Uma imagem que "rodou" o mundo e emocionou os católicos foi quando o Papa Francisco, no dia 24 de maio de 2020, Domingo da Ascenção do Senhor, apareceu na janela do Vaticano para abençoar o povo que estava na Praça de São Pedro durante a oração do Regina Coeli. Essa imagem não se repetia desde o dia 8 de março de 2020, quando a Praça de São Pedro foi totalmente fechada por causa da pandemia do coronavírus, que contaminava e matava milhares de pessoas em todo o mundo. "A emoção do reencontro depois de quase dois meses", essa era a frase estampada nos jornais.
Não se podia falar de multidão na Praça de São Pedro como era costume, pois respeitava as regras do distanciamento, mas, mesmo que seja um pequeno grupo de fiéis presente na Praça, para os católicos do mundo, que acompanhavam pelas TVs e Redes Sociais, a possibilidade do povo rezar com seu pastor é um sinal de esperança de que a vida voltará ao seu ritmo normal, como o próprio Papa afirma na oração a Maria, neste tempo de pandemia: "Vós, Salvação do Povo, sabeis do que precisamos e temos a certeza de que no-lo providenciareis para que, como em Caná da Galileia, possa voltar a alegria e a festa depois desta provação".
A angústia diante da provação
Socorristas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) na capital paulista, de acordo com Francis Fujii, seu diretor médico, relata que, o atendimento a casos de suicídio e de tentativa de suicídio aumentou com a pandemia de coronavírus. Tal constatação confirma a análise publicada no Journal of the American Medical Association – Psychiatry, em abril de 2020, nos Estados Unidos, trata dos efeitos colaterais das necessárias medidas de isolamento e distanciamento social por conta da Covid-19 que podem aumentar o risco de suicídio. Os autores da pesquisa apontam como influenciadores da mortalidade por suicídio e Covid-19, entre eles, o estresse econômico e a incerteza sobre a própria subsistência; a solidão e a desconexão social; a dificuldade no tratamento da saúde mental devido à sobrecarga do sistema pelos pacientes da pandemia; o medo diante de doenças pré-existentes; e o aumento na ansiedade diante da doença.
O que foi apresentado acima é apenas um dos exemplos das consequências originárias de toda as condições de isolamento, estresse, tristeza, medo do futuro, incertezas, solidão, etc. provocado pela pandemia do coronavírus.
Esperança humana
A esperança é uma virtude própria da existência humana. Além de teológica, é uma realidade antropológica. O ser humano vive a realidade presente projetada para o futuro na esperança de uma existência plena.
O provérbio "A esperança é a última que morre" está presente na consciência e fala do povo, bem como, "no fim vai dar certo" ou "tudo vai ficar bem". Apesar de todas as formas de desânimo presentes na vida do povo sempre fica um pouco de esperança, a possibilidade de ter uma solução. Encontramos hoje muitos exemplos concretos da coragem de viver e enfrentar a vida, por exemplo, pais que já não enxergam mais nada de mudança em sua frente, mas esperam dias melhores para seus filhos e por isto fazem sacrifícios duros, para que eles não sofram o que eles aguentaram. Pessoas enfermas que lutam contra a doença com todas as possibilidades, a vontade de viver e sobreviver costuma vencer a inclinação para a morte.
A esperança é sustentada pela confiança, as duas se completam e se supõem. A esperança é vista como realizável pela confiança. No horizonte da esperança humana, há incertezas e temores, mas também existe o ousar, a aventura, a confiança que empurra e sustenta a pessoa na conquista do bem e sempre repetir: "tudo vai ficar bem".
Esperança cristã e o cumprimento das promessas
No Antigo Testamento, Deus é apresentado como o "Deus da Promessa". O elemento primeiro e fundador da Revelação foi a promessa aos pais na Fé, os Patriarcas. E viver dessa promessa é o que dá sentido para a existência e luta deste povo. Deus promete terra, descendência, vida (cf. Gn 12,3.17; 13,14-16; 15,3.7.18; 18,10; 22,17;…).
A promessa para o povo de Israel tem como objeto a terra e a descendência, a promessa é concreta, o povo confia e esta promessa se torna o fundamento da Aliança. Nesta confiança o povo vai construindo sua história feita de lutas, conquistas, comemorações e esperanças (cf. Dt 6,20-25). O Deus da promessa cria o povo da esperança.
Os profetas garantem que a história da salvação é conduzida por Deus que cumpre sua promessa e aí o povo encontra forças para suportar o imprevisto dos acontecimentos, as instituições, os sistemas, as inovações, os progressos, bem como as calamidades, as guerras, as enfermidades, as invasões, os imperialismos e toda espécie de desafios e de crises, com a certeza: "Eu serei vosso Deus, e vós sereis o meu Povo" (Ex 19,5).
Jesus é o cumprimento pleno da Esperança prometida no Antigo Testamento. O pleno cumprimento das promessas em Cristo, na sua cruz e ressurreição (cf. 2Cor 1,20) vem a ser a perfeita revelação da Esperança. Na cruz, o vazio total de Jesus revela a plenitude do Deus Amor. A morte e ressurreição de Jesus é este ato total de Esperança.
Em Cristo, a Esperança se torna plenamente teologal, ou seja, Divina. Tudo, nós esperamos somente de Deus, do Deus Amor, que nos conduz pelos caminhos do amor: "Nada nos poderá separar do Amor que Deus nos manifestou em Cristo" (Rm 8,39).
No discurso de despedida, Evangelho de São João, 14,15-21, Jesus promete enviar o Espírito Santo: "Eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro defensor, para que permaneça convosco". Esta promessa é a certeza de que Deus não nos abandona. Jesus fala no envio do "Paráclito" (paráklêtos), "advogado", "auxiliar", "defensor". Sentido de "consolador", de "intercessor"; o advogado, ad-vocatus, "chamado para", "aquele que vem para perto para defender". O Espírito é apresentado como "a força de Deus" que vem em nosso socorro. No mesmo discurso Jesus reafirma aos discípulos, "não vos deixarei órfãos", garante-lhes com grande força a sua presença através do Espírito Santo. Essa mesma promessa e força da Esperança é hoje também para nós que cremos.
Pela Fé trazemos a certeza de que não estamos sozinhos, pois o Espírito Santo não abandona, uma vez que estabelece morada permanente; essa é a verdade que Jesus revelou, essa é a verdade que em nós o Espírito sustenta e defende. Quando a provação encontra alguém ancorado na confiança na Palavra do Senhor, e no abandono a Ele, então é purificada, lança-o no caminho do Ressuscitado e suscita Esperança.
A Esperança fundamentada na Ressurreição de Jesus não decepciona (Rm 5,5). Não se trata de um simples otimismo ou animação em determinadas circunstâncias, mas de uma atitude fundamental de quem vive esta esperança cristã que faz olhar para frente e enxergar a realidade com mais lucidez e alegria e proclamar com o apóstolo Paulo: "Estava plenamente convencido de que Deus era Poderoso para cumprir o que prometeu" (Rm 4,21).
A Esperança não consiste simplesmente em ficar parado, ocupando-se com o desnecessário, esperando até que o Senhor volte, como fizeram alguns membros da Igreja de Tessalônica (2Tm 3,6-12). Viver na esperança é colocar os pés na estrada, construir caminhos, aplainar as veredas, dar pão a quem tem fome, um copo de água a quem tem sede, vestir o nu, visitar o doente, o preso, acolher o imigrante (cf. Mt 25,31-46) é construir o Reino que com Jesus já está no meio de nós. O agir do cristão possui um caráter de confiança em Deus, fundamento e fim último de toda Esperança. A Esperança cristã é vivida na oração, na virtude da paciência e na prática da caridade. Por tudo isto, o cristão tem de ser profeta da Esperança e não do medo e do desespero.
A Esperança cristã não aceita o "correr em vão" (1Cor 9,26). O homem corre em busca da felicidade divina e felicidade humana. Agarra-se à certeza do Reino prometido, que já está em marcha, presente pela força da graça, na existência de cada um e na história da humanidade que caminha em busca do Reino prometido. A esperança supõe a confiança nas promessas de Deus e na sua bondade que deseja a salvação de todos e faz com que a fé se torne uma força que move, sustenta a existência cristã (Cl 1,4-5).
Toda Esperança se apoia na certeza de que é possível alcançar o bem prometido por Deus. Na esperança humana, o fundamento de tal convicção são as forças humanas e a crença na bondade fundamental das criaturas. No fiel cristão, isso se transforma na confiança numa providência divina, em um Deus que se revelou como Pai e quer o bem de seus filhos. Deus é fiel por si mesmo e sua promessa, mesmo com a infidelidade do homem, Deus permanece fiel (Gn 2,15), como afirma o apóstolo: "Nada nos poderá separar do Amor que Deus nos manifestou em Cristo" (Rm 8,39).
É dever do cristão suscitar no povo a fé nas promessas de Deus, em Jesus, no Espírito Santo. Iluminar corações e mentes com a Boa Notícia da Salvação para que todos possam compreender que a esperança humana, os anseios mais profundos do homem, se realizam, de modo definitivo na Esperança cristã (cf. Gaudium et Spes, 92).
Papa Francisco e a Esperança cristã
O Papa Francisco, profeta por palavras e gestos, tem a missão de dar as razões desta Esperança cristã (cf. 1Pd 3,15). O Papa tem consciência que, suscitar Esperança nas pessoas é sempre importante em qualquer tempo e lugar, sobretudo nas atuais circunstâncias de pandemia do coronavírus, é urgente e necessário.
A Esperança cristã fundada na Ressurreição de Jesus foi anunciada pelo Papa Francisco na celebração da Vigília Pascal da Basílica de São Pedro no dia 11 de abril de 2020: "Nesta noite, conquistamos um direito fundamental, que não nos será tirado: o direito à esperança. É uma esperança nova, viva, que vem de Deus. Não é mero otimismo, não é uma palmada nas costas nem um encorajamento de circunstância, com o aflorar dum sorriso. Não. É um dom do Céu, que não podíamos obter por nós mesmos. 'Tudo correrá bem': repetimos com tenacidade nestas semanas, agarrando-nos à beleza da nossa humanidade e fazendo subir do coração palavras de encorajamento. Mas, à medida que os dias passam e os medos crescem, até a esperança mais audaz pode desvanecer. A esperança de Jesus é diferente. Coloca no coração a certeza de que Deus sabe transformar tudo em bem, pois até do túmulo faz sair a vida".
Referências:
[1] Fonte: https://www.vaticannews.va/pt.html
Padre Mário Marcelo, scj
Mestre em zootecnia pela Universidade Federal de Lavras (MG), padre Mário é também licenciado em Filosofia pela Fundação Educacional de Brusque (SC) e bacharel em Teologia pela PUC-RJ. Mestre em Teologia Prática pelo Centro Universitário Assunção (SP). Doutor em Teologia Moral pela Academia Alfonsiana de Roma/Itália. O sacerdote é autor e assessor na área de Bioética e Teologia Moral; além de professor da Faculdade Dehoniana em Taubaté (SP). Membro da Sociedade Brasileira de Teologia Moral e da Sociedade Brasileira de Bioética. Membro do grupo Interdisciplinar de Peritos (GIP) da Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Autor de livros publicados pela Editora Canção Nova.