A liberdade, portanto, não pode se transformar em arma, usada irresponsavelmente para desferir golpes contra os outros
A contemporaneidade exige um aprendizado a respeito de como valer-se das conquistas alcançadas ao longo da história para se construir um mundo melhor. Há uma ciência própria que deve auxiliar o exercício da liberdade para que prevaleça também o respeito inegociável aos direitos e às autonomias. Deve-se considerar sempre a ética da alteridade, que exige uma específica competência cidadã. Somente assim é possível ver a vida e avaliar cenários não apenas a partir do próprio lugar e de interesses particulares, mas considerando perspectivas capazes de contemplar o bem maior, da coletividade.
Sem esse discernimento interpretativo, continuará a prevalecer o risco de autoritarismos e imposições que provocam desastres fatais e atingem não apenas contextos específicos, mas toda humanidade. Por isso mesmo, o ponto de partida será sempre uma vívida responsabilidade quanto àquilo que se fala, os juízos emitidos sobre o outro, a respeito de culturas e de confissões religiosas. A liberdade individual e também a de imprensa não dão a ninguém o direito de posicionamentos que ultrapassem o limite delineado pelo respeito a identidades e diferenças.
O uso abusivo da liberdade de expressão, sem medir as consequências, não raramente gera outros absurdos. Equívocos provocados por uma sucessão de irracionalidades. A liberdade não pode ser compreendida como perda do sentido de alteridade. Sempre deve haver respeito ao outro, às culturas e às confissões religiosas. Merece atenção específica o contexto digital e midiático, que tem papel decisivo na definição de comportamentos e escolhas, influencia a formação de juízos a partir da disseminação de todo o tipo de opinião. Muitos, de modo covarde, valem-se do anonimato possível na internet para perpetrar uma sentença algoz até contra quem não merece.
A perda de parâmetros é um perigo e produz desastres que dividem a opinião pública, criando os chamados "lados opostos". Assim, inviabiliza a abertura de uma nova e indispensável perspectiva que favorece diálogos construtivos. A liberdade, portanto, não pode se transformar em arma, usada irresponsavelmente para desferir golpes contra os outros. Utilizá-la desse modo é provocar reações também arbitrárias que geram cenários de perdas irreversíveis. A conduta irresponsável de simplesmente dizer o que se quer e bem entende não é caminho para se construir a sociedade do diálogo. Ora, é preciso ponderar antes de emitir opiniões. Trata-se de exercer o princípio ético, particularmente porque se sabe que a palavra tem força construtiva e demolidora.
O mundo não é um pequeno espaço, um "canto", e, por isso, ninguém deve se posicionar sem a devida consideração da pluralidade existente entre povos, culturas e grupos. A "palavra dita" e a "palavra dada" precisam ser balizadas pelo princípio ético. A globalização das informações, o direito de juízos e o uso de liberdades não permitem desconsiderar o respeito moral e cidadão ao outro. Portanto, é uma irresponsabilidade falar sem pensar e sem as indispensáveis ponderações. É um grave equívoco desprezar a avaliação daquilo que se diz pelos meios digitais, pela mídia, nas rodas de conversas, nas reuniões, nos parlamentos, onde for. Esse erro é cometido, muitas vezes, por governantes, empresários, líderes diversos e, também, pelo cidadão mais simples.
Torna-se urgente mobilizar sensibilidades para se aprender, ou reaprender, que é indispensável refletir, antes de dizer. Caso contrário, a palavra não será veículo do diálogo, mas arma que provoca arbitrariedades e gera a violência. O exercício de ponderação exige que a palavra a ser dita seja planejada no silêncio que está em falta em nossa sociedade, muito inquieta e barulhenta. A geração qualificada da palavra tem tudo a ver com a fonte da ética que forja moralidades necessárias a decisões, posturas e escolhas. A ética em defasagem produz a permissividade doentia que alimenta a corrupção, seduz mentes e corações pelo afã do dinheiro e cega muitos no exercício do poder.
É hora de investir, em todo lugar e de formas variadas, como prioridade, na compreensão de que liberdade e respeito são indissociáveis. Isto significa reconhecer a grande pluralidade que caracteriza o mundo, uma urgência cultural e ética. Sem boa articulação entre liberdade e respeito, a sociedade contemporânea, mesmo com seus avanços, vai sofrer com os ataques e vandalismos, continuará a pagar altos preços.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
O Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, dom Walmor Oliveira de Azevedo, é doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma, Itália) e mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico (Roma, Itália).
Fonte: http://formacao.cancaonova.com/atualidade/sociedade/liberdade-nao-pode-ser-irresponsabilidade/