31 de julho de 2024

A oração é a base da vida espiritual

Embora a vida espiritual seja dom de Deus e os sacramentos sejam os verdadeiros motores que a criam e sustentam, a oração, ou o ato de rezar, é o combustível que alimenta o crescimento da espiritualidade. Dito de outra forma bem explícita: não existe vida espiritual sem oração.

Ela é a maneira como cada um se coloca, conscientemente, sob os cuidados de Deus, procurando conhecê-Lo e se tornar conhecido por Ele, procurando entender e fazer a vontade d'Ele.

Não é um erro menor se esquecer de rezar e não procurar conhecer como a oração aumenta nossa intimidade com Deus. Se, no céu, estaremos em plena união com o Altíssimo, o que seria mais importante no mundo do que conhecer, treinar e aprofundar-se nessa intimidade?

Santa Teresa D'Ávila define a oração como um trato de amizade com Deus. Isso porque, com os nossos grandes amigos, trocamos confidências, falamos dos nossos pensamentos mais íntimos, nossas angústias e sonhos. Somos livres para nos expor sem medo de sermos julgados.

Créditos: Kamonwan Wankaew por GettyImages/cancaonova.com

A oração, vida da alma

Esse é um detalhe valioso da oração: ela nos ajuda a ordenar nosso interior, nossa inteligência e vontade a partir de uma perspectiva do alto e da eternidade.

Exponho-me e, enquanto me exponho, também me analiso e percebo as mentiras que conto para mim mesmo, os erros e desvios do caminho, a minha falta de atenção com as coisas mais importantes da vida.

Rezar nos ajuda a construir em nós esse caminho de aperfeiçoamento que não é para mostrar para os outros, não é para se gabar, mas para que estejamos mais próximos do Criador e de Sua vontade.

Orações vocais

E se não existem pré-requisitos para a oração , por que não iniciar logo?

As chamadas orações vocais são acessíveis a todos. Este é o formato mais simples de oração. Ela se dá quando falamos com Deus, daí o nome vocal. E podemos falar com Deus usando nossas próprias palavras ou repetindo uma oração tradicional como a Ave-Maria ou o Pai-Nosso.

Não é necessário mover os lábios. Se conversamos com Deus ou usamos uma oração decorada dentro de nossa cabeça, sem que ninguém ouça nada, isso já é uma oração vocal, pois se usam palavras.


Cuidados na oração vocal

Mas cuidado: o problema de repetir orações decoradas é o automatismo. E não existe verdadeira oração ou verdadeiro cristianismo no piloto automático, como ir à missa por puro hábito, rezar porque "é hora" ou "está acostumado", sem uma verdadeira corrente interior, prejudicando a vida espiritual.

Sem querer, começamos a viver o que vivíamos, o farisaísmo, tão combatido por Jesus nos Evangelhos: por fora, sepulcros bonitos e pintados, gente que reza sem parar; por dentro, somente podridão, pois a oração não está conectada com o coração (Mt 23,27).

Então, se nos dispomos a rezar, é necessário fazermos com verdadeira atenção: com sentido, sabendo o que se está falando, sabendo com Quem está falando. Atenção e piedade são, portanto, fundamentais.

Santa Teresa Ávila e São Tomás de Aquino

A mesma Santa Teresa, doutora da Igreja, deixa bem claro que, quando falamos ou repetimos fórmulas prontas sem prestar atenção com quem falamos, do que falamos e sem estarmos com nosso coração e mente envolvidos no que fazemos, não estamos rezando.

Esse repetir palavras sem consciência não é oração para a Santa de Ávila. A oração verdadeira só se dá quando nossa inteligência e vontade estão unidas com atenção, com reverência e amor em um relacionamento com Deus. O resto é mover os lábios, não é ministro falar com Deus. 

Mas que fique bem claro para todos: não há problema em repetir Pais-Nossos, Ave-Marias ou quaisquer outras orações, desde que se esteja atento ao que se está fazendo, ou seja, sua mente e seu coração estejam envolvidos no processo. A verdadeira oração é diálogo, não enxurrada de palavras perdidas e desatentas (Mt 6,6).

São Tomás de Aquino, em sua Suma Teológica, fez um exame detalhado de todas as características da oração e do ato de rezar com verdadeiros frutos, cumprindo os conselhos evangélicos.

Afinal, rezar sem cessar, interceder por nossos inimigos e, inclusive, realizar súplicas e pedidos a Deus, é interceder para nossa própria salvação e bem.

Para aqueles que desejam crescer em oração e se aprofundar nesse conhecimento, recomendo o livro "A Oração segundo os doutores da Igreja". Com certeza, a vida de oração vai adquirir um novo significado aos seus olhos.

No próximo artigo, trataremos sobre a oração mística ou contemplação, um passo além na vida de oração.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/vida-de-oracao/a-oracao-e-a-base-da-vida-espiritual/

30 de julho de 2024

A importância da virtude da esperança em tempos difíceis

A esperança em tempos difíceis

O Catecismo da Igreja Católica inicia as reflexões sob as virtudes teologais afirmando: "As virtudes teologais fundamentam, animam e caracterizam o agir moral do cristão, informam e vivificam todas as virtudes morais" (CIC 1813).

Nunca se fez tão necessário conhecer, desejar e pedir a Deus as virtudes da fé, esperança e caridade como nos tempos atuais, onde muitos são os acontecimentos que nos desanimam e nos fazem duvidar se Deus ainda olha pela humanidade. Confesso que, entre as virtudes teologais, a que sempre se destaca em minha busca nos estudos é a virtude da esperança, sem dúvida nenhuma, graças à influência de São João Paulo II, que, em todo o seu pontificado, foi um entusiasta de tal virtude, e é o meu santo de devoção.

A virtude da esperança

O que é a virtude da esperança?

CIC 1817. A esperança é a virtude teologal pela qual desejamos o Reino dos céus e a vida eterna como nossa felicidade, pondo toda a nossa confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos, não nas nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo. "Conservemos firmemente a esperança que professamos, pois Aquele que fez a promessa é fiel" (Hb 10, 23). "O Espírito Santo, que Ele derramou abundantemente sobre nós, por meio de Jesus Cristo nosso Salvador, para que, justificados pela sua graça, nos tornemos, em esperança, herdeiros da vida eterna" (Tt 3,6-7).

Se você deseja ser santo e viver a sua vida cultivando a fé e o amor por onde passar, até chegar no céu, é preciso, antes de tudo, desejar e pedir a Deus a virtude da esperança, que caminha junto com o desejo pelo reino dos céus.

Pare e pense, agora, antes de continuar essa leitura: como anda, em seu interior, a esperança e o desejo pela eternidade?

Se for possível, peça a Deus, agora mesmo: "Desperta, Senhor, em meu coração, a esperança que não decepciona, como nos ensina São Paulo em Romanos 5,5".


A esperança em ação segundo Bento XVI

Bento XVI dedica toda uma encíclica à esperança, a Spe Salvi. Descreve-a como uma virtude performativa, capaz de "produzir fatos e mudar a vida". Na sua encíclica escreve: "A redenção é-nos oferecida no sentido que nos foi dada a esperança, uma esperança fidedigna, graças à qual podemos enfrentar o nosso tempo presente: o presente, ainda que custoso, pode ser vivido e aceite se levar a uma meta e se pudermos estar seguros desta meta, se esta meta for tão grande que justifique a canseira do caminho" (Spe Salvi).

Esperança frente ao medo

Em seu discurso na sede da ONU, em 1995, o Papa João Paulo II nos deixou essa herança espiritual no combate ao medo que, muitas vezes, aprisiona e paralisa:

A esperança não é um otimismo, ditado pela confiança ingênua de que o futuro é necessariamente melhor que o passado. Esperança e confiança são a premissa de uma atuação responsável e têm o seu apoio no íntimo santuário da consciência, onde o ser humano está a sós com Deus, e por isso mesmo intui que não está só entre os enigmas da existência, porque está acompanhado pelo amor do Criador (Discurso à ONU, 5.10.1995).

Reacendendo a chama da esperança

No livro 'Liberdade interior', padre Tiago Felipe ensina que é graças à virtude da esperança que, todos os dias pela manhã, podemos recomeçar e nos decidirmos a amar.

Pela fé que transporta montanhas e o amor que tudo pode superar, recorra, hoje mesmo, a crescer pela graça de Deus na busca diária para colocar em prática o sentido da sua esperança que não está enraizada nas coisas que passam, mas na eternidade.

A esperança nunca decepciona (Romanos 5,5)

Saulo Macena – Missionário da Comunidade Canção Nova desde 2009. Morou por seis anos na missão Canção Nova na França. Saulo é natural da cidade de Fortaleza (CE). Casado, ele é pai de uma filha. Graduando Teologia no Centro Universitário Internacional (Uninter) com especialização em teologia da história e comunicação salesiana.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/a-importancia-da-virtude-da-esperanca-em-tempos-dificeis/

29 de julho de 2024

A Arte de Saber Perder



Certa vez, ao passar por uma praça onde havia crianças brincando, vi duas delas lutando entre si, ferreamente, por um brinquedo. Pareciam dois soldadinhos competindo em cabo de guerra. Um arrastava o brinquedo para um lado; o outro, na direção contrária. Logo, um deles deu um puxão, o outro quase caiu, mas resistiu. Como resultado da peleja, uma das mãos de um deles começou a sangrar, mas ele não largou o brinquedo. Por fim, ambos começaram a chorar e a gritar. Daí para frente receberam a assistência de adultos.
Enquanto passava por ali, observando a cena, vi que havia outros brinquedos à disposição dos meninos, mas, de algum modo, naquele momento, só aquele da disputa lhes servia.
Segui pensando nas vezes em que adultos, quando querem obcecadamente coisas ou pessoas para si, mas não conseguem obtê-las, desestabilizam-se e se tornam crianças. Pensei também nas feridas psicoemocionais advindas destes fatos; e como sempre vêm com sangramentos invisíveis destilando de ínfimas gotas a milhões de toneladas de tristeza e infelicidade.
Quase saindo daquela praça, pensei: "Que bom se a gente aprendesse a perder o que deve ser perdido! Quantos sofrimentos, tristezas e infelicidades seriam evitados?! Aquilo que devemos perder, quando os seguramos, nos ferem muito!"
Presenciei aquela cena dos meninos há mais de quarenta anos, mas ela nunca saiu da minha lembrança e sempre que retenho algo e isso me fere, eu a revejo como se estivesse ocorrendo agora. Com estas lembranças, costumo sorrir silenciosamente e dizer para meu eu criança: "Tenha cuidado! Não me faça sofrer! Solte!"
Por vezes, meu eu criança me obedece e solta o que devo perder; noutras, simplesmente não me ouve. Por isso tentei entender algumas razões pelas quais, mesmo sofrendo, mesmo contra toda lógica racional, mesmo vendo que tudo vai ser ruim, meu eu criança simplesmente não consegue perder o que deve ser perdido. E nesta busca por entendimento, encontrei muitas razões disfarçadas, dissimuladas, tentando se esconderem de mim, mas todas elas se resumem em uma só: apego. Na verdade, elas criam o apego, o alimentam, o fortalecem e o mantêm.
Tudo piora quando o apego é sustentado por dependência psicoemocioal.
A seguir, partilharei algumas experiências. Talvez elas sirvam para ajudar as irmãs e os irmãos a encontrarem seus traumas e apegos ocultos ou disfarçados; mas, antes, devo partilhar as seguintes notas:
✓ este é um assunto tão complexo quanto é cada ser humano;
✓ o que serve para uma pessoa, pode não servir para outra;
✓ como o ser humano é em si um microcosmo, o assunto pode ser inesgotável;
✓ enfim, o texto está se limitando a ser somente uma partilha de experiências.
Então, eis uma pergunta cuja resposta, se for certeira, vale a felicidade: se o apego ao que se deve perder, causa sofrimento, por que as pessoas se apegam ao que não deveria?
Por minha experiência, assim como pela prática de oração por outras pessoas ― já pertenci ao antigo ministério de cura interior da RCCGOIÂNIA, quando ele existia ― os apegos se ligam a necessidades reais ou fictícias, criadas por si ou sugeridas por outros. Nisso, incluem sonhos e idealizações criadas pela própria pessoa ou por outras. As outras pessoas, todas elas ― parentes, amigos, colegas, desconhecidos, artistas, comunicadores ― também podem semear sonhos, desejos, vontades em alguém. E, em verdade, não importa de onde vêm os sonhos, as idealizações, os desejos, pois quando alguém os assume como algo próprio, mas não consegue realizar o que deseja, poderá optar por um, entre dois caminhos: renunciar ou se apegar; e quando se apega, tal apego pode se tornar dependência psicoemocional.
Dependências psicoemocionais são correntes escravizantes que prendem a pessoa ao objeto dos seus desejos. Creio que uma pessoa psicoemocionalmente dependente de algo que não se realiza, ou de alguém que não lhe demonstra amor, não consegue ser feliz.
O apego pode ser a qualquer pessoa ou coisa material ou imaterial, assim como a dependência psicoemocional também pode.
Exemplificarei com dois casos acompanhados por mim, ainda no ano de 1987.
No primeiro deles, um irmão, já idoso, com alguns filhos e netos, durante uma oração para cura interior partilhou uma tristeza que carregava consigo há mais de quarenta anos. Ele disse que para se livrar da dor que sentia, pensava muitas vezes em morrer.
Em resumo, quando ele tinha vinte anos, namorava uma moça por quem era muito apaixonado, a ponto de pensar em se tornar noivo. Contudo, para sua infelicidade, a viu dando trela para o seu irmão. Evidentemente, ele passou a observá-los, até que num domingo, após um almoço em família, ao chegar em determinado local, teve a impressão de que eles estariam se desvencilhando apressadamente de algo que seria um beijo.
Ele a confrontou, ela negou; ele o confrontou, ele negou..., mas um dos seus primos confirmou que havia algo. Ele terminou o namoro, mas não conseguiu se livrar da dor. Assim, ele chegou àquela oração de cura interior, mais de quatro décadas depois do trauma.
Durante a oração, ele compreendeu que sofria por estar preso à noção de honra que havia herdado da sua família. Assim, ao lembrar de que fora traído por sua namorada e seu irmão, ele sofria e sentia muita vergonha por ter sido traído.
Em determinado momento, eu lhe perguntei como ele se sentia ao ouvir a palavra "corno", mas ele não conseguiu responder, pois começou a perder os sentidos e a vomitar sem nada sair do seu estômago.
Quando ele melhorou, lhe perguntei o que ele mais queria naquela ora, e ele respondeu: "Tudo o que eu queria, para não me sentir um completo idiota, era que minha namorada e meu irmão reconhecessem seus erros e me pedissem perdão, mas eles negaram e me deixaram com cara de trouxa. Como não reconheceram e não me pediram perdão, além de ser tido como o corno da família, passei a ser o idiota que não se vingou, o homem que não é homem. Mas como eu poderia me vingar? Eu pensava em meus pais. Foi por causa deles que não me vinguei!"
Oramos para que ele conseguisse renunciar ao apego à noção de honra que assumira como sua e ao desejo de que seu irmão e sua ex-namorada reconhecessem que o haviam traído e lhe pedissem perdão.
No fim, ele estava muito aliviado e já sorria de verdade. Antes de despedi-lo, passei-lhe o contato de uma ótima psicóloga que eu conhecia e de um psicanalista.
Ele se foi como alguém que havia se livrado de uma tortura.
O segundo caso foi de uma senhora que tinha em torno de quarenta anos. No início da oração, ela partilhou sobre uma grande dificuldade de relacionamento. Depois de orar e ouvi-la, a causa foi se esclarecendo, pois ela tratava como adversária, e às vezes como inimigas, a todas as pessoas que a contrariavam ou negavam-lhe algo. Eram pessoas que a faziam se sentir perdedora. Ela reconheceu isso, mas não entendia o porquê.
Depois de mais algum tempo, minha parceira de oração lhe pediu para falar sobre a perda mais dolorosa de sua vida. Ao ouvir o pedido, ela se empalideceu e começou a chorar. Quando conseguiu falar, disse que aos sete anos de idade, seu avô, então muito rico, faliu. Ele faliu no mês do seu aniversário, quando lhe havia prometido um belo presente: uma viagem ao exterior.
Com seu avô empobrecido, tudo mudou para pior: seus pais e seus tios tiveram que trabalhar como empregados para outros empresários, tiveram que se mudar para casas pobres, não conseguiram manter os carros; ela, seus irmãos e seus primos foram estudar em escolas públicas.
Oramos com ela, mas, naquele dia, ela não conseguiu renunciar ao apego à vida confortável que poderia ter usufruído. Pedimos-lhe que consultasse algum psicoterapeuta, e, se desejasse, voltasse a nos procurar.
Depois de alguns meses, ela voltou para agradecer e receber oração. Ela disse que, na terapia, descobriu que não conseguia se desapegar da frustração por não ter recebido seu presente de aniversário. Ela ainda o queria, e muito, mesmo já tendo passado trinta anos. Segundo seu terapeuta, era o trauma que segurava o apego e a fazia dependente emocional de um fato que não se realizou e jamais se realizaria.
Pelo que foi partilhado até aqui, penso que os irmãos e as irmãs já compreenderam que é possível aprender a perder e que sabedoria, discernimento e perseverança ajudam muito nisso, assim como orações e psicoterapias; porém, a título de um pouco de esclarecimento, eis abaixo o resumo de um "método" que pode ser útil a quem desejar, de fato, aprender e praticar a ARTE DE SABER PERDER o que deve ser perdido:
✓ oração;
✓ decisão no sentido de optar por perder (renunciar) ao que deve ser perdido;
✓ oração;
✓ autoanálise;
✓ oração;
✓ terapia com profissional;
✓ oração.
Evidentemente, um tema riquíssimo de detalhes e tão complexo como o ser humano, seu objeto científico, mereceria pelo menos um tratado interdisciplinar fundamentado em ciências como Teologia, Psicologia e Psicanálise, por isso encerro a partilha dizendo que o ambiente no qual vivemos pode se tornar agradável quando conseguimos melhorar a nós mesmos.
Muito obrigado!
Até outro texto!
Afetuosamente, Deus te abençoa!

Dercides Pires da Silva.
Goiânia-GO, 28 de julho de 2024.


Gramática do coração

A indiferença: um risco real na sociedade contemporânea

No coração humano, hospedam-se indiferenças que precisam ser adequadamente tratadas sob o risco de inesperada e elevada cobrança a se pagar pela displicência. A atenção focada apenas em estratégias políticas, econômicas e outras questões da vida humana contemporânea, não pode transcurar o que o coração de cada pessoa inscreve na sua gramática. São perigosas as reações que podem nascer das indiferenças, surpreendendo esquemas rígidos de segurança e comprometendo vidas, projetos e processos importantes. O dito sapiencial, de relevância espiritual de Jesus, na sua maestria, no Sermão da Montanha, conta muito e guarda preciosa advertência e indicação de zelo: 'Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração'.

Créditos: miodrag ignjatovic / GettyImagens

O tesouro do coração

O tesouro de cada um é o forro do seu coração, funcionando como luz do corpo. Jesus sublinha: 'A lâmpada do corpo é o olho: se teu olho for bom, ficarás todo cheio de luz, mas se teu olho for mau, ficarás todo em trevas. Ora, se a luz em ti é trevas, quão densas serão essas trevas'. A força deste ensinamento e advertência ilumina a preocupação que se deve ter de qualificar o tecido do próprio coração para o exercício da solidariedade e incondicional respeito à dignidade de cada pessoa. E, assim, também priorizar e efetivar um novo estilo de vida na casa comum, por meio de mudanças e procedimentos que consigam tratar de modo diferente o meio ambiente. Por isso, é um perigo se descuidar do fenômeno das indiferenças que tomam conta dos corações enjaulados na mesquinhez e no desgosto, impedindo gestos e atitudes pela paz e nobreza no relacionamento humano. 

O combate à indiferença: compaixão e solidariedade

Importa, pois, operar verificações sobre as diferentes fisionomias da indiferença em relação ao próximo. São muitos os dramas que afligem a humanidade, sendo urgente tocar os corações, não permitindo que o risco real de se ter muitas informações, trazidas pelas facilidades fascinantes dos meios e tecnologias atuais, impeça que sejam cultivadas a sensibilidade e a espiritualidade para mudar, urgentemente, circunstâncias ameaçadoras na vida comum. O combate à indiferença precisa ser alavancado pelo indispensável sentimento de compaixão, sem o olhar que permite alcançar o outro, particularmente o pobre e vulnerável, mantendo-se na estreiteza de lógicas que não adotam o perdão e a reconciliação. Tem-se muitas e variadas informações sem que, no entanto, seja produzida uma luminosa consciência solidária. Pode-se constatar uma certa anestesia da sensibilidade, convencendo corações a escolhas e a posturas que levam a consequências prejudiciais, inclusive para a própria pessoa, afetando o conjunto e a interioridade da precisada sociedade solidária. Justifica-se, facilmente, tudo, distribuindo, rancorosamente, o rol de culpas, apontando, falaciosamente, os pobres como responsáveis primeiros, justificando encastelamentos que perpetuam ódios e fechamentos às partilhas e urgente reconciliação. 

A necessidade da escuta e da corresponsabilidade

Essa realidade é como mortal câncer social que justifica e permite a corrupção, a formação hermética de oligarquias, alimentando ideologias políticas perversas e destrutivas. Aí estão raízes evidentes do comprometimento da paz mundial, nas instituições e nas famílias. Tudo nasce no risco de não sentir compaixão pela humanidade sofredora. Na contramão, urge-se exercitar-se na escuta do grito surdo vindo das angústias que afligem a humanidade, pedindo e indicando a importância terapêutica de interessar-se e ocupar-se com o que pesa sobre os ombros dos outros, corresponsabilizando-se por soluções e contribuindo por atitudes solidárias e compassivas, não se pautando em mágoas, ressentimentos e na mesquinhez do próprio conforto. É evidente o risco do conforto amordaçar o coração, impedindo-o de gestos de altruísmo e o privando de sabedorias que impulsionem comprometimentos e intuições na tarefa cidadã de edificar uma sociedade mais justa e solidária. Compreende-se, neste mesmo horizonte, a incompetência social e política de tratar a casa comum a partir de um outro estilo de vida, matando-a, assim, e pagando preços altos por reações da natureza, que levam a penúrias e à escassez, a exemplo da água e dos alimentos. 

A fraternidade: um valor inegociável

Um coração indiferente é naturalmente fechado e desinteressado. É urgente o investimento para sair de um sentimento de indiferença para um coração misericordioso. Coração misericordioso por considerar o outro sempre como irmão, sem trair a fraternidade, de nenhum modo e em nenhuma circunstância. Não se pode deixar valer a síndrome de Caim para com Abel, iluminados sempre pela verdade de igual dignidade, todos à imagem e semelhança de Deus. Quando a fraternidade é quebrada, em qualquer nível ou intensidade, paga-se de muitos modos, hoje ou amanhã um alto preço. Há um chamamento à responsabilidade para com o outro, sem preconceitos e discriminações. 'Onde está o teu irmão?', interrogação central no episódio Caim e Abel, deve ecoar fortemente no coração de cada pessoa como dispositivo gerador de indispensável sensibilidade solidária e fraterna. É indispensável, pois, como Deus se interessa, interessar-se pelo destino do outro, não como ingerência, mas como solidariedade que qualifica relacionamentos, muda rumos e reorganiza a sociedade em outros possíveis parâmetros de convivência.

O bem comum como prioridade

Há de se aprender, como remédio, a ser misericordioso como forro de qualidade do próprio coração, para não se tornar o indivíduo grande por feitos e projetos, mas apequenado por omitir-se na solidariedade e no empenho político de edificação da sociedade nos trilhos da justiça solidária. É preciso adotar a solidariedade com o firme e perseverante empenho pelo bem comum, aprendizagem prioritária e exercício diário, em ensinamentos formais e em práticas cotidianas, fazendo valer o princípio cristão que considera o outro sempre o mais importante, derrubando os muros do orgulho, a mesquinhez do ressentimento, seduzidos todos pela galhardia da nobreza de cada gesto, por ela alargando horizontes, apontando novos rumos e encontrando soluções. 

A solidariedade como caminho

Inscrever a solidariedade na gramática do coração é adotar um programa de vida que faz do amor e da compaixão os trilhos do próprio caminhar. Valha, e seja acolhido, o precioso convite de se ser fomentador da cultura da solidariedade e da misericórdia como combate efetivo da perniciosa e daninha indiferença. A gramática do coração é a solidariedade adotada como virtude moral e comportamento social, um caminho que pode, passo a passo, reacender luzes de esperança no horizonte nebuloso da sociedade contemporânea.     

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/sociedade/gramatica-do-coracao-indiferenca-compaixao-solidariedade/

26 de julho de 2024

A virtude da fortaleza exige decisão, coragem, generosidade e constância

Iniciamos os comentários da terceira virtude cardeal dessa série

Essa virtude, que se chama força de alma, força de caráter ou virilidade cristã é uma virtude moral, sobrenatural, que robustece a alma na conquista do bem árduo sem se deixar abalar pelo medo nem sequer pelo temor da morte.

O seu objeto é trabalhar especificamente na constância e na firmeza de prática do bem, transformar o temor em audácia e força contra a temeridade e a tibieza.

Créditos: sdominick / GettyImagens

Os seus atos se reduzem a dois princípios: empreender e tolerar coisas difíceis. Permanecer firme contra os obstáculos que, constantemente, surgem no caminho da perfeição. Não os temer e avançar contra eles exige decisão, coragem, generosidade e constância. É preciso também saber tolerar, por Deus, as numerosas e árduas provações que Ele nos envia, os sofrimentos, as doenças e zombarias, as calúnias de que somos vítimas. Quem aguenta costuma ser mais forte do que quem ataca.

Graus da virtude da fortaleza

Primeiramente, é preciso lutar, corajosamente, contra os diversos temores que se opõem ao cumprimento do dever, o temor da fadiga e perigo. Todos os bens celestes devem nos ser preferíveis aos bens terrenos. Donde é preciso sacrificar generosamente as fortunas, a saúde, a reputação e a vida em troca da graça! Portanto, o pecado deve ser evitado a todo custo, mesmo que todos os males temporais desabem sobre nós.

O temor das críticas e zombarias ou o respeito humano nos levam a descuidar do nosso dever por medo dos juízos desfavoráveis que se farão de nós, das ameaças contra nós, das injúrias e injustiças de que seremos vítimas.

O temor de desagradar aos amigos seria uma vã popularidade. A aprovação de Deus deve ser maior que a aprovação dos homens.

Mais para frente, é preciso procurar exercitar a parte positiva da virtude da fortaleza, esmerando-se por imitar a força de alma de que Jesus Cristo nos deu exemplo durante a vida.


Virtude que vai além das aparências

Essa virtude aparece na sua vida oculta: abraça a pobreza, a mortificação e a obediência no exílio, ficando em silêncio por trinta anos, ensinando-nos a santificar as ações mais ordinárias e de nos inspirar o amor da humildade.

Na sua vida pública: nos longos jejuns, nas vitórias constantes contra o demônio, na sua pregação firme contra os preconceitos judaicos, no sacrifício e abnegação, nas denúncias contra os doutores da lei, por fugir da popularidade, na formação dos apóstolos, na decisão de subir para Jerusalém sabendo do sofrimento e dor, humilhação e morte.

Na Sua Paixão: na agonia dolorosa, onde ainda ora pelos seus inimigos, na serenidade, silêncio diante das injustiças e nos julgamentos, na paciência durante os suplícios e as zombarias. Na serena expiação onde se entrega nas mãos do Pai. Uma
paciência imperturbável nas mais duras provações.

Aqui, há o suficiente para muita meditação. Modelos para nos fazer viver seu exemplo nas menores situações de nossa vida.

Existe, assim como nas demais virtudes cardeais já comentadas, virtudes anexas à da fortaleza, que a detalham e a compõem. As veremos nos próximos artigos, assim como também os meios de os aperfeiçoar. Permaneça conosco e atente-se às publicações.

Equipe Formação Canção Nova


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/series/virtudes-morais-cardeais/a-virtude-da-fortaleza-exige-decisao-coragem-generosidade-e-constancia/

23 de julho de 2024

Consagre-se ao Preciosíssimo Sangue de Jesus

Reze em família a consagração ao Preciosíssimo Sangue de Jesus

Senhor Jesus Cristo, em Vosso nome e com o poder de Vosso Sangue Precioso, selamos cada pessoa, fato ou acontecimento por meio dos quais o inimigo nos queira prejudicar.

Com o poder do Sangue de Jesus, selamos toda potência destruidora no ar, na terra, na água, no fogo, abaixo da terra, nos abismos do inferno e no mundo no qual hoje nos movemos.

Consagre-se ao Preciosíssimo Sangue de Jesus

Créditos: cançãonova.com

Poderosíssimo Sangue de Jesus

Com o poder do Sangue de Jesus, rompemos toda interferência e ação do maligno. Nós Vos pedimos, Senhor, que envieis ao nosso lar e local de trabalho a Santíssima Virgem Maria acompanhada de São Miguel, São Gabriel, São Rafael e toda sua corte de santos anjos.

Com o poder do Sangue de Jesus, lacramos nossa casa, todos os que nela habitam (nomear cada um), as pessoas que o Senhor a ela enviará, assim como todos os alimentos e bens que, generosamente, concede para nosso sustento.

Com o poder do Sangue de Jesus, lacramos terras, portas, janelas, objetos, paredes e pisos, o ar que respiramos, e na fé colocamos um círculo de Seu Sangue ao redor de toda nossa família.

Com o poder do Sangue de Jesus, lacramos os lugares onde vamos estar, neste dia, e as pessoas, empresas e instituições com quem vamos tratar.

Com o poder do Sangue de Jesus, lacramos nosso trabalho material e espiritual, os negócios de nossa família, os veículos, estradas, ares, ruas e qualquer meio de transporte que haveremos de utilizar.

Com Vosso Preciosíssimo Sangue, lacramos atos, mentes e corações de nossa Pátria, a fim de que Vossa paz e Vosso Coração nela reinem.

Nós Vos agradecemos, Senhor, pelo Vosso Preciosíssimo Sangue, pelo qual nós fomos salvos e preservados de todo mal. Amém.



Alexandre Oliveira

Membro da Comunidade Canção Nova, desde 1997, Alexandre é natural da cidade de Santos (SP). Casado, ele é pai de dois filhos. O missionário também é pregador, apresentador e produtor de conteúdo no canal 'Formação' do Portal Canção Nova.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/oracao/consagre-se-ao-preciosissimo-sangue-de-jesus/

22 de julho de 2024

Pilar do relacionamento

Relacionamento humano: o elo perdido da sociedade moderna

A sociedade contemporânea, brindada por tantos especializados saberes, padece pela carência de uma sabedoria fundamental: o pilar do relacionamento humano. Sabe-se da importância de diferentes estratégias, mas, para se alcançar êxito, não se pode descurar da qualidade do relacionamento humano. Propósitos são alcançados graças à eficiência técnica, logística, ao monitoramento de resultados. Ainda mais determinante no cumprimento de objetivos é o campo relacional, inerente a todas as atividades humanas. Muitas iniciativas naufragam por causa de inabilidades relacionais. Até mesmo ações que apontam para um horizonte inovador podem nem "sair do papel", pela falta de competência relacional, especialmente na condução de equipes, no cumprimento da tarefa de estimular o envolvimento de seus integrantes. 

Créditos: MesquitaFMS / GettyImagens

O desafio da liderança relacional

Aos doutos, em qualquer área, não é difícil conceber projetos com engenharias inteligentes e contemporâneas. O desafio maior é impulsionar a realização desses projetos com o vetor do relacionamento qualificado, o que exige habilidade para lidar com dilemas existenciais e humanos. A falta de qualificação de líderes na administração do relacionamento interpessoal gera acentuadas perdas nos mais diversos campos – da política à religião, da economia à cultura, da educação às artes. Exercer a liderança significa também tornar-se ponto de apoio para liderados e parceiros na realização compartilhada de projetos. Para isso, é preciso superar circunstâncias que enjaulam o ser humano, a exemplo da mesquinhez e a tendência muito comum de se buscar aproximar apenas daqueles com quem se partilha das mesmas opiniões e convicções. Deve-se alargar a própria interioridade, capacitando-a para gerar agregação entre pessoas com diferentes modos de pensar, mas que estão envolvidas na busca de uma mesma meta.

A importância da competência relacional

A habilidade para se constituir uma referência que alimenta agregação entre as pessoas não pode ser confundida com a capacidade para dar ordens. As equipes demandam de seus líderes uma desenvoltura relacional capaz de torná-los presença cativante, com palavras que iluminam, inflamam e impulsionam. Não basta, pois, "ocupar uma cadeira" no exercício do poder, da autoridade ou das mais diferentes responsabilidades. Sem competência relacional, prevalece a mediocridade. As instituições padecem com a falta de clareza e de investimentos na competência relacional. Não conseguem transformar seu potencial em realizações, desperdiçando-o. "Times" que confiam no seu líder, reconhecendo-o com importante retaguarda, "jogam" melhor, com mais chance de alcançar seus propósitos.  Por isso mesmo, em sintonia com as demais aptidões que são vetores de conquistas, deve-se investir na essencial competência relacional. 

Cultivando a Reciprocidade

O cultivo da competência relacional, desenvolvendo habilidades essenciais ao exercício da liderança, contempla reconhecer o valor da reciprocidade, estimular diálogos, motivações e mobilizações que levem às metas almejadas. Trata-se de caminho eficaz para governanças corporativas e para a vivência da dimensão missionária, constituindo uma força para tecer vínculos de pertencimento essenciais ao viver com alegria, com disponibilidade para se dedicar ao semelhante, promovendo o bem. Especializar-se na habilidade para bem gerir relacionamentos é, pois, primordial. Uma habilidade que se conquista a partir de um itinerário bem diferente de outras especializações que, não raramente, fazem perder a "visão de conjunto", do todo. E sem essa compreensão mais global das situações, abandona-se o princípio de que tudo está interligado. No campo relacional, deve-se alimentar a "visão de conjunto", sem privilegiar uma parte, dedicando atenção a diferentes temas, abordagens e modos de compreender a realidade. Seguir na direção oposta pode levar a uma parcialidade que se desdobra no empobrecimento das possibilidades. 

Espiritualidade e relacionamento

Investir na dimensão relacional não significa buscar simplesmente a execução de técnicas. Contempla abraçar uma dimensão espiritual determinante e insubstituível, com propriedades para reconhecer que a vida é dom e um instrumento de transformação do mundo. Qualificar-se na competência para bem se relacionar – e tecer bons relacionamentos – pede, especialmente, profundo cultivo da espiritualidade, revestindo-se da capacidade para viver a reciprocidade, que é uma alavanca de inclusão relacional. A reciprocidade também semeia engajamento essencial à realização de diferentes projetos, fecundando a fonte de convicções que refinam os discursos e garantem desempenhos relevantes.  Descompassos institucionais, nas instâncias do poder e em outros segmentos da sociedade, apontam também para a falta de competência relacional. Perde-se muito tempo e energia quando há pouca efetividade em razão da falta de especialidade para tecer relacionamentos. Convive-se com superficialidades e diferentes descompassos, perpetuando exclusões e disputas. O viver preenche-se de sentido e de alegria espiritual quando se prioriza o pilar do relacionamento. 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte (MG)


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/relacionamento/importancia-relacionamento/

17 de julho de 2024

Cabeça dura e coração de pedra

Desafiando corações endurecidos: a relevância da mensagem de Jesus em um mundo relativista

Jesus visita Nazaré, onde se tinha criado (Mc 6,1-6), e encontra, naquele ambiente, reações contraditórias. De um lado, pessoas admiradas com a sabedoria que brotava de suas palavras, por saberem que não vinha de classes propriamente eruditas da sociedade do tempo, mas homem de uma família simples, carpinteiro como José, numa pequena localidade, parente de muitas pessoas que circulavam por toda parte, com as observações parecidas com as que ouvimos quando um jovem do interior volta à sua terra e todos se impressionam com quem foi estudar ou trabalhar em centros mais importantes! Todo mundo o conhecia, e uma fonte cujo nome veio a ser "Fonte de Nossa Senhora" devia ser ponto de encontro e dos comentários circulantes!

Créditos: DMP / GettyImagens

De outra parte, ajudados também pela narrativa de São Lucas (cf. Lc 4,14-30), quando fala da visita a Nazaré, sabemos como foi rejeitado pelos seus conhecidos e parentes. Ali, chegava como profeta na própria terra, pagando o preço das críticas, o que lhe impedia de operar milagres e anunciar com toda força o Reino de Deus. No entanto, Jesus não se detinha, e percorria os povoados anunciando a Boa Nova do Evangelho. Em outras ocasiões e lugares, o mesmo Senhor encontrou resistências muito fortes, de forma especial das autoridades religiosas da época. Nada o impedia de realizar a própria missão, olhando para a realização do plano do Pai, sempre a caminho de Jerusalém, sabendo o que deveria viver, formando os discípulos para as provações que necessariamente chegariam para eles e a Igreja.

Obstáculos à evangelização: a ascensão do relativismo e a crise de valores

Aliás, não faltaram dificuldades e desafios no correr da história da Igreja, e nosso tempo não é diferente. O texto do Profeta Ezequiel, proclamado neste final de semana (Ez 2,2-5), mostra com clareza o que viria pela frente, em sua época, no tempo do ministério público de Jesus e na história da Igreja: "Eu te envio aos israelitas, nação de rebeldes que se revoltaram contra mim. Eles e seus pais se rebelaram contra mim até o dia de hoje. É a estes filhos de face dura e coração obstinado que eu te envio. Tu lhes dirás: Assim diz o Senhor Deus. Quer te escutem, quer não – pois são um bando de rebeldes – saibam que houve um profeta entre eles. Quanto a ti, filho do homem, não os temas nem tenhas receio de suas palavras".

Há obstáculos para a Evangelização e a atividade pastoral da Igreja. Dentre tantos, observamos alguns pontos que exigem nossa reflexão e ação coordenada. Em torno a nós implantou-se um relativismo desafiador e provocante. A crise de valores nivelou tudo, quando as pessoas defendem o que chamam de "sua verdade", onde impera um nivelamento em que se pode fazer, falar e viver de tudo o que a imaginação humana seja capaz de engendrar. A falta de referências impera e pede, de nossa parte, firmeza, aliada ao bom senso. Cabe à Igreja ir ao encontro do mistério que é a vida de cada pessoa, ouvir e suscitar interrogações sobre o sentido da existência. Proclamações altissonantes de cunho conservador, ou progressista, ou fanático, só provocam isolamento e fechamento das pessoas. Não se vence o jogo no grito!

Consumismo religioso e a dissociação entre fé e vida

O mundo se transformou numa espécie de hipermercado em todos os sentidos, também religioso, no qual as pessoas podem escolher o que mais lhes agrada, especialmente se não exige compromissos de vida moral e de retidão. Na realidade, o "religioso" vem a ser, para muitos, o que me traz um consolo ou compensação imediata. E as portas de templos começam a parecer "postos de combustíveis", que não criam qualquer relação de compromisso, pois as pessoas passam a ser consumidoras e não membros fiéis de uma Comunidade Eclesial, na Fé, no Culto, e na Caridade.

Na mesma vertente, ocorre-me um comentário ouvido num meio de comunicação, onde o uso dos celulares pelas crianças era o assunto. Pareceu-me proposital quando se referiam aos eventuais limites de tais meios pela criançada, entrou uma observação que parece até verdadeira, dizendo que os valores espirituais ficam por conta de cada pessoa ou grupo. Esconde-se assim uma separação radical entre aquilo que a pessoa professa como fé e a incidência na sociedade. É como dizer que a vivência da fé não tem nada a ver com o resto da vida!
Outro desafio é a redução da experiência religiosa aos sentimentos, enquanto o seguimento de Jesus implica coerência de vida inclusive e de modo especial nas ocasiões em que nada oferece compensação emocional, pois o núcleo da fé cristã se encontra no Mistério e Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. Digam os mártires da fé, que se mantiveram fiéis diante da tortura e da eliminação de sua vida física, sabendo ser maior e definitiva a recompensa que os esperava. Fidelidade a Deus em qualquer circunstância é a proposta da vida cristã, malgrado nossas fraquezas pessoais, com a certeza de que a graça de Deus vem em nosso auxílio e nos sustenta!

Testemunhando a verdade em um mundo hostil

Os cristãos, não só os chamados a algum ministério específico, todos são chamados, consagrados e enviados. O mundo, mesmo feito de cabeças duras e coração de pedra, é o nosso campo de testemunho e ação, na certeza de que podemos sempre ouvir a voz do Senhor: "No mundo tereis aflições. Mas tende coragem! Eu venci o mundo" (Jo 16,33). Transformemos nossos medos e ameaças em desafios à nossa oração, criatividade e dedicação. As atividades profissionais, a convivência na sociedade e todas as eventuais provocações existentes são o nosso campo de presença qualificada e de testemunho. Nada de pessimismo ou derrotismo!


O Evangelho do presente Domingo nos leva ao encontro pessoal com Jesus Cristo, na acolhida a um convite precioso de São Paulo: "De fato, pela sabedoria de Deus, o mundo não foi capaz de reconhecer a Deus por meio da sabedoria, mas, pela loucura da pregação, Deus quis salvar os que creem. Pois tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria. Nós, porém, proclamamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos. Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio que os homens e o que é fraqueza de Deus é mais forte que os homens (1 Cor 1,21-24). Permitamos que Jesus percorra as redondezas de nosso coração, anunciando a Boa Nova!

Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/mensagem-jesus-relevancia-mundo-relativista/

16 de julho de 2024

O que é a verdadeira caridade?

Muito além da esmola: desvendando a essência da caridade cristã

Quando me pediram para refletir sobre a VERDADEIRA CARIDADE, confesso que fiquei incomodada com a palavra VERDADEIRA.  Questionei-me várias vezes sobre a necessidade da palavra VERDADERA. Fui buscar, na Palavra de Deus a resposta, o sentido de viver a caridade.

A Bíblia nos revela, em suas páginas, que o princípio da caridade nasce de Deus, que é amor. Ela é verdadeira, porque emana do verdadeiro amor que é Deus. Torna-se concreta quando une a nossa própria vida à vida de outras pessoas. A caridade é um dos mais belos atos de doação que fazemos de nós mesmos. 

Doar-se para salvar

Engana-se quem pensa que fazer caridade é dar uma simples esmola. A palavra de Deus nos revela que a verdadeira caridade vai muito além do dar aquilo que temos, é dar de si, é partilhar a própria vida, é um doar-se para salvar. Podemos dizer, sem medo de errar, que é uma vida que sustenta outra vida nos momentos de dor, sofrimento, pobreza, miséria, invalidez, doenças e tantas outras realidades que assolam o nosso viver.

Crédito: Bartolomé Esteban Murillo

A pessoa que vive a caridade cristã se compadece, por isso doa mais que a si mesma, doa esperança, fé, amor, ensina a buscar a Deus quando as respostas humanas são insuficientes e somente Deus é a resposta. Gasta tempo, sacrifica-se quando divide a dor do outro, ajudando-o a carregar a cruz do sofrimento, sustentando-o nas horas mais difíceis, apaziguando situações e corações com palavras, gestos ou simplesmente com sua presença, mesmo que silenciosa. É um braço que se estende, é um abraço que acalenta, é um ombro para chorar.

Superando o cansaço, encontrando a alegria

Quem vive o verdadeiro sentido da caridade se cansa, aperta-se, chora junto, porque não é de ferro, sempre encontra forças para ajudar.  Mas também se enche de alegria e de paz pelo bem realizado, pela superação alcançada, pelo sorriso que, às vezes, custa a aparecer. Não devemos ter receio de acalentar um coração dilacerado pela dor, são nestas horas dolorosas, de separação, morte ou enfermidade que precisamos estar presentes. É quando acreditamos que não temos nada a doar que o Espírito Santo de Deus inunda nosso ser com palavras de sabedoria, gestos concretos de amor e acolhimento. São nestes momentos que a graça de Deus, que supera todo o nosso entendimento, passa por nós, para revigorar a pessoa necessitada e acaba por nos fortalecer também, porque primeiro a graça passa por nós para chegar a alguém. São João o apóstolo do amor nos diz:

"Nisto conhecemos o Amor: ele deu a sua vida por nós. E nós também devemos dar nossa vida pelos irmãos.  Se alguém, possuindo os bens deste mundo, vê seu irmão na necessidade e lhe fecha as entranhas, como permaneceria nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com ações e em verdade" (I João 3, 16-18).

São João dá à verdade um sentido muito maior que engloba fé e amor, por isso, em suas cartas, ele afirma que são da verdade aqueles que creem e amam. 

A verdadeira caridade está ao nosso alcance

Precisamos nos lembrar sempre que está ao nosso alcance viver a verdadeira caridade, porque acolher, abraçar, dar uma palavra de conforto, emprestar os ouvidos para escutar, fazer uma prece, um cuidado, ter paciência, ser presença, levar roupas, remédios e alimentos são gestos que nascem de um coração que ama. O esquecer de si para servir o outro sem esperar nada em troca é a maior riqueza que temos para doar. Às vezes, basta uma ideia simples, um chá, um bolo, uma sopa. Algo do nosso dia a dia, mas que contagia outras pessoas para que a solidariedade, tantas vezes esquecida, seja despertada em nosso viver.

Com as enchentes no Rio Grande do Sul, pudemos tocar nas mais diversas formas de solidariedade, foi comovente ver pessoas que perderam tudo ajudando outras tantas. Pessoas que não pararam em sua própria dor ou no cansaço, mas se mantiveram firmes para aliviar o sofrimento do próximo. Pessoas que deixaram o conforto de suas casas para se colocar em meio à lama e salvar vidas. Pessoas que doaram suas férias, seus conhecimentos para se colocarem a serviço do próximo que sequer conheciam, comunidades que se uniram para arrecadar roupas e alimentos. Pessoas que dividiram o que tinham para comer, dividiram o que tinham para vestir. Todos, que imbuídos pelo verdadeiro sentido da caridade, deram um grande exemplo de amor, solidariedade e respeito à vida. 

A essência do cristianismo: compaixão e caridade

A verdadeira caridade existe e é vivida dentro da dimensão da compaixão, pois é com o outro que passaremos pelo calvário desta vida colocando nossa confiança em Deus. Um cristão nunca está sozinho quando imbuído de compaixão, faz um gesto de caridade, tornando-se um portador da graça de Deus. A caridade, na concepção cristã, é a essência do cristianismo e nos mantêm abertos à vida e abertos e às pessoas a nossa volta. 

A caridade é a virtude de amar ao próximo como a si mesmo. Um agir que nasce da compaixão e não espera reconhecimento. A caridade é um princípio cristão que se mantém ao longo dos séculos, é atual e necessário. A caridade cobre uma multidão de pecados (conf. 1ª Pedro4,8).

 

Adriana Pereira é missionária da Comunidade Canção Nova há 30 anos, Jornalista e Mestre em Comunicação e Semiótica


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/o-verdadeiro-significado-da-caridade-crista/

15 de julho de 2024

Liberdade de pensamento: valores em conflito

Liberdade de pensamento: um direito a ser exercido com sabedoria e responsabilidade

A liberdade de pensamento é uma garantia fundamental, assegurada no inciso quarto do artigo quinto da Constituição Federal de 1988, é aspecto basilar do Estado Democrático de Direito e aspecto intrínseco da vida em sociedade.

Crédito: arquivo do autor/cancaonova.com

Uma conquista histórica

A data de 14 de julho foi instituída em memória do início da Revolução Francesa, iniciada em 14 de julho de 1789, a qual originou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que, por sua vez, foi base da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esta última trata em seu XVIII da liberdade de pensamento: "todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, consciência e religião".

Vivemos tempos em que a liberdade de pensamento é tão natural, e praticada de forma tão irrestrita, que nem nos damos conta de sua existência ou de sua importância. Ela é facilmente confundida com a liberdade de expressão, com a qual tem íntima relação. Entretanto, enquanto a liberdade de expressão diz respeito ao direito de manifestar opinião e se expressar a respeito daquilo que pensa e crê, a liberdade de pensamento é relacionada à liberdade de consciência, de credo, de poder adotar qualquer ideologia ou crença.

Em outro momento da história, em especial antes dos estados regidos por constituições, soberanos detinham o poder de ditar os princípios e valores pelos quais seus súditos deveriam viver. Isso é fácil de ser notado, por exemplo, no episódio narrado em Daniel 6.22, no qual o profeta é lançado na cova dos leões por recusar-se a contrariar seus princípios de fé para obedecer a um decreto.

Enxergando a mundo a partir de valores cristãos

Não há nas Sagradas Escrituras texto que melhor retrata essa liberdade do que o icônico ensinamento de São Paulo em 1ª Coríntios 6,12: "Tudo me é permitido, mas nem tudo convém. Tudo me é permitido, mas eu não me deixarei dominar por coisa alguma". Temos a liberdade de pensar e dizer aquilo que quisermos, contudo, essa liberdade é balizada pelos valores que escolhemos.

Aquilo que é denominado pelos teóricos como cosmovisão ou a lente moral com a qual percebemos a existência e interpretamos os eventos que nela ocorrem, é baseada no conjunto de valores, enraizado em nossa fé e princípios. São Paulo trata a respeito disso na Epístola aos Romanos 12,2: "Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito".

Os valores cristãos em conflito com o secularismo

Os valores íntimos à fé estarão sempre em conflito com o secularismo, pois este segundo não tem cuidado pelo bom ou o justo, mas, antes, quer aliviar a consciência daqueles que vivem distantes de Deus e não querem que seu pecado venha à luz. O Apóstolo Paulo exorta duramente a respeito disso em 2 Coríntios 4,4: "Para os incrédulos, cujas inteligências o deus deste mundo obcecou a tal ponto que não percebem a luz do Evangelho, onde resplandece a glória de Cristo, que é a imagem de Deus".

A responsabilidade no uso da liberdade

São Tiago, em sua epístola, no capítulo três, discorre sobre quão devastadora pode ser a inconsequência no uso dessa liberdade quando escolhemos, de maneira temerária, nossos valores, nossas palavras, pois elas se tornam fonte de destruição. O autor compara a língua, que é um membro pequeno do corpo, a uma pequena chama, que é capaz de causar um grande incêndio em um bosque.

Portanto, devemos ter consciência de que, hoje, podendo usufruir dessa liberdade, salvaguardados por garantias, e devemos fazê-lo com responsabilidade, escolhendo viver de acordo com a vontade de Deus e manifestando isso em nossos gestos e palavras.

 

Jonatas Passos –  natural de Cruzeiro (SP), marido, pai e colaborador da Fundação João Paulo II. Formado em Tecnologia, Informática e História. Pós-Graduado em Jornalismo e História do Brasil, com extensão em História da Religião.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/liberdade-pensamento-valores/

12 de julho de 2024

Tempo de férias: indo além do ócio e do entretenimento

Férias com propósito: mais que lazer, um tempo para crescer

Julho, mês de férias, passeio, viagem, estar junto, mas… será que é só isso? Tenho que seguir assim? Esse pensamento é único? É o melhor? Existem outras formas para viver as férias?

Questionando o propósito das férias

No tempo, o que vivemos aqui passa bem rápido e muitas vezes nos perdemos no "fazer as coisas", mas sem analisar se as mesmas estão valendo à pena, se nos fazem crescer. São Tomás de Aquino dizia que 3 coisas são necessárias para a salvação do homem: saber "o que deve crer?", "o que deve querer?" e "o que deve fazer?". Cabe aqui nos questionarmos, nessas férias, onde não teremos nenhuma obrigação de trabalho ou escola, se eu sei o que devo fazer… veja que a pergunta não se refere ao que gosto ou não, mas ao que devo! Se devo, é porque será melhor para mim, far-me-á crescer, ser melhor ou estar melhor. Isso, sim, importa! Isso sim é um investimento em mim, mesmo no lazer, mesmo nas férias.

 

Créditos: Daniel de la Hoz / GettyImagens

 

A vida não pode se tornar uma viagem aleatória, sem rumo e sem esteio, numa "selva escura" de desorientação existencial, tal como descrita no Inferno de Dante. Ela precisa ser uma viagem rumo Àquele que nos criou, sabendo que existe um fim último, e esse fim nos espera para um novo começo. Esse sim não mais terá fim. Para chegar lá, não posso desperdiçar o tempo, principalmente as férias, onde terei tempo de sobra para investir em mim mesmo e preparar mais e melhor o caminho para o Eterno.

Vivendo as férias com intenção e propósito

Sim, podemos sair, viajar, passear, mas nunca esquecendo as três perguntas de São Tomás de Aquino: "O que deve crer?", "O que deve querer?" e "O que deve fazer?". Essas devem ser as perguntas que direcionarão nas escolhas que faremos nas férias para buscarmos o CRESCIMENTO INTERIOR.

Não é fazer por fazer, viajar por viajar, ou sair por sair, mas, em tudo que fizer, ser uma atividade cujo fim último seja a busca pela salvação, que só é encontrada em Deus. Ao contrário do que se divulga na cultura atual de buscar um entretenimento imediato e numa distração ociosa para descanso domingueiro ou agitação sensível, os passeios, viagens, saídas das férias deveriam ter um senso de crescimento interior, uma diversão que nos auxilie num crescimento filosófico, moral, científico, teológico… Muitas vezes, passam desapercebidos itens da cultura clássica como música, livros e filmes que aprofundam a transcendência, aprofundando naquilo que efetivamente é permanente e essencial ao homem. São materiais que motivam o autoconhecimento, o encontro consigo mesmo, saindo de uma superficialidade e impessoalidade.

Rompendo o ciclo trabalho-entretenimento

Como ensina Sarrais, em 'Aprender a Descansar', para romper esse círculo vicioso e alienante de trabalho-entretenimento é preciso redimensionar o tempo livre, aproveitando-o de forma inteligente e produtiva, em atividades menos exigentes, mas não menos importantes: redescobrir o valor do esporte, como exercício físico de fortaleza e autossuperação; a beleza da leitura e da audição musical, como atividades silenciosas e reflexivas de autoconhecimento e observação da realidade; e a alegria da conversa espirituosa com um bom amigo ou familiar.

 


 

Veja, conforme diz Pascal, a diversão pode se tornar um grande mal para nós, já que pode nos impedir de pensar em nós mesmos. E como sermos melhores, fugindo de nós mesmos?

Aproveite suas férias. De verdade. Mas em atividades que o aproximarão mais de si mesmos, e assim, quanto mais próximo de você, mais facilmente entrarás Deus, como diz Santa Teresa d'Ávila: "Buscar-Te-ei em mim; buscar-me-ei em Ti".

Junior Alves
Missionário da Comunidade Canção Nova


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/comportamento/ferias-com-proposito-tempo-livre-transformador/

10 de julho de 2024

Como aproveitar bem as férias?

Tempo de qualidade: fortalecendo laços familiares nas férias

O mês de julho é considerado, em muitas famílias, um mês de férias, pois os filhos têm pausa nas aulas da escola e dos cursos que fazem, e alguns pais conseguem conciliar suas férias do trabalho (ou parte das férias) para viver uma pausa nesse tempo; já alguns seguem sua rotina.

Mas como aproveitar bem as férias e ter, nesse tempo, um descanso propício para o bem-estar físico e mental?

Descansar não significa necessariamente viajar ou gastar muito dinheiro, mas propor um tempo de atividades diferentes e, especialmente, conviver em família ou fazer coisas que, na realidade diária, não são possíveis.

Créditos: champpixs / GettyImagens

Férias realistas: encontrando o equilíbrio entre diversão e orçamento

Acima de tudo, pense naquilo que é possível e viável para sua família e para sua realidade. Não adianta fazer viagens impossíveis para as finanças de sua vida e depois viver um estresse por ter adquirido dívidas. Portanto, vamos partir para algo possível, e, ao mesmo tempo, que seja diferente e possa ser um tempo de descanso para todos.

Vamos lá: o que pode ser feito nas férias? Quais sugestões você pode seguir aí na sua casa? Lembro que cada família observará sua realidade, e o que temos aqui são realmente sugestões que podem ser ou não viáveis para você:

  • organizar uma visita dos amigos do seu filho em casa: pode ser uma tarde para lanche compartilhado, onde cada um pode trazer alguma coisa para que seja feito depois de um filme ou de jogos, por exemplo;

  • andar de bicicleta no parque: seja emprestando uma bicicleta ou alugando algo que possa ser feito ao ar livre, traz lembranças muito positivas na vida dos filhos. As memórias afetivas são formadas das formas mais simples.

  • procurar atividades culturais gratuitas na sua cidade: observe a programação da cidade. Muitos lugares oferecem atividades para crianças e jovens, e pode ser uma ótima oportunidade para sua família.

  • cozinhar em família: uma ótima oportunidade para ensinar seu filho, mas também para conviverem juntos. Um simples macarrão com molho pode ser muito divertido.

  • fazer brincadeiras: brincar desperta a criatividade e as possibilidades nas crianças, além de ser um momento para estar afastados de telas. Jogos de tabuleiro, de adivinhação, de mímica. São muitas possibilidades que certamente alegrão o dia de vocês.

  • visitar um familiar ou amigo levando um bolo que vocês mesmo fizeram: mais uma vez, é reunir uma experiência prática com uma memória, além de ensinar a gentileza de um gesto ao seu filho.

  • promover jogos:  essa forma de diversão sempre é muito bacana, até mesmo nos videogames, para que os filhos ensinem o que jogam e os pais possam aprender novas formas de acessar a vida dos filhos.

O tempo livre e a importância do descanso real

Do ponto de vista psicológico, sempre que pudermos lidar com o descanso e o momento de recreação já conseguiremos proporcionar impactos positivos para crianças e adolescentes.

Você não necessita ocupar seu filho o tempo todo. Certamente, um pouco de tempo ocioso é bom. É nele também que haverá o descanso. Muitas crianças parecem que precisam estar o tempo todo ocupadas, mudam de jogos a todo tempo ou, sequer, finalizam algo. São preenchidas por um comportamento ansioso e incapaz de concluir uma tarefa. Observe se isso acontece com seus filhos e busque acompanhá-los.

Tempo de qualidade

Aos pais, lembrem-se: não se culpem, caso não possam estar com a família todo o tempo de férias. É importante sempre trabalharmos com a realidade e os limites de nossa vivência. Quando assim for, será mais fácil para também trabalharmos isso com os filhos. Você já deve ter visto o termo "tempo de qualidade" e é disso que precisamos. Mesmo que seja um tempo mais restrito, mas que seja com qualidade e dedicação ao que está sendo feito nesse tempo de férias.


Elaine Ribeiro dos Santos

Elaine Ribeiro dos Santos é Psicóloga Clínica pela Universidade de São Paulo (USP). Colaboradora da Comunidade Canção Nova, reúne 20 anos de experiência profissional, atuando nas cidades de São Paulo, Lorena e Cachoeira Paulista, além do atendimento on-line para o Brasil e o Exterior. Dentre suas especializações estão Terapia Cognitivo-Comportamental, Neuropsicologia e Psicologia Organizacional. Instagram:  @elaineribeiro_psicologa 


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/familia/como-aproveitar-ferias-em-familia/

8 de julho de 2024

Modéstia ou modismo?

A diferença entre a modéstia interior e exterior

"Uma pessoa modesta, antes de qualquer coisa, é humilde"( Santo Tomás de Aquino). Impressiona-me a frase do Beato Carlo Acutis: "Todos nascemos originais, mas muitos morrem fotocópias", e sempre me lembro dela quando vejo alguns sendo cópias, mesmo que copiem algo aparentemente bom, mas que se contentam apenas com a aparência.

Hoje, vemos a virtude da modéstia ganhando ares de moda, sendo que a modéstia externa (roupas, modos) deve ser a evidência da modéstia interior que nasce da humildade, do controle sobre o desejo imoderado de grandeza, de saber e aprender. É da luta contra esses vícios e a busca da humildade e castidade que nasce a modéstia externa, que se transforma em atos externos de vestir-se de tal forma ou comportar-se de determinada maneira.

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A modéstia exterior como caminho para a interior

Penso que se você começou a mudar suas vestes por uma reta intenção de mudança, essa poderá ser uma via para cultivar também a modéstia interior, que é grande proteção contra vários perigos e inúmeros vícios. Mas é uma via que precisa de muita atenção, porque a modéstia exterior pode ser fingida, sendo assim um ato de hipocrisia. Já a modéstia interior é que dá vida à exterior, uma força inabalável que não se deixará atingir facilmente pelos ataques e armadilhas do mundo e do maligno. O importante então é que não devemos procurar a aparência da modéstia sem que nosso coração seja tomado de amor à simplicidade e humildade. Já na verdadeira modéstia, a interior e a exterior andam de mãos dadas e uma ajuda a outra, ou seja, o recato exterior deve nascer do interior ordenado, e alimenta esse interior, reforçando-o.

Encontrei, no site Garotada Católica, essa linda comparação de São Francisco Sales: "Como o fogo produz a cinza, e a cinza serve admiravelmente para manter e conservar o fogo, assim sucede com essas duas modéstias: que a interior produz a exterior, e esta mantém e conserva a interior de onde brotou".

A juventude é alimentada, cotidianamente, com estímulos para aparecer – fotos, vídeos, fama. Precisamos, o tempo todo, alimentá-los com estímulos ao interior, a questionar suas motivações. Volto a pensar no beato/santo Carlo Acutis, que será canonizado em 2025. Ele, além de boa aparência, tinha acesso a tudo o que um jovem dessa idade pode querer.

Conta-se que, certa vez, ele, passando de carro com a família em frente a uma boate em sua cidade, indignou-se com uma fila enorme de jovens que esperavam para entrar na balada. Ele dizia que devia ser uma fila para entrar na Igreja, e que aqueles jovens estavam trocando a preciosa vida pelo que é passageiro. Carlo encontrou o verdadeiro tesouro, aquilo que não passa, e pautou sua vida no fogo interior que o consumiu por inteiro. Ou seja, Carlo, apesar de bela aparência e boas condições de vida, soube olhar para seu interior e alimentar as motivações corretas.

A modéstia como necessidade humana

A modéstia é uma profunda necessidade humana, e você precisa dela para ter uma estima correta e equilibrada de si mesmo, com isso reafirmando sua originalidade e integridade. Esses são fundamentos importantes para a vida de qualquer um, é a casa construída sobre a rocha.

Pense em namoros, amizades e relacionamentos assim construídos. Todo mundo quer ser amado como pessoa, não como coisa; como um "quem", não como um "quê". A virtude da modéstia é uma proteção contra um sem número de perigos e uma garantia de relações duradouras e originais, únicas!

A Virgem Maria como exemplo de modéstia

A Virgem Maria é o grande exemplo dessa virtude. Quanto à modéstia, ninguém pode se comparar a ela, ninguém há com mais merecimentos, virtudes, santidade e dignidade divinas. No entanto, não posso supor alguém mais simples, afável, bondosa, pobre e humilde do que ela. E ainda, o que dizer do desprezo que fazia da importância da sua pessoa e da sua própria excelência? Maria nos dá a chave para a modéstia interior e exterior, ou seja, uma submissão mais perfeita de todos os seus pensamentos, sentimentos e afeições à regra da razão e, desta, à vontade de Deus.

Edvânia Duarte Eleutério
Missionária da Comunidade Canção Nova desde 1997, onde atuou como formadora e acompanhadora de namorados, noivos e casais da Comunidade. Além de outras funções, como gestora de TV, Edvânia tem especialização em gestão de pessoas, counseling e bioética. É autora do livro "Porque (não) eu?".


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/comportamento/modestia-verdadeira/

6 de julho de 2024

Laços que santificam: o poder da amizade na vida cristã

Discernimento na amizade: escolhendo quem nos aproxima de Deus

"Me diga com quem tu andas que eu direi quem tu és", um ditado popular pronunciado tantas vezes pela boca de nossos pais e avós. Um ditado comum e sempre proferido para alertar cada filho sobre a escolha de suas companhias. O fato é que uma amizade pode salvar-nos assim como pode corromper-nos. Isso é bem sabido dentro da Igreja durante toda a sua história milenar.

Créditos: Cecilie_Arcurs / GettyImagens

Companheiros para sustentar-se na caminhada rumo ao Céu

Respeitar, amar e servir é uma prática voltada para todos. Devo viver dessa maneira para agradar a Deus. Mas quando se fala de amizade e intimidade, então as coisas funcionam no campo da minha escolha e do meu querer. São Francisco de Sales afirma no seu livro Filoteia: "No mundo, é necessário que aqueles que se entregam à prática da virtude se unam por uma santa amizade, para mutuamente se animarem e conservarem nesses santos exercícios. Os que vivem no século, onde há tantas dificuldades a vencer para ir a Deus, se parecem com os viajantes que andam por caminhos difíceis, escabrosos e escorregadios, precisando sustentar-se uns nos outros para caminhar com mais segurança".

São Gregório e São Basília: amigos unidos no propósito e na esperança

São Gregório Nazianzeno fala de sua amizade com São Basílio com muito prazer, descrevendo-a deste modo: "Parecia que em nós havia uma só alma, para animar os nossos corpos, e que não se devia mais crer nos que dizem que uma coisa é em si mesma tudo quanto é e não numa outra; estávamos, pois, ambos em um de nós e um no outro. Uma única e a mesma vontade nos unia em nossos propósitos de cultivar a virtude, de conformar toda a nossa vida com a esperança do céu, trabalhando ambos unidos como uma só pessoa, para sair, já antes de morrer, desta terra perecedora".

Portanto, escolha bem suas amizades. Procure pessoas que queiram viver a virtude e a religião, sempre buscando a santidade. Lembre-se que você pode escolher alguém que o levante, mas também pode se sujeitar a alguém que o derrube.


Rafael Vitto

Rafael Vitto, seminarista CN. Graduado em Filosofia e estudante de Teologia. Atuante na paróquia São Sebastião em Cachoeira Paulista.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/relacionamento/lacos-que-santificam/