Um filho que nasce não deveria ser uma fatalidade
Santo Agostinho, neste processo de transformação do coração, vem em nosso auxílio com seu ensinamento e o seu exemplo. Longe do puritanismo dos hereges, o Doutor de Hipona aceita plena e humildemente o Criador e compreende que é seu dever de cristão considerar Suas obras boas. É com este olhar humilde que ele contempla a realidade do matrimônio e descobre nela um tríplice valor. Trata-se das três bondades (tria bona) do matrimônio.
Esta bondade é dividida em três partes: a fé, a prole, o sacramento. Na [parte da] fé toma cuidado para que, fora do vínculo do casal, não tenham relações com outra ou com outro. Na prole, para que os filhos sejam recebidos com amor, nutridos com bondade e educados religiosamente. No sacramento para que o enlace não se desfaça e o repudiado ou a repudiada se una a outra pessoa, nem mesmo por causa da prole. Esta é como que a regra do matrimônio, pela qual a fecundidade da natureza é ornada, ou a perversidade de incontinência é norteada.
Nota-se, deste modo, que o valor do matrimônio não se encontra apenas na procriação. Se o matrimônio fosse apenas para a procriação, poderíamos compará-lo com um viveiro ou um canteiro artificial onde a única finalidade das pobres plantinhas é "crescer e se multiplicar", aglomeradas naquele espaço acanhado. Se assim o fosse, o casamento seria um lugar asfixiante! Ao contrário, o matrimônio é um jardim. É neste ambiente airoso, onde brotam igualmente a flor e a erva daninha, que somos chamados a colher o fruto da vida. Um filho que nasce não deveria ser uma fatalidade, mas a celebração de uma vida que antes já existia: uma vida a dois, uma comunidade de vida e de amor que não pode ser rompida. Para expressar a união destas duas vidas, Santo Agostinho usou a palavra fides – fé, fidelidade matrimonial.
Ora, esta união é o pressuposto para que possam surgir os filhos (prolis). E a razão é evidente: um filho, que é para sempre, tem direito a ter um pai e uma mãe, para sempre.
E Santo Agostinho não para por aí. Todas as expressões de união física do casal (o contato sexual, a comunidade de vida, os filhos, a partilha dos bens etc.) seriam superficiais, se não fossem precedidas por uma união espiritual (sacramentum). No matrimônio, duas pessoas celebram uma aliança em Cristo Jesus que, selada pela graça do Espírito Santo, tem em vista o Reinado de Deus Pai.
Iluminados por este ensinamento, podemos perceber que quando a união sexual é vivida fora do seu contexto espiritual, o ser humano parece que é mutilado. Transformar o prazer sensível na única finalidade do sexo é perverter a relação do homem com Deus, consigo mesmo e com o seu próximo.
(Trecho do livro "Um olhar que cura - Terapia das doenças espirituais" – pag. 91,92,93).