Os mártires que defenderam a fé católica
Creio que poucas pessoas saibam que o Brasil é berço de muitos mártires que morreram por defender a fé católica em solo brasileiro. Nem todos nasceram no país, mas evangelizaram aqui e, por isso, morreram pela fé católica. Mártir, para a Igreja, oficialmente, é aquela pessoa que foi beatificada pelo Papa e declarada por ele mártir, após um longo e especificamente processo. Infelizmente, tem-se usado a palavra "mártir" na Igreja indevidamente. Não podemos antecipar a decisão da Instituição criada por Cristo.
Vejo gente chamando Dom Romero de mártir, por ter lutado pela justiça na sua pátria; outros chamam padre Józimo de mártir da terra; padre Rodolfo Lukenbein, defensor dos índios contra posseiros no Mato Grosso etc. Nem mesmo um processo de beatificação existe instalado no Vaticano sobre eles, então, não podemos chamá-los de mártires, embora possam ter sido grandes cristãos, e foram assassinados. Só é considerado mártir pela Igreja quem morre explicitamente em defesa da fé, e não por causa social e política como Martin Luther King, Robert Kennedy, Tiradentes entre outros. Não se pode querer definir as coisas na Igreja sem o Sumo Pontífice.
No Brasil, no entanto, houve grandes mártires no Rio Grande do Norte na época (1630-1654), quando os holandeses protestantes calvinistas ocuparam alguns lugares no país e quiseram obrigar o povo católico a se tornar calvinista. Morreram em defesa da fé católica e, por isso, os que foram identificados foram beatificados pelo Papa. O primeiro grupo de católicos massacrados pelos calvinistas, cerca de 70 pessoas aproximadamente, foi trucidado na capela da Vila de Cunhaú, Rio Grande do Norte. O segundo grupo de mesmo número foi chacinado em Uruaçu. Esses mártires foram beatificados no ano 2000. Dom Estevão Bettencourt narrou bem os fatos sobre esse assunto em sua revista (PR, Nº 451, 1999, pg. 530).
A invasão dos holandeses no Nordeste do Brasil
Os holandeses invadiram o Nordeste do Brasil e dominaram uma região desde o Ceará até Sergipe de 1630 a 1654. Eram protestantes calvinistas e vieram com seus pastores para doutrinar os índios. Isso gerou uma situação difícil para os católicos da região, porque foi proibida a celebração de Santa Missa. Em Cunhaú (RN), um pastor protestante prometeu poupar a vida de todos caso negassem a fé católica, ou que a população não a aceitasse. Então, no domingo, 16 de julho de 1645, festa de Nossa Senhora do Carmo, na capela da Vila de Cunhaú, concentraram-se aproximadamente setenta pessoas para participar da Santa Missa.
Padre André de Soveral, com seus noventa anos de idade, iniciou a Santa Missa. Os soldados holandeses, armados de baionetas, chefiando um grupo de índios canibais, invadiram a capela, em grande algazarra, logo após a consagração do pão e do vinho. Fecharam-se as portas da capela e chegaram a massacrar os fiéis, impossibilitados de fugir. O sacerdote foi morto a golpes de sabre. O chefe da carnificina foi um alemão a serviço dos holandeses com o nome de Jacob Rabbi. Terminado o massacre, os algozes se retiraram, deixando os mortos estendidos no chão da capela. Um relato da época diz que os índios canibais devoraram as carnes das vítimas.
Outro grupo, mais numeroso, cerca de setenta pessoas, sem contar os escravos e as crianças, foram para um local às margens do Rio Grande (Rio Uruaçú), onde construíram um abrigo fortificado e tomaram o nome da Comunidade Potengi.
Essa comunidade foi atacada por índios armados, comandada por Jacob Rabino e um famoso chefe indígena e acompanhada por soldados holandeses. Mataram todos os habitantes da fortaleza, inclusive padre Ambrósio Ferro e muitas pessoas de Natal. Relatam os cronistas que a uns cortaram os braços e as pernas, a outros degolaram, a outros arrancaram as orelhas ou arrancaram a língua antes de os matarem. Alguns cadáveres foram esquartejados: a Mateus Moreira arrancaram o coração pelas costas; antes de morrer, ainda podia gritar em alta voz: "Louvado seja o Santíssimo Sacramento!".
Essa é a versão dos fatos como se encontra no livro "O Valoroso Lucideno" de autoria de Frei Manuel Calado, publicado em Lisboa no ano de 1648. Frei Manuel escreveu na mesma época em que tudo ocorreu. Existe outra versão do episódio, idêntica à anterior e com mais detalhes. Encontra-se no livro "Os Holandeses no Brasil" de monsenhor Paulo Herôncio.
O martírio do padre Inácio Azevedo e seus companheiros
Um outro fato que merece menção é o martírio do padre Inácio Azevedo e seus companheiros. Ele foi a Portugal buscar reforços para a evangelização dos índios no Brasil. No dia 5 de junho de 1570, o sacerdote e 39 companheiros, na caravela mercante "São Tiago", partiram de volta para o solo brasileiro. A caravela foi alcançada pelo corsário francês Jacques Sourie, calvinista, que partiu de La Rochelle para capturar os jesuítas. Esses foram friamente degolados; o número de mártires foi 40. O culto desses mártires foi confirmado por Pio IX em 1854. (Sgarbosa, 1978, p. 224) e a memória litúrgica deles é dia 17 de julho.
Esses fatos formam uma triste "inquisição" desconhecida e que não é contada.
Felipe Aquino
Professor Felipe Aquino é viuvo, pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa "Escola da Fé" e "Pergunte e Responderemos", na Rádio apresenta o programa "No Coração da Igreja". Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova. Página do professor: www.cleofas.com.br e Twitter: @pfelipeaquino