Sei que nada sei. Essa frase atribuída ao filósofo grego Sócrates pode resumir boa parte do ano de 2020. Todos nós tínhamos planos e sonhos, expectativas e planejamentos que foram interrompidos devido à pandemia de coronavírus. O mundo todo se voltou para essa nova síndrome respiratória com causas, efeitos e consequências ainda controversas e em observação por parte da comunidade científica, que tem buscado uma vacina para que, aos poucos, o cotidiano volte ao normal.
Inclusive, o termo "novo normal" foi popularizado para representar esse momento em que utensílios de proteção individual, antes restritos ao cotidiano dos profissionais de saúde, como a máscara facial e o álcool gel, fazem parte das necessidades básicas das pessoas.
A pandemia trouxe à tona a fragilidade do homem que se crê invencível e controlador de sua vida. Boa parte das pessoas tinha, até então, uma falsa sensação de poder absoluto sobre a própria vida, organizada em planilhas, agendas, planejamento conforme suas economias, alimentos, lazer e descanso. Na verdade, nada disso é suficiente para se garantir uma vida em paz.
Nós só podemos escolher o hoje
Bastou um novo vírus microscópico para que a humanidade percebesse a sua fragilidade e insignificância. Por mais que se tenha avançado no conhecimento científico e tecnológico, o ser humano é finito, tem inteligência limitada e precisa reconhecer esses limites.
Nós só temos duas certezas em nosso cotidiano: o agora e a hora de nossa morte, como bem rezamos na Ave-Maria. Todo o resto é poeira, é imaginação, e é impossível de ser previsto e garantido.
Durante o isolamento social, muitas famílias se redescobriram: esposos, filhos e pais passaram a conviver muito mais tempo, e puderam exercitar as virtudes como a tolerância, o perdão, a reconciliação, a humildade. Talvez, antes disso, nunca tenhamos parado para pensar em como é difícil suportar os da nossa família, pois a rotina atribulada nos permitia que cada um tivesse suas fugas, mas, durante o isolamento, não houve escolha.
Tivemos que nos confrontar conosco mesmos. Quantos de nós vivíamos de saída em saída, de barulho em barulho, de casa em casa de amigos, de bar em bar, fugindo de nossas fragilidades, da nossa solidão e dos nossos defeitos! Escondendo-nos em uma rotina bastante agitada para que não nos debruçássemos sobre a nossa própria personalidade.
Isolados, muitos perderam o rumo, perderam o emprego, e famílias se desfizeram. Outros conseguiram fazer da crise alguma oportunidade de emprego e renda, nos diferentes setores que se abriram, tal como a educação on-line, os fornecedores de equipamentos de saúde e também os serviços delivery, para citar alguns exemplos. Muitos de nós estão ainda em busca do sentido desse tempo. Outros ainda conseguiram se encontrar como família, sem falsas ilusões, e se instalar na realidade cotidiana dando um passo para melhorar a própria vida e de quem está ao seu redor.
Reflexão
Chegado o fim do ano, é importante que cada pessoa e cada família possa refletir sobre esse tempo e seus aprendizados, e muitos podem ser os elementos norteadores da sua análise, mas eu sugiro que você comece respondendo o seguinte:
Em que você deposita sua esperança?
Qual a sua fonte de alegria, de paz, seu motivo para acordar todos os dias de manhã disposto a enfrentar um novo dia de vida?
Enquanto depositarmos esperanças naquilo que passa, nos prazeres e aparentes seguranças deste mundo, nos governos cujas decisões independem de nós, ficaremos sempre à deriva, cada vez que uma nova realidade que foge do nosso controle nos aparecer – e elas são muitas, e estão todos os dias à nossa frente. Por mais que tenhamos mecanismos para tentar trazer segurança, a verdade é que nossa vida, saúde e segurança não dependem exclusivamente de nós e de nossas escolhas.
Quem vive uma vida sobrenatural, certo de que estamos neste mundo apenas de passagem, tem mais condição de enxergar que a pandemia só escancarou nossa fragilidade. Observe seu cotidiano como um grande milagre, não como sorte, fruto do acaso ou apenas sucessão de um dia após o outro.
Eu não sei como você está hoje, mas sei que se você observar, todos os dias, tudo que de bom e ruim aconteceu para você, e meditar sobre as suas atitudes em cada uma das situações, conseguirá ter mais presença e personalidade na sua vida. E finalizo concordando com Sócrates: a vida irrefletida não vale a pena ser vivida.
Mariella Silva de Oliveira Costa
Além de professora, pesquisadora e jornalista, é Doutora com pós-doutorado em Saúde Coletiva (UnB), Mestra em Tocoginecologia (Unicamp), especialista em Jornalismo Científico (Unicamp) e graduada em Comunicação Social (UFV). Servidora pública federal e idealizadora de muitasmarias.com
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