Na Copa, nossa chance passou, mas nosso país ainda pode alcançar o patamar de nação campeã
A onda apaixonante do esporte, particularmente do futebol, permite metáforas interessantes para inspirar o país a trilhar novo caminho e a alcançar o almejado patamar de nação campeã. A luta pelo título mundial ocorreu em campo, e os resultados obtidos pouco mudaram o cotidiano abastado de uma minoria, que inclui os atletas. A frustração da derrota, no entanto, mexe com os brios e as emoções de uma avalanche de cidadãos. É preciso assimilar a perda na competição esportiva e valorizar mais o que realmente impacta a vida de muitos.
Obviamente, há lugar para a paixão esportiva sempre, mas o sentimento que o futebol desperta não deve ocupar o lugar de todas as razões e emoções necessárias para promover transformações profundas na realidade. Perdido o título, fica a pergunta: e agora, qual o é o "hexa" a ser conquistado?
Sociedade unida
Parece que, nesta Copa do Mundo, a paixão esportiva foi vivida de modo mais saudável. Reflexo disso é que a derrota da seleção brasileira não gerou um clima de "fim de mundo". E a esperança é que a perda dentro de campo seja oportunidade para o aprendizado de lições que, se bem assimiladas, podem levar a vitórias importantes, inclusive no âmbito esportivo. Ao observar o que não deu certo, é possível construir novos projetos, a serem regidos por pessoas comprometidas com o qualificado exercício da cidadania. E o primeiro passo é ter consciência da realidade.
Há sinais de que o povo começa a desenvolver essa consciência. Um dos exemplos é a forma reduzida com que as pessoas manifestaram seu entusiasmo com a Copa deste ano e a timidez da decoração nas ruas e praças. Afinal, diante das fragilidades do contexto social, não há espaço para euforia. A esperança é que cada vez mais pessoas cultivem uma certeza: o que mais conta, agora, é vencer os desafios e processos que estão corroendo a nação brasileira e avançar em direções que permitam reconstruir o país. Isso significa superar os cenários vergonhosos das misérias, corrupção, agressão irracional do meio ambiente e tantos outros males que refletem certo descompromisso com o exercício da cidadania.
Que hexa queremos para o país?
Ganhar a Copa do Mundo é um sonho, motivo de festa, mas esse objetivo está longe de ser o mais importante na vida de uma nação. Inclusive, porque, equivocadamente, o futebol torna-se, gradativamente, apenas um negócio, fonte de lucro para pequenos grupos que acumulam muito dinheiro e privilégios. O esporte, em vez disso, deveria ser promovido a partir de sua força educativa, capaz de reconfigurar o tecido cultural da sociedade, qualificando as pessoas para construírem um futuro melhor. Assim, em vez de almejar o "hexa" na Copa, o povo poderia eleger novas prioridades, a partir do respeito ao bem comum.
As prioridades que precisam ser assumidas são muitas, incontáveis, percebidas a partir das diversas carências do país. Para reconhecer o "hexa" a ser conquistado é preciso questionar-se a respeito do Brasil que se quer construir. No centro da resposta, certamente, não estará a celebração de uma festa passageira. Em vez disso, as prioridades são a recomposição indispensável dos parâmetros éticos que devem nortear a conduta de cada pessoa, a promoção da solidariedade e da honestidade, forças capazes de impulsionar um recomeço para o Brasil.
Reinício social
Esse reinício é o verdadeiro caminho rumo às vitórias capazes de superar a violência, a exclusão social e a ganância sem limites, que passa por cima de tudo, destruindo o planeta, a casa comum. Cada brasileiro é convocado a sonhar com um país melhor e, a partir disso, agir. Afinal, muitas situações precisam ser reconfiguradas. É urgente, por exemplo, construir um novo modo de se fazer política, livre de interesses egoístas, e zelar para que as ações no poder judiciário sejam, de fato, orientadas pelos parâmetros da verdade e da justiça.
A lista de prioridades para que seja possível construir uma nação campeã é grande e demanda especial empenho de todos. Para efetivar o sonho de construir um país renovado, vale investir todas as emoções e razões, "correr" velozmente. Em vez de se apegar às paixões passageiras, todos assumam a tarefa cidadã de responder ao seguinte questionamento: e agora, qual é o "hexa"?
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
O Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, é doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Atual membro da Congregação para a Doutrina da Fé e da Congregação para as Igrejas Orientais. No Brasil, é bispo referencial para os fiéis católicos de Rito Oriental. http://www.arquidiocesebh.org.br
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