento, em Paris, na capela das Irmãs Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, a noviça Irmã Catarina Labouré, teve uma visão de Nossa Senhora. A Virgem Santíssima estava de pé sobre um globo, segurando com as duas mãos um outro globo menor, sobre o qual aparecia uma cruzinha de ouro. Dos dedos de suas mãos, que de repente encheram-se de anéis com pedras preciosas, partiam raios luminosos em todas as direções. Num gesto de súplica, Nossa Senhora oferecia o globo ao Senhor.
"A Virgem Santíssima — disse Irmã Catarina — baixou para mim os olhos e me disse no íntimo do meu coração: "Este globo que vês representa o mundo inteiro (...) e cada pessoa em particular... Eis o símbolo das graças que derramo sobre as pessoas que mais pedem." Desapareceu, então, o globo que tinha nas mãos e, como se estas já não pudessem com o peso das graças, inclinaram-se para a terra em atitude amorosa. Formou-se em volta da Santíssima Virgem uma figura, no qual em letras de ouro se liam estas palavras que cercavam a mesma Senhora: "Ó MARIA CONCEBIDA SEM PECADO, ROGAI POR NÓS QUE RECOREMOS A VÓS."
Ouvi, então, uma voz que me dizia: "Faça cunhar uma medalha por este modelo; todas as pessoas que a trouxerem receberão grandes graças, sobretudo se a trouxerem ao pescoço; as graças serão abundantes, especialmente para aqueles que a usarem com confiança". Então a figura se virou, e no verso apareceu a letra "M", monograma de Maria, com uma cruz em cima, tendo um terço na base; por baixo do "M", os dois Corações, de Jesus e de Maria; o de Jesus, com uma coroa de espinhos e o de Maria atravessado por uma espada; contornava o quadro uma coroa de doze estrelas."
Irmã Catarina disse ainda que a Santíssima Virgem calcava aos pés uma serpente, alusão clara à palavra de Deus a Eva, depois do pecado: "Porei inimizade entre ti e a Mulher, entre tua descendência e a dela. Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar" (Gn 3,15). A mesma visão se repetiu várias vezes, sobre o sacrário do altar-mor; ali aparecia Nossa Senhora, sempre com as mãos cheias de graças, estendidas para a terra, e a invocação já referida a envolvê-la.
O Arcebispo de Paris, Dom Quélen, autorizou a cunhagem da medalha e instaurou um inquérito oficial sobre a origem e os efeitos da medalha, a que a piedade do povo deu o nome de "Medalha Milagrosa", ou "Medalha de Nossa Senhora das Graças".
A Medalha Milagrosa não é um objeto mágico, um amuleto. É um sinal religioso, um rico presente de Nossa Senhora, Mãe de Jesus e nossa Mãe. Foi Maria mesma, quem manifestou sua Medalha a Santa Catarina Labouré. "A rápida propagação, o grande número de medalhas cunhadas e distribuídas, os admiráveis benefícios e graças singulares obtidos, parecem sinais do céu que confirmam a realidade das aparições, a verdade das narrativas da vidente e a difusão da Medalha".
A vivência de nossa espiritualidade Marial vicentina da-se em cada novena realizada em nossa comunidade ou mesmo em nossa pequena comunidade familiares. Através de Maria chegamos ao Cristo nosso Salvador.
Pe. Ilson Luis Hübner CM
Mestre em Teologia Sistemática
Reitor do Seminário Vicentino Nossa Senhora das Graças