27 de agosto de 2013

Os cinco rostos de Vicente de Paulo

Este texto foi escrito pelo Pe. Robert Maloney,CM. Ele foi durante doze anos o Superior Geral da Congregação da Missão - Padres Vicentinos. Ele foi desde então um grande incentivador e articulador da FAMÍLIA VICENTINA. O texto a seguir é uma belíssima reflexão sobre alguns "rostos" de Vicente de Paulo. Vale a pena conferir!

 

I. Pai dos Pobres

Quando eu era um menino de 13 anos, a primeira imagem que tive de Vicente de Paulo foi a do PAI DOS POBRES. Creio que esta sua imagem seja a mais popular e a mais conhecida pelas pessoas por todo o mundo. Se vê em vitrais, estátuas, quadros em muitíssimas igrejas.

Nos últimos anos temos visto muitas imagens belíssimas de São Vicente de Paulo como PAI DOS POBRES. Uma das que mais me chamou a atenção foi a que apareceu na página da internet da Assembleia Geral da Congregação da Missão em 1999, e em muitas publicações daquele ano. Trata-se de um obra pintada por Kurt Welther para a capela da paróquia São Vicente de Paulo em Graz, Áustria. Vicente de Paulo está sentado entre os Pobres como se fosse um deles. Não tem nenhuma auréola sobre ele. Não se destaca entre eles como se fosse um benfeitor. Dá a impressão de que os Pobres apareceram no justo momento em que Vicente de Paulo havia sentado para comer sua modesta refeição. Ele a reparte com eles. Os rostos dos Pobres sentados à mesa não dá prá ver claramente. Porém, Vicente os vê e nos diria: "verá à luz da fé que o Filho de Deus, que quis ser Pobre, está representado nestes Pobres" (XI, 725). O rosto que se vê no centro da mesa reflete a presença de Cristo. Os que rodeiam a Cristo neste refeição modesta nos lembram a última ceia, a refeição sacramental do amor de Deus por seu povo.

O que podemos falar de Vicente de Paulo, o PAI DOS POBRES?

1. Este rosto de Vicente de Paulo é fundamental para todos os ramos da Família Vicentina. De fato, é a face que a Igreja melhor reconhece de São Vicente de Paulo em todo o mundo. Em 16 de abril de 1885, Vicente de Paulo foi declarado pela Igreja o PATRONO DE TODAS AS INSTITUIÇÕES DE CARIDADE. Quando falo com membros dos mais variados ramos de nossa Família Vicentina, em diversos países, vejo que todos reconhecem Vicente de Paulo como PAI DOS POBRES, bem como seu fundador e fonte principal de inspiração.

2. O que fazemos, fala com mais força do que aquilo que dizemos. O testemunho é frequentemente mais importante que as palavras, sobretudo em nossos dias. Num mundo em que existem muitas pessoas indiferentes perante a religião organizada, a linguagem das obras é cada vez mais importante. As obras de justiça e de misericórdia são um sinal de que o Reino de Deus está realmente atuando no meio de nós: dar de comer ao faminto, de beber ao sedento, ajudar a encontrar as causas de sua fome e de sua sede e a maneira de aliviá-las.

 

II. Missionário

Quando ingressei na Congregação da Missão, aos 18 anos de idade, comecei a conhecer Vicente de Paulo como missionário. A imagem que escolhi para representar este rosto é sem dúvida a que mais se vê entre as imagens de Vicente de Paulo. Milhares de pessoas a veem a cada dia, ainda que se diga que os que a enxergam, são poucos os que realmente a veem!

Esta estátua é uma obra de Pietro Bracci (1700-1773) e foi colocada na Basílica de São Pedro depois da canonização de Vicente de Paulo em 1737. Confesso que sinto um certo orgulho quando levo alguns visitantes à São Pedro e lhes mostro nosso fundador na nave principal, ao lado de Tereza D´Ávila.

São vários os aspectos que nos chamam a atenção nesta estátua. Em primeiro lugar, representa claramente a Vicente de Paulo como missionário. Nesta estátua o Vicente de Paulo que se dirige à nós é o Vicente de Paulo pregador. Está vestido com sobrepeliz e estola, tem uma cruz na mão esquerda e mostra com sua mão direita um gesto dramático dirigido à sua plateia. A concha por detrás de sua cabeça amplia o volume de sua voz. Do lado do pé esquerdo encontra-se o livro do evangelho de Lucas onde está escrito: "O Senhor me enviou para anunciar o evangelho aos Pobres" (Lucas 4,18).

Este é o Vicente de Paulo, que comovido pela conversão de um camponês que agonizava nas terras de uma família rica, os Gondi, fez a pregação de um sermão no dia 25 de janeiro de 1617 chamando todos à conversão. Ele sempre viu neste dia o começo de sua atividade missionária e de muitos missionários que ele mesmo enviou mundo afora: Polônia, Itália, Argélia, Madagascar, Irlanda, Escócia, ...

O que podemos falar de Vicente de Paulo como missionário?

1. Para ele a palavra de Deus era algo totalmente central. Isto é o que quer expressar o evangelho ao lado de seu pé esquerdo: "A palavra de Deus não falha nunca". Ele dizia isto com certa frequência. Para Vicente de Paulo, a palavra de Deus é a regra fundamental da vida humana; é também a fonte de onde brota toda a pregação e todo ensinamento.

2. A cruz é central quando se prega ou se catequiza. Vicente de Paulo cita o impressionante texto de São Paulo: "Deus me livre de gloriar-me, senão na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo" (Gál 6,14; II,339; XI,20). Porém a cruz não ocupou um lugar fundamental somente na pregação, mas também na formação de seus discípulos e seguidores. 

 

III. Formador

Comecei a conhecer Vicente de Paulo como formador quando tinha 27 anos, porque meus superiores me pediram que eu fosse formador.

Vicente de Paulo fundou três grupos numerosos: As Damas da Caridade (Atualmente conhecidas como AIC – Associação Internacional de Caridades) – 1617; A Congregação da Missão – 1625; e as Filhas da Caridade – 1633. Além de tê-los fundado, ele teve a preocupação de formá-los. Redigiu as regras, fez inúmeras conferências e boa parte das cartas que escreveu tinham por tema a formação.

Vicente de Paulo foi um dos maiores reformadores do clero do século XVII. Sua influência sobre padres diocesanos e sobre futuros bispos da França foi enorme. Fundou 20 seminários nas últimas décadas de sua vida. Foi conselheiro do rei quando se tratava da escolha dos bispos. Os grandes personagens da espiritualidade de sua época participaram dos programas de formação que ele organizou. Durante sua vida fizeram retiro na Casa de Vicente de Paulo, mais de 12.000 padres.Algumas das imagens mais conhecidas de Vicente o representam instruindo as Damas da Caridade, os padres e as Filhas da Caridade. Estas imagens são importante porque refletem um aspecto central do caráter de Vicente de Paulo que as vezes esquecemos: Vicente de Paulo foi um extraordinário formador.

O que podemos falar de Vicente de Paulo como formador?

1. Talvez o mais importante seja o que ele mesmo disse falando sobre formação a um jovem, o padre Antônio Durand, a quem havia nomeado superior de um seminário: "Guiar almas é a arte das artes... Foi a profissão do Filho de Deus quando esteve na terra... Nem a filosofia, nem a teologia, nem os discursos tem influência sobre as almas. É essencial que Jesus Cristo esteja unido conosco intimamente e nós com ele. Que atuemos nele e ele em nós. Que falemos como ele e com seu Espírito, assim como ele esteve em seu Pai e pregou a doutrina que seu Pai lhe ensinou. Isto é o que ensina a escritura. Por isso é necessário para você que se esvazie de si mesmo para revestir-se de Jesus Cristo" (XI, 343). Não existem ideias melhores do que estas para formadores e para os que estão se formando.

2. Vicente de Paulo foi muito criativo para fazer novos programas de formação. A formação pede também hoje uma capacidade inventiva e criativa, uma nova pedagogia e o uso dos meios modernos de comunicação. É fundamental que o formador faça com que os formandos participem no processo de formação de modo que estes se convertam em agentes ativos de seu próprio processo de formação. Afinal de contas, são eles os que tem a responsabilidade primeira em serem bem formados. Espera-se que eles se convertam em "agentes multiplicadores", capazes de transmitir a outros os dons que eles próprio receberam. Os bons formadores devem saber como trabalhar não só com indivíduos senão também com grupos. Devem saber estimular os formandos para que se ajudem uns aos outros no processo de formação. 

 

IV. Contemplativo na Ação

Poucos santos tem sido tão ativos como São Vicente de Paulo. Foram tão impressionantes suas obras que em seu funeral o pregador disse: "Ele quase transformou o rosto da Igreja" (Sermão de Maupas du Tour). Porém, seus contemporâneos viam nele um homem de profunda oração. Um deles escreveu que "seu espírito estava continuamente atento à presença de Deus" (Louis Abelly). Um padre que o conhecia muito bem recorda que o viu uma vez contemplando durante horas um crucifixo que tinha em suas mãos.

A naturalidade com que Vicente de Paulo fala sobre a oração e a contemplação é um sinal de que ele transitava facilmente neste meio. Vicente de Paulo é muito eloquente quando fala de como ele vê Deus. Um ano e meio antes de sua morte, ele disse aos padres e irmãos: "A recordação da presença de Deus cresce na alma pouco a pouco e com a ajuda de sua graça se torna permanente em nós. Nos sentimos vivificados, por assim dizer, por esta presença divina. Meus irmãos, quantas pessoas no mundo que nunca perdem este sentido da presença de Deus" (XII 455).

O que podemos falar de Vicente de Paulo, o contemplativo na ação?

Pouco a pouco fui percebendo a união de oração e ação, tão evidente neste rosto de Vicente de Paulo, como uma das chaves mais importantes para compreender a espiritualidade vicentina. Vicente de Paulo estava totalmente convencido de que a oração e ação caminham juntas. Se deu conta de que separada da ação a oração pode tornar-se uma fuga, pode perder-se em fantasias e produzir falsas ilusões de santidade. Por outro lado, o serviço separado da oração pode ser algo muito superficial, pode ter um aspecto de agir mecânico, pode converter-se numa dependência, num atrativo que vicia. A espiritualidade apostólica é plenamente autêntica quando une oração e ação num equilíbrio saudável.

Vicente de Paulo enfatiza no amor prático e efetivo, porem insiste também com grande força na oração diária. De fato, na tradição espiritual vicentina a oração tem um papel de extrema importância. Em poucas coisas pôs tanta ênfase assim. Disse Vicente de Paulo falando sobre a oração: "Dá-me um homem de oração, e ele será capaz de tudo. Poderá dizer como o apóstolo: Tudo posso naquele que me conforta. A Congregação da Missão durará sempre que mantiver a prática da oração, que é como uma muralha inexpugnável que defenderá seus missionários contra todo tipo de ataques" (XI, 778).

Em outras palavras, considera a oração como essencial para os que estão comprometidos com o trabalho pelos Pobres. 

 

V. O homem mais amável de seu tempo

São Vicente de Paulo admirava enormemente Francisco de Sales, quem considerava a pessoa mais amável que havia conhecido. Aprendeu de tal modo com o exemplo de Francisco de Sales que ele mesmo adquiriu uma notável amabilidade e afabilidade, e teve uma admirável capacidade para tratar e para relacionar-se com todo tipo de pessoa (Louis Abelly, vol. III, cap. XII, p. 669).

Apesar de ser difícil retratar a amabilidade, muitos artistas tentaram. Escolhi este rosto de Vicente de Paulo porque cada vez estou mais convencido que devemos deixar-nos transformar pelo amor de Deus, como o fez Vicente de Paulo.

O que poderíamos dizer de Vicente de Paulo, o homem mais amável de seu tempo?

1. Uma espiritualidade genuína transformará nossa humanidade. Vicente de Paulo diz que quando era jovem era obstinado e se enfurecia facilmente. Tinha também uma tendência a permanecer muito tempo de mau humor. Porém, ao admitir estes aspectos em seu caráter, "voltei-me para Deus e pedi sem cessar que mudasse este meu modo rude e mal humorado de ser e que me concedesse um espírito calmo e amável. E pela graça de Deus e com um pequeno esforço de minha parte que fiz para controlar os movimentos de minha natureza, consegui mudar algo do meu mal humor". Vicente se expressa aqui com uma humildade sem tamanho. Seus contemporâneos deram testemunho de que Vicente de Paulo como adulto, havia se transformado num homem amável que tinha um modo afetuoso e atraente para relacionar-se com as pessoas.

2. Vicente soube unir a amabilidade com a compaixão, e disse que os discípulos de Jesus devem estar cheios de compaixão (XI, 771), sobretudo se levar em conta que somos chamados a servir os mais Pobres deste mundo, os mais abandonados e os que gemem agonizantes por males físicos e espirituais. Nos diz ainda que nossa santidade consiste em servir os Pobres com amor, doçura e compaixão, e que fomos chamados a servir os mais miseráveis (IX, 932).

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Estes são os cinco rostos de Vicente de Paulo. Existem outros, porque a personalidade de Vicente de Paulo era muito rica. Incentivo ao leitor que contemple estes rostos para conhecer e amar com mais profundidade este grande homem.Para concluir esta meditação sobre Vicente de Paulo, convido a você leitor a unir-se comigo nesta oração:

"Deus de bondade, faz-nos instrumentos de teu amor. Ajuda-nos a crescer no exercício da caridade, amável e compassivo como membros da Família Vicentina. Dá-nos força para que seguindo as pegadas de São Vicente de Paulo, possamos contemplar-te e servir-te na pessoa dos Pobres, para que um dia nos unamos contigo e com Eles em teu Reino. Isto te pedimos por Jesus Cristo Nosso Senhor. Amém!"

Fonte: Robert P. Maloney, CM. Publicado no site SOMOSVICENCIANOS em 27 de setembro de 2011. Traduzido do espanhol para o português por Joelson C. Sotem, CM em 22 de agosto de 2013. 

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