O desejo de fama, o dinheiro no mundo atual e os religiosos nesse meio
A mensagem deveria ser sempre maior que o mensageiro, sobretudo quando se trata de vidas e povos. Por isso, Nelson Mandela passou o governo a outros e não se fez ditador, embora tenha sido ele a figura chave do fim da Apartheid. A democracia na África do Sul era maior do que ele. Já Fidel Castro ficou maior do que a revolução que liderou. Tornou-se ditador. São João Batista entendeu que era preciso que Jesus crescesse e ele diminuísse. Com isso, tem-se uma ideia de persona e personagem do teatro grego. A mensagem é sempre maior que o mensageiro; o desejo de fama e de dinheiro não pode crescer mais do que a vontade de levar o principal, que é a mensagem.
Foto: RyanKing999 by Getty Images
A máscara era símbolo do teatro grego, chamava-se persona. De certa forma, protegia a mensagem dada no anfiteatro grego de misturar-se com a pessoa do declamador, do artista. A mensagem era maior que o artista. O que estava em jogo naquela peça era a mensagem, não o apresentador. Ele se escondia atrás da máscara, para o povo não o confundir com a mensagem. A mensagem tinha esse direito e ele também o tinha. Era como se a mensagem dissesse: "Existo antes dele. Não sou meu apresentador". Era como se o artista dissesse: "Não sou a mensagem que lhe dou. Sou menor do que ela, a depender dela". Importava não ele, mas o seu recado.
O teatro sempre vestiu seus atores com roupas e rostos dos personagens. Eles personificavam outras pessoas e eram respeitados por causa disso. Sabiam interpretar e mostrar uma mensagem. Com o advento do cinema e da televisão, os rostos passaram a não mudar e os closes mostravam não o papel, mas o artista. O personagem ficou para trás e quem se destacou foi o artista. A mensagem ficou menor do que o seu mensageiro.
Fábricas de ídolos
O novo fato chegou às outras mídias e ao púlpito também: cantor mais importante do que a canção, pregador mais importante do que a liturgia, ator mais importante do que a peça, apresentador mais importante do que os apresentados etc. O centro do indivíduo matou a persona. A pessoa ganhou projeção graças a um intenso marketing e ainda mais intensa autoexposição. Nasceram as modernas fábricas de ídolos. Não teriam que ter conteúdo, nem ter escrito o texto, nem tem um cabedal de conhecimentos. Se falassem bonito, se fossem bonitos ou bonitas, eram eles que vendiam e não a mensagem.
Em seu escritos, Joseph Campbell afirma: "Quando o mundo se altera, a religião tem que se transformar". "A função do artista é a mitologização do meio ambiente e do mundo". Na nossa cultura de religião fácil, atingida sem esforços, parece que esquecemos que as três grandes religiões ensinam que as provações da jornada heroica são parte significativa da vida, e que não há recompensa sem renúncia, sem pagar o preço. Na mídia de hoje, é visível a presença intensa de pessoas que são verdadeiros mitos ou até mesmo semideuses. Em muitas Igrejas que hoje atuam intensamente por meio dos veículos que se convencionou chamar de mídia religiosa, há semideuses, gigantes e heróis da fé.
Um fenômeno digno de nota é que alguns deles são mais divulgados pela mídia secular do que pela mídia religiosa. Vendem livros e canções, e isso os qualifica a serem, também, divulgados intensamente por editoras e gravadoras não religiosas. Devem ser ouvidos, porque alguns deles são argutos e sabem o que querem; sabem também o porquê de terem se exposto aos riscos do consumo, que, como o deus Cronos, engole o seu próprio produto. Muitíssimos desses mitos religiosos passam hoje pelas caixas registradoras e se curvam aos poderes do deus Mercado.
Religião e fama
Os religiosos entraram nesse meio. Para chegar a milhões, aceitam "carona" em veículos mais eficientes, pois os da Igreja são lentos demais e pouco abrangentes. O fato é mais do que evidente.
O advento da mídia poderosa que atinge milhões de olhos e ouvidos, certamente milhões a mais do que Jesus atingiu no Seu tempo, trouxe à cena porta-vozes que hoje falam a milhões em seu nome. O pregador midiático de agora fala simultaneamente para milhões de pessoas. Com a mídia poderosa, veio a fé poderosa que até marca dia, hora e lugar do milagre, tanta certeza tem o pregador de que o seu esquema dará certo.
Aqui entra a imagem do pregador midiático de agora. Dos anos de 1940 para cá, com o advento do cinema para multidões, da televisão a partir dos anos de 1960, da internet a partir dos anos 1990, pregar religião para as massas tornou-se terreno de empresários, empreendimento caro e exigente, e para isso as Igrejas precisam de membros capazes de usar a nova linguagem, por ser ele um novo instrumento de mensagem e poder. Mas custa elevadamente mais caro do que manter uma catedral e suas matrizes. A mídia moderna é o novo deus Moloc, ou Pantagruel. Ele como dinheiro. Não há comunicação barata.
Aparece, então, a figura do semideus da fé, que, mais que herói da religião, é porta-voz na linha de frente da evangelização. Ele suscita e levanta fundos. Clama dinheiro. Se acreditar em kenosis, não tocará neste dinheiro. Se acreditar em conforto, puxará o que puder para si mesmo. O discurso será eclesial e comunitário, mas a sua conta no banco mostrará outra práxis.
Alguns deles fundaram emissoras e até igrejas com o auxílio da nova midi, outros se cercaram de figuras envolventes que aceitam e até gostam do brilho dos holofotes. O admirável mundo novo chegou ao púlpito e com ele o admirável brilho novo, que encheu de entusiasmo um grande número de pregadores da fé. Agora, sim, tendo ou não tendo muito o que dizer, poderia dizê-lo a milhões de pessoas; tendo ou não tendo muito que cantar, cantaria para milhões de ouvidos.
Trecho do livro 'Testemunhas digitais'
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