A fé em ação, reparando a casa comum
Reparar a Criação é núcleo vigoroso da fé cristã. Os relógios verdadeiros e completos remetem a Cristo, Salvador e Redentor, pela força e méritos de sua paixão, morte e ressurreição. Sem Ele o caminho fica pela metade, o vigor físico e o espiritual colapsam, e não se dá conta da tarefa nobilíssima dada ao ser humano: cuidar da regência no conjunto da Criação, que remete ao próprio Criador. Cuidar da harmonia do planeta é, pois, ação de fé, dedicada a restaurar a Casa Comum depredada e tratada, mesquinhamente, pela ganância do extrativismo, emoldurado estranhamente por uma orgulhosa pretensão humana de querer se apoderar de tudo.

Crédito: oatawa/GettyImages
Reparar a Criação, sinal de conversão e de busca por mudanças, constituição urgência e oportunidade, para consolidar nova conduta humana em relação ao tratamento do meio ambiente . A adoção de novos hábitos capazes de superar a depredação do planeta pede revisão no estilo de vida contemporâneo, com incidências nos campos da política e da economia. Sem novos estilos de vida, a humanidade pode sucumbir às catástrofes climáticas e outras ameaças provocadas pelo desequilíbrio ecológico.
A luz da fé na Quaresma, rumo a um novo estilo de vida
A racionalidade contemporânea não está conseguindo construir entendimentos sociopolíticos capazes de reverter a rotação do planeta. A esperança vem da fé, com a sua luminosidade, que pode concordar com a visão equivocada de que o ser humano é dono do mundo e de tudo o que existe, com direito de decidir, friamente, apenas por cálculos, modos de explorar os bens da Criação.
Uma frieza que leva a cenários de injustiças e perversidades, acentuando desigualdades sociais para consolidar privilégios, muitas vezes por meio de manipulações ganâncias. Compreende-se que o apelo quaresmal da conversão – mudança de rumo na própria conduta – depende da luz que vem da fé. E a conversão contempla uma autoavaliação adequada sobre o modo de se viver na casa comum. Enriquece, pois, o caminho quaresmal buscar tratar uma das mais graves feridas no conjunto da vida contemporânea: revisar estilos de vida para reparar a Criação .
Fé e ecologia integral, um caminho quaresmal para a criação
Pode-se corrigir os descompassos no tratamento dedicado à casa comum tomando consciência da centralidade de Deus-Criador e do lugar a ser ocupado pelo ser humano – criatura escolhida pelo Pai para cuidar da gestão de tudo que integra a Criação. A partir dessa consciência, abre-se um horizonte humanístico que ilumina escolhas, sem permitir irracionalidades, a exemplo da busca gananciosa pelo lucro, mesmo a partir do sacrifício do semelhante.
Quando se confirma a centralidade do Deus-Criador e o papel do ser humano na regência da criação prioriza-se a solidariedade dedicada aos pobres e indefesos.
Recompõe-se o sentido de fraternidade pelo caminho da ecologia integral. Quando o conceito de ecologia integral é compreendido e passa a inspirar as atitudes do ser humano, cria-se caminho para a reconciliação solidária, debela-se o desejo velado e pretensioso de possuir, egoisticamente, os bens da Criação. Ao contrário do que alguns podem até pensar, há profunda relação entre o caminho quaresmal e as dinâmicas propostas pelo conceito de ecologia integral.
Restaurando a criação
A vivência da ecologia integral tem potencial incalculável para conversão, com mudanças profundas na vida pessoal e comunitária. Ao pensar em ecologia integral, observe que o conjunto de relações que pode promover ou ameaçar a vida está interligado com tudo o que existe na natureza. Por isso, não há outro caminho para reparar a Criação senão pela via do relacionamento avançado e sadio, com o desenvolvimento de uma sensibilidade ancorada em Deus – Senhor da história.
Quando se cultiva a sensibilidade relacional tendo Deus, Senhor da história, como fundamento, desenvolve-se uma habilidade para aprimorar lidar com o semelhante, reconhecendo a sua sacralidade. Agir nos parâmetros da ecologia integral fortalece a capacidade para se estabelecer limites, na contramão de autoritarismos, da promoção de esgotamentos homicidas dos recursos humanos e naturais.
Laudato Si: Reciprocidade e responsabilidade
A destruição do planeta, por sua manipulação e exploração gananciosa é, em si, declarada de morte a quem recebeu a honrosa tarefa de reger os dons da Criação. Vale ter presente uma advertência simples e, ao mesmo tempo, forte, do Papa Francisco, na Carta Encíclica Laudato Sì, quando afirma sobre o sentido inegociável de uma relação de reciprocidade entre o ser humano e a natureza. Papa Francisco sublinha que cada comunidade pode tomar posse da Terra aquilo que necessita para a sua sobrevivência, sem ignorar o dever de proteger e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras.
Inscreva-se aqui a necessidade de senso de legislações que não podem se submeter à lógica cega do lucro e deixar, por exemplo, que os nascentes sejam eliminados em nome de uma exploração minerária predatória. Os graves danos ambientais com as suas pesadas consequências expõem a responsabilidade do ser humano de se adotar um novo modo de viver no planeta, conquistado por meio de conversão ecológica. Trata-se do caminho para o desenvolvimento sustentável que é o único modo de debelar o acentuado processo de gestão ambiental da atualidade.
As estatísticas são pavorosas, as catástrofes climáticas batem, de repente, em qualquer porta, como um grito do planeta que pede socorro e convida todos a se dedicarem aos processos de seus componentes. Reparar a Criação é ato de amor que pede o sacrifício de si mesmo, com força de redenção. Uma tarefa nobre a ser assumida pela humanidade, que tem a obrigação de exercer a regência de tudo o que existe e, por isso mesmo, o dever de reparar a Criação.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte
Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/meio-ambiente/reparar-a-criacao/