A vida humana sempre tem valor e dignidade
Em nome da "qualidade de vida" muitos querem aprovar procedimentos que a Igreja considera imorais (aborto, eutanásia, manipulação de embriões, inseminação artificial, etc.). Isso se dá porque se despreza a vida sobrenatural do ser humano, sua dimensão maior, por ser criado à imagem e semelhança de Deus. Perdeu-se a noção de vida eterna; não se crê mais numa vida espiritual e imortal. A visão mais reducionista e empobrecedora que se pode dar ao ser humano; é o seu aniquilamento; a mais terrível tragédia humana.
Muitos daqueles que defendem a eutanásia argumentam que ela é uma forma de "evitar o sofrimento", quando a vida não tem mais sentido, quando não se dispõe de "qualidade de vida", quando o velho e o doente já não produzem e estão gastando muito. Outros querem aprovar o aborto como uma forma de "qualidade de vida" para a gestante que não quer gerar o filho, mesmo que isso seja um assassinato, crime hediondo punido pela lei, pelo menos por enquanto.
Deve-se ter em conta, como nos ensina o Papa em sua Carta Encíclica "Fé e Razão" (n. 81), que um dos dados mais salientes da nossa situação cultural atual consiste na "crise de sentido". "Esta crise de sentido em parte está condicionada por algumas posturas "modernas" que acabam por reduzir o significado do termo "qualidade de vida", tornando-o ambíguo e contraditório. São elas o hedonismo, representado pela busca desenfreada do prazer; o individualismo, que exalta o indivíduo de modo absoluto e o pragmatismo, atitude mental própria de quem, ao fazer as suas opções, exclui o recurso a reflexão abstrata ou a avaliações fundadas sobre princípios éticos".
"Qualidade de vida", para muitos hoje, significa apenas ter conforto, beleza física, roupas de moda, produtos sofisticados, prazer, dinheiro, capacidade de consumir, numa vida egoísta e individualista que não se importa com os sofrimentos e carências dos outros. É um materialismo prático; um viver como se Deus não existisse.
Em 19 de fevereiro de 2005, quando do início dos trabalhos da Assembleia Anual da "Pontifícia Academia Para a Vida", no Vaticano, o Papa João Paulo II deixou uma mensagem sobre "A qualidade de vida e a ética da saúde". Nela, o saudoso Pontífice relembra que o significado da expressão "qualidade de vida" hoje é interpretada como eficiência econômica, consumismo desenfreado, beleza e prazer da vida física, esquecendo as dimensões mais profundas da existência, como são as interpessoais, espirituais e religiosas. No impulso da sociedade do bem-estar, a noção de qualidade de vida fica reduzida à capacidade de gozar e de experimentar o prazer.
Para que se tenha um entendimento correto do que seja qualidade de vida, no sentido antropológico e teológico da expressão, o Papa propôs dois aspectos. Um primeiro é que o que distingue cada criatura humana, a sua "qualidade essencial", imagem e semelhança do próprio Criador. A pessoa humana tem corpo e alma, por isso é "anos-luz" superior às demais criaturas que apenas têm corpo. O ser humano adquire esta dignidade desde o exato momento de sua concepção materna quando surge o embrião humano; e isso deve ser respeitado até a sua morte natural. E essa "qualidade" e "dignidade" realizam-se plenamente na dimensão da vida eterna. Na mensagem o Santo Padre afirma que "o homem deve ser reconhecido e respeitado em qualquer condição de saúde, de enfermidade ou de falta de habilidade".
O outro aspecto para o correto entendimento da expressão "qualidade de vida" é, em função da dignidade humana, a sociedade promover, em colaboração com a família e com os outros organismos, as condições para que cada um se desenvolva de maneira harmoniosa de acordo com as suas capacidades naturais. Quanto ao conceito de "saúde", esse também passou por deformações. O Pontífice nos lembra que quando falamos de saúde desejamos fazer referência a todas as dimensões da pessoa, na sua unidade harmônica e recíproca: a dimensão corpórea, psicológica, espiritual e moral.
Nessa sua mensagem também afirmou que a saúde não é um bem absoluto, quando é compreendida numa concepção redutiva e deturpada, como um bem físico, idealizado a ponto de limitar ou descuidar os bens superiores, alegando-se motivos de saúde até mesmo na rejeição da vida nascente ou no seu término. E insiste que a vida, a saúde, a qualidade e a dignidade da pessoa humana não podem ser reduzidas a sua dimensão física.
E nos ensina que a vida humana tem valor e dignidade qualquer que seja a condição em que a pessoa esteja e, mesmo enferma e debilitada, tem um papel a cumprir enquanto lhe restar um sopro de vida. Mesmo desfigurado, maltratado e carente, cada ser humano é um filho de Deus. Essa é a diferença.
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