22 de março de 2025

Converter-se para viver plenamente

Coração dividido, a luta interior do homem moderno

"O mundo atual apresenta-se simultaneamente poderoso e débil, capaz do melhor e do pior, tendo patente diante de si o caminho da liberdade ou da servidão, do progresso ou da regressão, da fraternidade ou do ódio. E o homem torna-se consciente de que a ele compete dirigir as forças que suscitou, e que tanto o podem esmagar como servir. Por isso se interroga a si mesmo. Os desequilíbrios de que sofre o mundo atual estão ligados com aquele desequilíbrio fundamental que se enraíza no coração do homem. Porque, no íntimo do próprio homem, muitos elementos se combatem. Por uma parte, ele se experimenta como criatura que é multiplamente limitado, por outra, sente-se ilimitado nos seus desejos e chamado a uma vida superior. Atraído por muitas solicitações, vê-se obrigado a escolher entre elas e a renunciar a algumas. Mais ainda, fraco e pecador, faz, muitas vezes, aquilo que não quer e não realiza o que desejaria fazer. Sofre assim em si mesmo a divisão, da qual tantas e tão grandes discórdias se originam para a sociedade. A Igreja acredita que Jesus Cristo, morto e ressuscitado por todos, oferece aos homens, pelo seu Espírito, a luz e a força para poderem corresponder à sua altíssima vocação. E nem foi dado aos homens sob o céu outro nome, no qual devam ser salvos. A chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontram no seu Senhor e mestre" (cf. Concílio Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes, 9-10).

Crédito: IG_Royal/GettyImages

Sempre atuais estas palavras do Concílio Vaticano II, elas se revelam mais ainda oportunas diante de fatos que deixam estarrecidas as pessoas, como temos assistido em nosso país e no mundo inteiro.

Diante da violência, um caminho de conversão

E não estamos distantes, por convivermos com a "violência nossa de cada dia", tamanha a sua força que podemos ficar anestesiados, como se fossem apenas mais alguns dentre os muitos fatos. A Liturgia da Quaresma, em seu terceiro domingo (cf. Lc 13, 1-9), relata as reações de Jesus diante de desastres do tempo ou a violência perpetrada por autoridades.


Parece-nos estar lendo as páginas policiais do jornal do dia! Com Jesus e com as lições da história, suscitadas pelo Espírito Santo no correr dos tempos, somos todos convidados a refletir sobre as causas dos acontecimentos recentes, perguntar-nos o que está ao nosso alcance fazer e dar o passo necessário para a conversão, apelo contínuo oferecido misteriosamente por todos eles, pois tudo contribui para o bem dos que amam a Deus (cf. Rm 8,28).

O amor como resposta de todo cristão

As lições são acolhidas por aqueles que amam a Deus em quaisquer circunstâncias. Uma das consequências será responder com amor aos desafios lançados pelo ódio que se espalha.
Continua atual a oração atribuída a São Francisco: "Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz. Onde houver ódio, que eu leve o amor. Onde houver ofensa, que eu leve o perdão. Onde houver a discórdia, que eu leve a união. Onde houver dúvida, que eu leve a fé. Onde houver erro, que eu leve a verdade. Onde houver desespero que eu leve a esperança. Onde houver a tristeza, que eu leve alegria. Onde houver trevas, que eu leve a luz. Ó mestre, fazei-me que eu procure mais, consolar que ser consolado, compreender que ser compreendido, amar, que ser amado, pois é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado, e é morrendo que se vive para a vida eterna".

Entretanto, "quem julga estar de pé tome cuidado para não cair" (1Cor 10,12). No Evangelho de São Lucas, Jesus comenta um massacre ordenado por autoridades. A interpretação popular levava a crer que por trás havia o castigo de Deus por pecados cometidos. O Senhor leva as pessoas a darem um salto qualitativo, entendendo que os acontecimentos sociais e políticos devem suscitar um exame de consciência, e chama à conversão.

O mundo como espelho da fé

Para reforçar, Jesus se refere a um desastre acontecido por causa de uma tormenta. E não são poucos os fatos de nosso tempo, pensando, por exemplo, na situação de mudança climática, a ser enfrentada em debates e decisões aqui mesmo, em Belém, na COP 30. Também estes fatos trazem consigo o convite à conversão.

Para Jesus e para os cristãos de todos os tempos! O mundo é transparente e revelador da presença
e dos apelos de Deus. O que podemos aprender com os acontecimentos de violência, atentados, absurdos, irresponsabilidades, e daí por diante? Uma primeira lição pode vir da velocidade com que correm as informações e notícias, muitas vezes acolhidas e repassadas com ingenuidade, outras vezes com maldade, pois o mistério do ser humano nos faz assistir pessoas que querem "ver o circo pegar fogo", ou querem incendiar até o país e o mundo, em vista da força de suas ideologias e até sonhos
malucos.

Faz-se urgente um discernimento diante das notícias que correm nas redes sociais, para não repassá-las com avidez e falta de espírito crítico. Podemos ainda perguntar-nos sobre o que entra em nossa casa através de filmes, postagens, jogos eletrônicos, inclusive alguns deles com programação de atos violentos contra os outros, a sociedade e a própria vida.

"Quem julga estar de pé tome cuidado para não cair"

Basta percorrer uma vez os títulos dos filmes constantes no guia aos canais por assinatura para vez a quantidade de "ofertas" de violência, erotismo desenfreado e pornografia. Um dos fatos mais desconcertantes e originais que vivemos no presente é que nossas tradições culturais já não se transmite do mesmo modo de uma geração à outra. Isso afeta, inclusive, o núcleo mais profundo de cada cultura, a experiência religiosa, que parece agora igualmente difícil de ser transmitida através da educação e da beleza das expressões culturais, alcançando a própria família que, como lugar do diálogo e da solidariedade intergeracional, havia sido um dos veículos mais importantes da transmissão da fé.

Os meios de comunicação invadiram todos os espaços e todas as conversas, introduzindo-se também na intimidade do lar. Ao lado da sabedoria das tradições, em competição, localizam-se agora a informação de último minuto, a distração, o entretenimento, as imagens dos vencedores que souberam usar a seu favor as ferramentas tecnológicas e as expectativas de prestígio e estima social, o que faz com que as pessoas busquem denodadamente uma experiência de sentido que preencha as exigências de sua vocação, ali onde nunca poderão encontrá-la (cf. Documento de Aparecida, 39).

"Quem julga estar de pé tome cuidado para não cair". Acolhamos o apelo da Palavra da Escritura e os ensinamentos do Concílio! Para não cair, só a volta a Jesus Cristo e, por causa dele, a conversão dos costumes. Cada pessoa continue a tornar concretas as respostas aos desafios, em sua própria realidade!

Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/converter-se-para-viver-plenamente/

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