Com o Domingo de Ramos e a Paixão do Senhor, entramos num tempo particular daquele itinerário que começou com a Quarta-feira de Cinzas: a Semana Santa. Neste domingo, a liturgia nos apresenta a Narração da Paixão do Senhor. No Ano A, lemos a Narração de acordo com Mateus. A Paixão do Senhor será proclamada novamente na Sexta-feira Santa, seguindo o Evangelho de João. Este Domingo cria com o Domingo de Páscoa um anúncio completo da Páscoa, com a narração da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor. O mesmo Anúncio Pascal é retomado, seguindo uma lógica diferente, no Tríduo Santo.
Além da Paixão do Senhor segundo Mateus, a liturgia deste domingo lê todos os anos o terceiro cântico do Servo do Senhor retirado do Livro de Isaías. O Hino Cristológico da Carta aos Filipenses (2ª leitura) completam as leituras. São duas leituras que nos guiam na leitura dos fatos da Paixão, fazendo emergir mais claramente o sentido teológico e cristológico.
Mergulhados no mistério da Paixão do Senhor
As histórias da Paixão são certamente muito ricas e é difícil resumir sua mensagem em poucas linhas. Além disso, cada evangelista faz seus próprios acentos. Portanto, concentremo-nos unicamente em alguns dos aspectos mais significativos do Evangelho de Mateus que caracteriza o ano A. Um aspecto importante da Paixão por Mateus é o fato de Jesus ser apresentado desde o início como «o Senhor do evento» (cf. U. Luz). Já se observa no início da história:
"Depois de todos estes discursos, Jesus disse aos seus discípulos: 'Sabeis que em dois dias é Páscoa e que o Filho do Homem será entregue para ser crucificado'". (Mt 26,1-2).
O texto diz que tudo está firmemente nas mãos de Jesus: a sua vida não lhe é tirada, mas é Ele quem a dá. Tudo concretamente, então, parece estar nas mãos dos homens, mas Mateus, no início, nos revela quem é o verdadeiro «Senhor» do que acontece. Nos versos seguintes, entram em jogo os outros personagens da paixão, os líderes religiosos e políticos do povo:
"Depois os sumos sacerdotes e os anciãos do povo reuniram-se no palácio do sumo sacerdote, que se chamava Caifás, e aconselharam-se a prender Jesus com um engano e fazê-lo morrer" (Mt 26,3-5). No entanto, aqui também Mateus faz uma nota irônica e afirma: "Mas eles disseram: 'Não durante a festa, porque os tumultos não ocorrem entre o povo'" (Mt 26:5).
Eles acreditam que têm tudo em suas mãos, mas tudo acontecerá bem durante a festa, justamente quando eles excluíram que isso deveria acontecer.
Judas e a culpa
Nas mãos desses homens, de acordo com a história, há um instrumento: Judas. Para Mateus, Judas torna-se «testemunha da inocência de Jesus» (cf. U. Luz), precisamente contra os próprios dirigentes do povo. Ele jogando as moedas no templo não quer nada com a morte de Jesus. Ele comete suicídio porque não pode aceitar a consequência de sua ação, do que aconteceu.
Na condenação e morte de Jesus, chega-se a conclusão que a «justiça», anunciada em Mateus 3,15, era vontade de Deus, cumprimento da Torá, que Jesus não veio para abolir, mas para confirmar. Diante de uma justiça humana corrupta e injusta, encontra-se o verdadeiro juiz que realiza toda a justiça. Em Mateus 26,59, procuram-se falsas testemunhas! Mesmo o julgamento diante de Pilatos é uma farsa e o governador dos romanos se curva aos costumes do lugar e liberta Barrabás. Pilatos lava as mãos, não quer nada com a morte de Jesus. Em todos esses fatos, mesmo no próprio Judas, que somos sempre levados a crer na figura mais negativa da paixão, Jesus é proclamado como o Justo injustamente perseguido e condenado.
O julgamento do mundo
Mesmo nas convulsões cósmicas que acompanham a morte de Jesus, você pode ver uma cena de julgamento. Quando os homens parecem «julgar», na realidade a morte de Jesus é o verdadeiro «julgamento» do mundo, é aquele homem que não se salva, que realiza o julgamento do mundo, que o homem «julgou» injustamente, se torna o elemento de julgamento do mundo. Diante dele, ninguém pode permanecer indiferente. Esse acontecimento mina a nossa justiça e mostra-nos a face plena daquela «maior justiça» de que se falava no Sermão da montanha. Essa «maior justiça», tem seu parâmetro na morte daquele que não se salva e se torna salvação para todos. Não descendo da cruz ele faz toda justiça.
Um sonho negado
Um detalhe interessante da Paixão, segundo Mateus, envolve um personagem estranho que não encontramos nos outros Evangelhos, a esposa de Pilatos. Ela enviou uma mensagem muito obscura ao marido durante o julgamento de Jesus: «Não trateis dessa pessoa justa, porque, hoje, em sonho, fiquei muito transtornado por causa dele» (Mt 27,19).
No Evangelho de Mateus, já encontramos sonhos, no início da história: Jesus de José e o sonho dos Magos nas histórias de infância dos primeiros capítulos. Lá eles foram «ouvidos» sonhos, que mantêm a história acontecendo. José, ouvindo os sonhos, que representam a Palavra de Deus e sua vontade, faz a história continuar, mesmo quando parecia ser sem saída.
Da mesma forma, os Magos permitem que a história continue porque eles ouvem um sonho. Aqui, em vez disso, somos confrontados com um sonho «não ouvido», uma palavra não ouvida e obedecida.
É como se Mateus quisesse nos dizer que a Paixão de Jesus é um sonho inédito, um sonho negado. A Paixão de Jesus, que hoje continua na história da humanidade e nas muitas «paixões» que atravessam a vida dos homens, é fruto do fracasso na escuta dos sonhos, da Palavra de Deus, do sonho de Deus. Será a fidelidade de Deus vencer, na ressurreição, a surdez dos homens antes do seu sonho, que no seu Filho se revelou.
O rosto de Deus
A Paixão de Jesus coloca em cena muitos atores que giram em torno de Jesus. Através deles, nos é mostrada a necessidade de entrar em contato com este evento. A necessidade de nos deixar «julgar». Aqui se revela o rosto de Jesus, o rosto de Deus e o rosto da Igreja. O rosto dos discípulos de Jesus chamados (cf. discurso missionário e eclesial do Evangelho de Mateus) a tornar-se «continuadores» da obra e da missão de Jesus depois da sua Páscoa. Mas essa natureza contínua de seu trabalho também inclui a paixão como um elemento essencial. Com o mesmo espírito de Jesus: não uma realidade sofrida, mas escolhida; não uma vida dilacerada, mas dada. Essas são apenas algumas pistas para nos colocarmos nestes dias «decisivos» antes da paixão de Jesus. Preparemo-nos para chegar à brilhante manhã da Páscoa.
Cristiano Sousa OSB Cam
Citações:
Is 50,4-7
Sal 21
Fil 2,6-11
Mt 26,14- 27,66
Vangelo di Matteo – SET Ulrich Luz
Comentário Paideia / Editore Claudiana