Eu o convido, neste momento, a fechar os olhos onde está para ouvir os sons ao seu redor. Talvez você ouça trânsito, barulhos de uma construção, chaleira na cozinha, a máquina de lavar. Espero que, no meio desses ruídos, você tenha conseguido ouvir o barulho do vento, seus filhos brincando, dos passarinhos. Afinal, já dizia São Francisco que haveria um tempo em que não ouviríamos os pássaros cantarem.
No dia a dia, não nos damos conta de quantos sons e ruídos nossos ouvidos absorvem. A mente cansa, se sobrecarrega, e sentimentos negativos vêm como consequência: raiva, ansiedade e estresse. A OMS (Organização Mundial da Saúde), preocupada com as consequências, propôs o Dia do Silêncio – 7 de maio – para que a sociedade e as empresas se deem conta dos malefícios. Os ruídos que estão acima dos decibéis toleráveis (50 decibéis, segundo a OMS) prejudicam a audição, podendo levar até à surdez e zumbidos; além disso, todo emocional é afetado, causando mudanças de humor e de comportamento, e aqui ouso dizer que também a alma é prejudicada.
Se todos os dias parássemos para "ouvir o silêncio", com certeza seríamos menos estressados, irritados, e buscaríamos mais as sensações de paz. Só no silêncio se encontra a paz. Sei que nem sempre é fácil silenciar a mente, e que, muitas vezes, ela é mais ruidosa do que qualquer britadeira. Existe o "silêncio ensurdecedor" da mente, onde as preocupações, o passado, as culpas, as acusações de pessoas que nem te conhecem, invadem o espaço da paz. É preciso ir além dessas vozes ensurdecedoras para encontrar aquilo que transcende e que dá todo o sentido da nossa existência. A espiritualidade se faz também no silêncio.
O silêncio que é capaz de falar tanto
Aprendi com Dom Bernardo, Monje Trapista, em seu livro "Buscando verdadeiramente a Deus" – tendo a honra de entrevistá-lo em um programa de TV –, que muitas vezes meditar é como passar por uma ponte, onde os pensamentos vêm como barcos passando de um lado para outro embaixo dessa ponte. Eles passam, mas eu consigo permanecer na ponte, deixando-os passarem.
Gosto de ficar hospedada no mosteiro trapista, em Campo do Tenente, Paraná. O almoço dos convidados é ao lado do refeitório dos monges, e a proposta é o almoço em silêncio. E é um silêncio que fala tanto, porque fala através dos olhares, da gentileza em alcançar algo a alguém, de um sorriso contido de um monge mais jovem diante de alguma situação inesperada. E naquele silêncio há tanta unidade, tanto amor, porque se consegue a união das almas e da essência.
Uma experiência nova
Que tal se você propusesse, nesta noite, um jantar com a família em silêncio? Talvez, no início, seja constrangedor, engraçado, mas pequenos detalhes serão vistos, os quais acabam não sendo percebidos no meio do almoço, provavelmente até o sabor da comida será sentido de forma diferente. Tenho certeza que olhares se cruzarão, quem sabe até um carinho, um gesto, um afago.
Quem sabe hoje, diante de uma birra do seu filho, de uma pirraça, você pudesse escolher ficar em silêncio e olhá-lo com profundidade. Observe como ele se comporta diante desse silêncio, que fala tanto de amor. Quem sabe você possa deixar a TV e os eletrônicos desligados neste dia para ouvir Deus.
É preciso coragem para entrar nesse silêncio interior quando estamos sozinhos. Ouço pessoas dizerem que o silêncio gera angústia, um vazio… E como estamos destreinados a entrar nesse vazio existencial! Sim, entendo essa angústia inicial, onde vêm as vozes, os ruídos internos. Mas é preciso coragem de avançar pela ponte para encontrar-se o mais profundo do ser. E quando encontro a mim mesmo, deparo-me com Deus.
Adriana Potexki
Adriana Potexki é escritora e autora dos livros 'A cura dos sentimentos em mim e no mundo' e 'A cura dos sentimentos nos pequeninos'. Com formação em Psicologia, ela é terapeuta certificada pelo EMDR Institute, palestrante internacional e blogueira do site 'Sempre Família', do Grupo GRPCom. Autora do livro "Vencendo os traumas que nos prendem" , pela Editora Canção Nova.