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11 de maio de 2022

A formação da mulher: Edith Stein


Em 1926, quando ainda era professora na escola das dominicanas em Espira, Edith Stein inicia uma nova e inesperada carreira de conferencista ao ser convidada a dar palestras nessa cidade e em Kaiserlauten sobre o tema: "Verdade e clareza no ensinamento e na educação". Em maio de 1927, ela entra para a "Associação de Professoras Católicas da Baviera", dedicando-se ao estudo da formação dos pedagogos, especialmente das mulheres.

Entre 1926 e 1933, Edith Stein dá uma longa série de palestras sobre a educação e sobre a questão feminina em várias cidades da Alemanha e países vizinhos: Espira, Bendorf, Heidelberg, Nuremberg, Salzburg, entre outros. Ela já havia se tornado uma intelectual católica de renome, tanto pelo seu conhecimento aprofundado da fenomenologia de Husserl e da filosofia tomista quanto pelo seu engajamento na luta pela igualdade de condições de formação e dos direitos das mulheres.

A formação da mulher Edith Stein

A obra "Olav Audunssön", de Sigrid Undset.

Edith Stein e as questões femininas

Como havíamos falado no final do artigo anterior, Edith Stein aborda em suas conferências principalmente o tema da constituição do ser humano. Para ela, não se pode falar de educação e formação sem levar em consideração o sujeito a ser formado, ou seja, sem analisar de modo profundo o que é o ser humano.

Em nossa cultura ocidental, até muito pouco tempo atrás, o ser humano masculino era tido como aquele que representa o ser humano em geral – isso se nota inclusive na linguagem, pois geralmente fala-se "homem" quando se refere aos homens e às mulheres no plural. Faltava, então, uma análise aprofundada da mulher, de suas especificidades e se ela precisaria, ou não, de um tipo específico de formação. Homens e mulheres são capazes de realizar as mesmas tarefas? A entrada das mulheres no mercado de trabalho, especialmente no período da industrialização e da Primeira Guerra Mundial, tornava a questão sobre a formação feminina um tema prioritário a ser abordado.

A alma feminina na literatura

Em 18, 20, 25 e 27 de janeiro de 1932, Edith Stein ministra quatro conferências na "Associação Feminina Católica" de Zurique sobre o tema: "A vida cristã da mulher" 1 . Ao falar para um público leigo, não formado em filosofia, fenomenologia ou psicologia, ela trata o tema da formação feminina apresentando a que entende por "essência" ou
"alma" feminina, recorrendo às obras literárias. Não se pode, contudo, esquecer que, apesar do recurso à literatura, ela o faz como filósofa e fenomenóloga, fundamentando-se sempre ao método fenomenológico de Husserl, mesmo quando não o cita de modo explícito.

Ao apresentar o objeto a ser analisado, a "alma feminina", ela coloca uma questão: como falar desse objeto de um modo genérico? Sabemos que não existe uma "coisa" que podemos identificar como sendo a "alma feminina", mas existe apenas uma enorme variedade de mulheres, distintas umas das outras. Partindo dessa imensa variedade, o
máximo que se poderia fazer é identificar alguns "tipos gerais" de mulher e descrevê-los, tal como faz a psicologia. Mas isso não é suficiente. É preciso buscar, por meio desses tipos, um "denominador comum" e diferenciá-lo de outro denominador, o que entendemos por "essência" ou "alma" masculina.

Para Edith Stein, a literatura, mais do que a análise psicológica, revela esse denominador comum encontrado em vários tipos diferentes de mulheres, especialmente nas obras que apresentam uma "interpretação e descrição da alma", que manifestam "um valor simbólico especial" (STEIN, 1999, p. 107). Esse valor simbólico não se encontra em qualquer tipo de literatura. Edith Stein, formada em germanística, no estudo da língua e da literatura alemã, escolhe três autores reconhecidos pela capacidade de apresentar o íntimo da alma humana de um modo profundo: Goethe (Alemanha, 1749-1832), Henrik Ibsen (Noruega, 1828-1906) e Sigrid Undset (Noruega, 1882-1949). Para ela, a análise da "alma humana" apresentada nas obras desses três autores é profunda e abrangente, desenvolvendo-se no âmbito das essências, dos arquétipos.

Edith Stein escolhe três obras diversas entre si, cuja narrativa se dá em épocas bem distintas: a obra "Olav Audunssön", de Sigrid Undset; a peça teatral "A casa das bonecas" (Nora oder ein Puppenheim) de Henrik Ibsen; e a peça dramática de Goethe, "Ifigênia", inspirada em uma peça clássica grega.

Ingunn, a personagem feminina da obra de Sigrid Undset, e Olav, seu irmão de criação, vivem no campo, na Noruega da Idade Média. São criados soltos no campos e agem como "forças da natureza", presos aos seus instintos e, especialmente com relação à figura feminina de Sigrid, sem conseguir lutar contra eles. Os pais, quando sabem que estão apaixonados, enviam Olav para lutar em países longínquos e eles não se veem por muitos anos. Ingunn procura em vão a felicidade nos sonhos e é seguidamente afligida por crises de histeria. Acaba tornando-se vítima de um sedutor e concebe um filho.

Quando Olav retorna ao lar, ouve de Ingunn a confissão de sua culpa e aceita não romper o vínculo sagrado que tinha prometido: a leva para morar em seu sítio e cria o filho como seu próprio herdeiro. Mas eles não são felizes, pois Ingunn vive tão abatida pela consciência de sua falta que todos os seus filhos com Olav nascem mortos. No
entanto Olav, no final da vida de Ingunn, "começa a suspeitar que nessa alma deve ter germinado algo mais do que afeição surda e irracional, que deve ter havido uma centelha divina subnutrida e a compreensão de um mundo superior, mas sem a necessária claridade, e que, por isso, não tivera a força necessária para dar forma à sua
vida (STEIN, 1999, p. 108).

Os personagens Nora e Robert de Henrik Ibsen também vivem na Noruega, mas em uma cidade moderna, provavelmente no final do século XIX, e suas personalidades são formadas como produtos da sociedade. Especialmente Nora, pois "tendo sido a boneca preferida de seu pai, é agora a boneca preferida de seu marido, assim como os filhos são suas bonecas" (STEIN, 1999, p. 109). Quando seu marido sofre de um grave problema
de saúde, afastando-se do trabalho e gerando dificuldades financeiras, Nora falsifica sua assinatura para conseguir um empréstimo.

O objetivo era nobre, pois ela queria custear o caro tratamento de seu esposo para salvá-lo, mas quando o marido descobre, a condena moralmente e diz que ela já não merece mais ser a educadora dos filhos. Apesar de Robert tentar depois restabelecer a vida marital comum, Nora sente que já não pode mais voltar atrás. Ela percebe "que precisa tornar-se outra pessoa antes de tentar outra vez ser esposa e mãe" (STEIN, 1999, p. 109). Por causa da tomada de consciência da mulher, Robert também chega a uma conclusão semelhante: "precisa transformar-se em ser humano, deixando de ser apenas uma figura social, para que sua convivência pudesse transformar-se em casamento" (STEIN, 1999, p. 109).


A Ifigênia de Goethe, última obra citada por Edith Stein, vive na Grécia Antiga. Ainda muito jovem é ameaçada de morte, mas é salva pela mão dos deuses e tirada do convívio de seus pais e irmãos. Ela é destinada ao serviço sagrado do templo em Táuris, onde é muito bem tratada como sacerdotisa e venerada como uma santa. Apesar
disso, Ifigênia mantém o amor à sua família e sonha retornar ao convívio de seus parentes. O rei de Táuris a pede em casamento, mas ela recusa, sabendo que desse modo será muito mais difícil retornar à pátria. Como castigo o rei ordena que dois estrangeiros devam ser sacrificados à deusa, "cumprindo assim um antigo costume local que tinha
sido revogado justamente por sua iniciativa" (STEIN, 1999, p. 110).

Os estrangeiros que aparecem na praia são o seu irmão e um amigo dele. Ifigênia é posta diante do dilema de salvar o seu irmão, o amigo dele e a si mesma por meio da mentira e trapaça, ou cumprir uma antiga maldição de sua família. A princípio, ela decide pelo mal menor, mas a sua alma pura "não suporta a falsidade e o abuso de confiança, lutando contra eles como um corpo sadio se opõe aos germes de uma doença" (STEIN, 1999, p. 110). Confiando na veracidade dos deuses, Ifigênia acaba contando todo o plano ao rei, que felizmente a perdoa e como recompensa permite que ela, o irmão e seu amigo retornem à pátria. O irmão, que vivia atormentado pela morte da mãe, também é capaz de se perdoar.

A função eterna da mulher contraposta a do homem

O objetivo de Edith Stein nesse ciclo de conferências aparece agora de modo mais claro: pressupondo o método fenomenológico, chegar o mais próximo possível do que seria a essência da mulher, a "alma feminina" contrapondo-a a "alma masculina", por meio da análise dessas personagens principais de três romances.

Apesar das diferentes concepções de ser humano, que estão por trás desses personagens, como produto da natureza, do meio social ou podendo elevar-se acima de toda determinação natural e cultural em busca de um ideal ético e religioso –, Edith Stein identifica algo comum às três figuras femininas retratadas, que permite que se fale em termos gerais de uma "essência" da mulher:

Podemos, então, destacar algo comum nessas três figuras que cresceram em solos tão diversos (tanto com relação ao ambiente em que a criação literária as coloca quanto à época cultural e à personalidade de seus criadores)? (…) Em todas, encontro uma índole comum: o desejo de dar e de receber amor, e com isso, a aspiração de serem tiradas da estreiteza de sua existência real atual para serem guindadas a um ser e agir mais elevado (STEIN, 1999, p. 111).

Nesses três "arquétipos" femininos, Edith Stein diz encontrar no fundo uma mesma aspiração, mesmo que desenvolvida em contextos diversos. Esse desejo essencialmente feminino corresponde ao que ela define como a "função eterna da mulher", estreitamente vinculada à sua relação com os outros que se encontram em relação com
ela:

Tornar-se aquilo que se deve ser, deixar amadurecer para o desdobramento mais perfeito possível a humanidade que está latente nela, da forma individual especial que foi colocada nela. Deixar amadurecê-la na união amorosa que, fecundando, provoca esse processo de amadurecimento e, ao mesmo tempo, estimula e promove também nos outros o amadurecimento de sua perfeição, essa é a aspiração mais profunda do desejar feminino, que pode manifestar-se nos mais diversos disfarces e mesmo distorções e desfiguramentos (STEIN, 1999, p. 112).

A mulher a exemplo de Maria

Em uma outra conferência, "A vocação do homem e da mulher de acordo com a graça" – que abordaremos no próximo artigo –, Edith Stein associa essa visão da "mulher eterna" à Maria, Mãe de Jesus. Por Cristo, toda mulher é convidada a olhar para Maria, sua mãe, como modelo a ser seguido para tentar resgatar, ao menos parcialmente, a
ordem original. A imagem da mãe de Deus nos revela a atitude fundamental da alma feminina que corresponde à vocação natural da mulher, querida por Deus no momento da Criação.

Nossa Senhora realiza em sua natureza o modelo perfeito de doação e amor desinteressado pelos outros. Por meio de Maria, as mulheres podem tomar para si esse ideal elevado de realização, contando sempre com a graça. Apesar de saber que a realização plena de sua essência só se dará plenamente na vida eterna, cabe a cada um de nós começar a cultivá-la e construí-la no aqui e agora de nossas vidas.

Referência Bibliográficas:

1 STEIN, Edith. A vida cristã da mulher. In: A mulher: Sua missão segundo a natureza e a graça. Trad. Alfred J. Keller. Bauru, SP: EDUSC, 1999, p. 105-133.



Maria Cecilia Isatto Parise

Maria Cecilia Isatto Parise. Casada há 30 anos e mãe de dois filhos. Mestra, pesquisadora, professora e conferencista em Edith Stein.
Site: edithstein.com.br
Instagram: Maria Cecilia Isatto Parise
Facebook: Chouette – Filosofia Comentada


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/afetividade-e-sexualidade/afetividade-feminina/formacao-da-mulher-edith-stein/


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